Edição 40 - Julho/Agosto/Setembro de 2007 Instituto Internacional de Neurociências de Natal ELS: audácia e pioneirismo Fábrica de mentes brilhantes Instituto de Neurociências de Natal cria laboratório científico para crianças A depender do neurocientista Miguel Nicolelis, referência mundial na especialidade, o Brasil ainda será prodigioso em mentes brilhantes. Nicolelis é o principal artífice do pioneiro Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) inaugurado em 2005 e já está tornando realidade outro sonho audacioso. Em março deste ano, o IINN inaugurou a primeira escola-laboratório de ciências do Brasil, para 300 estudantes da rede pública municipal e estadual de Natal com idade entre 11 e 15 anos. Eles freqüentam o local duas vezes por semana, após a jornada escolar normal. “Basicamente, as crianças brincam de ser cientistas, aprendendo conceitos de pesquisa e o que é possível fazer quando a mente se desenvolve. Elas têm a chance de saber quais são as ferramentas disponíveis para a produção de conhecimento, o que as transforma em pensadores críticos e enriquece a cultura científica”, avalia Nicolelis. O IINN introduz no Brasil um novo jeito de fazer ciência, com a ambição de ser um agente de transformação social por meio de projetos de impacto na comunidade local. “O objetivo não é apenas produzir novos conhecimentos, mas disseminá-los para regiões do Brasil onde não existem investimentos estratégicos nessa área”, explica o médico. Além de Nicolelis, idealizaram esse projeto científico-social outros dois neurocientistas brasileiros que vivem nos EUA, Sidarta Ribeiro e Cláudio Mello. O IINN desenvolve ainda ações que abrangem a formação e a inclusão digital de jovens carentes da região metropolitana de Natal. Conta com uma escola-modelo, um centro esportivo e um centro de saúde mental voltado à comunidade. Está previsto para julho a inauguração de uma clínica de atendimento materno-infantil em Macaíba, cidade vizinha a Natal. Estruturada em parceria com o Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, a clínica irá atender gestantes de alto risco e crianças com problemas neurológicos e de desenvolvimento cognitivo, além de doenças psiquiátricas. Crianças e adolescentes brincam de ser cientistas no IINN Os recursos são providos por instituições do setor público e privado, entre eles os ministérios de Ciência e Tecnologia e da Saúde e a Universidade Duke, nos Estados Unidos. O IINN também desenvolve trabalhos em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, entre outros. O banqueiro Edmond Safra e sua mulher Lily fizeram uma polpuda doação, decisiva para colocar o IINN em funcionamento, após quatro anos de esforço dos cientistas para angariar recursos. Por essa razão, o nome do casal foi incorporado ao do instituto. Programa de inclusão digital, outro projeto social do instituto Questionado sobre as dificuldades da empreitada, Nicolelis respondeu que faltaria espaço nesta revista para colocá-las. “Houve uma série de problemas relacionados à cultura brasileira de não acreditar nas coisas, dificuldades para convencer a comunidade acadêmica de que existe uma nova maneira de fazer ciência que nada tem a ver com o que acontece nas universidades atualmente. Ninguém quer competir com as universidades brasileiras”, desabafou. “Nunca imaginei que fosse tão difícil, mas o grupo de pessoas que reunimos é extremamente envolvido com essa visão e missão. Foram quatro anos de trabalho duro, mas agora está inaugurado e o pior ficou pra trás”. Paulistano em Duke Filho de um juiz aposentado e da escritora infanto-juvenil Giselda Laporta Nicolelis, Miguel formou-se pela Faculdade de Medicina da USP. Foi galardoado com o Prêmio Oswaldo Cruz por uma pesquisa sobre as conseqüências neurológicas da poluição do ar. Mudou-se para os EUA em 1989, onde mora há mais de 15 anos. Lá tornou-se professor de neurologia na Universidade Duke, Carolina do Norte, onde posteriormente assumiu a co-diretoria do Departamento de Neuroengenharia para desenvolver pesquisas sobre a reabilitação de movimentos. Atualmente o neurocientista divide-se entre Duke e Natal. Laboratório criado pelo IINN atrai crianças e jovens “Falta ao Brasil se conectar mais globalmente” Médico diz que burocracia brasileira é incompatível com a dinâmica de pesquisas científicas O neurocientista Miguel Nicolelis é um idealista partidário de filosofia pragmática pouco cultivada entre as cabeças iluminadas do Brasil. Seu trabalho só terá sentido se tiver um efeito multiplicador capaz de mudar a realidade das camadas sociais mais abandonadas do país. Conheça um pouco mais o médico na entrevista a seguir: Qual a influência de seu pai um juiz de direito e sua mãe, escritora, sobre sua filosofia de trabalho? Nicolelis: Essa combinação foi importante para formar o tipo de atitude que desenvolvi para fazer pesquisa. O trabalho de minha mãe e minha avó, que também era uma intelectual, influenciou muito, especialmente na visão de como criar esses projetos sociais. Ser filho de alguém que escreve para crianças há mais de 40 anos ajuda porque você tem um exemplo de como se estabelece um diálogo de igual para igual com uma criança. A idéia básica é dar liberdade para ela adquirir, por si só, a formação intelectual, criando condições para que se sinta feliz e tenha prazer em ler, em vasculhar ou perguntar. É importante que as pessoas que lidam com crianças dêem a elas a segurança de que podem inquirir e que sejam nutridas com esse aconchego intelectual. Temos de incorporar isso no sistema educacional brasileiro. Por que o senhor foi continuar seus estudos nos Estados Unidos? Era um caminho natural fazer pós-doutorado no exterior. Eu já era professor da universidade naquela época, mas queria aprender e desenvolver certas coisas que não existiam no Brasil. O ambiente para fazer pesquisa na faculdade de medicina estava muito difícil e o cenário americano proporcionava a oportunidade de desenvolver projetos que ainda não tinham sido realizados nem nos Estados Unidos. Quando escolheu a neurociência como especialidade já vislumbrava a importância que ela iria ter no século 21? Nunca imaginei que a área de interface cérebro-máquina fosse decolar de maneira tão grande. Ela se transformou numa das áreas de maior evidência da neurociência. Por que a cidade de Natal foi escolhida para sediar o Instituto de Neurociência? Por uma série de critérios que visavam descentralizar a produção de conhecimento do sudeste para o norte e nordeste brasileiro, criando uma nova cultura que permita incorporar essas regiões na comunidade científica. Procurávamos uma capital de médio porte, com a infra-estrutura mínima necessária para o projeto. Era importante que a cidade não fosse muito grande, pois queríamos que o trabalho social tivesse impacto significativo na comunidade. Essa proposta tem ajudado a disseminar o nome da neurociência brasileira pelo mundo. As pessoas ficam maravilhadas ao saber que o Brasil está investindo num projeto dessa magnitude que não existe em lugar nenhum do mundo. Quais são os maiores desafios ao desenvolvimento da neurociência no país? A identificação de talentos e a possibilidade de ter fontes de financiamento sustentáveis. Falta ao Brasil se conectar mais globalmente, ter mecanismos dinâmicos de interação para que os pesquisadores tenham capacidade de reagir melhor aos acontecimentos em outras partes do planeta. Ainda hoje temos dificuldades, por exemplo, para importar equipamentos e material de trabalho. Tivemos um processo longo e difícil, com empecilhos burocráticos tremendos para trazer equipamentos ao Brasil. Melhorou muito, mas ainda há uma burocracia enorme. É importante ao Brasil trazer de volta jovens cientistas que estudam no exterior? Parte da missão do IINN é essa, repatriar talentos que precisam de um local que os acolha. É importante que o Brasil continue mandando pesquisadores ao exterior para treinamento; alguns ficarão, é inevitável. Mas isso também ajuda ao país, porque alguns que ficam no exterior mostram para o mundo que o Brasil é capaz de formar pessoas competentes. Além disso, é importante manter o intercâmbio com os melhores laboratórios do mundo. O senhor tem uma visão globalizada da ciência. Qual a sua opinião em torno da legislação brasileira sobre pesquisa, a lei de biossegurança e especialmente a discussão atual em relação à utilização de células-tronco? Conheço pouco a lei de biossegurança. Quanto à utilização de células-tronco acredito que algumas pessoas adoram amplificar certas querelas. É esse o caso quando se fala de um grupo de células que ainda não tem identidade consciente e que de forma alguma pode ser reconhecido como um ser humano pensante, e cujo subproduto celular poderá salvar milhões de vidas no futuro. Para mim não existe nenhuma querela ética aí. De um dia para outro, muita gente virou cientista de célulastronco. Há um monte de pessoas criticando a pesquisa sem saber como ela é feita. Colaborou: Gustavo Tristão