Saúde pública e agricultura
Amílcar Duarte*
As questões ligadas com a saúde pública e, consequentemente com a segurança
alimentar constituem cada vez mais preocupações para qualquer cidadão consciente e
qualquer governo responsável. A obrigatoriedade de implementação de sistemas de
HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points - Análise de Riscos e Controlo
de Pontos Críticos) na indústria agro-alimentar e nas próprias instalações de
processamento de frutas e hortaliças vem ao encontro dessas preocupações. A
implementação dos modos de produção em protecção integrada, produção integrada e
agricultura biológica são também um importante contributo para uma alimentação mais
saudável, dadas as limitações (em diferentes graus) da aplicação de pesticidas e outros
agroquímicos e o compromisso de recorrer a assistência técnica qualificada. Porém,
grande parte da produção de alimentos é feita em explorações agrícolas que não
dispõem de qualquer aconselhamento técnico. Se isso é admissível na nossa pequena
agricultura tradicional e nas hortas para autoconsumo já não parece razoável em
explorações de maior dimensão. Se analisarmos esta questão com mais pormenor,
surpreende a discrepância entre os níveis de regulamentação nas diversas vertentes da
protecção à saúde pública. Se para comprar um antibiótico, que afecta a saúde de quem
o toma, é necessário ter uma receita médica, é lógico que para comprar quantidades
significativas de pesticidas que podem afectar a saúde de milhares de pessoas, em breve
passe a ser necessária uma recomendação técnica e que a aplicação desses produtos seja
da responsabilidade de um agrónomo ou outro técnico de ciências agrárias. Claro que
não se discute a necessidade de receita médica para comprar o antibiótico, até porque é
evidente a sua necessidade. Já no que diz respeito à livre aquisição de pesticidas por
parte de qualquer pessoa, incluindo menores, muito há que fazer. Se tomarmos em
consideração o grau de toxicidade de alguns produtos, a necessidade de rigor técnico na
sua aplicação, o efeito que podem ter sobre o ambiente e o perigo que eles representam
para quem os manuseia e aplica e para os consumidores dos produtos agrícolas a que
eles são aplicados, então poderemos mesmo dizer que o rei vai nu.
A exigência legal de uma receita para a compra dos pesticidas é algo que já se pratica
noutros países, incluindo alguns com quem temos relações privilegiadas, como o Brasil.
Em Portugal, algumas cadeias de comercialização já exigem que os seus fornecedores
só apliquem pesticidas recomendados pelo engenheiro agrónomo que dá assistência
técnica à exploração. Mas é importante que se caminhe rapidamente no sentido de
reconhecer aos médicos do campo, os engenheiros agrónomos, o seu importante papel
na produção de alimentos saudáveis, de forma a evitar que a medicina se defronte cada
vez mais com difíceis problemas de saúde que têm a sua origem na alimentação. Como
dizia Pierre Delbet, um professor de medicina francês, “nenhuma actividade humana,
nem mesmo a medicina, tem tanta importância para a saúde como a agricultura”.
*Docente da Faculdade de Engenharia de Recursos Naturais - Universidade do Algarve
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