FLEURY, Sonia
ARTIGOS DE OPINIÃO / OPINION ARTICLES
Seguridade Social: a agenda pendente
Social Security: incomplete agenda
Sonia Fleury1
1
Professora da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), membro do Conselho
de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) do governo Lula
e-mail: [email protected] Homepage: www.ebape.fgv.br/pp/peep
A imunidade contra a indigência é algo que não se pode regalar nem impor a uma democracia. É algo
que esta tem que ganhar por si mesma. Para consegui-la se necessita coragem e fé, ao mesmo tempo que um
sentido de unidade nacional: coragem para enfrentar os fatos e as dificuldades e vencê-los; fé em nosso
futuro e nos ideais de um jogo limpo e de liberdade, pelos quais nossos antepassados estiveram dispostos
a morrer um século atrás do outro; um sentido de unidade nacional que se sobreponha a qualquer classe
ou setor da população.
BEVERIDGE, Informe de 1942
BREVE HISTÓRICO DA PROTEÇÃO SOCIAL
organizados e consolidados entre as
as relações de poder na institucio-
décadas de 1930 e 1940, como parte
nalidade do aparato administrati-
As políticas sociais brasileiras
do processo mais geral de constru-
vo, seja ele voltado para a imple-
desenvolveram-se, a partir do início
ção do Estado moderno, intervencio-
mentação do projeto econômico,
do século passado, por um período
nista e centralizador, após a revolu-
seja ainda responsável pela repro-
de cerca de 80 anos, configurando
ção de 1930. Datam desta época a
dução da força de trabalho e incor-
um tipo de padrão de proteção so-
criação dos Institutos de Aposenta-
porador das demanda políticas dos
cial só alterado com a Constituição
doria e Pensões (IAP) em substitui-
grupos subalternos. A opção por
Federal de 1988. O sistema de prote-
ção às Caixas de Aposentadorias e
um dado formato de política social,
ção social brasileiro, até o final da
Pensões (CAP), a Legião Brasileira de
que se cristaliza na combinação de
década de 1980, combinou um mode-
Assistência (LBA), o Ministério da
modelos distintos para diferentes
lo de seguro social na área previden-
Educação e Saúde, o Serviço Especi-
segmentos dos trabalhadores, indi-
ciária, incluindo a atenção à saúde,
al de Saúde Pública (S ESP).
ca o lugar que cada um deles ocu-
com um modelo assistencial para a
A construção do Estado nacio-
pa em uma dada correlação de for-
população sem vínculos trabalhistas
nal é um processo sempre inacaba-
ças, além das tendências internaci-
formais. Ambos os sistemas foram
do, no qual vão sendo desenhadas
onalmente preponderantes.
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Seguridade Social: a agenda pendente
As diferenças entre o modelo de
Como os direitos sociais estão con-
cação universitária e secundária e
seguro social aplicado à Previdên-
dicionados à inserção dos indiví-
a atenção hospitalar).
cia Social e o modelo assistencial
duos na estrutura produtiva, Wan-
Em meados da década de 1970,
são conhecidos (FLEURY, 1994).
derley G. dos Santos (1979) denomi-
a luta pela democratização das po-
nou a relação como de cidadania re-
líticas adquire novas característi-
gulada pela condição de trabalho.
cas e estratégias. Antes confinada
• No modelo assistencial, as
ações, de caráter emergencial, estão
às universidades, aos partidos
dirigidas aos grupos de pobres mais
No período da democracia popu-
vulneráveis; inspiram-se em uma
lista (1946-1963), a expansão do sis-
perspectiva caritativa e reeducado-
tema de seguro social fez parte do
ra; organizam-se com base na asso-
jogo político de intercâmbio de be-
ciação entre trabalho voluntário e
nefícios por legitimação dos gover-
políticas públicas; estruturam-se de
nantes, beneficiando de forma dife-
forma pulverizada e descontínua,
rencial os grupos de trabalhadores
gerando organizações e programas
com maior poder de barganha. Este
muitas vezes superpostas. Embora
fenômeno ficou conhecido como
permitam o acesso a certos bens e
‘massificação de privilégios’ e im-
serviços, não configuram uma rela-
sociais, buscando aproveitar a cri-
plicou o aprofundamento da crise
ção de direito social, tratando-se de
se financeira e do modelo das polí-
financeira e de administração do sis-
medidas compensatórias que termi-
ticas sociais para introduzir elemen-
tema previdenciário.
tos de transformação; em terceiro
clandestinos e aos movimentos sociais, passa cada vez mais a ser
localizada no interior do próprio
estado. Primeiramente, a partir das
experiências inovadoras desenvolvidas pelas prefeituras oposicionistas eleitas em 1974; em segundo
lugar, no interior dos órgãos centrais, responsáveis pelas políticas
nam por ser estigmatizantes. Por
A inflexão que vão sofrer os sis-
isso, denomino a esta relação como
lugar, há um fortalecimento das
temas e mecanismos de proteção
de ‘cidadania invertida’, na qual o
capacidades técnicas dos partidos
social a partir da instauração do
indivíduo tem de provar que fracas-
políticos e do parlamento, que pas-
regime burocrático-autoritário em
sou no mercado para ser objeto da
sam a tomar a problemática social
1964 obedeceu a quatro linhas mes-
proteção social (FLEURY, 1997).
como parte de suas plataformas e
tras: a centralização e concentração
projetos de construção de uma so-
• No modelo de seguro social, a
do poder em mãos da tecnocracia,
ciedade democrática.
proteção social dos grupos ocupa-
com a retirada dos trabalhadores do
O resgate da dívida social passa
cionais estabelece uma relação de di-
jogo político e da administração das
a ser um tema central da agenda da
reito contratual, na qual os benefíci-
políticas sociais; o aumento de co-
democracia, convergindo para ele
os são condicionados às contribui-
bertura, incorporando, de modo pre-
movimentos de natureza diversa.
ções pretéritas e à afiliação dos indi-
cário, grupos antes excluídos, as
Este processo intensifica-se na déca-
víduos a tais categorias ocupacionais
empregadas domésticas, os traba-
da de 1980, por meio do surgimento
que são autorizadas a operar um
lhadores rurais e os autônomos; a
de um rico tecido social emergente a
seguro. A organização altamente
criação de fundos e contribuições
partir da aglutinação do novo sindi-
fragmentada dos seguros expressa a
sociais como mecanismo de autofi-
calismo e dos movimentos reivindi-
concepção dos benefícios como pri-
nanciamento dos programas sociais
catórios urbanos, da construção de
vilégios diferenciados de cada cate-
(FGTS, PIS-PASEP, F INSOCIAL , FAS, Sa-
uma frente partidária de oposição, e
goria, como resultado de sua capa-
lário-Educação); a privatização dos
da organização de movimentos seto-
cidade de pressão sobre o governo.
serviços sociais (em especial a edu-
riais capazes de formular projetos de
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reorganização institucional, como o
mos mais solidários e redistributi-
Este novo modelo foi expresso
Movimento Sanitário.
vos. Os benefícios passam a ser con-
nos princípios organizadores da Se-
Toda esta efervescência democrá-
cedidos a partir das necessidades,
guridade Social: universalidade da
tica foi canalizada para os trabalhos
com fundamentos nos princípios da
cobertura e do atendimento; uni-
da Assembléia Nacional Constituinte,
justiça social, o que obriga a esten-
formidade e equivalência dos bene-
iniciados em 1987. Em boa medida,
der universalmente a cobertura e in-
fícios e serviços às populações ur-
a construção de uma ordem institu-
tegrar as estruturas governamentais.
banas e rurais; seletividade e distri-
cional democrática supunha um re-
A Constituição de 1988 avançou
butividade na prestação dos benefí-
ordenamento das políticas sociais que
em relação às formulações legais
cios e serviços; irredutibilidade do
respondesse às demandas da socie-
anteriores, ao garantir um conjunto
valor dos benefícios e serviços; eqüi-
dade por maior inclusão social e eqüi-
de direitos sociais, expressos no
dade na forma de participação do
dade. Projetada para o sistema de
capítulo da Ordem Social, inovando
custeio; diversidade da base de fi-
políticas sociais como um todo, tal
ao consagrar o modelo de Seguri-
nanciamento e; gestão quadriparti-
demanda por inclusão e redução das
dade Social como “um conjunto in-
te, democrática e descentralizada,
desigualdades adquiriu as concretas
tegrado de ações de iniciativa dos
com participação dos trabalhadores,
conotações de afirmação dos direitos
Poderes Públicos e da sociedade,
dos empregadores, dos aposentados
sociais como parte da cidadania.
destinadas a assegurar os direitos
e do governo em órgãos colegiados.
relativos à saúde, à previdência e à
Além disso, introduziu a noção de
assistência social7” (Título VIII, Ca-
uma renda de sobrevivência, de ca-
pítulo II, Seção I, art. 194). A inclu-
ráter não contributivo, ao assegu-
são da previdência, da saúde e da
rar um benefício financeiro de pres-
A Constituição Federal de 1988
assistência como partes da seguri-
tação continuada para idosos e de-
representa uma profunda transfor-
dade social, introduz a noção de di-
ficientes incapazes de trabalhar.
mação no padrão de proteção so-
reitos sociais universais como par-
O modelo de seguridade social
cial brasileiro, consolidando, na lei
te da condição de cidadania, sendo
foi originalmente proposto por Be-
maior, as pressões que já se faziam
que antes eram restritos à popula-
veridge, que o definiu, em seu infor-
sentir há mais de uma década. Inau-
ção beneficiária da previdência.
me de 1942, como “a manutenção
SEGURIDADE SOCIAL: O PADRÃO
CONSTITUCIONAL DE 1988
gura-se um novo período, no qual o
O novo padrão constitucional da
dos ingressos necessários à sobrevi-
modelo da seguridade social passa
política social caracteriza-se pela uni-
vência” (1987, p. 73). Tratava-se de
a estruturar a organização e o for-
versalidade na cobertura, o reconhe-
um plano de seguros sociais fun-
mato da proteção social brasileira,
cimento dos direitos sociais, a afir-
damentado em seis princípios funda-
em busca da universalização da ci-
mação do dever do Estado, a subor-
mentais: “uniformidade da taxa do
dadania. No modelo de seguridade
dinação das práticas privadas à re-
benefício de subsistência; uniformi-
social busca-se romper com as no-
gulação em função da relevância pú-
dade da taxa de contribuição; unifi-
ções de cobertura restrita a setores
blica das ações e serviços nestas áre-
cação da responsabilidade adminis-
inseridos no mercado formal e
as, uma perspectiva publicista de co-
trativa; suficiência do benefício; am-
afrouxar os vínculos entre contribui-
gestão governo/sociedade, um arran-
plitude e classificação”(1987, p. 73).1
ções e benefícios, gerando mecanis-
jo organizacional descentralizado.
Sua proposta previa um benefício
1
As pessoas em idade de trabalhar foram classificadas em empregados, pessoas com ocupação lucrativa, donas-de-casa, desempregados.
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Seguridade Social: a agenda pendente
único universal para aposentadori-
requer uma base de cálculo atuarial
tir do nível central em direção ao
as, pensões e desemprego, corres-
para garantir sua sustentabilidade
nível local e a partir do Estado em
pondente a um mínimo vital, a ser
não a separa do modelo solidário e
direção à sociedade. A ênfase na
assegurado pelo sistema público,
distributivo da Seguridade Social,
participação da sociedade é um as-
seja porque o beneficiário cumpriu
pois o espírito da Constituição de
pecto muito salientado no texto
as condições de tempo de contribui-
1988 é assumir que a contribuição
constitucional, refletindo uma res-
ção, seja em casos de necessidade,
requerida não é, necessariamente,
posta às reivindicações dos movi-
quando o beneficiário receberia um
feita sobre o salário do trabalhador.
mentos sociais em toda a década de
benefício assistencial depois de com-
Neste sentido, os princípios orien-
1980, bem como às formulações dos
provada a ausência de recursos.
tadores da seguridade social não se
grupos reformistas na área de saú-
Além disto previa a “provisão de
aplicam de igual modo a todos os
de, ao longo dos anos de ditadura.
cuidados médicos, que abarquem a
setores, sendo a universalidade da
A originalidade da Seguridade
totalidade das necessidades, a todos
cobertura e do atendimento o eixo do
Social brasileira está dada em seu
os cidadãos, mediante um serviço
novo sistema de saúde, a uniformi-
forte componente de reforma do Es-
nacional de saúde” (1987, p. 78).
dade e equivalência dos benefícios e
tado, ao redesenhar as relações en-
Previa a fundação de um Ministério
sua irredutibilidade a base da refor-
tre os entes federativos e ao instituir
da Seguridade Social, responsável
ma da previdência social e a seleti-
formas concretas de participação e
pelos seguros sociais e assistência,
vidade e distributividade o princípio
controle sociais, com mecanismos de
ainda que o serviço nacional de saú-
orientador da política de assistência
articulação e pactação entre os três
de fosse organizado pelos departa-
social. No entanto, apesar de haver
níveis de governo. A organização dos
mentos correspondentes.
maior adaptabilidade de princípios
sistemas de proteção social deveria
Beveridge reafirma o princípio
às áreas, a sua integração sob o
adotar o formato de uma rede des-
contributivo de propiciar benefícios
mesmo conceito de seguridade soci-
centralizada, integrada, com coman-
como direito em troca de contribui-
al supunha uma contaminação posi-
do político único e um fundo de fi-
ções, já que as políticas assisten-
tiva entre os três componentes.
nanciamento em cada esfera gover-
ciais seriam residuais, pois a ten-
O padrão constitucional da pro-
namental, regionalizada e hierarqui-
dência ao pleno emprego é condição
teção social inovou, mesmo em re-
zada, com instâncias deliberativas
indispensável para o sucesso de
lação ao modelo original da seguri-
que garantissem a participação pa-
dade social, na organização dos se-
ritária da sociedade organizada, em
Já nossa proposta de seguridade
tores componentes da seguridade
cada esfera governamental.
articulou três sistemas preexistentes,
social, subordinando-os a dois prin-
O modelo constitucional ficou
regidos por lógicas diversas: a saú-
cípios básicos: a participação da
caracterizado pelo desenho dos sis-
de pela necessidade, a previdência
sociedade e a descentralização polí-
temas de políticas sociais de saúde
pela condição de trabalho e a assis-
tico-administrativa. Ou seja, o novo
e de assistência de forma descen-
tência pela incapacidade. O entendi-
formato das políticas sociais deve-
tralizada e participativa. No caso da
mento de que a Previdência é um sis-
ria aprofundar o duplo movimento
Previdência, este modelo não se apli-
tema contributivo (art. 201) e que
de democratização, qual seja, a par-
cava completamente, dado a resis-
qualquer política social.
2
2
“O que disse com caráter geral e não em detalhe foi não que meu plano seja impraticável se existe desocupação em larga escala, senão que
nenhum plano de seguro social é satisfatório se existe desocupação em massa” (1987, p. 168).
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FLEURY, Sonia
tência à descentralização, embora
Além disso, a adoção de um
faturamento das empresas (COFINS).
tenha sido criado também um con-
modelo solidário e redistributivo
Tal sistemática de financiamento não
selho no qual os beneficiários e con-
implicou no imediato aumento das
foi criada por acaso, pois buscava
tribuintes têm assento, em resposta
despesas, como por exemplo, ao
mecanismos de solidariedade e de
à grande mobilização dos aposen-
duplicar o valor dos benefícios ru-
estabilização do sistema, na tenta-
tados e dos sindicatos.
rais com sua equivalência ao salá-
tiva de romper com a arraigada no-
Em termos organizacionais, o Mi-
rio mínimo urbano. A mesma linha
ção do seguro social, de que existe
nistério da Saúde absorveu, por fim,
de raciocínio pode ser aplicada à
uma relação inexorável entre con-
a rede de serviços de atenção à saúde
população urbana, já que se fez ne-
tribuição e benefício.
3
da Previdência (INAMPS) e passou a ser
o único responsável por todos os serviços de saúde, com exceção do benefício de auxílio-doença. O Ministério da Previdência e Assistência So4
cial ficou responsável pelas duas
áreas, mas foram transferidos para a
área de Assistência Social todos os
benefícios assistenciais da Previdên5
cia (renda mensal vitalícia, auxílionatalidade e auxílio-funeral) além do
novo benefício de prestação continuada, e o papel de atribuir o caráter de filantropia às instituições, o
que lhes garante isenção das contribuições previdenciárias.
Os Constituintes preocuparam-se
cessária a adoção de um perfil de
financiamento mais estável em um
quadro marcado pela precariedade
das relações de trabalho.
Para tanto, foram diversificadas
as fontes de financiamento, e a
Constituição estabeleceu que
A concretização deste modelo de
Seguridade Social se realizaria com
a criação do Orçamento da Seguridade Social, modalidade de integração, nunca implementada, de todos
os recursos oriundos das distintas
fontes, a serem distribuídos entre os
a seguridade social será financiada por
toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante
recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios, e das contribuições sociais:
três componentes: saúde, previdên-
I – dos empregadores, incidente
sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
fontes de financiamento em relação
II – dos trabalhadores;
cia e assistência. No entanto, a CF/
88 não estabeleceu o modo de operação deste mecanismo, o que permitiu que, quase imediatamente,
houvesse uma especialização das
ao destino, ao arrepio da lei. Como
a Previdência era a arrecadadora das
contribuições, reservou para si a
III – sobre a receita de concursos
de prognósticos. (art. 195)
folha de salários, e foram atribuí-
de contribuição sobre a folha de sa-
Desta forma, buscou-se integrar
buições sobre o lucro (FINSOCIAL e,
lários havia se demonstrado pró-cí-
contribuições sobre salários realiza-
depois, CSLL) – questionadas juri-
clica, inviabilizando as finanças pre-
das por empregados, empregadores
dicamente como bi-tributação pelos
videnciárias nos momentos de crise
e autônomos; contribuições sobre o
empresários até 1993 –, e à assis-
econômica, quando a população
lucro líquido das empresas financei-
tência foram destinados os recursos
apresenta mais demandas.
ras (CSLL) e contribuições sobre o
sobre o faturamento (COFINS).
em reduzir a vulnerabilidade do sistema de seguridade social, cuja base
3
dos à Saúde os recursos das contri-
Lei 8.689, de 1993.
4
O MPAS, com um interregno entre 1990/92, durou até 2003, quando a Assistência Social ganhou o estatuto de Ministério da Assistência e
Promoção Social.
5
A RMV foi instituída pela Lei 6.179/74 e extinta em 1991, pela Lei 8.213, que estipulou dezembro de 1995 como limite para a solicitação
dos benefícios.
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Seguridade Social: a agenda pendente
A arena política onde se trava-
país vivia o auge de uma forte crise
oriundas dos negócios privados e a
ram as lutas e negociações entre os
fiscal, inflacionária e política, que
retirada do Estado da provisão de
diferentes atores políticos foi o Con-
desaguou no impeachment do en-
serviços, foi fortemente indicada
gresso Nacional, na forma de Assem-
tão presidente Fernando Collor, ob-
pelas agências internacionais como
bléia Nacional Constituinte. Neste
servou-se a inflexão na forma de
a solução capaz de devolver ao país
sentido, partidos políticos e congres-
encaminhamento das discussões em
os níveis de crescimento social e
sistas foram atores privilegiados,
torno da Previdência brasileira. A
econômico alcançados no passado.
canalizando para seu espaço as
nova agenda incorporou uma inten-
É na esteira do discurso reformista,
pressões dos diferentes grupos de
sa discussão pública em torno da
de cunho marcadamente neoliberal,
interesse, incluindo a burocracia
sustentabilidade financeira do sis-
ditado pela orientação ortodoxa na
previdenciária, os movimentos so-
tema em virtude das significativas
economia nos últimos anos, que se
ciais, as centrais sindicais, as re-
mudanças no mundo do trabalho,
desenvolveram os debates acerca da
presentações empresariais, as as-
fatores de natureza demográfica,
necessidade de reorganização do
sociações profissionais como a ANFIP
além do crescimento dos questiona-
modelo de seguridade.
e as que representavam os benefi-
mentos em relação à generosidade
A regulamentação dos novos
ciários. O arcabouço legal da Se-
do sistema, à manutenção de privi-
dispositivos constitucionais rela-
guridade Social seria completado
légios para alguns setores e suas
tivos à seguridade social foi bas-
com a promulgação das leis orgâ-
distorções gerenciais.
tante conflitiva. As leis orgânicas
nicas, em cada setor, que por fim
Em toda a América Latina e, em
desta área foram promulgadas
definiriam as condições concretas
particular, no Brasil vivia-se, neste
após um processo intenso de con-
pelas quais estes princípios consti-
momento, uma grave crise econô-
flitos e barganhas, e em um con-
tucionais e diretivas organizacio-
mica que exigia uma série de refor-
texto político em que o Executivo
nais iriam materializar-se.
mas, algumas profundas. Como
era abertamente hostil ao seu con-
No entanto, a correlação de for-
diagnóstico da crise, apresentava-
teúdo reformista original.
ças que favorecera a promulgação
se o elevado endividamento públi-
Todas as leis orgânicas 6 – da saú-
deste modelo constitucional havia
co, decorrente da incapacidade es-
de, previdência e assistência – tive-
mudado e a promulgação das leis
trutural do Estado de gerar poupan-
ram de ser negociadas nesta nova
orgânicas só foi possível graças à
ça interna necessária ao desenvol-
conjuntura desfavorável, e sua mai-
rearticulação das forças reformistas,
vimento sustentável do país. Uma
or ou menor correspondência com
para pressionar e negociar com um
política reformista, que incluiu a
os preceitos constitucionais foi fru-
governo de orientação claramente
privatização do patrimônio do Es-
to da capacidade política de resis-
centralizador e liberal. A partir do
tado, a reforma administrativa in-
tência às tendências de privatização,
início da década de 1990, quando o
troduzindo práticas gerenciais
recentralização, capitalização e fo-
6
Na área de saúde, foram finalmente promulgadas as Leis 8.080 e 8.142 de 1990, que regulam as ações, a organização e o funcionamento
dos serviços e dispõem sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), sobre a alocação dos recursos
financeiros e sobre a estrutura dos conselhos e das conferências de saúde. Na área de previdência, as inovações constitucionais foram
regulamentadas pela Lei 8.212/91, intitulada Lei Orgânica da Seguridade Social, mas que apenas estabelece o Plano de Custeio da Previdência
Social e pela Lei 8.213/91, que estabelece o Plano de Benefícios da Previdência Social. A Lei Orgânica da Assistência Social (L OAS) demorou
cinco anos para ser promulgada (Lei 8.742/93), instituindo o Conselho Nacional de Assistência Social, responsável pela política nacional e
pela gestão do fundo nacional de assistência social (RACHELIS, 1998).
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FLEURY, Sonia
calização que ameaçaram a implan-
trativo, desde que a legislação or-
Algumas considerações sobre o
tação da seguridade social. A mai-
dinária separou as três áreas com-
que significou a Seguridade Social
or fragilidade se fez sentir na área
ponentes, nem do ponto de vista fi-
em termos de continuidades e rup-
de assistência social, em função da
nanceiro, já que houve uma pro-
turas com nosso padrão de incorpo-
baixa capacidade de reivindicação
gressiva especialização das fontes,
ração de demandas sociais podem
dos usuários destes benefícios, ape-
que se acentuará no período seguin-
ser colocadas para o debate:
sar do forte movimento dos profis-
te (VIANNA, 2003).
• a Seguridade Social represen-
sionais da área, o que resultou na
A nosso ver, a Seguridade So-
aprovação da lei orgânica (LOAS )
cial, como princípio reitor da prote-
apenas em 1993. Os critérios para
ção social, consagrado na CF/88,
obtenção do benefício de prestação
não foi concluído organizacional,
continuada (BPC/LOAS, no valor de
financeiramente ou em relação ao
um salário mínimo) foram definidos
padrão de benefícios e à cobertura.
de forma tão restritiva que o benefí-
No entanto, segue como norteador
cio tornou-se focalizado em exces-
dos movimentos e lutas sociais,
a cobertura da Previdência Social
so, atendendo exclusivamente popu-
atravessando a burocracia pública,
fica limitada pelo tamanho do mer-
lações de alto risco social.7 Para seus
na defesa dos direitos sociais uni-
cado formal de trabalho (em 2002,
críticos, a introdução da Segurida-
versais, tendo demonstrado sua ca-
a previdência cobria apenas 45% dos
de Social como preceito constitucio-
pacidade de resistência às conjun-
trabalhadores), a Assistência é limi-
nal inviabiliza financeiramente a
turas mais adversas.
tada pelos restritivos critérios de
e flexibilizadas as condições de aces-
processo de ampliação da cobertura que vinha se processando durante todo o século XX, ainda que, não
se tenha alcançado a universalização das políticas sociais. Enquanto
inclusão e pela escassez de recur-
Previdência Social, pois foram aumentados os valores dos benefícios
tou uma continuidade em termos do
SEGURIDADE SOCIAL:
CONTINUIDADES E RUPTURAS
sos disponíveis. Já a universalização legal da condição de beneficiário do sistema de Saúde foi uma
so aos benefícios, não houve vinculação de benefícios com contribui-
Passados 15 anos da promulga-
ruptura com o modelo de saúde pre-
ções e também separação entre as
ção da Constituição Federal de 1988
videnciário, ficando apenas limita-
contas da Previdência e Assistência
(CF/88), já alterada por quarenta
da pelas condições de acesso e uti-
(VELLOSO, 1999).
Emendas Constitucionais8 e ainda
lização dos serviços, cuja rede con-
Para alguns dos defensores do
em debate de novas reformas cons-
centrada, e muitas vezes sucateada,
conceito de Seguridade Social, esta
titucionais, parece ser o momento
é incapaz de atender à demanda. A
já não tem mais existência nem do
adequado para fazer um balanço
auto-exclusão dos setores de classe
ponto de vista formal nem adminis-
sobre nossa Seguridade Social.
média dos serviços de menor custo
7
Em relação à renda – renda mensal familiar per capita abaixo de 1/4 de salário mínimo – ou idade – acima de 67 anos – ou incapacidade
para vida independente e para o trabalho – incapaz de escovar os dentes –, além de não se aplicar a pessoa em cuja família exista algum
beneficiário de outro programa da Previdência Social ou do seguro-desemprego.
8
A primeira iniciativa reformista veio em 1991, com o envio do Emendão, no governo Collor. Suas propostas liberais foram paralisadas no
Congresso, tendo apenas aprovado duas emendas, uma que limitava o salário dos deputados estaduais e vereadores e outra que antecipou
em cinco meses o plebiscito sobre o sistema de governo. No governo Itamar Franco foram aprovadas duas emendas. Fernando Henrique
Cardoso retomou as idéias liberais de Collor e, em apenas oito meses, alterou profundamente a ordem econômica. Em seu governo foram
aprovadas 35 emendas à Constituição.
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Seguridade Social: a agenda pendente
não se repete, no entanto, com rela-
realizado, considerado socialmente
xistente, para além da abordagem
ção aos serviços de alta complexi-
necessário, e não apenas retribuição
disciplinar ou dos enfoques especí-
dade e aos custosos tratamentos das
em base à contribuição financeira
ficos que caracterizam as áreas de
enfermidades crônicas;
individualmente efetuada. Esta mu-
saúde, previdência e assistência,
dança é crucial para garantir a con-
gerando um novo objeto da produ-
tinuidade das aposentadorias que
ção de conhecimentos e formação
são subsidiadas, como a dos traba-
profissional. O campo das políticas
lhadores rurais, bem como abre a
sociais, ainda que cada vez mais
possibilidade de introdução de no-
politicamente identificado como
vos benefícios relacionados ao tra-
ações de combate à pobreza, ganha
balho não remunerado;
estatuto acadêmico de campo mul-
• a Saúde, Previdência e Assistência já se encontravam sob o mesmo marco institucional desde a década de 1970 (com a criação do
MPAS), mas sua integração sob a
Seguridade Social significou uma
ruptura com a condição anterior de
tidisciplinar de produção/difusão de
subordinação das outras áreas ao
• a não-operacionalização do
modelo de seguro previdenciário,
Orçamento da Seguridade Social sig-
que permitia, por exemplo, o per-
nificou uma continuidade no insu-
manente questionamento acerca da
lamento das finanças das áreas com-
compatibilidade do benefício de saú-
ponentes da Seguridade Social.
• a constituição da Seguridade
de no interior da previdência, já que
Como conseqüência, cada área bus-
Social como um campo de práticas
não havia vinculação entre benefí-
cou definir uma fonte cativa de fi-
políticas evidencia-se na emergên-
cio e contribuição. A área de Assis-
nanciamento, terminando por cons-
cia de novos atores políticos, como
tência ganhou estatuto de direito
titucionalizar estas vinculações, o
os Conselhos de Secretários Muni-
social e institucionalidade constitu-
que impede a integração efetiva das
cipais de Saúde (CONASEMS) e de Se-
cionalmente garantida pela primei-
ações da Seguridade. A tendência ao
cretários Estaduais de Saúde (CO -
ra vez em nossa história;
insulamento ultrapassou o âmbito
NASS )
do financiamento, manifestando-se
Auditores Fiscais da Previdência
na inexistência de qualquer outro
(ANFIP ), que rompem com dualida-
mecanismo integrador das políticas
de tecnocracia/clientelismo como
nas três áreas, com grande prejuízo
únicas formas de atuação tecno-po-
de possíveis sinergias e ganhos em
lítica nas áreas sociais. Novas prá-
eficiência e eficácia. O temor à cria-
ticas políticas, inauguradas com os
ção de um super ministério da Se-
processos de participação e contro-
guridade Social fez com que hou-
le social, como os Conselhos e as
vesse uma rejeição, desde a ANC, à
Conferências nas áreas de saúde e
busca de formas mais orgânicas de
assistência, desenham novas mo-
atuação envolvendo a previdência,
dalidades de relação Estado/socie-
saúde e assistência;
dade, com forte impacto no proces-
• houve ruptura ao assegurar o
mesmo estatuto de política social às
três áreas, introduzindo-se a noção
de direitos sociais a serem garantidos como dever do Estado, o que distanciou as ações assistenciais das
meras medidas correcionais e da filantropia. Na área de saúde, a ação
estatal passa a ser responsável também pelas medidas curativas, não se
limitando mais, legalmente, às tradicionais campanhas de saúde pú-
saber e prática política, cujo arcabouço teórico está fundado na teoria da cidadania;
e a Associação Nacional de
so de produção das políticas públi-
blica. Na previdência, onde já havia
• apesar da não integração insti-
a noção de direito contratual, há a
tucional destas políticas, a criação
introdução da perspectiva de direito
da Seguridade Social inaugura um
• desde a Assembléia Nacional
universal de retribuição ao trabalho
campo de conhecimento antes ine-
Constituinte, o Congresso Nacio-
cas e construção da cidadania;
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FLEURY, Sonia
nal qualifica-se como sendo o fórum
torial e mesmo o das políticas soci-
naquele orçamento setorial. Em de-
privilegiado de convergência dos
ais, esta proposta de pacto federati-
corrência, o que vem ocorrendo é
interesses no campo das políticas
vo tende a expandir-se e ser adota-
que, de superavitária a Seguridade
sociais. A criação da Comissão de
da em outras áreas, como, recente-
Social passou assim a ser, cronica-
Seguridade Social dá continuidade
mente, no desenho do sistema úni-
mente, deficitária;9
a este processo de formação de uma
co de segurança;
elite de congressistas especializados
• no campo das políticas assis-
• as reformas constitucionais ti-
tenciais houve também ruptura com
veram o intuito de dar tratamento
o modelo constitucional, materiali-
fiscal às políticas sociais, omitindo
zado na estrutura descentralizada e
qualquer referência ao conceito de
participativa regulamentada pela le-
Seguridade Social. Além de vincu-
gislação ordinária (LOAS) com a cria-
lar recursos às áreas de previdên-
ção de programas vinculados à Pre-
cia e saúde as emendas constitucio-
sidência da República (como o Pro-
nais alteraram as condições de aces-
grama Comunidade Solidária e ago-
so aos benefícios previdenciários,
ra o Programa Fome Zero), que in-
introduziram um teto máximo, bem
troduziram a perspectiva de refilan-
como redefiniram a estrutura dos
tropização da política assistencial. À
regimes geral, próprio, militar e com-
margem da Seguridade Social, tais
plementar. No entanto, as principais
programas focalizados, de eficácia
sabotagens à Seguridade Social fo-
duvidosa, passam a ser identificados
ram impetradas no campo financei-
como marcas políticas dos governos,
ro, com as sucessivas apropriações
desvinculando os benefícios assisten-
dos recursos oriundos das contribui-
ciais da condição de cidadania. Já os
• a ruptura introduzida com o
ções sociais para outros fins, seja
parcos recursos para os Benefícios
modelo de organização do Sistema
para pagamento dos Encargos Pre-
de Prestação Continuada (BPC) e a
Único de Saúde (SUS), representou
videnciários da União (EPU), a Des-
pouca ênfase dada à eficácia dos
um novo desenho de relações entre
vinculação das Receitas da União
benefícios previdenciários na redução
Estado e sociedade e entre as esfe-
(DRU) para atender aos critérios de
da pobreza (11,3%, nas estimativas
ras governamentais, deslocando o
superávit primário acordados com
do MPAS para 1999), são indícios da
poder do centro para a periferia.
as agências financeiras internacio-
fragilidade da Seguridade Social
Apropriado também pela área de
nais, seja, ainda, no mero uso inde-
como principal instrumento, que de-
Assistência, o modelo do SUS ofere-
vido dos recursos daquelas contri-
veria ser, para as políticas de distri-
ce uma proposta de pacto federati-
buições. Na área de saúde, depois
buição de renda.
vo que rompe com o centralismo
de garantir recursos do orçamento
secular de nossa tradição, sem cair
nos três níveis governamentais para
na desresponsabilização do poder
a área, ainda está em discussão a
central proposta pelo modelo neoli-
legislação que impedirá a inclusão
Há um renovado interesse pelo
beral. Transcendendo o âmbito se-
de outros programas e ações sociais
tema da Seguridade Social, que de-
em políticas sociais, com fortes conexões com os movimentos sociais
e atores políticos atuantes na área.
Uma troca contínua de informações
permite uma atuação altamente eficaz na negociação das reformas
constitucionais e da legislação infraconstitucional. Ao contrário do
executivo, quando as burocracias
de cada uma das áreas atuam de
forma insular, a existência da Comissão de Seguridade Social permitiu ao Congresso a superação das
separações entre as políticas sociais, possibilitando um tratamento
mais integrado;
9
A AGENDA PENDENTE
Conforme demonstram dados apresentados pela ANFIP em Seguridade e Desenvolvimento: um projeto para o Brasil, Brasília, 2003.
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Seguridade Social: a agenda pendente
verá se acentuar com o processo de
pacto social capaz de inclusão da
mente, deserdados. No entanto, há
discussão das Conferências Nacionais
população excluída, que permitisse
a expectativa de que a questão
de Saúde e de Assistência Social, pre-
a consecução de políticas efetivas e
social seja resolvida via crescimen-
vistas para dezembro de 2003. Este
universais de cidadania. As conjun-
to econômico com geração de em-
é o momento político adequado para
turas adversas subseqüentes leva-
prego, relegando a incorporação
um balanço sobre a agenda penden-
ram a aprofundar o boicote à Segu-
cidadã por meio de direitos sociais
te na implantação da Seguridade
ridade Social, em diferentes frentes.
universais a um segundo plano.
Social. Torna-se necessário sair da
No entanto, o fracasso das políticas
Em outras palavras, há uma vi-
atual postura reativa, de defesa de
neoliberais e a emergência de uma
são que cada vez ganha mais for-
uma Seguridade Social constante-
nova questão social, a violência,
ça na condução governamental, na
mente ameaçada pelas medidas finan-
repõem as condições para repactuar
espera de que o desenvolvimento
ceiras e legais que descumprem os
a inclusão social.
nos permita, por um lado, vincu-
preceitos constitucionais e buscar
A existência destas condições,
lar os trabalhadores aos sistemas
uma agenda positiva, que nos per-
dadas pela busca de um novo proje-
e benefícios sociais através de suas
mita avançar na sua consolidação e
to de desenvolvimento nacional, fru-
contribuições e, por outro lado,
aprofundamento.
to de um pacto interclasses, não nos
gere excedentes para permitir a
A verdadeira concretização da
autoriza a pensar, no entanto, que
extensão de cobertura dos progra-
Seguridade Social, já o apontava
haja um fortalecimento das políticas
mas de combate à pobreza.
com muita clareza Beveridge, impli-
sociais de Seguridade Social. As ten-
Diferentemente do projeto neoli-
ca a existência de um pacto social
tativas de alterar a posição do Esta-
beral, que reduzia o compromisso
renovado que, transcendendo inte-
do, desde a garantia da cidadania e
estatal nas políticas sociais porque
resses setoriais e classistas, permi-
dos direitos sociais para mobilizar
pretendia incentivar a ampliação
ta a definição de um novo padrão
os recursos societários, implica, por
dos mercados nos setores sociais,
civilizatório, a ser institucionaliza-
um lado, em aumento das condições
esta visão desenvolvimentista é in-
do por intermédio das políticas e
de envolvimento da sociedade na
gênua ao supor que o crescimento
instituições da Seguridade. A tran-
construção de um pacto social e, por
econômico propiciará a inclusão
sição à democracia no Brasil per-
outro lado, em retirar as políticas so-
social de grande parte da popula-
mitiu-nos colocar como meta a re-
ciais dos marcos jurídicos e institu-
ção, além daquela que será subsi-
tomada da ordem democrática mas
cionais da Seguridade Social.
diada diretamente pelo Estado.
A preponderância da perspecti-
É neste contexto, que se coloca
ma constitucional brasileiro, apro-
va fiscal na definição dos rumos
de novo a necessidade de fortale-
fundando a contradição entre demo-
da política econômica tem impe-
cimento da Seguridade Social,
cracia política e democracia social.
dido o país de retomar o desenvol-
como formato de inclusão social
Não houve, por ocasião da As-
vimento, condição imprescindível
não apenas no mercado, como pro-
sembléia Nacional Constituinte, con-
para a incorporação de grupos po-
dutor ou consumidor, mas na con-
dições políticas de construção de um
pulacionais e regiões, historica-
dição de cidadania.
não nos autorizou a resolver o dile10
10
No sentido dado por Fábio Wandeley Reis (1988. p. 16): “trata-se de regular através do Estado a convivência entre setores e categorias
que, se chegam a erigir-se em atores sociopolíticos reais, fazem-no no marco de um sistema capitalista e nos termos da dinâmica própria
desse sistema”.
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FLEURY, Sonia
Para aprofundar este debate e
Conselhos, Conferências e outras
O LIV EIR A , Jaime; F LEU RY , Sonia.
criar condições para avançar na con-
formas de geração/consolidação de
(Im)Previdência Social, Petrópolis:
solidação da Seguridade Social será
políticas próprias de Seguridade.
Vozes, 1986.
necessário romper alguns entraves
que se consolidaram neste campo.
Uma terceira problemática de
atualização da Seguridade Social
REIS, Fábio Wanderley. “Consolidação Democrática e Construção do
Em primeiro lugar, a tendência à
diz respeito à convivência entre po-
endogenia das áreas componentes da
líticas seletivas no interior de siste-
Seguridade Social. Este fenômeno
mas universais. É preciso revisitar
ocorre em todas elas, mas é particu-
este tema fora dos marcos doutri-
larmente importante na área de Saú-
nários liberais, para buscar compa-
de, já que esta área, por possuir uma
tibilizar direitos universais com in-
dinâmica política complexa, constitu-
clusão social. Esta tensão se apre-
SANTOS , Wanderley G. Cidadania e Jus-
ída nas lutas pela democracia, teria
senta em todas as três áreas da Se-
tiça. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
condições de fazer avançar as demais,
guridade, seja nas aposentadorias
VELLOSO , Raul. Balanço da situação
em uma perspectiva mais orgânica.
subsidiadas na Previdência, seja na
das contas públicas. Rio de Janei-
A inclusão social será fruto de políti-
dicotomia existente entre programas
ro: Fórum Nacional INAE, BNDES,
cas integradas, com mútua implica-
de subsídios e a estrutura e benefí-
maio, 1999.
ção nas áreas de previdência, saúde
cios da LOAS, seja na garantia legal
e assistência, e não ocorrerá como
de tratamentos específicos de pa-
somatório das políticas insulares.
cientes que recorrem à justiça, em-
Isto nos remete à segunda ques-
bora não façam outro uso do SUS.
tão, que diz respeito à construção
Certamente, existem muitas ou-
de uma institucionalidade própria
tras questões relativas ao financia-
para a Seguridade Social. É neces-
mento, à gestão e à estrutura de
sário encarar de frente esta questão,
afastada a paranóia em relação a
uma possível unificação de todas as
áreas, e buscar analisar quais são
as condições institucionais necessárias para viabilizar o fortalecimento da Seguridade Social. É imprescindível reduzir sua fragilidade frente à área econômica e também consolidar mecanismos que permitam
a contaminação positiva das áreas
sociais. É necessário reconhecer que
a Seguridade Social não será um
somatório de políticas sociais espe-
prestação dos serviços sociais. No
entanto, ao destacar aquelas mais
gerais, que dizem respeito à Seguridade Social, pretendo chamar a atenção para a necessidade de construir
uma agenda afirmativa que possa
garantir sua consolidação e aprofundamento institucional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BEVERIDGE, William. Las Bases de la
Seguridad Social. México: Fondo de
Cultura económica, 1987.
cíficas e que seu desenvolvimento
FLEURY, Sonia. Estados sem Cidadãos.
requer mecanismos próprios como
Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1997.
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Saúde em Debate , Rio de Janeiro, v. 27, n. 65, p. 414-424, set./dez. 2003
Estado – Notas Introdutórias e Uma
Tese” In: R EIS, Fábio Wanderley;
O’
DONNELL,
Guilhermo. A Democra-
cia no Brasil: Dilemas e Perspectivas. São Paulo: Vértice, 1988. p. 16.
VIANNA , Maria l. W. Reforma da Previdência: missão ou oportunidade
perdida? In: MORTHY, Lauro (Org.).
Reforma da Previdência em Questão. Brasília: Ed. UnB, 2003.
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Seguridade Social: a agenda pendente