Notícia Página 1 de 2 Enviar Imprimir Voltar MIGUEL NICOLELIS:Um Nobel para o Brasil? Ana Aranha Época num. 0410 27/3/2006 Primeiro, o neurocientista mostrou como o cérebro pode mover braços mecânicos. Agora, ele acredita que a ciência pode ser a alavanca para desenvolver o Nordeste Guarde este nome: Miguel Nicolelis. Embora seja pouco conhecido fora da comunidade científica, Nicolelis é um dos 20 pesquisadores mais importantes do planeta, segundo a revista Scientific American. Diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, nos Estados Unidos, ele é considerado forte candidato a trazer um Prêmio Nobel para o Brasil. Para isso, tem a seu favor dois grandes feitos. O primeiro foi revolucionar a neurociência, ao estudar grupos de células cerebrais no lugar de células isoladas. Isso permitiu compreender melhor o funcionamento de várias funções do cérebro. O segundo foi conseguir que um macaco movesse um braço mecânico somente através de comandos cerebrais. Agora, essa tecnologia será adaptada para ajudar pacientes de doenças degenerativas e vítimas de acidentes de trânsito. Sua invenção mais recente, porém, não é tecnológica. É social. Nicolelis vai construir um centro de pesquisa de ponta em Macaíba, cidade na periferia de Natal, onde um terço dos habitantes é analfabeto e 40% das crianças são classificadas pelo IBGE como indigentes. O Instituto Internacional de Neurociência é um projeto incomum. Trata-se de um investimento de US$ 35 milhões, que inclui um complexo educacional para 5 mil crianças e tem como objetivo não apenas produzir ciência, mas também induzir o crescimento econômico. Neto de educadores e filho de uma escritora de livros infanto-juvenis, Nicolelis diz que aprendeu em casa a pensar grande e valorizar a educação. Casado, pai de três filhos, ele só tem uma paixão que o consome tanto quanto a ciência - seu time, o Palmeiras. Torcedor fanático, acompanha os jogos da equipe em qualquer lugar do mundo. Durante uma viagem ao Japão, quando o time disputava a partida que o levaria de volta à Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro, ele não só deu um jeito de ver o jogo, como comprou um quimono verde, que virou talismã da família. MIGUEL NICOLELIS Quem é ele Cientista paulistano, de 45 anos, tem três filhos e dirige o Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke (EUA) O que ele fez Mostrou como transformar atividade cerebral em movimento mecânico Qual é o plano dele Levar ciência de ponta para o Nordeste e repatriar cientistas por meio do Instituto Internacional de Neurociência de Natal, fundado por ele ÉPOCA - Depois de ser reconhecido internacionalmente por suas descobertas, por que se voltar para uma pequena cidade do Nordeste? Miguel Nicolelis - Não é se voltar para uma cidade, é se voltar para o Brasil. A ciência de ponta não deve ser exclusividade dos países de Primeiro Mundo. Ela tem impactos na economia e na sociedade. Pode servir como um pólo para o desenvolvimento educacional e social. É o que queremos deflagrar em Natal. ÉPOCA - Qual é o objetivo do instituto? Nicolelis - A pesquisa de ponta vai ser aplicada em unidades de ensino, no desenvolvimento social e no tratamento médico de crianças com deficiências neurológicas e cognitivas. As crianças vão conviver com cientistas do mundo todo. Crescerão num ambiente de criatividade e liberdade intelectual. A idéia é que se tornem cidadãos críticos e conheçam o mundo sem precisar sair do Agreste nordestino. Quero criar um exército de sonhadores. ÉPOCA - Como ele funcionará? Nicolelis - A primeira turma será das mães dos futuros alunos. Vamos dar assistência médica e treinamento profissional a essas mulheres. Ao nascer, as crianças da região ganharão bolsa de estudo e atendimento. Teremos escola, do berçário à universidade, um museu de ciência e um centro de saúde mental. Teremos também um parque esportivo, onde o esporte vai servir como terapia de http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=257591 17/1/2007 Notícia Página 2 de 2 reabilitação. ÉPOCA - E o projeto pedagógico? Nicolelis - Adotamos um modelo pelo qual se aprende a pensar brincando. Vamos treinar professores para mostrar às crianças a relevância da ciência na vida cotidiana. Quando elas souberem que, com a trigonometria, podem identificar estrelas no céu e calcular a distância dos planetas, o conteúdo começará a fazer sentido. Até fazer parte de uma orquestra é ciência. Você pode ensinar matemática tocando música. Estou levando telescópios para ensinar matemática e microscópios para mostrar a riqueza de informação que existe em cada metro quadrado da vida deles. ÉPOCA - O senhor se inspirou em algum projeto? Nicolelis - Eu me inspirei nas lições de vida de minha avó, dona Lygia, que foi quem me ensinou que a base para construir um país como o nosso é a educação. Ela dizia que sonhar pequeno é perda de tempo, que é bobagem ter medo de ousar. ÉPOCA - Por que Natal? Nicolelis - Olha, esse é o título do livro que estou escrevendo, porque é a pergunta que mais ouço! Escolhemos Natal porque é uma cidade de médio porte, que tem uma estrutura básica, com aeroporto internacional e universidade federal. Ainda assim, tocar um projeto desse porte no Brasil é uma luta assustadora contra a burocracia. As dificuldades aumentam, pois muitos não têm disposição para fazer as coisas acontecer, mas também não querem que ninguém faça. O imobilismo é o grande crime do Brasil. ÉPOCA - O instituto receberá investimento internacional? Nicolelis - Estamos criando uma comunidade internacional de neurociência. Natal vai ser o primeiro núcleo, com o hospital Sírio Líbanês de São Paulo e a Universidade Duke, nos Estados Unidos. Temos braços também na Suíça, em Israel e no Japão. Esses laboratórios estão dispostos a doar equipamentos e a mandar cientistas para passar temporadas no Brasil. Já consegui repatriar quatro cientistas brasileiros e vamos recrutar outros. Toda a direção trabalha voluntariamente. ÉPOCA - O senhor não pretende receber pelo instituto? Nicolelis - Não. O único cargo remunerado que um dia quero ter é o de presidente do Palmeiras. ÉPOCA - Na época da faculdade, o senhor freqüentava as mesmas passeatas que o presidente Lula. Sentiu-se encorajado com o governo dele a voltar para o Brasil? Nicolelis - Quem não se sentiu? É cativante saber que qualquer brasileiro pode virar presidente. Mas o Brasil ainda é como um adolescente decidindo o que quer ser da vida aos 18 anos. Para tomar essa decisão - como digo ao meu filho de 18 anos -, é preciso ir à escola. É fundamental incluir a população inteira em um processo massificante de educação. ÉPOCA - Que áreas da ciência precisam de investimento no Brasil? Nicolelis - Há 12 áreas de pesquisa fundamentais, como pesquisa marítima, fitoterapia, pesquisa alimentar e nanotecnologia. São elas que vão garantir nossa soberania científica no futuro. ÉPOCA - Como o instituto difere dos outros na pesquisa científica? Nicolelis - Na visão de neurociência integrada. As linhas de pesquisa não são isoladas. Vamos integrar a genética ao comportamento para estudar como o sistema nervoso funciona. Ou como se manifestam as doenças nos diversos níveis de organização do cérebro. ÉPOCA - O que sua experiência da macaca com o braço mecânico mudou na concepção do cérebro? Nicolelis - Foi a primeira demonstração de que o cérebro se adapta continuamente e de que é capaz de incorporar até uma ferramenta artificial como extensão do corpo. Meu sonho é que essa tecnologia beneficie brasileiros que têm deficiências neurológicas severas. Fizemos testes e constatamos que, em pacientes com mal de Parkinson, essa idéia é viável. Mas ainda não estamos desenvolvendo nada para esse problema - no momento, tentamos criar uma veste, um robô que ajudaria paraplégicos a andar. ÉPOCA - Há previsão de quando essas tecnologias chegarão aos pacientes? Nicolelis - É impossível dizer. Pode sair em uma semana ou levar anos. A ciência é não-linear. Ela depende de descobertas imprevisíveis. http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=257591 17/1/2007