COMO TORNAR A BANDA LARGA NO BRASIL MAIS EFICIENTE?
IGOR VILAS BOAS DE FREITAS 1
O avanço contínuo e a passos largos da banda larga, fixa e móvel, entre
os brasileiros tem permitido e estimulado, principalmente entre as pessoas com menos
de 30 anos, a substituição do consumo de formas tradicionais de telecomunicações por
serviços prestados via internet. As mudanças nem sempre são nítidas, mas não afetam
apenas os serviços antigos, como a telefonia e a televisão aberta. A dinâmica
tecnológica e a forma como as novas gerações se comunicam afetam também serviços
contemporâneos oferecidos via internet.
O correio eletrônico, por exemplo, já está obsoleto entre os adolescentes
e provavelmente só se manterá no ambiente corporativo para servir como registro de
decisões. Os serviços de video streaming, por sua vez, continuam se reinventando em
busca do modelo de negócios ideal, mas segundo a “lógica” da internet, caracterizada
pela portabilidade, interatividade e não linearidade no consumo. As vendas de
smartphones e tablets explodem em todo o mundo – segundo a Apple, já forma
vendidos mais de 500 milhões de dispositivos iOS – e promovem um reequilíbrio de
forças entre operadoras e fabricantes de tecnologia. Os institutos de pesquisa estimam
em dezenas de bilhões de dólares as compras pelo celular no mundo e a computação na
nuvem, última moda no espaço combinado de tecnologia da informação (TI) e
telecomunicações, promete mesmo arrastar conteúdos e aplicativos para a rede,
tornando a comunicação simultaneamente mais fácil e mais insegura.
O fato de os principais diplomas legais que ordenam o funcionamento
das atividades de telecomunicações e radiodifusão terem sido elaborados antes da Era
da Internet explica muitas distorções e ineficiências – cada vez mais comuns e notórias
– entre a realidade do mercado e o dever-ser estabelecido em lei.
Na legislação vigente, a “ausência” da internet se faz sentir atualmente
em duas questões: como responder ao desafio de universalização dos acessos em banda
larga e como coordenar o conflito de interesses entre provedores de conteúdos e
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Mestrando em Economia pela Universidade de Brasília. Engenheiro Eletrônico pelo Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Consultor Legislativo do Senado. Atua no setor de telecomunicações
desde 1995.
aplicações 2 e prestadoras de serviços de telecomunicações, debate que promete atingir
seu clímax em 2013 no âmbito do projeto do Marco Civil da Internet (Projeto de Lei nº
2.126, de 2011), hoje em análise pelo Plenário da Câmara dos Deputados.
Como as sucessivas administrações abandonaram a ideia do regime
público e persistem em negar a aplicação dos fundos setoriais, o custo para ampliar o
acesso da população aos serviços de banda larga tem de ser arcado pelo setor privado.
Os incentivos fiscais ainda são tímidos e não há perspectiva de sensíveis melhoras nessa
questão, tendo em vista a dificuldade para aprovação dos incentivos fiscais para tablets
e smartphones. Sabe-se que há uma significativa compensação para as grandes
operadoras por meio dos empréstimos de menor custo do BNDES 3, mas, ao optar por
essa contabilidade alternativa, o governo perde poder para negociar o direcionamento
dos recursos.
Segundo a Lei nº 9.472, de 1997, conhecida como Lei Geral das
Telecomunicações (LGT), o sistema nacional de telecomunicações deveria operar em
dois regimes. No regime público, sujeito a obrigações de universalização e controle
tarifário, concessionárias seriam selecionadas, com prazo determinado, para oferecer
serviços considerados essenciais, com apoio de recursos públicos arrecadados de dentro
do próprio setor. No regime privado, a entrada de firmas seria ato vinculado do órgão
regulador, sujeito apenas à disponibilidade de espectro – quando necessário – e ao
atendimento de condições objetivas. Às firmas seria outorgada uma autorização por
prazo indeterminado para explorar as áreas e serviços requeridos, sendo livre o
estabelecimento de preços, cumpridas as normas regulamentares.
Apenas uma década depois da privatização de suas operadoras vimos
renascer a Telebrás (em regime privado!) para apoiar a implantação do Plano Nacional
de Banda Larga (PNBL), mas nem de perto pudemos comemorar a universalização do
telefone fixo nos domicílios. Menos da metade dos lares brasileiros possuem linha fixa
em serviço, embora a possam ativar em até 7 dias. A oferta existe, mesmo sem o apoio
previsto do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), mas
a tarifa não sofreu a queda necessária e esperada para viabilizar o consumo de muitas
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Serviços de Valor Adicionado, nos termos do art. 61, § 1º, da LGT.
Segundo informações divulgadas pelo IPEA, a dívida do BNDES com o Tesouro Nacional cresceu de
R$ 10 bilhões, em 2007, para cerca de R$ 370 bilhões em 2012. Sabe-se que o banco de fomento
empresta regularmente às operadoras, além de possuir expressiva participação societária na maior
concessionária de serviços (Oi), mas não temos dados para contabilizar o valor financiado pelo
BNDES ao setor.
famílias. As frustradas tentativas do “telefone social” (Acesso Individual de Classe
Especial – AICE) parecem nos dizer que as pessoas não querem mais o telefone fixo,
mesmo sendo mais barato do que o celular (o que parece irracional), ou que a oferta não
está sendo dirigida ou comunicada adequadamente junto ao público-alvo 4.
Ao longo do tempo foram esvanecendo as diferenças entre os regimes
jurídicos, inclusive a possibilidade de impor, na prática, obrigações de universalização
às prestadoras em regime privado. A gestão da universalização deixou de ser centrada
no regime jurídico para ser feita em “janelas de oportunidade”. Governo e Anatel
aproveitam os leilões de radiofrequência, as grandes fusões e aquisições no setor e até a
tramitação de projetos de lei mais polêmicos para negociar ou impor novas obrigações
às empresas. Interessante em alguns aspectos, essa abordagem peca pela
imprevisibilidade e pela inadequada coordenação. Além disso, deixa em aberto a
questão da reversibilidade dos bens, que tem se tornado um empecilho real aos
investimentos. Como o risco de reversibilidade dos ativos vinculados às redes de
suporte à banda larga não é nada desprezível, as empresas endurecem ao negociar
qualquer compromisso de universalização que possa associar o contrato de concessão da
telefonia fixa a serviços prestados em regime privado.
Em suma, a estratégia regulatória preconizada em lei não está mais
compatível com a realidade de mercado, e o primeiro desafio é realinhá-las. Uma das
possíveis soluções, que pode interessar a todas as partes, é trocar o ônus da
reversibilidade por obrigações de universalização da banda larga e extinguir em
definitivo o regime público do ordenamento setorial. O governo, com apoio técnico da
Anatel, que terá até 2014 um modelo de custos para servir como referência de valor para
essa “troca de obrigações”, poderia estabelecer metas para expansão do acesso à banda
larga fixa e aos serviços móveis de quarta geração (4G) – os quais começam a entrar em
operação em 2013 – e negociá-las em substituição à obrigação de reversão de parte do
patrimônio das empresas.
Essa poderia ser a base do Plano Nacional de Banda Larga 2.0, com a
vantagem de ser potencialmente mais efetiva do que a versão atual, que depositou
excessiva responsabilidade na operação da Telebrás. A partir daí, o governo federal
precisaria apenas articular com os estados alguns incentivos fiscais para novos
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Inscritos no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal.
investimentos e permitir que a Anatel faça seu trabalho de regulamentação da qualidade
e de fiscalização da competição.
Nesse acordo poderia também ser tratada a questão da neutralidade de
rede, cerne do segundo desafio de revisão legislativa e hoje debatido no já mencionado
projeto do Marco Civil da Internet. Neutralidade é o princípio que impede que os
proprietários da infraestrutura de suporte à internet decidam se e em que condições
alguém pode trafegar na rede, seja explicitamente impedindo o transporte de
determinado aplicativo, seja indiretamente, estabelecendo condições comerciais
abusivas. Ela coloca em lados opostos as operadoras de telecomunicações, que precisam
investir na infraestrutura para atender às metas de qualidade regulamentadas e ainda
manter um nível mínimo de rentabilidade, e as firmas que operam na camada Over The
Top (OTT), gerando demanda e usufruindo da rede.
Argumenta o presidente da Google que as operadoras têm de administrar
um ótimo problema. Em tese, melhor o excesso de demanda do que nenhuma. Mas o
problema não é tão simples. A questão central é o direito de livre acesso à rede, não do
usuário, mas das firmas que inovam incessantemente e fazem da internet o que ela é.
Dificilmente será encontrada uma redação que satisfaça ambos os lados
desse conflito, devendo ficar aberta a possibilidade de análise de cada caso, que se
pautaria em princípios legalmente estabelecidos. Embora a proposta de autorizar as
operadoras a diferenciar a cobrança das empresas de internet pelo tráfego gerado pareça
inadequada para assegurar a liberdade e a inovação na internet, não faz sentido restringir
seu direito de gerir o tráfego, pois disso depende a qualidade de todos os serviços
prestados.
Para resolver os conflitos que serão levados à Anatel, a agência precisará
investir na capacitação de seus engenheiros e economistas. Identificar se, em que
medida, e com que propósito uma operadora impôs restrição ao tráfego OTT, para
subsidiar a interpretação jurídica de que a operadora teria ou não infringido princípios
de neutralidade da internet, exigirá quadros capacitados, processos estruturados e
sistemas de informação adequados. E de tudo isso depende o avanço eficiente da banda
larga no País.
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