UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCar) CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS (CECH) CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA Marieli Granusso Monteiro A EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA NO ÂMBITO DO RACISMO AFRICANO E AFRO-DESCENDENTE São Carlos Novembro 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCar) CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS (CECH) CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM PEDAGOGIA Marieli Granusso Monteiro A EDUCAÇÃO DO RACISMO AFRICANO NO ÂMBITO DO RACISMO AFRICANO E AFRO-DESCENDENTE Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Carlos como parte dos requisitos para obtenção do Grau de Licenciatura Plena em Pedagogia. Orientado pela Profª. Dra. Maria Iolanda Monteiro. São Carlos Novembro 2011 Banca Examinadora: Profª Drª Maria Iolanda Monteiro____________________________________ (Orientadora) Profª Mestre Ana Paula Gestoso de Souza______________________________ Agradeço, Primeiramente a Deus que me proporcionou caminhos percorridos com sucesso até agora, e por ter me dado pai, mãe e irmão, pessoas maravilhosas a quem agradeço em segundo lugar por me apoiarem em todos os momentos da minha vida. Às minhas amigas que me acompanharam desde a escola e que são parceiras, me ouvindo, desejando e torcendo para que coisas boas sempre se realizem. À BOLHA, que sem ela não seria possível um crescimento pessoal durante esses quatro anos de graduação, e que me proporcionaram momentos de reflexão, risos, carinho, sabedoria e determinação. Às meninas que dividiram casa e apartamento comigo, as que tornaram minha família, me escutando quando havia algum problema e sempre, de alguma forma, ajudaram nas soluções. E, principalmente, à professora Maria Iolanda, que sem ela esse trabalho não passaria de uma ideia desorganizada, e também agradeço pela sua paciência e tempo dedicado a mim. Resumo Esse trabalho de conclusão de curso tem por objetivo trazer uma reflexão a respeito do preconceito contra as populações africanas e afro-descendente no Brasil, sendo manifestado nas instituições escolares. A pesquisa foi baseada em bibliografias fornecidas pelo Ministério da Educação e outras fontes, trazendo subsídios para a denúncia e possíveis mudanças na questão do racismo. A fim de visualizar a questão na prática, também pode ser encontrada a avaliação de um livro didático com foco no assunto, mostrando a realidade reproduzida nas escolas que o utilizam. O resultado da pesquisa comprovou a questão inicial, ficando nítido que ainda no século XXI é possível perceber e sentir o racismo em todos os lugares que se vá, incluindo a escola. Tal trabalho tem a função de denunciar o preconceito africano e afro-descendente, apostando na educação e seu currículo como meio de mudança. Palavras – chave Legislação – Educação etnicorracial – Currículo – Livro didático Sumário Introdução 2 Capítulo I – A questão etnicorracial na legislação 3 Capítulo II – Repensar o preconceito na escola de Educação Básica 16 Capítulo III – Aspectos afro-culturais no contexto da Educação Básica 24 Conclusão 31 Referências Bibliográficas 33 Anexo I – Quadro de avaliação de livro didático 35 Anexo II – Imagens do livro didático História - 1ª série 36 2 Introdução Este trabalho de conclusão de curso “A educação básica brasileira no âmbito do racismo africano e afro-descendente” consiste na denúncia, a partir de revisão bibliográfica e da análise de um livro didático, da existência ainda forte do racismo com característica africana e afro-brasileira nas instituições escolares. A ideia da construção do mesmo surge com o conhecimento da criação da Lei 10.639 (BRASIL, 2003) que estabelece o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas redes de ensino, tanto na pública quanto na privada. O primeiro capítulo, denominado “A questão etnicorracial na legislação” traz abordagens sobre algumas leis que foram importantes para a determinação do que se entende por educação hoje no Brasil. A intenção é caminhar rente à história da educação e sua forma através da evolução e mudança das Leis que regem o país. Assuntos como definição de educação, concepções de ensino, ensino fundamental em nove anos e o acréscimo da história africana e afro-descendente nas redes de ensino são tratados nesse capítulo. É importante afirmar que, embora se discorra sobre a educação básica brasileira, o foco é dado no último ano da Educação Infantil, crianças com 5 anos, e no primeiro ano do Ensino Fundamental de 9 anos, crianças com 6 anos. No segundo capítulo, como o próprio nome já diz “Repensar o preconceito na escola da educação básica”, tem por finalidade entender como esse preconceito se mostra nas instituições escolares, e de que forma pode-se fazer desses ambientes lugares não de reprodutores da sociedade, mas sim de criadores de pessoas críticas que sejam capazes de colocar situações assim em questão. E por fim, no terceiro capítulo “Aspectos afro-culturais no contexto da educação básica”, traz consigo um pouco da prática vivenciada nas escolas, principalmente nas escolas da rede pública. Nesse capítulo, pode-se encontrar uma breve análise de um livro que consta no Guia do Livro Didático (BRASIL, 2006), que está na lista de opções de livros para serem usados com as crianças da rede. A análise é feita com olhos de quem questiona o racismo numa sociedade na qual, questões como essas podem passar despercebidas. 3 Capítulo I – A questão etnicorracial na legislação “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda”. Paulo Freire Entende-se sobre educação, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996) no título I, artigo 1º, A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996.). Ainda no título I, artigo 1º e parágrafo 2° (BRASIL, 1996), faz-se entender que por mais que a educação possa acontecer em todos os lugares descritos acima, a educação escolar só acontece nas escolas dos diversos níveis educacionais. O objetivo da educação nessas instituições é de integrar as crianças ao mundo do trabalho e à prática social. Antes de esmiuçar a LDB, faz-se importante entender um pouco mais sobre a caminhada da legislação que permeia a educação nacional. Segundo o livro I dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2007, p. 13), até o último mês de 1996, o Ensino Fundamental estava estruturado nas normas que se encontravam na Lei Federal n° 5.692, de 11 de agosto de 1971. Essa lei que definiu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional fez com que uma nova característica fosse dada ao Ensino Básico. A partir de então, estabeleceu como objetivo para Ensino Fundamental e o Ensino Médio “proporcionar aos educandos a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania” (BRASIL, 1997, p. 13). Também foi essa nova lei que estabeleceu um currículo comum que deveria ser contemplado na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, todos fazendo parte da Educação Básica Brasileira. No entanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) explicam que, embora exista esse núcleo e o mesmo deva ser 4 respeitado, a LDB no título IV e artigo 12° (BRASIL, 1996) deixa espaço para que haja a educação regional e individual para cada cidade e/ou escola, a fim de valorizar a cultura local. Primeiramente, faz-se necessário entender quais os anos de escolaridade que são considerados como básicos e obrigatórios e, sendo assim, responsabilidades do governo. Todo o processo de ensino, segundo a LDB (BRASIL, 1996), desde a Educação Infantil, que segundo a mesma Lei atende crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos, - mas que hoje a idade limite é 5 (cinco) anos, devido a nova formação do Ensino Fundamental que passou de 8 (oito) para 9 (nove) anos, garantido pela Lei Nº 11.274 (BRASIL, 2006), - até o Ensino Médio, é denominado como Educação Básica. Também é dever do governo oferecer essa mesma escolaridade para jovens e adultos que eventualmente não conseguirem se escolarizar no tempo comum às outras crianças. O governo também garante, a partir da LDB, todas as facilidades para que essa educação ocorra, oferecendo-a no período noturno, atendendo às necessidades da/o educanda/o. A Educação Básica não inclui o Ensino Superior. Toda essa estrutura da educação brasileira está repleta de detalhes e baseada em leis que, muitas vezes, não são auto-explicativas, gerando diversas interpretações ou não satisfazendo o objetivo inicial. No momento, uma grande mudança que ainda gera muitos questionamentos é a introdução de crianças com 6 (seis) anos de idade no Ensino Fundamental, que como já registrado, passa de 8 (oito) para 9 (nove) anos (BRASIL, 2006). Os questionamentos nesse sentido vão de questões físicas até dúvidas sobre conteúdos a serem trabalhados com essas crianças. A fim de auxiliar na forma de implantação e orientar as/os profissionais, que irão lidar com essa faixa etária no Ensino Fundamental, em 2004, a Secretaria de Educação Básica – SEB/MEC promoveu sete encontros regionais (MORAES, 2011). A partir desses encontros, surgiu o documento Ensino Fundamental de nove anos – orientações gerais (BRASIL, 2006).Primeiramente é necessário conhecer o objetivo principal dessa mudança que é promover a inclusão no sistema educacional obrigatório brasileiro de crianças pertencentes aos setores populares, uma vez que as crianças de classe média e alta já se encontram, em sua maioria, incorporadas no sistema educacional de ensino, matriculadas em pré-escolas ou na primeira série do ensino fundamental. Além disso, a ampliação pretende intensificar o tempo de permanência das crianças ao convívio escolar, bem como proporcionar maiores oportunidades de aprendizagem (MORAES, 2011, p.1). 5 Após essa leitura, é importante pensar sobre quais são as tomadas de decisões necessárias para essa mudança. Percebe-se que essa reforma significa alterações nas culturas escolares e dentro das salas de aula. É necessário tomar os devidos cuidados com a prática, já que se as propostas pedagógicas forem inadequadas para as crianças dessa idade ou, ainda, que não atendam às carências do grupo, facilmente ocorrerá a antecipação do fracasso escolar. Esses cuidados referem-se à questão da nova idade, ao social, à questão psicológica e pedagógica, tomando providências para que essa inclusão da criança de 6 anos no Ensino Fundamental não seja traumática e negativa. Nesse sentido, a escola toda deverá estar unida para que essas adequações sejam contempladas. Assim como o espaço físico da sala de aula, o trabalho docente deverá ser ajustado para essa turma de seis anos. Faz-se necessário também lembrar das crianças de cinco anos de idade que se encontram na Educação Infantil. A prática nesse momento deve ser cuidadosa para que se preparem as crianças para a transição (BRASIL, 1998). Enfim, essa alteração trouxe muitas adequações, tanto para o/a docente quanto para a escola que trabalhará com essa nova turma. Uma delas é a construção de um novo Projeto Político Pedagógico que se adeque às novas necessidades. Sobre o currículo da Educação Básica, com base na última LDB, no título IV e artigo 12° (BRASIL, 1996), deve ter base nacional comum, acrescentando, no entanto, características regionais, favorecendo as especificidades de cada região de acordo com a sociedade moradora do espaço, da sua cultura e economia. Os currículos, aos que se referem às disciplinas, são obrigatórios: o estudo da língua portuguesa, matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política nacional. Ainda obrigatório como currículo se dá a educação artística que tem por objetivo promover o desenvolvimento cultural das/os estudantes. A educação física é obrigatória também, no entanto, é facultativa no período noturno. No ensino da história no Brasil, que se dá na disciplina de história ou ciências humanas é obrigatório que se considere as contribuições das diversas etnias para a construção do país, como os indígenas, negros africanos de diversas culturas diferentes e europeus. A partir da 5ª série do Ensino Fundamental de 8 (oito) anos, será obrigatório o ensino de uma segunda língua 6 estrangeira moderna, que pode ser escolhida pela comunidade escolar, de acordo com as possibilidades da instituição de ensino. Ainda sobre o currículo, a LDB (BRASIL, 1996) garante nas suas leis que o mesmo deve sempre visar a seguinte diretriz: “a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática” (BRASIL, 1996. Capítulo II, Art. 27º, I). Como explicitado acima sobre a formação da educação básica, a LDB (BRASIL, 1996) ainda descreve o que cada etapa da mesma deve contemplar. De forma reduzida, a Educação Infantil tem como objetivo promover o desenvolvimento integral da criança até os 6 (seis) anos de idade (mais uma vez, segundo o Ensino Fundamental de 8 (oito) anos), incluindo nessa totalidade aspectos físico, sociais, psicólogos e intelectuais. Já o Ensino Fundamental, de 1ª a 8ª séries (Ensino Fundamental de 8 anos) ou de 1º ao 9º ano (Ensino Fundamental de 9 anos), tem por objetivo garantir a formação básica do cidadão, tendo como ideal que a criança possa ler, escrever e calcular tendo pleno domínio dessas ações, entender o que acontece a sua volta como questões sociais e políticas, artísticas, e que possa formar suas próprias atitudes e valores que permearão a criança para o resto da vida. E nesse momento faz-se necessário ressaltar a importância de se trabalhar na Educação Básica, questões como a de relações etnicorraciais, apresentando novas possibilidades no entender de uma cultura diferente e na relação entre essas. E, por fim, o Ensino Médio tem por objetivos consolidar e aprofundar todas as aprendizagens realizadas no Ensino Fundamental, aprimorando o/a educando/a como pessoa humana, incluindo a formação do que seria um ser ético e possibilitando o pensamento crítico e autonomia intelectual. Depois da LDB de 1996, discutida até então, outras legislações e documentos servem como linhas condutoras no que diz respeito a questões da educação e sobre o que se pode esperar dela. Ainda como parâmetros nacionais, há materiais muito utilizados que discorrem as leis em forma de textos e direcionamentos para que o/a professor/a tenha não um exemplo a ser seguido, mas sim um patamar no qual o/a profissional pode se apoiar. Como exemplos desses documentos tão acessíveis, encontra-se o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), que foi dividido em três volumes, sendo o Vol. I – Introdução; Vol. II – 7 Formação Pessoal e Social; e Vol. III – Conhecimento de Mundo. Esse parâmetro para a Educação Infantil tem por objetivo auxiliar o/a professor/a no convívio diário com as crianças no que diz respeito ao estabelecimento de metas que as mesmas devam atingir de acordo com sua faixa etária. O documento traz informações importantes sobre a Educação Infantil, como que a mesma só foi reconhecida nacionalmente como parte Educação Básica na LDB de 1996 (n.º 9394/96), considerando-a como participante no processo de educação de uma/um cidadã/o. Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, volume I (BRASIL, 1998), esse reconhecimento tardio se deu devido a mudanças que temos nos costumes da nossa sociedade, como por exemplo, a participação efetiva da mulher no mercado de trabalho, culminando numa maneira diferente de organização familiar da que se tinha anteriormente. Junto a essa mudança, existe, também, a maior conscientização por parte da sociedade, de que a educação infantil é importante na infância da criança, o que motiva demandas para uma melhor educação institucionalizada para as crianças de 0 a 5 anos. Sobre a importância atual desse nível de ensino, de acordo com o SAEB (Sistema Nacional de Avaliação) de 2003, as crianças que frequentam a pré-escola atingiram melhores médias no que diz respeito à leitura. A Educação Infantil, assim como os outros níveis de ensino, considera especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas das crianças e, as práticas e situações vivenciadas na escola devem estar embasadas nos seguintes princípios: o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas etc.; o direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil; o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento, à ética e à estética; a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma; o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao desenvolvimento de sua identidade (BRASIL, 1998, p. 13). Nessa fase, assim como em todas as outras que passa o ser humano, é repleta de possibilidades para a formação da criança como pessoa crítica. Essa aprendizagem, assim como outras que ocorrem na Educação Infantil, é apreendida pelas crianças tanto 8 nas brincadeiras quanto naquelas atividades pedagógicas pensadas previamente pelas/os educadoras/es. No documento Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, volume I (BRASIL, 1998) é relatado ainda o que se entende educar nesse momento da escolarização. Esse conceito traz noções de aceitação do/a outro/a, respeito e confiança trabalhando a noção do interpessoal através de brincadeiras, conteúdos pedagógicos, cuidados pelas/os educadoras/es e também todas essas ações integradas entre si. E ainda, trabalhar com o reconhecimento mais amplo da realidade social e cultural das crianças. Esse momento é muito rico, pois se tem a chance de educar crianças, agora, para a vivência na diversidade no presente e no futuro, deixando a mesma sempre positiva. Deve-se aqui, “(...) levar em conta suas singularidades (das crianças), respeitando-as e valorizando-as como fator de enriquecimento pessoal e cultural” (BRASIL, 1998, p. 33). Nesse sentido, o documento Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) ressalta que deve-se ter em conta que, por mais que se tenha a intenção de trabalhar com atitudes e valores, nunca a instituição dará conta da totalidade do que há para ensinar. Isso significa dizer que parte do que as crianças aprendem não é ensinado de forma sistemática e consciente e será aprendida de forma incidental. Isso amplia a responsabilidade de cada um e de todos com os valores e as atitudes que cultivam (BRASIL, 1998, p. 52). Visando, além de trabalhar a educação para olhar e aceitar o/a outro/a, trabalhar também um dos oito objetivos gerais da Educação Infantil elencados por Brasil (1998), que consiste no desenvolvimento da imagem de si, ou seja, trabalhar com as crianças a noção do eu, do auto conhecimento, da auto aceitação e percepção de suas facilidades e maiores dificuldades. Se trabalhado todos esses conceitos na Educação Infantil, a criança está preparada para entrar no Ensino Fundamental com uma bagagem pedagógica e cultural, acrescentada daquela que a criança traz consigo. O objetivo é pensar na transição desses dois ensinos, que acontece tanto no último ano da Educação Infantil, quanto no primeiro ano do Ensino Fundamental, ou seja, crianças de cinco e seis anos. Segundo Moraes (2011), 9 Algumas características das crianças de seis anos que as difere das crianças de outras faixas etárias, baseadas em estudos e experiências práticas, são ressaltadas no documento (Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade), dentre elas estão: a imaginação, a curiosidade, o movimento e o desejo de aprender atrelada a sua forma de conhecer o mundo por meio do brincar. Ressalta-se que nessa idade, a criança é capaz de simbolizar e compreender o mundo, estruturando seu pensamento e usando as múltiplas linguagens, construindo assim sua identidade e autonomia. (MORAES, 2011, p. 80). Toda essa construção de mundo só é possível para a as crianças na interação com outras da mesma idade e também com os adultos, que guiam suas ações a fim de uma maior aprendizagem. A Educação Infantil não tem como função preparar as crianças para o Ensino Fundamental, pois esse primeiro nível, como já citado, tem seus objetivos próprios. Se e a educação escolar tem por função a emancipação, preparação para a vida em sociedade, ensinar às pessoas seus direitos enquanto cidadãos e essas funções se encontram em todos os níveis de educação, pode-se dizer que o que muda em todos eles é a forma de aquisição da aprendizagem e como esta é entendida pelas várias faixas etárias. As aprendizagens, nesse sentido, se dão por diferentes maneiras, e segundo MORAES (2011), sobre a aprendizagem das crianças de seis anos no Ensino Fundamental, o desenvolvimento e aprendizagem das crianças desta fase são determinados, segundo o documento, pelas experiências e a qualidade das interações dos meios socioculturais dos quais participam. Assim, destaca-se a importância da escola como continuidade e ampliação dos laços sociais e afetivos anteriores – da família ou pré-escola – bem como as condições de aprendizagem, proporcionando segurança e confiança às crianças. (MORAES, 2011, p. 81). Ainda sobre a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental, não se pode deixar que a mesma signifique rupturas e que traga aspectos negativos no processo de escolarização. O primeiro ano do Ensino Fundamental não pode ser mais uma série, com a função simplesmente de trabalhar conteúdos formais, mas a/o profissional que trabalhar com essa turma deve ter em mente que esse ano servirá como uma transição, recuperando algumas práticas e saberes da Educação Infantil e introduzindo novas concepções de educação que o Ensino Fundamental permite conhecer. Nesse sentido, “o Ministério da Educação reafirma a revisão dos projetos político-pedagógicos, afim de que as estratégias de ensino contribuam para o 10 desenvolvimento das crianças, bem como possibilite uma ampliação qualitativa do seu tempo na escola” (MORAES, 2011, p. 82). Essa revisão do projeto político-pedagógico se deve às novas questões que aparecem nesse ano de transição, como quanto aos conteúdos, qual deve ser o currículo adequado à idade das crianças e todas as implicações que essa faixa etária traz consigo, como acolher essas crianças de seis anos no Ensino Fundamental, entre outras questões. Todos esses questionamentos pedem que os sistemas de ensino revejam conteúdos, currículos e práticas pedagógicas, principalmente para as crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental, mas não somente para ele. Sobre o conteúdo, A criança de seis anos que passa a integrar essa etapa de ensino não poderá ser vista como um sujeito que obteve os conteúdos da educação infantil ou deverá ser preparado para os demais anos do ensino fundamental. O currículo do primeiro ano, portanto, não deve ser composto dos conteúdos que “faltam” às crianças, oriundos da educação infantil e nem daqueles que aceleram processos com o objetivo de preparar as crianças para os anos seguintes. (MORAES, 2011, p. 101). Assim como as outras crianças do Ensino Fundamental, as crianças de seis anos do primeiro ano devem ter uma proposta curricular que respeite as características específicas de cada idade. Deve existir um trabalho pedagógico que garanta o estudo articulado das Ciências Sociais, das Ciências Naturais, das Noções Lógico-Matemáticas e das Linguagens, segundo Moraes (2011). “Em Ciências Sociais sugere-se o desenvolvimento da reflexão crítica sobre os grupos humanos, suas relações, suas histórias, suas formas de se organizar, de resolver problemas e de viver em diferentes épocas e locais” (BRASIL, 2011, p. 107). Nessa área de conhecimento, faz-se ponte às questões sociais que existem ao redor das crianças como família, escola, religião, comunidade entre outros. Sobre as Ciências Naturais, Moraes (2011) afirma que, na área de Ciências Naturais objetiva-se ampliar a curiosidade da criança, instigando-a a investigar e elaborar hipóteses sobre os fenômenos físicos e químicos, sobre os seres vivos e as relações entre homem e natureza, e homem e tecnologia. Favorecer o contato das crianças com a natureza e tecnologias, promovendo observação e experimentação, o debate e ampliação dos conhecimentos científicos também é objetivo do trabalho na referida área do conhecimento. (MORAES, 2011, p. 108). 11 Para o trabalho com as Noções Lógico-Matemáticas, destaca-se “a importância de encorajar a criança a identificar semelhanças e diferenças entre diversos elementos, classificando, ordenando e seriando; a fazer correspondências e agrupamentos (...)” (MORAES, 2011, p. 108). As atividades nessa área podem e ficarão mais interessantes se feitas juntamente com jogos e situações problema. E por último, na área das Linguagens, um dos principais objetivos é a educação estética, privilegiando práticas que favoreçam a sensibilidade das crianças para apreciar as artes de maneira geral (pintura, filmes, músicas, dentre outras) (...). Assim é importante proporcionar às crianças o conhecimento das produções artísticas de diferentes épocas e grupos sociais, as consideradas populares e as eruditas. (MORAES, 2011, p. 109). Assim como a Educação Infantil conta com um referencial pelo MEC, o Ensino Fundamental também conta com um para auxiliar o/a educador/a no caminho a ser trilhado no decorrer do curso, no entanto sua divisão de volumes é feita de outra forma. O referencial do Ensino Fundamental são os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, e aqui serão usados os da edição de 1997. O objetivo dos PCNs (BRASIL, 1997), assim como na LDB (BRASIL, 1996), quando se refere ao Ensino Fundamental, é de auxiliar o/a professor/a no convívio diário no que se refere à necessidade de fazer com que as crianças dominem os conhecimentos necessários para crescerem cidadãos críticos e aptos a serem cidadãos reconhecidos e a entender o seu papel na sociedade, sabendo seus deveres e direitos. A divisão dos volumes dos PCNs é a partir das disciplinas e também, além desses, há um que engloba os chamados Temas Transversais. Os PCNs (BRASIL, 1997) surgem da necessidade posta pela LDB de 1996 (BRASIL, 1996), de haver um currículo unificado para todo o território nacional. O PCN que trata dos Temas Transversais (BRASIL, 1997) possui um capítulo sobre Pluralidade Cultural, o que mostra a necessidade e a preocupação do MEC em discutir essa temática. Para Brasil (1997), o trabalho desse tema com as crianças permite com que 12 sejam revistas e transformadas práticas arraigadas, inaceitáveis e inconstitucionais, enquanto se ampliam conhecimentos acerca das gentes do Brasil, suas histórias, trajetórias em território nacional, valores e vidas. O trabalho volta-se para a eliminação de causas de sofrimento, de constrangimento e, no limite, de exclusão social da criança e do adolescente. (BRASIL, 1997, p. 39). Ainda segundo o documento, essa temática, se trabalhada na escola de forma correta considerando essa instituição como constituintes de sujeitos sociais, contribuirá para uma relação efetiva da escola com uma sociedade democrática de fato. Por fim, além de todas essas leis e documentos que visam garantir a qualidade do ensino nacional, existem outras que as complementam, como a lei que propõe condições para garantir o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Essa lei, Nº 10.639 de 2003 (BRASIL, 2003), altera a LDB de 1996 (BRASIL, 1996), que estabelece como obrigatório esse ensino no Ensino Fundamental e Básico, em escolas públicas e privadas. Essa lei tem como objetivo possibilitar novas visões a respeito da cultura afrobrasileira e permitir com que haja reconhecimento pessoal das/os educandas/os nessa cultura, criando aceitação entre as pessoas e possibilitando uma maneira de olhar positiva para essa cultura. Parte dessa lei, de alguma forma, já é tratada na LDB de 1996, quando essa garante o ensino da formação do Brasil, referindo-se ao povo negro vindo da África, aos indígenas que aqui já moravam, aos colonizadores europeus e também aos povos desse último continente que vieram para o Brasil em busca de emprego. No entanto, quando esse currículo é colocado dessa forma, não se garante que vão ser ensinados aspectos da cultura africana. Aprende-se muito pouco na escola sobre isso. O que se ouve no ambiente escolar sobre os negros africanos se relaciona com a questão da escravidão. A grande novidade, então, dessa Lei de 2003 (BRASIL, 2003) é a garantia de que a cultura e história afro-brasileira sejam entendidas como uma cultura fortemente positiva e enriquecedora, rompendo com pré-conceitos visivelmente presentes na sociedade brasileira, superando a visão mitificada e estereotipada. Propõe também que seja feita a divulgação e produção de conhecimentos, formar atitudes, posturas e valores que eduquem as crianças e cidadãos a sentir orgulho do seu pertencimento etnicorracial. A fim de esclarecer essa Lei às pessoas que irão trabalhar com ela, e criar diretrizes para que a intenção inicial seja contemplada nacionalmente, mas respeitando 13 as peculiaridades de cada lugar, o Ministério da Educação juntamente com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, lança para a população que trabalhará com esse conteúdo, um documento chamado “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” (BRASIL, 2004). Segundo o mesmo documento, o MEC “vem instituindo e implementando um conjunto de medidas e ações com o objetivo de corrigir injustiças, eliminar discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro” (BRASIL, 2004, p. 5), tornando prioridades o fortalecimento dessas políticas e a criação de instrumentos de gestão que valorizem a afirmação cidadã e sempre valorizar a positividade da existência da diversidade etnicorracial. Com o objetivo de atingir essas metas e fazer valer todas essas ideias sobre as novas políticas de afirmação, surgiu uma nova secretaria, que é chamada Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – Secad. A Secad traz uma inovação na questão educacional brasileira, pois engloba os programas de alfabetização e de educação de jovens e adultos, as coordenações de educação indígena, diversidade e inclusão educacional, educação no campo e educação ambiental, segundo Brasil (2004). Todo esse conjunto numa mesma secretaria, por exemplo, permite com que exista a articulação entre programas de combate à discriminação racial e sexual com projetos que valorizem a diversidade étnica. Acima de tudo, a função dessa secretaria é fazer valer práticas, já existentes ou não, de organizações sociais em movimentos de promoção da cidadania, a fim de promover situações positivas no âmbito das relações etnicorraciais, auxiliando no apoio da população que sofre nessa relação. As pessoas negras, nesse sentido, não são beneficiadas em muitos aspectos, até mesmo na educação brasileira que chamamos de pública. Vejamos: pessoas negras têm menor número de anos de estudos do que pessoas brancas (4,2 anos para negros e 6,2 anos para brancos); na faixa etária de 14 a 15 anos, o índice de pessoas negras não alfabetizadas é 12% maior do que o de pessoas brancas na mesma situação; cerca de 15% das crianças brancas entre 10 e 14 anos encontram-se no mercado de trabalho, enquanto 40,5% das crianças negras, na mesma faixa etária, vivem nessa situação. (BRASIL, 2004, p. 7). 14 Essas políticas de reparações aos danos sofridos pela população negra garantem com que o ingresso na escola dessa população seja efetivo, e também que haja permanência na educação escolar, indo sempre ao encontro do sucesso nessa área, possibilitando aquisições que permitem com que qualquer pessoa, independente de suas características físicas, consigam qualquer ofício possível. Além do conteúdo escolar formal, a ideia dessas políticas é fazer com que a cultura, os costumes e a tradição africana permaneça viva nas pessoas e nas relações etnicorracias, permitindo a identificação tanto da população negra quanto de outras populações com essa cultura. A partir do momento que essas políticas são colocadas em prática, começa-se a reconhecer o outro como igual no sentido de mesmos direitos civis, culturais e econômicos, implicando em justiça social. Partindo dessas políticas de reparações e reconhecimentos dessa cultura, aparecem os programas de ações afirmativas que, são ações do governo que acabam por favorecer as classes que foram marginalizadas durante muito tempo, com a intenção de promovê-las no mesmo nível educacional que as outras pessoas que não foram excluídas do sistema educacional brasileiro, segundo Brasil (2004). Para que essas ações sejam de fato eficientes, é necessário que haja preparação física, de pessoal e de material, possibilitando que as pessoas negras e não negras entendam o que acontece nesse âmbito, como deverá agir diante de situações discriminadoras ou de valorização da cultura. Dessa forma, é possível encontrar uma informação importante nesse documento (BRASIL, 2004) para entender a definição tão falada de raça. É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações de brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século XVIII e hoje sobejamente superado. Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com frequência nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas, como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. Contudo, o termo foi ressignificado pelo Movimento Negro que, em várias situações, o utiliza com um sentido político e de valorização do legado deixado pelos africanos. (BRASIL, 2004, p. 13). Também é esclarecido o termo étnico, na expressão etnicorracial, que explica que além das diferenças físicas dos povos africanos dos outros povos, há também a 15 cultura que se difere de várias maneiras das culturas de europeus, indígenas e asiáticos, por exemplo. É necessário que os/as professores/as estejam preparados/as para lidar com as diferenças e ensinar as crianças estudantes a entender a positividade que essa relação inter-racial traz para ambos os lados. “Para reeducar as relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros” (BRASIL, 2004, p. 14). 16 Capítulo II - Repensar o preconceito na escola da Educação Básica “As feridas da discriminação racial se exibem ao mais superficial olhar sobre a realidade do país”. Abdias Nascimento Vive-se no Brasil do século XXI um mito a respeito da vivência harmoniosa entre pessoas vindas de lugares diferentes, que trazem na sua aparência física características próprias desses lugares. Esse mito é presente em todo país e transmitido numa cultura não dita, não sistematizada. Para muitas pessoas, aqui é o paraíso da diversidade, onde o ser diferente é facilmente aceitável. Essa é uma realidade que deveria existir de fato, no entanto, se estudar o assunto a fundo, não é o que se encontra. O mito de um país miscigenado e por isso racialmente igualitário representa a intenção de garantir a hegemonia da raça dominante mascarada pela propaganda que “vende” um país sem preconceito e discriminação racial, visto que as pessoas convivem em plena harmonia e igualdade social. (RODRIGUES, 2010, p. 88). Andando pelas ruas, entrando em lugares públicos, em instituições ou em áreas comerciais, podem-se encontrar, conforme Rodrigues (2010), pessoas variadas que se destacam ou são julgadas por várias razões, como estilo do cabelo, cor de pele, vestimentas entre outros. Se houver essa percepção desprovida de reflexão, haverá sim a ideia de que o país é um lugar que agrega essas pessoas à sociedade de forma democrática e igualitária. No entanto, se essa mesma percepção vier seguida de uma atenção maior e, reflexão do que se vê, podem-se tirar muitas conclusões. A análise desse cenário deve ser acompanhada de questionamentos como a posição que certa pessoa ocupa, e se essa condição diz respeito ao seu sexo, a sua aparência ou a sua cor de pele. A partir daí, ficará claro, com poucos exemplos, a existência do preconceito racial atuando fortemente na vida das pessoas. Para tantas pessoas essa cena é tão comum, que nem ao menos é questionável. 17 Persiste a indagação: qual o lugar que se ensina o preconceito? Como as crianças que nascem sem ideias formadas, sem preconceitos, podem ser corrompidas e levadas a fazer com que o racismo perdure na sociedade? Primeiramente, se faz necessário entender que todas as pessoas vivem num mundo só, no qual temos a regra: os brancos e as brancas são melhores e os negros e as negras, piores. Essa regra se deu e se consolidou há muito tempo, desde que alguma pessoa importante e influente, sem motivo algum a não ser o dinheiro que há muito tempo rege a população mundial, decidiu que as pessoas com a cor da pele mais escura deveriam ser escravas, tiradas de seu lugar de origem, onde se encontravam sua família, modo de vida próprio, cultura e sua vida inteira para serem levados a outro país para trabalhar como escravos, e dessa forma, menos importantes que as pessoas de cor de pele mais clara. A partir desse momento, outros conceitos também são questionáveis. O ser humano tem a prática de classificar as pessoas e, dessa forma, aparecem muitas divisões. É como se existisse um armário bem grande, no qual houvesse muitas portas com indicativos em cada uma delas, do que se devesse guardar lá dentro. Esses indicativos são: negras (os), brancas (os), altas (os), baixas (os), gordas (os), magras (os) entre outros que favorecem ou não as pessoas numa sociedade ocidental, na qual o padrão de beleza é o europeu nas suas formas e características bem definidas. Mas, onde se aprende esse padrão? E a resposta é simples: a aprendizagem ocorre em todo o lugar que se vá, em tudo o que se vê e se ouve e, principalmente no lugar onde esse padrão deveria ser dissolvido, que é na escola. Nessa instituição, pode-se encontrar, ou pelo menos é o que deveria ser encontrado, pessoas de diversas origens, etnias, costumes, dificuldades, necessidades, e o objetivo dessa diversidade é justamente educar para a aceitação do eu e do (a) outro (a), considerando todos os aspectos e acréscimos que a relação com pessoas diferentes pode trazer. No entanto, o Brasil ao longo de sua história, construiu um sistema de ensino excludente, no qual é unido a inúmeras injustiças, discriminações e exclusão social, e fica fácil entender quem são os excluídos e quem são os favorecidos, segundo o documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004). 18 A questão do racismo acompanha o Brasil desde a Colônia, Império e República, apoiada por leis que atingem a população afro-descendente até hoje. O Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não seriam admitidos escravos, e a previsão de instrução para adultos negros dependia da disponibilidade de professores. O Decreto nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878, estabelecia que os negros só podiam estudar no período noturno e diversas estratégias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos escolares. (BRASIL, 2004, p. 7). A educação é vista por essa sociedade como um dos principais meios e mecanismos de transformação de uma cultura e assim, das pessoas que vivem nela. Além de um direito social, ela também é entendida como um processo de desenvolvimento humano. (...) papel da escola, de forma democrática e comprometida com a promoção do ser humano na sua integralidade, estimular a formação de valores, hábitos e comportamentos que respeitem as diferenças e as características próprias de grupos e minorias. Assim, a educação é essencial no processo de formação de qualquer sociedade e abre caminhos para a ampliação da cidadania de um povo. (BRASIL, 2004, p. 7). Devem-se tomar certos cuidados para que as práticas educativas, visando uma educação para a diversidade, não acabem, na realidade, como uma educação ainda mais discriminatória, homogeneizando as pessoas: o grande erro é a tentativa de tornar o/a negro/a em branco/a, quando é necessária a afirmação da identidade e auto-imagem do povo negro. Dessa forma, precisa-se pensar uma maneira de fazer valer essa definição de educação e fazer ser real o papel da escola, pensando no que está errado no sistema da atualidade, no qual ainda persiste o preconceito, educação excludente e, consequência disso, o fracasso escolar e, então, ir à luta com todas as forças e, de uma vez por todas, para que esses fatos deixem de ser reais. Não se tem aqui a ideia inocente de que esse problema sério nas relações etnicorraciais se resolva momentaneamente com a educação para a diversidade em apenas uma geração. Esse trabalho é árduo e eterno, tendo por 19 ideal começar a trabalhar com as crianças desde pequenas, na Educação Infantil, percorrendo pelo Ensino Fundamental, Médio e Superior e, assim, garantindo que essas crianças cresçam numa nova possibilidade de enxergar o mundo, dando a elas outras opções de lidar com pessoas diferentes, valorizando sempre a diversidade, pensando também num modo de aprender mais com a mesma. As atitudes e pensamentos racistas, como já descritos anteriormente, têm seu início há muito tempo no Brasil e o no resto do mundo. No documento “Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais” (BRASIL, 2006) cedido pelo Ministério da Educação – MEC, pode ser encontrada uma breve linha do tempo, na qual se localiza a trajetória desse povo de várias etnias vindo da África, que foram denominados por outros de Negros, como se fossem apenas um grupo bem grande, no qual a única semelhança entre todos eles é a cor de pele preta. Segundo o documento, essa história começa no século XVI, no qual as populações negras desembarcaram no Brasil e foram distribuídas, em maior quantidade, no litoral das regiões que hoje conhecemos como Nordeste e Sudeste. Com essa mão de obra escrava, os senhores de engenho tiveram sucesso e grande expansão nas lavouras de cana-de-açúcar nos séculos XVII, XVIII e XIX, lucrando de várias maneiras, quando a população negra, com nada de material ficou. Além disso, esse povo sofria com negação de sua cultura, tentando revitalizá-la a todo o momento às escondidas, segundo as orientações (BRASIL, 2006). Essa revitalização se dava por meio de suas religiões, danças, histórias entre outras. Essa situação perdurou, teoricamente, até o ano de 1888, marcado por ser o ano na abolição formal da escravidão no Brasil, viabilizada pela Lei Áurea. No entanto, nesses 123 anos que nos separam dessa lei, pouca coisa de fato mudou. Durante o tempo, várias formas legais e governamentais foram criadas a fim de garantir legalmente que o racismo deixe de existir, no entanto, isso não garante a mudança em si, é apenas um início, pois a mudança não acontece nas leis, mas sim na educação, na mudança da cultura, que há muito tempo está estagnada nessa ideia. Ainda na linha do tempo, de acordo com as orientações (BRASIL, 2006) discorre sobre o fato de que na década de 1940, houve a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945 e em 1948, a Declaração Universal dos Direitos 20 Humanos. “Mesmo assim, permanecia aqui o não-constrangimento diante do fato da reduzíssima presença ou da não presença de pessoas negras em locais de prestígio social” (BRASIL, 2006, p. 18). A mudança dessa realidade da presença ou não de pessoas negras em ambientes de prestígio, deve começar, então, como já citado, no ambiente escolar. Primeiro faz-se necessário que nesse ambiente considerado público agregue pessoas de diferentes classes sociais, etnias, gêneros entre outras classificações que permitam a diversidade na escola. É importante também, que se considerem as diversas culturas trazidas juntamente, com essa diversidade. É nesse sentido que, Nilma Lino Gomes (2011), num evento conduzido pelo Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas –DTPP, da Universidade Federal de São Carlos- UFSCar e transmitido através de uma webconferência possibilitando que alunos/as de vários cursos, tanto presencial quanto à distância, pudessem participar do evento ocorrido no dia 26/09/2011, às 19 horas na própria universidade, diz que a escola “da educação básica muitas vezes lida com o conhecimento não formal e, nesse contexto, englobam-se as colaborações que os/as estudantes trazem de casa, da família, de sua cultura anterior à escola, como não importante ou até mesmo equivocado, criticado e não reconhecido. Pode-se pensar, por exemplo, na questão da religião afrobrasileira, que carrega um estereótipo bastante negativo. Dessa forma, fica difícil pensar numa criança que vive tranquilamente essa religião e, que começa a frequentar uma escola de ensino regular na qual a sua maioria é de pessoas brancas, e não tem receio em demonstrar tranquilamente sua crença”. Para Gomes (2011), a relação da educação com o preconceito racial ainda é marcada de forma muito negativa: a escola ainda é um lugar no qual esse preconceito é transmitido. Ele pode ser percebido de diferentes formas como no silêncio, diante de diversas situações, tanto da criança que sofre o preconceito, quanto do/a educador/a envolvido/a, na reprodução de estereótipos raciais e de gênero nos livros e manuais didáticos, na redução da história dos negros às datas comemorativas, no desconhecimento da história cultural e geo-política do contexto africano (GOMES, 2011). 21 Segundo Gomes (2004) a fim de mudar essa realidade, o movimento negro, através de várias reivindicações por muito e muitos anos, teve alguns sucessos e algumas iniciativas que podem ser constatadas como construção de práticas e projetos sócio-pedagógicos alternativos (saberes populares, pedagogia anti-racista, trabalho com a comunidade), produção de materiais pedagógicos alternativos e também há um pensamento sobre as datas que representam o/a negro/a brasileiro/a. Essas datas não devem ser uma forma única de se trabalhar a questão da população negra no Brasil, como já citado, mas tem a pretensão de fazer viva a memória de grandes conquistas da população. O movimento negro, então, reinterpreta o dia 13/05, que é lembrado como o dia da Abolição da Escravatura, o que parece ser um tanto quanto “passivo”, de forma que aparenta que alguém deu de presente a abolição aos negros, não mostrando toda a resistência existente na época. Essa data, então, depois de reinterpretada, passa a ser o dia Nacional da Luta Negra. Existe também o dia 20/11 que retrata a morte de Zumbi dos Palmares. Ainda de acordo com Gomes (2004), É importante ressaltar aqui, as ações afirmativas que são realidades desde o ano 2000, conquistada pelo movimento negro, e não a partir de um simples governo, que marca principalmente a entrada de negros e negras nas universidades públicas. Embora o ensino superior não faça parte da educação básica, ele passa a ser uma possível extensão dela para essa população que há muito tempo é enxergada com baixa intelectualidade, assim como as pessoas de baixa renda e também aquelas que estudam em escola pública. Essa concepção de baixa intelectualidade atinge também, negros/as nas universidades, que muitas vezes são taxados de não conseguir acompanhar os conteúdos acadêmicos. Essa é uma pura expressão de racismo intrínseco nas/os brasileiras/os. Para o combate do racismo nas escolas de educação básica, segundo Gomes (2011), é necessário que se pense o currículo e o conteúdo a ser trabalhado em sala, de forma crítica, integrando a questão africana ou afro-brasileira de forma integrada com qualquer outro conteúdo, não deixando esse assunto isolado. Deve ser feito dessa forma já que a cultura africana e afro-brasileira e sua história fazem parte da cultura brasileira a todo o momento, não havendo sentido nem maneira de trabalhá-las de forma separada. É preciso também que se mostrem as possibilidades de autores, artistas e pessoas em locais de prestígio na sociedade mundial que pertencem à raça negra, já que muitas 22 dessas produções sofrem um “branqueamento” de seus autores ou suas autoras. Falando ainda de imagem pública, faz-se importante que se discuta de forma crítica a imagem da pessoa negra, na mídia, em espaços subalternos. Trabalhar na escola as concepções e características físicas da população negra, como o cabelo, as características faciais e corpóreas, as vestimentas, os movimentos culturais, faz com que se possibilite uma maior aceitação por esse grupo dessa diferença. Esse assunto está diretamente ligado à identidade desse grupo. Gomes, em “O impacto do diferente: reflexões sobre a escola e a diversidade cultural” (GOMES, 2000) ressalta que a identidade pressupõe de uma interação, ou seja, a classificação do eu e a sua caracterização só é viabilizada através da relação com o outro. Da mesma forma acontece a caracterização da identidade de um grupo, assim, ela só é construída num diálogo aberto no qual opiniões sobre ele são faladas e notadas o tempo todo. Assim também é o movimento negro, constituído de uma identidade negra: uma construção social, histórica e cultural. Como já dito, os/as estudantes negros/as são marcados como pessoas que têm baixa intelectualidade, e assim, são levados por educadoras/s para as salas especiais, para oficinas, enfim, para lugares que, ao analisar estão repletos de estudantes negros/as pobres. Gomes (2003), em seu artigo “Educação e identidade negra”, diz que ao olhar essa situação como uma simples "coincidência", a escola desconsidera a seriedade da questão da desigualdade social e racial, da nãointegração do negro na sociedade de classes e da presença perversa do racismo ambíguo na sociedade brasileira. (GOMES, 2004, p. 11). Essa é uma questão de identidade dessas pessoas criadas numa relação com outras. Para lutar contra o racismo na escola, além das outras ideias e iniciativas pelo movimento negro, já citadas nesse capítulo, Gomes (2000) ainda afirma que é necessário que se assuma o compromisso pedagógico e social de superá-lo, entendendoo na sua história e a realidade social, cultural e racial do nosso país. Além da colocação de estudantes negros/as nas salas ditas como especiais, outras formas de exclusão, indo ao encontro do fracasso escolar podem ser identificadas 23 (...) por meio da forma como alunos e alunas negros são tratados; pela ausência, ou pela presença superficial, da discussão da questão racial no interior da escola; pela não existência dessa discussão nos cursos e centros de formação de professores/as; pela baixa expectativa dos professores/as em relação a esse/a aluno/a; pela desconsideração de que o tempo de trabalho já faz parte da vida do/a aluno/a negro/a e pobre; pela exigência de ritmos médios de aprendizagem, que elegem um padrão ideal de aluno a ser seguido por todos, a partir de critérios ditados pela classe média branca, pelo mercado e pelo vestibular, sem considerar a produção individual do aluno e da aluna negra, assim como de alunos de outros segmentos étnico/raciais. (GOMES, 2004, p. 12). Essas formas de exclusão, denunciando o racismo, tratam a diferença como algo deficiente, e transformam as diferenças raciais, construídas por muito tempo na sociedade, como algo naturalizado. O negro e a negra no Brasil passam a ser estereotipados, estigmatizados, sendo caracterizados como pessoas que vivem à margem da sociedade e malandros/as. Para Gomes (2004), a grande função dos/as educadores/as é educar para desnaturar essa ideia, deixando uma imagem positiva do/a negro/a e criando uma pedagogia da diversidade. Segundo Rodrigues (2010), a direção da escola, além do/a educador/a, tem muita responsabilidade na discussão desse assunto nesse ambiente. Segundo a autora, a instituição e as pessoas que por ali passam de alguma forma, como estudantes ou profissionais, participam de duas fases quando se percebem lidando com um/a estudante negro/a. A primeira fase é a de invisibilidade, quando as escolas se mantêm neutras quanto ao tema. A segunda fase é a chamada negação. Acontece quando as escolas começam a pensar sobre o tema, mas ainda estão fortemente influenciadas no mito da democracia racial brasileira. “Nessa fase as escolas tendem a abordar a questão racial de forma esporádica e folclórica, resumindo-se às datas como o dia 13 de maio e/ou 20 de novembro” (RODRIGUES, 2010, p. 93). É preciso que se entenda que no Brasil, ser negro ou negra não se limita simplesmente numa caracterização física, pondo em questão apenas a cor de pele, mas sim uma questão política e histórica. Não se tem aqui a pretensão de listar maneiras de como se lidar com esse assunto nas escolas, considerando-as mais uma vez, como instituições com alta capacidade de transformação social e de costumes, mas sim de denunciar, o racismo nesse ambiente de educação. 24 Capítulo III - Aspectos afro-culturais no contexto da Educação Básica Esse último capítulo tem por finalidade estudar um dos meios mais influentes na educação formal, tanto para estudantes quanto para profissionais do ambiente escolar, que é o livro didático. Dessa forma, será considerado o Guia do Livro Didático de História das séries/anos iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL, 2007) e, posteriormente, com base nesse último documento, será feita uma breve análise de um livro didático da disciplina de história da 1ª série do ensino fundamental. Considerando que “os livros didáticos assumem constantemente, no Brasil, a função de programa escolar ou currículo” (BRASIL, 2007, p. 14), é necessário que se garanta a qualidade do conteúdo apresentado nesses livros didáticos para que não sejam apresentadas ideias erradas ou ainda para que não se promova as situações em que se descrevem ou ilustrem o racismo, sexismo e/ou outros preconceitos. A fim de dar certa autonomia para as escolas nas escolhas dos livros didáticos a serem trabalhados com os/as estudantes, o Ministério da Educação, através de uma equipe heterogênea em vários sentidos e também com a ajuda da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como instituição responsável pelo processo de avaliação, criou o Guia do Livro Didático – GLD, abrangendo variados níveis de ensino. Nesse caso em específico, como já registrado, será utilizado o GLD da disciplina de história nas séries iniciais do Ensino Fundamental na sua mais nova edição, que é a de 2007. Esse documento traz subsídios para que a equipe profissional da escola consiga através de parâmetros nacionais escolher, dentre uma lista de livros didáticos, aquele que mais corresponde com a proposta pedagógica daquela instituição e a maneira de trabalho dos/as profissionais da área. É mais sensato que se faça essa escolha mais pelo projeto pedagógico da escola, que pela preferência pessoal do/a professor/a, já que eventualmente o/a professor/a poderá sair da rede e o livro ou coleção escolhida permanecerá como escolha durante ainda alguns anos. Segundo Brasil (2007), a preocupação sobre a qualidade do livro didático surge com a redemocratização do ensino, com seu início marcado na década de 70. Foi nessa época que se perceberam alguns erros nessas publicações que poderiam afetar diretamente na aprendizagem dos/as estudantes. Efetivamente, a partir da década de 90 é que começaram a existir avaliações dos livros didáticos coordenadas pelo Ministério 25 da Educação, feitas por universidades, que têm por finalidade as correções de conteúdos errôneos, edições inadequadas ou ainda transmissões de preconceitos e reprodução de valores pejorativos, objetivando que esses livros cheguem às escolas sem erros e gradativamente mais completos. Ainda nesse documento, a equipe que o escreveu (BRASIL, 2007) atenta para a exploração que deve ser feita pelo/a educador/a que irá auxiliar na mediação do conhecimento através dessa publicação. No que diz respeito ao conteúdo curricular de História, chamamos a atenção dos professores para que usem toda a potencialidade dos livros que estão à sua disposição, afinal, o livro não se restringe ao texto: há as imagens, as transcrições de documentos, as referências às sites, filmes, vídeos, músicas, reprodução de quadrinhos, charges, mapas, sugestões de observações e as visitas ao local de moradia e toda uma gama de recursos que podem se transformar em materiais didáticos importantíssimos para o planejamento, a execução e a avaliação do trabalho docente. (BRASIL, 2007, p. 7). Sobre a relação dos livros didáticos presente no GLD, a equipe que fez a avaliação dos livros (BRASIL, 2007) afirma que nas resenhas que são encontradas no mesmo documento, são apresentadas aspectos positivos e negativos a respeito do uso de tal coleção ou livro, ou seja, as qualidades e limitações dos conteúdos e características apresentadas na publicação. Essas resenhas e, posteriormente, as avaliações, foram construídas, como já dito, por um grupo de profissionais que conhecem bem o Ensino Fundamental, assim como as pessoas que trabalharam com esse nível de ensino na sala de aula. Essa equipe foi cuidadosamente montada para que a diversidade brasileira, no sentido regional e de nível de carreira, fosse contemplada. O documento Guia do Livro Didático ainda apresenta os critérios de avaliação considerados pelas pessoas que fizeram esse mapeamento dos livros. Na disciplina de história, “é fundamental que os livros didáticos lancem mão de abordagens pautadas na pluralidade de realidades sociais, econômicas e culturais, cuja abrangência envolve um país de amplitude, conforme se apresenta o Brasil atualmente” (BRASIL, 2007, p. 11). Além desse critério principal, pode-se encontrar no GLD (BRASIL, 2007) sobre a importância de conteúdos que trazem à turma reflexões e construções de conceitos como tolerância, liberdade e democracia. 26 No Guia do Livro Didático (BRASIL, 2007), ainda são divididos critérios de avaliação em quatro níveis que são inerentes: os princípios pedagógicos, princípios históricos, projeto gráfico e, por fim, elementos para construção da consciência cidadã. Dentre os aspectos mais importantes de cada um, se encontram: - nos pedagógicos: abordagens criativas; uso de recursos didáticos como textos, imagens e exercícios adequados à faixa etária; entrecruzamento do conhecimento novo com o advindo das experiências dos/as estudantes; atividades que potencializem habilidades cognitivas básicas, apresentar indicações complementares; “excluir a presença de estereótipos e evitar simplificações explicativas que banalizam o conhecimento e comprometem a formação de cidadãos críticos” (BRASIL, 2007, p. 10), - nos históricos: formular, de modo correto, informações e/ou conceitos fundamentais da disciplina histórica, evitando que o aluno apreenda conceitos, informações ou princípios inapropriados e errôneos; considerar a diversidade das tendências e concepções historiográficas; adequar a historicidade dos conceitos utilizados às categorias centrais do conhecimento histórico: tempo, espaço, sujeito histórico, cultura, natureza, sociedade, relações sociais, poder, trabalho, período, sequência, transformação, passado/presente/futuro, simultaneidade e duração. (BRASIL, 2007, p. 11), - projeto gráfico: “estrutura e qualidade da impressão e das ilustrações; estar isenta de erros graves de edição, impressão e revisão” (BRASIL, 2007, p. 12); sumário de fácil visualização e compreensão; conter glossário, referências bibliográficas e indicação de leituras complementares (na parte pós-textual); nos textos mais longos, é recomendável que se efetive um descanso visual, de modo que não desestimule sua leitura; lançar mão de variadas linguagens visuais, como, por exemplo, gráficos, mapas e tabelas; constar na obra os créditos de cada imagem utilizada, gráficos, tabelas, entre outros, precisam constar de título, fonte e data. (BRASIL, 2007, p. 12), - elementos para a construção da consciência cidadã: 27 isentar-se de textos, imagens ou qualquer outro recurso, cujo conteúdo expresse preconceitos e discriminação, sejam eles acerca de religião, posicionamento político, etnias, gênero, orientação sexual, condição econômico-social, entre outros; garantir a presença de textos e/ou imagens que levem o educando a observar de forma positiva a participação na sociedade de pessoas com deficiência, mulheres, negros, idosos, crianças, entre outros. (BRASIL, 2007, p. 13). Após todos esses critérios de avaliação postos, será feita uma simples avaliação de um dos livros didáticos encontrados na lista do GLD de 2007, “História, 1ª série” (SIMIELLI e CHARLIER, 2005) que faz parte da coleção “MEU ESPAÇO, MEU TEMPO”, da editora Ática. Segundo a avaliação desse livro encontrada no GLD (BRASIL, 2007), essa coleção tem várias qualidades, como algumas atividades apresentarem situações problemas que partem do meio em que as crianças vivem, ou seja, partindo sempre do menos para o mais complexo. Segundo O GLD (BRASIL, 2007), essa coleção explicita a concepção de história, assumindo o compromisso com a diversificação e a pluralidade. Ainda é afirmado que, são encontradas novas temáticas como a da cultura afro-brasileira, mas ainda com algumas limitações. No GLD (BRASIL, 2007) ainda é possível encontrar uma grande ficha de avaliação direcionada pelo MEC, que auxilia a/o profissional que irá utilizar algum desses livros a fazer por si só sua própria avaliação seguida de uma escolha do material. E é com base nessa ficha que a avaliação do livro, “História, 1ª série” (SIMIELLI e CHARLIER, 2005), da primeira série do Ensino Fundamental, será feita. A partir do sumário desse livro didático, alguns capítulos da Unidade 1 e da Unidade 2 foram selecionados e analisados considerando aspectos de formação social, com foco nas relações etnicorraciais, com recorte na questão afro e afro-brasileira. Primeiramente, analisa-se o capítulo 4 na Unidade 1, que tem início na página 46. O tema desse capítulo é “As lembranças ficam”. Essa unidade é introduzida com o questionamento sobre a definição de documento. O assunto começa com o que pode ser documento, com objetos encontrados dentro da própria casa da criança e, depois, passa para ambientes maiores e documentos de importância para uma comunidade ou sociedade, como o jornal. O livro também traz o diário e objetos como documentos. Na página 53, algumas imagens são apresentadas com pequenos textos sobre outras possibilidades de documentos, como filmes, vídeos, programas de TV, discos 28 entre outros. Nesse momento, é apresentado às crianças o ator Grande Otelo, descrito no livro como o primeiro ator negro do Brasil, de 1954. Essa informação é lançada para as crianças sem nem haver, escrito no livro, uma discussão a respeito. Será que ele foi o primeiro? Não existiu ninguém antes dele? Ou ainda, por que essa informação? Quais as implicações para uma pessoa negra ser atriz ou ator nessa época? E hoje? Esses questionamentos são pertinentes num momento como esse. Mais para frente, na página 56, há fotos de objetos que tiveram grande mudança na sua forma e maneira de utilização, como telefone, ferro de passar roupa, máquina de escrever, fogão, máquina de lavar roupa entre outros. Essas imagens são seguidas de um questionamento: “Dá para imaginar a vida sem eles?”. Talvez essa pergunta ligada à imagem do celular, por exemplo, possa causar um sentimento de consumismo na criança de apenas seis anos, que é para quem esse livro é destinado, que não precisa necessariamente de um objeto como esse. Ainda sobre esse capítulo, poderia haver nele exemplos de documentos importantes para a história e, assim, que contassem as histórias das pessoas negras, como a invenção de alguma coisa por essa população ou, ainda, informações sobre a época escravista ou o fim dela. Seria importante caracterizar o documento com mais informações da história e aproveitar esse momento para fazer valer o ensino de história africana e afro-brasileira. Parte-se para a Unidade 2, capítulo 2: A história de muitas crianças. Este tem seu início na página 80. O capítulo é introduzido com um poema e traz consigo iconografias de crianças e contextos de três etnias: brancos, negros e indígenas. Percebe-se que o livro didático retrata com bastante frequência a cultura indígena. Podese encontrar também outras realidades de crianças de acordo com o lugar onde vivem ainda dentro do Brasil, como Rondônia, Rio Grande do Sul, São Paulo, Piauí e Mato Grosso do Sul. Essas informações são dadas através de fotos de crianças praticando atividades que podem ser realizadas nesses locais. É importante que no momento em que esse assunto for trabalhado em sala, não se deixe a impressão que as crianças de determinado lugar só fazem isso, para que não se permeie uma ideia estereotipada. Como já registrado, esse livro traz muito da cultura indígena e, nesse capítulo, há um texto sobre a biografia de uma criança indígena e, após esse texto, podem ser 29 encontradas imagens de crianças que vivem na cidade e nas zonas rurais (roça) e questionamentos comparativos entre essas realidades. Nesse momento, é posto em discussão a questão da natureza. Expandindo a comparação da vivência das crianças para o mundo todo, são apresentados alguns países: Tailândia, Japão, França, Tanzânia, Austrália, Estados Unidos e Peru. Esses países estão retratados com seus nomes, bandeira, sinalizado num mapa mundi e com crianças típicas desses lugares. Algumas informações sobre os países são encontradas de forma estereotipadas e sem o objetivo de formar a criança para uma ideia crítica sobre o assunto. Por exemplo, na página 92, podem-se encontrar informações sobre o Japão, que diz que as crianças nesse país adoram comer peixe, arroz e legumes, e também que adoram ler histórias em quadrinhos. Pode-se perguntar para as crianças que estão estudando esse livro se elas também gostam dessas coisas e pesquisar o porquê dessa caracterização das crianças japonesas. Ainda na Unidade 2, parte-se para o capítulo 4: Criança gosta de brincar. Esse capítulo traz diversas imagens, tanto fotos quanto desenhos de crianças brincando. O que se pode perceber aqui é a questão do gênero, como meninos brincando de bola, vídeo game e meninas brincando de “cantar cantigas de roda”. Meninas podem jogar bola? E meninos podem brincar de pentear o cabelo? Esse é um questionamento pertinente nesse momento. Na página 122, existe um subcapítulo chamado “nem sempre as crianças brincam”. Nesse momento o livro traz subsídios para a discussão do trabalho infantil e das crianças que ajudam em casa, mas que não é considerado como exploração da criança. Coincidentemente, ou não, nas imagens das crianças que trabalham são de pele negra. Essas informações poderiam ser discutidas: por que as crianças negras são mais vistas como trabalhadoras? Essa situação se dá por qual motivo? Por fim, o que se pode perceber nesse livro é que as informações são lançadas às crianças sem uma discussão sobre o assunto e a formação crítica acaba por ser esquecida e não trabalhada. Já que o ensino da história africana e afro-brasileira deve ser discutido, as autoras do livro perdem a oportunidade de trabalhar esse conteúdo atrelado a outros conteúdos cotidianos como os documentos, por exemplo, 30 permanecendo ainda a ideia de que a temática negros só deve ser lembrada na época da escravidão e trabalhada de forma isolada. Pode-se notar muitas imagens que representem a diversidade etnicorracial, como crianças brancas, negras, indígenas e orientais. Esse fato pode ser entendido como o início de uma mudança ainda maior com relação ao assunto. No entanto, o livro, como já registrado, ainda traz muitas imagens estereotipadas, como uma criança negra trabalhando nas ruas, fora da escola. O problema não é trazer essa imagem, que infelizmente é comum, mas sim trazê-la sem um questionamento reflexivo. Não foram analisados outros livros, no entanto, como essa discussão ainda se faz recente, pode-se pensar que poucos livros contemplem o ensino de história africano e afro-descente da forma que se idealiza. O fato é que nem o livro didático nem outro material dará conta sozinho de trabalhar conteúdos tão importantes para a formação de pessoas críticas. Sem a ajuda de um/a bom/a educador/a, essa formação é inexistente. 31 Conclusão África O orador que contava história, o historiador A cientista, a contrabandista, o professor O ativista, a malabarista, o redator A jornalista, o telefonista, o compositor Sabem que a vida vem de lá, meu senhor. No paletó do paleontólogo No dominó daquele geólogo No Notebook da comandante, Que deu um look e foi adiante, Consta que tudo vem mesmo de lá. O homem negro, branco, azul, esverdeado O relevante, o indecente, o maltratado O homo-sapiens sapiente, informado, O inocente, o ignorante, o desarmado. É de lá que vêm todo canto e dança, É de lá que vêm todas as crianças. O esteticista, o catequista, o imperador, O umbandista, a desenhista e o senador Já repetiram essa palavra Que lavra e grava a realidade: “Todos os homens, todos os povos, Filhos de África.” Até o homem que reza o terço Disse que o berço do mundo é lá Até o homem que reza o terço Disse que o berço do mundo é lá 32 Na África! Otacílio Cesar Monteiro Considerando a questão inicial do trabalho, que consiste na indagação sobre a perpetuação do preconceito africano e afro-descendente no Brasil ainda no século XXI, pode-se dizer que a indignação se dá pelas instituições nas quais isso acontece. É fato que vivemos numa sociedade na qual ser branco é aceito e se coloca numa posição superior que o ser negro, mas a questão é como fazer para que essa ideia tão intrínseca nas pessoas deixe de existir. Dessa forma, o trabalho foi estruturado de forma que, primeiramente, pudesse haver um embasamento legal para entender um pouco mais sobre a educação e sua caminhada no âmbito da legislação. Depois, entendeu-se um pouco mais a respeito da situação do racismo nas instituições escolares, como ela se dá e a forma como ela é intensificada. E, por último, para edificar o pensamento, a avaliação do livro didático fez com que se entendesse e percebesse a real situação do racismo nos ambientes escolares. Enfim, com esse trabalho foi possível verificar indícios de que o racismo está presente em vários lugares, sendo expresso em todas as diferentes formas como na cultura falada, escrita, desenhada ou então em nenhuma delas, já que esse pensamento também se dá no silêncio diante de situações de racismo ou então num simples olhar. Foi possível concluir também que existe solução e, esta se dá de diferentes maneiras, como na mudança do livro didático, na introdução da história da África, de seus povos e dos povos afro-descendentes nos currículos escolares, na mudança do pensamento das crianças que pode começar já na Educação Infantil, perpetuando por toda a Educação Básica e se intensificando no Ensino Superior e na vida de cada um. Essa mudança ocorrerá na forma de uma caminhada e, só será efetiva no momento em que as pessoas entenderem que ser diferente é bom e que o mundo não se divide em cor de pele preta e branca, afinal, quem tem sua cor de pele branca? E preta? 33 Referências Bibliográficas BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 23 dezembro de 1996, p. 27839. BRASIL, Ministério da Educação. Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "história e cultura afro-brasileira" e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 10 de janeiro de 2003, p. 1. BRASIL, Ministério da Educação. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera as redações dos arts. 20, 30, 32 e 87 a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 07 de fevereiro de 2006. BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana. Brasília, 2004. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: DP&A, 1997. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília, 1997. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, 1998. 34 BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Guia do Livro Didático 2007: História: séries/anos iniciais do ensino fundamental/ Secretaria de Educação Básica. Brasília, 2006. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Brasília, 2006. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (volume 1). Brasília, 1998. GOMES, N. L. Educação e identidade negra. Revista Kulé Kulé . Maceió: EDUFAL, 2004, p. 8 – 17. GOMES, N. L. 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