INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA – INPA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GENÉTICA, CONSERVAÇÃO E
BIOLOGIA EVOLUTIVA – PPG GCBEv
Perfil genotóxico e bioacumulação de metais em Hoplias malabaricus (Bloch, 1794)
de tributários dos rios Negro e Solimões
MAILSON RAFAEL DOS SANTOS FERREIRA
MANAUS – AM
2013
MAILSON RAFAEL DOS SANTOS FERREIRA
Perfil genotóxico e bioacumulação de metais em Hoplias malabaricus (Bloch, 1794)
de tributários dos rios Negro e Solimões
ORIENTADORA: Dra. Maria Claudia Gross
COORIENTADORA: Dra. Fabíola Xochilt Valdez Domingos
Dissertação apresentada ao Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre em
Genética, Conservação e Biologia Evolutiva.
Financiamento: CNPq/FAPEAM–PRONEX–A Biogeoquímica de Carbono e Mercúrio
na Bacia Amazônica; PPP/FAPEAM – Identificação e mapeamento físico
cromossômico de sequências de DNA obtidas de micronúcleos de peixes
submetidos a diferentes condições de estresse; Universal/CNPq – Ferramentas
para o biomonitoramento do rio Solimões.
MANAUS – AM
2013
ii
FICHA CATALOGRÁFICA
F383
Ferreira, Mailson Rafael dos Santos
Perfil genotóxico e bioacumulação de metais em Hoplias
malabaricus (Bloch, 1794) de tributários dos rios Negro e Solimões
/ Mailson Rafael dos Santos Ferreira. --- Manaus : [s.n], 2014.
Xviii, 103f. : il. color.
Dissertação (Mestrado) --- INPA, Manaus, 2014.
Orientador : Maria Claudia Gross.
Coorientador : Fabíola Xochilt Valdez Domingos.
Área de concentração : Genética, Conservação e Biologia Evolutiva
1. Traíra. 2. Bioacumulação de metais. 3. Genotoxidade.
I. Título.
CDD 597.0929
Sinopse
Peixes do gênero Hoplias (traíras) de tributários dos rios Negro e Solimões estão
expostos às variações ambientais naturais ou provocadas por interferência humana. A
qualidade destes ambientes e da saúde dos peixes foi avaliada via biomarcadores de
genotoxicidade e bioacumulação de metais, mostrando que peixes da dieta alimentar da
população ribeirinha amazônica apresentam indícios de alterações no material genético
e na estruturação da membrana nuclear, bem como bioacumulação de metais acima de
limites estabelecidos para consumo por agências reguladoras. Os metais e as variáveis
ambientais parecem interferir na incidência de danos genotóxicos, estando os peixes
dos tributários do rio Negro mais afetados quanto a integridade do material genético.
Esses riscos podem ser repassados a população humana que diariamente se alimenta
desses peixes, absorvendo também os elementos tóxicos que provocam alterações no
material genético e na sua qualidade de vida.
Palavras-chave: Traíra, micronúcleo, anormalidades nucleares eritrocíticas, variáveis
ambientais, Amazônia.
iii
À minha família.
Em especial, aos meus amados pais, Dário e Nazaré,
pelo amor dedicado sempre,
por fazerem de meus objetivos, suas metas,
por vezes abdicarem de seus sonhos em favor dos meus,
por me entenderem, apoiarem e esperarem por minha conquista.
iv
A realização deste projeto foi possível devido:
Ao Programa de Pós-graduação em Genética, Conservação e Biologia Evolutiva
(PPG-GCBEv) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).
Ao Laboratório de Citogenética Animal (LACA), da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), Laboratório Temático de Microscopia Óptica e Eletrônica (LTMOE),
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e Laboratório de Biogeoquímica
Ambiental Wolfgang Christian Pfeiffer (LABIOGEOQ), da Universidade Federal de
Rondônia (UNIR), com auxílio dos quais foram desenvolvidas as partes laboratoriais
deste trabalho.
Ao projeto CNPq/FAPEAM – PRONEX – A Biogeoquímica de Carbono e Mercúrio
na Bacia Amazônica (JAN. DE 2009 / DEZ. DE 2012) pelo financiamento proporcionado
e por ter possibilitado as coletas do material biológico em campo, assim como ao projeto
“PPP/FAPEAM - Identificação e mapeamento físico cromossômico de sequências de
DNA obtidas de micronúcleos de peixes submetidos a diferentes condições de estresse”.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela
concessão da bolsa de estudo durante a realização deste trabalho de mestrado.
v
AGRADECIMENTOS
Ao final desta etapa de trabalho recordo de muitos que me oportunizaram,
ajudaram, cruzaram meu caminho e que deixaram marcas. Sem vocês seria muito mais
difícil a realização deste. Por isso gostaria de agradecer profundamente:
Às minhas incomparáveis orientadoras por sempre estarem presentes e me
guiarem nessa jornada, pelas palavras certas nas horas difíceis, pela amizade e carinho.
À Maria Claudia, pela confiança, motivação, companheirismo e compreensão. À Fabíola,
pelos bons conselhos, dedicação e apoio incondicional nas atividades de laboratório e
coletas de campo. Vocês foram meu apoio e sustentação. Mais que orientadoras: duas
grandes amigas. Obrigado por me tornarem um melhor profissional.
Ao Laboratório de Citogenômica Animal, da UFAM, e Laboratório de Microscopia
Ótica e Eletrônica, do INPA, nos quais desenvolvi as análises da minha pesquisa.
Ao professor Dr. Bruce Fosberg, coordenador geral do projeto científico ao qual
meu trabalho está vinculado e que possibilitou o desenvolvimento desse importante
trabalho de biomonitoramento ambiental.
A todos os amigos do projeto PRONEX, sem exceção, que junto a mim
embarcaram nas inesquecíveis excursões de campo pelos rios da Amazônia. Mesmo
com tantas tarefas sempre pudemos contar um com os outros e assim superar as
dificuldades que apareceram, sempre com muito companheirismo e empolgação. Em
especial aos que me ajudaram nas pescarias e coletas dos tecidos Joãozinho Rocha,
Thiago Luis, Márcio Ferreira, Kinny Derzy, Otávio Peleja, Sérgio Oliveira, Altamir
“Negão”, Jeane, Lana, além dos pescadores/ribeirinhos que sempre nos ajudaram e nos
receberam cordialmente.
À Dani Kasper, Dr. Reinaldo Peleja e Dra. Ynglea Goch, João Henrique Amaral
(“Minhoca”), colegas da UFRJ e da UNIR, pelas trocas de dados científicos e conversas
que colaboraram para o melhor desenvolvimento desse trabalho.
vi
Ao Eduardo, Dr. Wanderley Bastos, Márcio Miranda, Jane Paiva, e demais
colegas da UNIR – Porto Velho/RO, pela essencial contribuição na análise de
bioacumulação de metais e por me receberem tão bem durante minha estadia.
Ao Laboratório de Ecossistemas Aquáticos, Laboratório de Genética Animal,
Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular, do INPA, Laboratório de Biologia
Ambiental e Laboratório de Genética e Biodiversidade, da UFOPA, que também
contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho em apoio de estrutura, análises e
excursões de campo.
Aos companheiros do LTMOE (Laboratório Temático de Microscopia Ótica e
Eletrônica): Wilson, Jaque, pela ajuda nos últimos meses de mestrado.
À família LACA (Laboratório de Citogenômica Animal – UFAM): Ana Carolina,
Camila, Carlos, Francijara, Leandra, Marília, Natália, Renan e Thaís. Conviver e trocar
experiência com cada um de vocês, além de uma grande alegria, é sempre muito
gratificante.
À minha grande amiga e parceira Luciana Fé (“Lulu”), que sempre me incentivou,
colaborou e se dispôs a ajudar de todas as maneiras possíveis, não medindo esforços
para tanto.
À minha amiga Brenda Moraes, que sempre se dispôs a colaborar tanto no
laboratório quanto nos momentos em que precisei, dando muito apoio e amizade.
Aos amigos de pós-graduação: Adriana Tatikawa, Jennifer Ferreira, José Gregório
pela força de sempre. À Maysa Matos pela ajuda na confecção do mapa e à Denize
Benzaken pela ajuda nos momentos em que precisei.
Aos professores do PPG-GCBEv, por tantos conhecimentos repassados,
conselhos e oportunidades para novos conhecimentos na área ao qual escolhi
embarcar.
À banca avaliadora e referees deste trabalho de mestrado pelas imprescindíveis
contribuições acrescentadas durante a avaliação do Plano de Trabalho, Aula de
Qualificação e Defesa da dissertação: Dra. Christiane Oliveira, Dra. Eliana Feldberb,
Dra. Vera Val, Dra. Ynglea Goch, Dr. Wanderley Bastos e Dr. Bruce Forsberg.
vii
À Dra Sueli Costa, do INPA, e ao Dr. Carlos Edwar, da UFAM, pelos
esclarecimentos quanto a utilização dos testes estatísticos usados para este trabalho,
pela gentileza de nos atender.
Aos colegas da Escola Estadual Nossa Senhora Aparecida que compreenderam e
ajudaram para o andamento e término deste trabalho: especialmente ao José Ricardo
Nunes de Melo e Marlene Lira.
À minha família manauara: Maycon, Bernadete e Lourival. Por tudo que fizeram
por mim e fazem até hoje, pelo carinho e amor que me dedicam sempre. São essenciais
na minha nova jornada.
Em especial, à Minha Família, meus maiores incentivadores. Pelo apoio
incondicional, amor e carinho de sempre. Meus amados pais, Dário e Nazaré, meus
amados irmãos e irmãs, em especial à Monalise por me auxiliar na reta final no
laboratório. E aos demais familiares. Por acreditarem na minha capacidade.
E principalmente, ao Meu Deus por me abençoar com a oportunidade de cursar
minha pós-graduação, com sabedoria e saúde. “Senhor Tu és o meu refúgio e minha
segurança... Posso estender as mãos e segurar em Ti”.
É com grande satisfação que dedico este espaço a todas as pessoas que de
alguma forma me ajudaram a alcançar mais esta etapa da minha vida e a realização de
um sonho, mesmo que não tenham sido citadas. Deixo aqui meus saudosos e sinceros
agradecimentos.
viii
“Jamais considere seus estudos como uma obrigação,
mas como uma oportunidade invejável para aprender a conhecer
a influência libertadora da beleza do reino do espírito,
para seu próprio prazer pessoal e
para proveito da comunidade à qual seu futuro trabalho pertencer”.
Albert Einstein
ix
RESUMO
A presença de metais na biota e corpos aquáticos representa motivo de
preocupação com relação à saúde animal e humana na Amazônia. Apesar da liberação
desses compostos por meio de atividades antrópicas nos rios amazônicos, como por
mineração e poluição urbana, sua origem natural é também conhecida. O mercúrio, por
exemplo, apresenta-se em altas concentrações no solo da bacia do rio Negro. A
bioacumulação de metais (Hg, Cu, Zn, Cr, Fe, Mn, Ni, Pb e Co) e efeitos genotóxicos
foram avaliados na espécie de peixe carnívora Hoplias malabaricus, uma importante
fonte de alimento para as comunidades ribeirinhas amazônicas. Os peixes foram
avaliados em duas bacias com diferentes características limnológicas. Tributários do rio
Solimões-Amazonas contêm altos níveis de sólidos em suspensão, pH neutro e baixas
concentrações de carbono orgânico dissolvido. Rios da bacia Negro apresentam pH
ácido e alta concentração de carbono orgânico dissolvido, devido à presença de
substâncias húmicas. As concentrações de mercúrio (1 mg/kg) no músculo de peixes
ultrapassou a recomendação da legislação brasileira em apenas uma área de
amostragem da bacia do rio Negro e as concentrações de cromo (0,1 mg/kg) no músculo
de peixes ultrapassou a recomendação da legislação brasileira apenas em duas áreas
amostradas da bacia do rio Solimões-Amazonas. A Análise de Componentes Principais
(ACP) mostrou as variáveis ambientais: pH, oxigênio dissolvido, temperatura e
condutividade elétrica, influenciando na bioacumulação de metais e seus efeitos
genotóxicos em H. malabaricus. Peixes de tributários do rio Negro são mais afetados
pela ação genotóxica dos metais do que peixes de tributários do rio Solimões-amazonas.
Apesar de observada em ambas as bacias, a ocorrência de micronúcleos (MN) e
anormalidades nucleares (ANE) foi significativamente maior nos peixes de tributários do
rio Negro em comparação com os da bacia do rio Solimões-Amazonas. Para água preta
as ANEs se mostraram um melhor biomarcador, enquanto que para a água branca
foram os MNs. Portanto, uma vez que danos genotóxicos sofrem influência da
bioacumulação dos metais avaliados mesmo em concentrações abaixo dos limites
estabelecidos como seguros para consumo de pescado pela ANVISA, a população que
se alimenta de traíras está predisposta a absorver os contaminantes acumulados em
seus tecidos e pode ser afetada pelos problemas que as afetam. Esses dados
contribuem para a discussão das concentrações máximas de metais permitidas em
ambientes aquáticos da Amazônia.
x
Abstract
The presence of metals in the biot and water bodies is a cause of concern in
animal and human health in the Amazon. Despite of the compounds input towards
human activities on amazonian rivers, such as mining and urban pollution, their natural
backgrounds are also known. Mercury, for example, is present in high concentrations on
soil of the Rio Negro basin. Bioaccumulation of metals (Hg, Cu, Zn, Cr, Fe, Mn, Ni, Pb
and Co) and genotoxic effects were evaluated in the amazonian species of carnivorous
fish Hoplias malabaricus, an important food source for amazon “ribeirinha” communities.
Fishes were evaluated in two basins with different limnological characteristics. SolimõesAmazonas River contains high levels of suspended solids, neutral pH and low
concentrations of dissolved organic carbon. Rivers from Negro basin contains acidic pHs
and high concentration of dissolved organic carbon due to the presence of humic
substances. The concentrations of mercury (1 mg/kg) on fish muscle have been
exceeded Brazilian law recommendation only in one sampling area from Negro river
basin and the concentrations of chromium (0,1 mg/kg) on fish muscle have been
exceeded Brazilian law recommendation only in two sampling areas fish from SolimõesAmazonas river basin. The Principal Component Analysis (PCA) showed environmental
variables: pH, dissolved oxygen, temperature and electrical conductivity, influencing on
bioaccumulation of metals and their genotoxic effects in Hoplias malabaricus. Fish from
Rio Negro tributaries are more affected by genotoxic effects of metals than fish from Rio
Solimões-Amazonas tributaries. Nevertheless the occurrence of micronucleus and
nuclear abnormalities was observed in both basins, and where significantly higher on fish
from Negro river compared to fish from Solimões-Amazonas river basin. ENA proved a
better biomarker for black water besides MNs for white water. Therefore, since genotoxic
damage are influenced by bioaccumulation of metals evaluated even at concentrations
below the limits established as safe for fish consumption by ANVISA, the population who
eats Hoplias malabaricus is predisposed to absorb accumulated contaminants in their
their tissues and may be affected by the problems that affect them. This data can
contribute to the discussion of the maximum concentrations of metals allowed on aquatic
environments from Amazon.
xi
SUMÁRIO
1. Introdução .................................................................................................................. 18
2. Objetivos .................................................................................................................... 26
2.1 Objetivo Geral .........................................................................................................26
2.2 Objetivos específicos ..............................................................................................26
3. Material e Métodos .................................................................................................... 27
3.1 Modelo biológico e coletas ......................................................................................27
3.2 Características físico-químicas da água .................................................................30
3.4 Determinação da bioacumulação de metais ...........................................................30
3.3 Biomarcadores de Genotoxicidade .........................................................................31
3.5. Tratamento estatístico ............................................................................................32
4. Resultados ................................................................................................................. 34
4.1. Caracterização físico-química dos ambientes de coleta ........................................37
4.2. Bioacumulação de metais em músculo de traíras e consumo de pescado ............38
4.2.1. Zinco ...............................................................................................................38
4.2.2. Cobre ..............................................................................................................39
4.2.3. Níquel ..............................................................................................................42
4.2.4. Chumbo ...........................................................................................................42
4.2.5. Manganês........................................................................................................44
4.2.6. Ferro ................................................................................................................44
4.2.7. Cobalto ............................................................................................................44
4.2.8. Cromo .............................................................................................................46
4.2.9. Mercúrio ..........................................................................................................46
5. Discussão ................................................................................................................... 68
6. Conclusões ................................................................................................................ 87
7. Referências ................................................................................................................ 89
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Esforço amostral realizado para a coleta de peixes ao longo de tributários do
rio Negro durante os períodos de cheia e seca e do rio Solimões durante a seca. .........29
Tabela 2. Número de indivíduos coletados ao longo de tributários do rio Negro durante
os períodos de cheia e seca e do rio Solimões durante a seca de acordo com suas
classes de tamanho. ........................................................................................................33
Tabela 3. Cargas das coordenadas fatoriais das variáveis sobre os dois fatores
principais resultantes da análise de componentes principais dos dados obtidos ao longo
de tributários do rio Negro e do rio Solimões (Amazonas). Somente as cargas mais
elevadas com valor acima de 0,40 são mostradas na tabela por representarem maior
variância. Variáveis: °C (temperatura), ANE (Anormalidades Nucleares Eritrocíticas), Cdv
(Condutividade), Co (Cobalto), Cr (Cromo), Cu (Cobre), Fe (Ferro), Hg (Mercúrio), Mn
(Manganês), MN (Micronúcleos), Ni (Níquel), Pb (Chumbo), pH, Peso, Zn (Zinco).
(Método de extração: Análise de Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos). 36
Tabela 4. Caracterização físico-química de tributários do rio Negro durante os períodos
de cheia e seca e do rio Solimões durante a seca...........................................................38
Tabela 5. Concentração de metais em tecido muscular de traíras coletadas ao longo de
tributários dos rios Negro e Solimões (Amazonas). Hg: mercúrio; Cr: cromo; Cu: cobre;
Zn: zinco; Mn: manganês; Fe: ferro; Pb: chumbo; Ni: níquel; Co: cobalto. ......................40
Tabela 6. Frequências médias (%) de eritrócitos normais, micronucleados (MN) e
alterações nucleares (ANE) em eritrócitos de Hoplias malabaricus em tributários dos rios
Negro e Solimões. ...........................................................................................................54
Tabela 7. Cargas das coordenadas fatoriais das dezesseis variáveis sobre os dois
fatores principais resultantes da análise multivariada na análise por bacia dos
organismos coletados ao longo de tributários do rio Negro e do rio Solimões
(Amazonas). A matriz de carregamento foi adaptada de modo a que as colunas
aparecem em ordem decrescente de variância explicada por fatores. Somente as cargas
mais elevadas com valor acima de 0,47 foram são mostradas na tabela por
representarem maior variância. (Método de extração: Análise de Componentes
Principais; rotação: Varimax; 6 casos.) Variáveis: °C (temperatura), ANE (Anormalidades
Nucleares Eritrocíticas), Cdv (Condutividade), Co (Cobalto), Cr (Cromo), Cu (Cobre), Fe
(Ferro), Hg (Mercúrio), Mn (Manganês), MN (Micronúcleos), Ni (Níquel), Pb (Chumbo),
pH, Peso, Zn (Zinco). .......................................................................................................62
xiii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Exemplar de Hoplias malabaricus. Foto: Luís Rodrigues 2010. .......................27
Figura 2. Localidades de coleta dos peixes em tributários dos rios Negro e Solimões,
Amazonas. Os pontos pretos mostram as coletas realizadas nos tributários do rio Negro
durante a cheia, os pontos alaranjados mostram as coletas realizadas nos tributários do
rio Negro em período de seca e os pontos vermelhos mostram os pontos de coleta nos
tributários do rio Solimões/Amazonas..............................................................................28
Figura 3. Análise de componentes principais (ACP) dos biomarcadores e variáveis
ambientais nos tributários do rio do Negro (círculo azul) e do rio Solimões (círculo verde).
Os fatores 1 e 2 mostrados aqui representam 55% de variância dos dados. A variância
explicada por cada fator é mostrada na Tabela 3. (Método de extração: Análise de
Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos). ss = rio Solimões no periodo de
seca; nc = rio Negro no período de cheia; ns = rio Negro no período de seca. ...............35
Figura 4. Concentração de zinco (A) e cobre (B) em tecido muscular de traíras coletadas
ao longo de tributários dos rios Negro e Solimões (Amazonas). Os círculos sem
preenchimento mostram os tributários do rio Solimões e os círculos com preenchimento
mostram os tributários do rio Negro. As linhas tracejadas azuis mostram as
concentrações máximas estabelecidas para consumo pela legislação brasileira para Zn
(50 mg.kg-1) e Cu (3,5 mg.kg-1) – Portaria 685/98 e Decreto 55.871/65 da ANVISA. .....41
Figura 5. Concentração de níquel (A) e chumbo (B) em tecido muscular de traíras
coletadas ao longo de tributários dos rios Negro e Solimões (Amazonas). Os círculos
sem preenchimento mostram os tributários do rio Solimões e os círculos com
preenchimento mostram os tributários do rio Negro. As linhas tracejadas azuis mostram
os valores máximos estabelecidos pra consumo pela legislação brasileira para Ni (5,0
mg.kg-1) e Pb (2,0 mg.kg-1) – Portaria 685/98 e Decreto 55.871/65 da ANVISA. ............43
Figura 6. Concentração de manganês (A), ferro (B) e Cobalto (C) em tecido muscular de
traíras coletadas ao longo de tributários dos rios Negro e Solimões (Amazonas). Os
círculos sem preenchimento mostram os tributários do rio Solimões e os círculos com
preenchimento mostram os tributários do rio Negro. Para esses metais não há valores
máximos estabelecidos pra consumo pela legislação brasileira – Portaria 685/98 e
Decreto 55.871/65 da ANVISA. .......................................................................................45
Figura 7. Concentração de cromo (A) e mercúrio (B) em tecido muscular de traíras
coletadas ao longo de tributários dos rios Negro e Solimões (Amazonas). Os círculos
sem preenchimento mostram os tributários do rio Solimões e os círculos com
preenchimento mostram os tributários do rio Negro. As linhas tracejadas azuis mostram
os valores máximos estabelecidos pra consumo pela legislação brasileira para Hg em
peixes carnívoros (1,0 mg.kg-1 para peixes carnívoros) e Cr (0.1 mg.kg -1) - Portaria
685/98 e Decreto 55.871/65 da ANVISA. ........................................................................47
xiv
Figura 8. Concentração de Mercúrio (Hg) em tecido muscular de traíras coletadas ao
longo de tributários do rio Negro durante os períodos de cheia e seca e do rio Solimões
durante a seca (Amazonas). Cada ponto no gráfico representa um indivíduo analisado. A
linha azul mostra os valores recomendados pela ANVISA. .............................................48
Figura 9. Bioacumulação de mercúrio por diferentes classes de peso nos tributários do
rio Negro (A) e nos tributários do rio Solimões (B). Diferença significativa entre a x b. As
linhas azuis mostram os valores recomendados pela ANVISA. ......................................50
Figura 10. Bioacumulação de Cromo em peixes de peso entre 75 a 249g nos tributários
do rio Solimões. Nenhum peixe mostrou valores acima dos recomendados pela ANVISA.
Diferença significativa entre a x b. Somente tributários com n>3 são mostrados. ...........51
Figura 11. Bioacumulação de Cromo em peixes de peso entre 250 a 499g nos tributários
do rio Negro (A) e Solimões (B). Bioacumulação de mercúrio em peixes de peso entre
250 a 499g nos tributários do rio Negro (C) Nenhum peixe mostrou valores acima dos
recomendados pela ANVISA. Diferença significativa entre a x b. Somente tributários com
n>3 são mostrados. .........................................................................................................52
Figura 12. Danos genotóxicos em Hoplias malabaricus coletados em tributários dos rios
Negro e Solimões. Células eritrocíticas normais (A); Célula micronucleada (B); Núcleo
em forma de rim (C); Núcleo lobado (D); Núcleo segmentado (E); Núcleo Vacuolado (F).
Fotos do autor. .................................................................................................................53
Figura 13. Frequência de ocorrência dos danos genotóxicos (%) observados em
eritrócitos de Hoplias malabaricus nos tributários dos rios Negro e Solimões. Núcleos em
forma de rim (NR), lobados (NL) segmentados (NS), vacuolados (NV), micronúcleos
(MN). ................................................................................................................................57
Figura 14. Frequências (%) de micronucleados (MN) em eritrócitos de Hoplias
malabaricus em tributários dos rios Negro (A) e Solimões (B). Diferença significativa
entre a x b. Somente tributários com n>3 são mostrados. ...............................................58
Figura 15. Frequências (%) de Anormalidade Nucleares Eritrocíticas (ANE) em eritrócitos
de Hoplias malabaricus em tributários dos rios Negro. Diferença significativa entre b x e,
b x d, c x d, c x e. Somente tributários com n>3 são mostrados. .....................................59
Figura 16. Frequências (%) de Anormalidade Nucleares Eritrocíticas (ANE) em eritrócitos
de Hoplias malabaricus da classe de peso de 250 a 500g em tributários dos rios Negro
(A). Diferença significativa entre a x b. Frequência de eritrócitos micronucleados (MN)
entre tributários dório Solimões (B). Diferença significativa entre a x b. Somente
tributários com n>3 são mostrados. .................................................................................60
Figura 17. Projeção de todas as variáveis avaliadas em Hoplias malabaricus coletadas
em tributários do rio Negro (A) e projeção de todas as variáveis avaliadas em Hoplias
malabaricus coletadas em tributários do rio Solimões (B). Variáveis: °C (temperatura),
ANE (Anormalidades Nucleares Eritrocíticas), Cdv (Condutividade), Co (Cobalto), Cr
(Cromo), Cu (Cobre), Fe (Ferro), Hg (Mercúrio), Mn (Manganês), MN (Micronúcleos), Ni
xv
(Níquel), Pb (Chumbo), pH, Peso, Zn (Zinco). (Método de extração: Análise de
Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos)......................................................63
Figura 18. Análise de componentes principais (ACP) dos biomarcadores e variáveis
ambientais nos tributários do rio do Negro (A) e do rio Solimões (B). Os fatores 1 e 2
mostrados aqui representam 66% de variância dos dados para o rio Negro e 78% de
variância para o Solimões. Os círculos mostram os agrupamentos formados nos
tributários do rio Negro (azul) e do rio Solimões (verde). Os pontos não circulados não se
formaram agrupamentos. A variância explicada por cada fator é mostrada na Tabela 7.
(Método de extração: Análise de Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos). ss
= rio Solimões no periodo de seca; nc = rio Negro no período de cheia; ns = rio Negro no
período de seca. ..............................................................................................................65
Figura 19. Dendograma das variáveis ambientais e biomarcadores observados nas
traíras coletadas nos tributários do rio Negro (A) e Solimões (B). Variáveis: ANE
(Anormalidades Nucleares Eritrocíticas), Co (Cobalto), Cr (Cromo), Cu (Cobre), Fe
(Ferro), Hg (Mercúrio), Mn (Manganês), MN (Micronúcleos), Ni (Níquel), O2 (Oxigênio),
Pb (Chumbo), pH, Zn (Zinco). (medida de distância: euclidiana; regra de amalgamação:
Linkage Único). ................................................................................................................67
xvi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACP: Análise de componentes principais
ANE: Anormalidades nucleares eritrocíticas
ANVISA: Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Cdv: Condutividade
Co: Cobalto
COD/DOC: Carbono orgânico dissolvido
Cr: Cromo
Cu: Cobre
DNA: Ácido desoxirribonucléico
EN: envelope nuclear
Fe: Ferro
Hg: Mercúrio
Mn: Manganês
MN: Micronúcleo
Ni: Níquel
O2: Oxigênio
OD: Oxigênio dissolvido
Pb: Chumbo
Zn: Zinco
WHO: Organização Mundial da Saúde (do inglês: World Health Organization).
xvii
1. Introdução
Os rios da bacia amazônica apresentam grande variação quanto a sua
composição físico-química e formação de diferentes tipos de ambientes. Mostram uma
forte relação entre a hidroquímica e o ambiente por onde percolam, sendo suas
características físico-químicas, como condutividade e disponibilidade de oxigênio
dissolvido, influenciadas por fatores como a vegetação e tipos de rochas (Sioli, 1984 a;
b). Estas características vêm sendo utilizadas na classificação das águas superficiais
amazônicas em três tipos principais: rios de águas claras, brancas e pretas (Sioli 1950;
Sioli, 1984 a; b; Junk et al., 2011). Os dois últimos tipos são encontrados ao longo de
toda a bacia hidrográfica amazônica, enquanto que os rios de água clara estão
localizados na parte oriental, sendo originados no Planalto Central Brasileiro ou no
Planalto Guianense, com águas límpidas e transparentes, cujas características químicas
são de transição entre os outros dois tipos (Sioli, 1984a, 1984b; Junk et al., 2011). Os
rios de água branca são aqueles de origem andina e sub-andina. Devido aos muitos
processos erosivos ao longo de suas margens apresentam águas turvas, barrentas e
amareladas, com elevada quantidade de material particulado em suspensão. São típicas
dos rios Solimões, Amazonas, Madeira, Purus, Juruá, Japurá, entre outros, os quais
formam em suas margens uma planície de aluviões recentes, as várzeas. Possuem pH
próximo ao neutro e, comparados aos outros tipos de rios amazônicos, são
relativamente ricos em íon cálcio (Ca 2+) e bicarbonato (HCO3-), sendo também
classificados como águas carbonatadas (Sioli, 1984a; b; Queiroz et al., 2009; Junk et al.,
2011). Os rios de água preta são transparentes, de cor verde escuro a marrom, com alto
conteúdo de componentes húmicos e substâncias fúlvicas dissolvidas incompletamente,
que juntamente com os altos conteúdos de sódio (Na +) e potássio (K+), acidificam (pH
próximo a 4,0) e escurecem as águas provenientes da drenagem dos escudos das
Guianas e Brasileiro e da planície da Amazônia Central. As águas pretas têm como
principal representante o rio Negro e têm níveis extremamente baixos de nutrientes
(Sioli, 1984a; 1984b; Junk et al., 2011).
18
Os rios amazônicos percorrem o interior da floresta e durante os períodos da
cheia suas águas extravasam, resultando na imersão de várias áreas de floresta,
alagando várzeas e igapós, o que favorece o carreamento de matéria orgânica
particulada (Junk, 1997; Borum et al., 2001), oriunda de restos recém-formados de
folhas, madeiras, animais e constituintes celulares – origem autóctone – ou originada
dos solos via lixiviação e erosão – origem alóctone (Thurman 1985; Hedges et al., 1986;
Rocha e Rosa, 2003; Wood et al., 2011), sendo quantificada como carbono orgânico
dissolvido (COD ou DOC), o qual funciona como regulador de processos bióticos e
abióticos em ecossistemas de água doce (Wood et al., 2011). O DOC, portanto,
representa um elemento carreador/bloqueador de metais, uma vez que os compostos
metálicos tem afinidade de complexação com substâncias húmicas aquáticas, as quais
são ricas em teores de oxigênio (Rosa e Rocha, 2003; Wood et al., 2011). Sendo assim,
os rios contribuem na transferência de substâncias dissolvidas, nutrientes e sedimentos
entre o canal principal e a planície de inundação e afetam a quantidade de compostos
que são transportados a partir do solo para os corpos d'água, estando esses processos
associados à influência dos regimes hidrológicos, variações sazonais e processos de
erosão e deposição de sedimentos (Junk, 1997; Borum et al., 2001; Rocha e Rosa,
2003).
Os corpos aquáticos amazônicos, não diferentes de outros, são receptores finais
de contaminantes liberados no ambiente, dentre eles os metais provenientes tanto de
fontes naturais por deposição de material particulado atmosférico, lavagem e lixiviação
do solo, quanto de atividades humanas por meio de lançamento direto de despejos
industriais e urbanos, e isto pode ter reflexos sobre os organismos (Förstner e Wittmann,
1983; Al-Sabti e Metcalfe, 1995). Os metais estão naturalmente disponíveis nos
ambientes aquáticos em pequenas concentrações, da ordem de partes por bilhão (ppb)
a partes por milhão (ppm). Em concentrações elevadas nos ambientes aquáticos os
metais podem causar sérios efeitos nos organismos, inclusive levar à morte peixes e
seres fotossintetizantes (Jardim, 1988; Lacerda, 1997; Rocha e Rosa, 2003), pois uma
vez alcançando esses ambientes podem se tornar biodisponíveis e serem absorvidos
pelos organismos. Uma vez absorvidos podem sofrer bioacumulação, que consiste no
aumento dos níveis de determinada substância química nos tecidos dos indivíduos. Este
processo bioacumulativo é influenciado pela biodisponibilidade desses compostos
19
metálicos nos sistemas aquáticos, que por sua vez sofre influência de vários fatores,
dentre eles a acidez (pH) da água, temperatura e material orgânico dissolvido (Rocha e
Rosa, 2003). Além disso, alguns metais podem ainda biomagnificar, ou seja, aumentar
seus níveis de acumulação ao longo dos níveis tróficos afetando as espécies de níveis
tróficos superiores em maior intensidade (van der Oost et al., 2003; Silva et al., 2003), o
que significa que predadores de topo da cadeia alimentar tendem a apresentar
concentrações elevadas de compostos metálicos (Castilhos et al., 2000; Borum et al.,
2001; Silva et al., 2003). Assim, os níveis de poluentes como os metais em tecidos dos
organismos são utilizados para indicar o grau histórico de contaminação das águas em
que vivem, bem como conhecer a qualidade ambiental e detectar riscos para a saúde
humana quanto ao consumo de organismos potencialmente afetados (Silva et al., 2003).
Na bacia amazônica alguns trabalhos utilizando peixes de diferentes níveis
tróficos comprovaram que o metal mercúrio (Hg) apresenta elevada capacidade de
bioacumulação e biomagnificação na biota aquática, especialmente em peixes de níveis
tróficos superiores como traíra e tucunaré, os quais apresentam elevada concentração
de mercúrio em seus tecidos (Malm et al., 1997; Forsberg et al., 1999; Castilhos et al.,
2000; Fadini e Jardim, 2001; Borum et al., 2001; Roulet et al., 2001; Barbosa et al.,
2003; Belger e Forsberg, 2006; Jardim et al., 2010; Beltran-Pedreros et al., 2011). Além
disso, outros metais como o Al, Cd e Cr também estão sendo absorvidos por peixes
amazônicos e os níveis de concentração de alguns elementos podem causar danos à
saúde da população consumidora (Barros et al., 2010). Situações similares podem
acontecer para outros compostos e metais nos meios hídricos e nas cadeias tróficas
amazônicas.
Contudo, alguns metais apresentam função biológica e, portanto, participam
obrigatoriamente do metabolismo dos organismos vivos, tendo funções fundamentais
como em sistemas enzimáticos e/ou fazendo parte do sistema aceptor/doador de
elétrons, sendo chamados de essenciais. Dentre estes estão o Cu, Fe, Mn, Co, Mg, Ni e
Zn, os quais são necessários à vida e aceitáveis em concentrações-traço (baixas
concentrações), podendo se tornar tóxicos quando em níveis elevados. Outros metais
não apresentam funções biológicas conhecidas ou estão ausentes nos sistemas
biológicos, chamados de não essenciais. Estes, mesmo em pequenas concentrações
20
nos organismos, apresentam potencial tóxico e tendência à bioacumulação, como é o
caso do Hg, Pb, Cd e Ag (Lacerda et al., 1987; Heath, 1995).
O Mercúrio é um metal presente em alta concentração nos rios amazônicos tanto
com histórico de contaminação por atividades garimpeiras, como nos rios Tapajós e
Madeira (Pfeiffer e Lacerda, 1988; Malm et al., 1990; Roulet et al., 1999; Castilhos et al.,
2000), como sem influência de garimpo, como os rios da bacia do rio Negro, os quais
apresentam concentrações de Hg relativamente altas e associadas à abundância do
metal no solo, que é facilmente transferido para a coluna de água por lixiviação,
processos de cheia e vazante da bacia, além da atuação da fotoquímica solar (Jardim e
Fadini, 1999; Belger e Forsberg, 2006).
Porém, nos rios amazônicos, como os rios Negro e Solimões, diversos outros
metais se fazem presentes, e sua disponibilidade também está relacionada a parâmetros
como pH, condutividade e DOC (Küchler et al., 2000). Análises feitas no rio Tapajós
avaliaram a qualidade da água quanto à presença de metais e verificaram que, dentre
20 diferentes elementos (Al, Ag, As, Ba, Be, Ca, Cd, Co, Cr, Cu, Fe, Hg, Mg, Mn, Mo, Ni,
Pb, Sr, Ti e Zn), os metais Al e Fe se apresentaram em concentrações acima dos limites
aceitáveis pela legislação brasileira, estando as águas do rio Tapajós comprometidas
quanto a sua qualidade, podendo causar problemas sérios à saúde humana e da biota
de modo geral (Miranda et al., 2009). O que mostra que rios da Amazônia têm sido
afetados com poluição por elementos metálicos.
Para detectar e prevenir o impacto de compostos químicos poluentes sobre os
ecossistemas aquáticos, variadas estratégias têm sido desenvolvidas, dentre elas o
biomonitoramento e o monitoramento ambiental, que via determinação dos níveis de
contaminação da água e da biota, permitem o estudo da biodisponibilidade e da
bioacumulação de compostos, diagnosticando áreas impactadas (van der Oost et al.,
2003). O biomonitoramento pode ser realizado via a utilização de diferentes
biomarcadores, definidos como alterações em uma determinada resposta biológica
relacionada à exposição de um organismo a poluentes químicos ou ao efeito tóxico
destes compostos, podendo ser respostas comportamentais, fisiológicas, bioquímicas e
ao nível molecular (Peakall, 1994; van der Oost et al., 2003). Neste contexto, os peixes
são organismos chave na aplicação de biomarcadores para biomonitoramento e
21
utilizados amplamente em estudos de ecotoxicologia, uma vez que a absorção de
elementos pode se dar por mais vias além da alimentação, tais como difusão simples
dos íons metálicos pelos poros das brânquias, pela água ingerida e pela adsorção direta
através da pele (Sindayigaya et al., 1994). Além disso, os peixes frequentemente
respondem aos contaminantes tóxicos de forma similar aos grandes vertebrados,
podendo assim ser usados para investigar substâncias químicas com potencial para
causar efeitos à saúde humana (Silva et al., 2003) bem como atuar como organismos
"sentinelas" para indicar o potencial de exposição de populações humanas a produtos
químicos genotóxicos (Al-Sabti e Metcalfe, 1995).
A alimentação é o principal caminho para exposição das populações humanas a
agentes químicos e os peixes têm sido reconhecidos como um dos vetores potenciais
para a transferência de contaminantes aos humanos (Silva et al., 2003). A principal fonte
de proteínas, ácidos graxos e gorduras saturadas da população ribeirinha amazônica é o
tecido muscular de peixes. Sendo assim, o acúmulo de compostos poluentes como os
metais no organismo pode resultar em alterações biológicas não apenas nos peixes,
mas também nas populações humanas (Malm et al., 1995; Bidone et al., 1997; Lebel et
al., 1997; Roulet et al., 1998). A introdução de metais nos organismos humanos via
cadeia alimentar pode originar várias doenças por apresentarem efeito cumulativo,
podendo causar até a morte (Chapman et al., 1996; Rocha e Rosa, 2003).
A traíra – Hoplias malabaricus (Bloch, 1794) – é uma espécie de peixe
pertencente à família Erythrinidae, ordem Characiformes (Nelson, 1994) e apresenta
ampla distribuição geográfica, sendo encontrada em quase todas as bacias
hidrográficas, desde a América Central até o rio Colorado, no sul da Argentina, com
diferentes áreas de endemismo (Castro e Casatti, 1997; Bertollo et al., 2000; Vicari et al.,
2005; Marques, 2011). Na Amazônia pode ser encontrada em rios do Brasil, Suriname,
Venezuela, Guiana e outros (Oyakawa, 2003), sendo uma espécie de peixe bastante
consumida pelos ribeirinhos e, além disso, apresenta várias características importantes
como hábito carnívoro, alta capacidade de bioacumulação de mercúrio, adaptação e
sobrevivência em diferentes ambientes (Belger e Forsberg, 2006).
Quando adultas, as traíras apresentam um comprimento médio em torno de 50
cm e peso de até 1,5 kg e durante seu primeiro ano de desenvolvimento são onívoros,
22
alimentando-se principalmente de microcrustáceos, algas e insetos aquáticos (Castro e
Casatti, 1997). Após alcançarem 12 cm de comprimento se tornam estritamente
carnívoros e altamente especializados em piscivoria. Em situações de pouca abundância
de presas, as traíras enriquecem a sua dieta com outros ítens, como crustáceos.
Habitam preferencialmente ambientes lênticos, possuem comportamento territorialista e
hábitos noturnos. Permanecem junto à vegetação durante o dia e se alimentam durante
a noite. Os principais fatores que influenciam a ocorrência desta espécie nos ambientes
aquáticos são a disponibilidade de predadores e presas, correntes e temperatura (Gillian
e Fraser, 2001). A ausência ou baixa disponibilidade de oxigênio não é um fator limitante
à ocorrência de H. malabaricus, já que estes peixes conseguem realizar respiração
aérea e acredita-se que são capazes de se mover por trechos lodosos entre lagoas
(Nelson, 1994). Apesar de sua robustez, as traíras representam um grupo chave para o
estudo de variações genéticas, genotoxicidade e biomonitoramento ambiental, estando
seu material genético exposto às variações de seu ambiente.
Quando em intérfase, o material genético cromatínico está localizado no núcleo
das células da maioria dos organismos (eucariontes), sendo delimitado pela membrana
ou envelope nuclear (EN) (Burns e Bottino, 1991; Antonin, 2009). A membrana interior
interage diretamente com a cromatina, sendo composta pela lâmina nuclear, a qual
confere forma e estabilidade ao envelope nuclear, estando ancorada aos complexos de
poros nucleares (Antonin, 2009). No início dos processos de divisão celular o EN precisa
ser desmontado e a lâmina nuclear se despolimeriza parcialmente. Após o final da
anáfase (telófase), o EN é remontado por conta da defosforilação dos componentes
membranonucleares e recrutamento gradual dos componentes protéicos da membrana
nuclear se reagregando em torno dos cromossomos (Antonin, 2009; Chatel e
Fahrenkrog, 2011). Porém, problemas na estruturação e desestruturação do EN podem
implicar em alteração da morfologia nuclear.
Ainda, esta dinâmica nuclear pode revelar danos no material genético por meio da
reestruturação do envelope nuclear em torno de cromatina que não foi incorporada ao
núcleo da célula filha durante a divisão celular, em decorrência de danos ocorridos nas
células parentais. Estes danos muitas vezes surgem em função da exposição a agentes
mutagênicos ambientais, o qual pode induzir o DNA a modificações químicas e
ocasionar a formação de fragmentos cromossômicos ou perda de cromossomos inteiros
23
devido à disfunção no aparelho do fuso mitótico, os quais acabam formando
micronúcleos (MN) delimitados por membrana e separados do núcleo principal (Heddle,
1973; Schmid, 1975; Albertini et al., 2000; Bombail et al., 2001; Ribeiro et al., 2003).
Desta forma, o aumento da frequência de células micronucleadas é um biomarcador de
efeitos genotóxicos, que pode refletir a exposição a agentes clastogênicos – que se
referem aos eventos de dano diretamente no cromossomo e seus componentes,
notadamente no DNA – ou aneugênicos – referentes aos eventos causadores de danos
no mecanismo do fuso e outros componentes envolvidos na separação dos
cromossomos (Heddle, 1973; Schmid, 1975; Albertini et al., 2000; Fenech, 2000;
Bombail et al., 2001; Ribeiro et al., 2003). A determinação da taxa de micronucleação
representa uma forma simples e rápida na estimativa da presença de alterações
cromossômicas nas células (Martins e Boschini Filho, 2003), consideradas como
mutações e que podem ser transmitidas aos descendentes, pois o dano genético se
manifesta nas células-filhas (Ribeiro et al., 2003).
Apesar de o micronúcleo ser a anormalidade que afeta o núcleo mais estudada e
citada na literatura, podem ocorrer outros tipos de anomalias celulares, formadas
quando determinada quantidade de material fica levemente atrasada na mitose. Isso faz
com que o núcleo resultante não seja oval, mas apresente uma saliência de cromatina
(Bombail et al., 2001), as quais são conhecidas como anormalidades nucleares e,
quando estudadas em eritrócitos, são chamadas de anormalidades nucleares
eritrocíticas (ANE). MN e ANE se enquadram, portanto como biomarcadores de
genotoxicidade e representam alterações em nível molecular, como danos no material
genético. Podem ser visualizados por meio de anomalias na forma dos núcleos de
eritrócitos ou como quebras no DNA que se manifestam como micronúcleos em resposta
à presença de poluentes ambientais (Al-Sabti e Metcalfe, 1995).
A avaliação da frequência de MN e das ANE tem sido intensamente utilizada em
peixes para investigação de efeitos de compostos presentes no ambiente aquático, e
sua eficiência tem sido bastante comprovada (Al-Sabti e Metcalfe, 1995; Grisolia e
Cordeiro, 2000; Sánchez et al., 2000; Rashed, 2001; Vargas et al., 2001; Shahidul-Islam
e Tanaka, 2004; Bolognesi et al., 2006; Bücker et al., 2006; Udroiu, 2006). Esse tipo de
avaliação se enquadra como uma das técnicas mais adequadas para identificar
respostas integradas à mistura complexa de contaminantes (Bolognesi e Hayashi, 2011)
24
e já foi realizado em algumas espécies de peixes amazônicos, tanto em animais
coletados em seu próprio ambiente (Porto et al., 2005) ou submetidos a bioensaios
(Bücker et al., 2006; Pretti et al., 2007; Rocha et al., 2009; Groff et al. , 2010; Rocha et
al., 2010).
Investigações utilizando testes de genotoxicidade utilizando peixes amazônicos
têm mostrado eficiência quanto à ação genotóxica de substâncias poluentes sobre a
integridade do material genético. Peixes elétricos da espécie Eingenmannia virescens
foram expostos ao benzeno (50 ppm) em diferentes tempos de exposição e apesar do
teste de MN não mostrar efeitos mutagênicos significativos em eritrócitos, quebras no
DNA foram detectadas pelo Ensaio do Cometa sugerindo ação genotóxica e um efeito
tempo-dependente (Bücker et al., 2006). Peixes da espécie Prochilodus lineatus
(curimbatá) foram utilizados para avaliar os possíveis efeitos genotóxicos e mutagênicos
da fração solúvel da gasolina (FSG) via teste Cometa e da ocorrência de alterações
eritrocíticas nucleares e os resultados mostraram um efeito genotóxico e mutagênico da
gasolina, com um aumento significativo na frequência de ANE nos peixes expostos ao
contaminante (Pretti et al., 2007).
Esses estudos demonstram que diferentes estímulos ambientais e diferentes
compostos, além dos metais, podem causar danos no material genético de peixes, seja
na forma de lesões genotóxicas ou de mutações irreparáveis ao nível de cromossomos,
mostrando a importância desses organismos como modelos para avaliação e
identificação de agentes genotóxicos ou mutagênicos em ambientes aquáticos
amazônicos ou de outras regiões.
Assim, considerando que nos diferentes ambientes aquáticos amazônicos as
características físico-químicas são totalmente distintas, os processos biogeoquímicos e a
biodisponibilidade de metais podem ocorrer de forma diferenciada, e estes podem
influenciar a bioacumulação de metais e a ocorrência de danos genotóxicos de formas
distintas. Desta forma, o presente trabalho avaliou a influência de diferentes ambientes
aquáticos amazônicos e da bioacumulação de metais ao longo das bacias dos rios
Negro e Solimões do ponto de vista da integridade do material genético de traíras, sendo
de extrema importância para a compreensão destes processos em dois ambientes
contrastantes
e
para
o
estabelecimento
de
parâmetros
comparativos
para
biomonitoramento e estudos futuros.
25
2. Objetivos
2.1 Objetivo Geral

Avaliar a ocorrência de danos genotóxicos e determinar a bioacumulação de metais
em Hoplias malabaricus de tributários dos rios Negro e Solimões.
2.2 Objetivos específicos

Verificar se há indução de danos genotóxicos em traíras nos diferentes pontos
amostrados e validar essa análise como ferramenta de avaliação da qualidade
ambiental.

Identificar os tipos de anormalidades nucleares com incidência em traíras de cada
tributário amostrado.

Determinar a concentração dos metais Cobre (Cu), Cobalto (Co), Cromo (Cr),
Chumbo (Pb), Ferro (Fe), Manganês (Mn), Mercúrio (Hg), Níquel (Ni) e Zinco (Zn)
em músculo de Hoplias malabaricus de tributários amazônicos.

Comparar a bioacumulação de metais em H. malabaricus provenientes de cada
ambiente.

Comparar a bioacumulação de metais em H. malabaricus com os limites
estabelecidos pela legislação brasileira para consumo humano.

Verificar se as variáveis ambientais: pH, O2, temperatura e condutividade elétrica,
apresentam correlações com a bioacumulação de metais.

Verificar quais variáveis ambientais estão associadas às alterações genotóxicas.
26
3. Material e Métodos
3.1 Modelo biológico e coletas
Foram utilizados peixes da espécie Hoplias malabaricus (figura 1) provenientes de
tributários amazônicos ao longo dos rios Negro e Solimões/Amazonas, localizados no
estado do Amazonas – Brasil (Figura 2, com autorização do Instituto Chico
Mendes/SISBIO 29657-1/2011).
Figura 1. Exemplar de Hoplias malabaricus. Foto: Luís Rodrigues, 2010.
As coletas na bacia hidrográfica do rio Negro foram realizadas próximo à foz dos
rios Teia (n=4), Uneuxi (n=), Jurubaxi (n=7), Preta (n=11), Caurés (n=5), Unini (n=4),
igarapé Ariaú (n=13) e lago do Folharal (n=10), localizados entre os municípios de Santa
Isabel do Rio Negro (AM) e Manaus (AM), numa extensão de mais de 800 km de
percurso pelo leito do rio.
Na bacia do rio Solimões/Amazonas as coletas se deram próximo à foz dos rios
Juruá (lago Paupixuna) (n=6), Japurá (lago Curupira) (n=6), rio Purus (n=9), rio Madeira
(n=6), lago Coari (n=16) e lago Grande Manacapuru (n=13), numa extensão de mais de
1000 km de percurso pelo leito do rio.
27
Figura 2. Localidades de coleta das Hoplias malabaricus em tributários dos rios Negro e Solimões,
Amazonas. Os pontos pretos mostram as coletas realizadas nos tributários do rio Negro durante a cheia,
os pontos amarelos mostram as coletas realizadas nos tributários do rio Negro em período de seca e os
pontos vermelhos mostram os pontos de coleta nos tributários do rio Solimões/Amazonas.
O esforço amostral para coletas das Hoplias malabaricus foi distribuído em quatro
excursões-cruzeiros do projeto “A Biogeoquímica do Carbono e Mercúrio na Bacia
Amazônica” (MERCAM-PRONEX) (Tabela 1). Diferenças no número amostral entre as
estações fluviais se deve ao fato de que durante os períodos de enchente as traíras se
refugiam em regiões muito afastadas em busca de águas rasas e lênticas como
nascente de igarapés, evitando regiões alagadiças, o que dificulta sua captura. Foi
realizada uma excursão no período da cheia no rio Solimões, porém nenhuma Hoplias
malabaricus foi capturada.
28
Tabela 1. Esforço amostral realizado para a coleta de Hoplias malabaricus ao longo de tributários do rio
Negro durante os períodos de cheia e seca e do rio Solimões durante a seca.
Período da Excursão
Bacia Hidrográfica
Período fluvial
Peixes analisados
Julho/2011
Negro
Cheia
28
Novembro/2011
Solimões
Seca
68
Maio/2012
Solimões
Cheia
0*
Setembro/2012
Solimões
Seca
07
Dezembro/2012
Negro
Seca
77
Total
180
* Nesta excursão foi utilizado o mesmo esforço, porém nenhum peixe foi capturado.
As Hoplias malabaricus foram coletados com malhadeiras, tarrafas, linha e anzol,
com o auxílio de pescadores locais. Para evitar diferenças na dieta relacionadas ao
tamanho, apenas espécimes adultos estritamente carnívoros, ou seja, acima de 15 cm
de comprimento, foram amostrados. Após a captura foram mantidas em caixas
isotérmicas com água do ambiente da coleta, aerada com bomba de oxigenação. Os
animais foram devidamente anestesiados e eutanasiados com a adição de óleo de cravo
(Eugenol) 5% na água, diluído em concentração final de 0,05%. Realizada a anotação
da biometria (peso, comprimento total e comprimento padrão), fez-se então a coleta de
sangue periférico (0,2 ml) e de tecido muscular branco (aproximadamente 3g).
Depois de eutanasiados os espécimes foram armazenados em freezer para
posterior fixação em formol e confirmação de identificação pela equipe da Coleção de
Peixes do INPA, espécimes testemunho foram depositados nesta coleção. Todos os
procedimentos foram realizados de acordo com os Princípios Éticos de Experimentação
Animal do Conselho Nacional de Experimentação Animal (CONCEA) e sob aprovação
da Comissão de Ética em Pesquisa no Uso de Animais (CEUA) n°. 046/2012 do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (Anexo).
29
3.2 Características físico-químicas da água
Os dados físico-químicos da água de cada um dos pontos de amostragem foram
aferidos durante as excursões no momento da coleta dos peixes e disponibilizados pelo
Laboratório de Ecossistemas Aquáticos, da Coordenação de Dinâmica Ambiental
(CEDAM) do INPA. Os valores de pH, condutividade, Oxigênio Dissolvido (OD) e
temperatura foram obtidos, respectivamente, com auxílio de pHmetro, condutivímetro e
Oxímetro portáteis de campo.
3.4 Determinação da bioacumulação de metais
A bioacumulação dos seguintes metais: Cobre (Cu), Zinco (Zn), Ferro (Fe),
Manganês (Mn), Níquel (Ni), Chumbo (Pb), Cromo (Cr) e Cobalto (Co) foi realizada em
parceria com o Laboratório de Biogeoquímica Ambiental Wolfgang Christian Pfeiffer, da
Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Para tanto, as amostras de
músculo branco foram agrupadas por ponto de coleta (pool) e pesadas até atingirem 10g
(peso úmido) e levadas à estufa para secagem a 105°C por 48h e então levadas para
forno mufla para calcinação à temperatura máxima de 400°C por 48h. As amostras
foram digeridas quimicamente em chapa de aquecimento a 120°C pós-adição de ácido
nítrico (HNO3). Após a secagem foi adicionado ácido clorídrico (HCl) às amostras e estas
foram levadas à chapa de aquecimento a 120°C. Os procedimentos foram realizados de
acordo com o método de Akan et al. (2012), com as seguintes adaptações: utilização de
8g de tecido, temperatura de 500°C por 4h para calcinação, e ácido perclórico na
digestão química ao invés de ácido clorídrico. Após o resfriamento das amostras foi
adicionado HCl 0,1 N (Normal) até o máximo de 15 mL. Quando necessário, as amostras
foram filtradas
utilizando
funis
de
polipropileno
e
filtros de
celulose.
Após
aproximadamente 12 h, as amostras foram levadas à leitura em espectrofotometria de
absorção atômica por chama (Perkin-Elmer, AAS 400). Para controle analítico foram
utilizadas amostras de referência certificadas de cada metal avaliado (SS2 – SCP
SCIENCE).
A bioacumulação do metal Mercúrio (Hg total) de cada animal foi mensurada pelo
Laboratório de Biologia Ambiental – UFOPA, que gentilmente cedeu os resultados para
30
uma análise conjunta com os resultados referentes a análise de micronúcleos, ANEs e
bioacumulação dos demais metais mensurados. Para tanto, foi pesado entre 15 mg e 45
mg de músculo de cada espécime e acrescentado 3 ml de HN0 3 concentrado e 0,3 ml
de HCL 16 N e as amostras foram levadas a um agitador de tubos. Em seguida, as
amostras foram aquecidas sobre placa aquecedora durante 4 horas a 121°C com
ventilação constante e agitação a cada hora. A concentração de Hg total das amostras
foi determinada em Espectrofotômetro de Fluorescência Atômica a Vapor Frio (Pichet et
al. 1999).
As concentrações de metais observadas nos músculos de traíras são
apresentadas e comparadas com os limites máximos estabelecidos pela legislação
brasileira – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA – Portaria 685/98 e
Decreto 55.871/65) em mg.kg-1 de tecido de peixe, para identificação dos metais que
ultrapassam as concentrações permitidas para o consumo de pescado.
3.3 Biomarcadores de Genotoxicidade
Amostras de sangue periférico foram coletadas de cada animal por punção da
veia caudal com auxílio de seringa heparinizada. O sangue coletado foi transferido para
lâminas histológicas limpas por meio do método de esfregaço. As extensões sanguíneas
foram coradas com Giemsa e tampão fosfato pH 5,6 (Ferraro et al., 2004). A análise
microscópica das lâminas foi feita sob aumento de 1000X. Duas lâminas de cada
indivíduo foram identificadas por códigos e analisadas de forma cega por um único
observador. Imagens dos micronúcleos e anormalidades nucleares eritrocíticas foram
capturadas utilizando objetiva de imersão em microscópio Zeiss Axio CAM ERC 5S e
câmera digital Canon Power Shot A650 IS.
A determinação da frequência de micronúcleos (MN) e das anormalidades
nucleares eritrocíticas (ANEs) foi realizada a partir da observação de 2000 eritrócitos
periféricos por peixe (Carrasco et al., 1990; Udroiu, 2006). Os micronúcleos foram
definidos como corpos redondos ou ovais intracitoplasmáticos não ligados ao núcleo
principal, com um diâmetro 1/30-1/3 do núcleo principal e no mesmo plano óptico
(Heddle, 1973; Schmid, 1975; Fenech, 2000; Bombail et al., 2001). Foram considerados
31
como ANEs todos os núcleos que não apresentaram a forma oval considerada normal
para eritrócitos de peixes. A diferenciação entre as ANEs foi feita de acordo com o
método de Carrasco et al. (1990), com as seguintes adaptações: núcleos lobados e
segmentados foram separados em duas categorias distintas. As ANE foram então
classificadas nas seguintes categorias:
1 – Forma de rim: núcleos com uma pequena invaginação em forma de fenda
bem definida, de largura uniforme na membrana nuclear que se estende a uma
profundidade apreciável para dentro do núcleo.
2 – Lobado: núcleos que apresentam formato irregular em consequência de
evaginações que podem ser visualizadas como pequenas a grandes projeções da
membrana nuclear, podendo formar dois ou mais lobos conectados.
3 – Segmentado: núcleos cuja estrutura aparece dividida em duas partes
nitidamente separadas e delimitadas pela membrana nuclear. A região compreendida
entre os segmentos parece estar destituída de material cromatínico.
4 – Vacuolado: núcleos que apresentam uma região clara destituída de qualquer
material cromatínico visível no seu interior.
3.5. Tratamento estatístico
Todas as variáveis (dados biométricos dos peixes, biomarcadores e variáveis
ambientais) foram utilizadas simultaneamente na interpretação teórica do conjunto de
dados obtidos via Análise de Componentes Principais (ACP) e análise de agrupamento
(Cluster) para verificar a distribuição dos peixes quanto às variáveis ambientais e quais
dessas variáveis se relacionam com a bioacumulação de metais e alterações
genotóxicas nos peixes, respectivamente. Para a ACP foram utilizados fatores de
carregamento cujos valores estavam acima de 0,4 (Dancey e Reidy, 2006). A primeira
ACP teve caráter exploratório e foi feita utilizando dados de todos os tributários
amostrados para verificar se haveria diferenciação entre os sistemas de água preta e de
água branca. Em seguida foi feita uma ACP para os tributários de água preta e outra
32
para tributários de água branca, bem como uma análise de agrupamentos por ligação
simples (Cluster) para verificar quais variáveis estariam interrelacionadas.
Para analisar se há diferença nas respostas biológicas nos diferentes tributários
amostrados dentro de cada sistema, foi realizada comparação pelo teste de KruskallWallis com comparações múltiplas utilizando correção de Dunn, com significância
estatística p<0,05. Este tipo de análise foi aplicado de acordo com Wang e Riffel (2011)
que recomendam a utilização de análise não paramétrica quando o conjunto de dados
apresenta n<20 indivíduos.
Considerando que o tamanho dos peixes representa um dos fatores que
influencia a bioacumulação de metais (Belger e Forsberg, 2006), análises de correlação
de Pearson foram feitas para verificar relação entre tamanho/peso e bioacumulação de
metais. Como somente o mercúrio mostrou correlação, os peixes foram divididos em
diferentes classes de tamanho cujas correlações entre peso e bioacumulação fossem
ausentes e pudessem ser comparadas pelo teste de Kruskall-Wallis se isolando o efeito
do tamanho. A comparação foi feita para os tributários de água preta e para os de água
branca por diferentes classes de peso em relação às respostas biológicas. Os peixes
foram separados em classes de peso (Tabela 2). Somente os tributários com n>3 foram
comparados por classe de tamanho.
Tabela 2. Número de indivíduos coletados ao longo de tributários do rio Negro durante os períodos de
cheia e seca e do rio Solimões durante a seca de acordo com suas classes de tamanho.
Número de indivíduos
Classe de peso
Bacia do rio Negro
Bacia do rio Solimões
75 a 249g
250 a 499g
11
28
23
26
Acima de 500g
20
8
Testes de comparação foram realizadas no SigmaStat 3.5 e a elaboração de
gráficos no SigmaPlot 11.0. Como estes programas não fazem análises multivariadas do
tipo ACP e Cluster, estas foram realizadas no programa Statistica 10.
33
4. Resultados
Para obtenção de um panorama geral foi efetuada primariamente uma análise de
componentes principais (ACP) utilizando todas as variáveis obtidas no presente estudo:
dados ambientais, biométricos e biológicos (pH, temperatura, condutividade,
oxigênio,
peso, micronúcleos, anormalidades nucleares eritrocíticas, mercúrio, cromo, cobalto,
cobre, ferro, manganês, níquel, chumbo, zinco) e que serão descritas detalhadamente a
seguir. Os resultados mostram que a influência das variáveis ambientais sobre as
respostas biológicas e a distribuição dos peixes quanto a essas respostas diferem entre
os sistemas de água preta e água branca, com clara separação entre os tributários do
rio Negro e tributários do rio Solimões (figura 3).
A ACP mostrou 55% de variância sendo explicada por dois fatores principais. O
fator 1 agrupou as respostas genotóxicas micronúcleo e anormalidades nucleares
eritrocíticas com a bioacumulação de zinco, ferro, cromo e cobalto; e com as variáveis
ambientais pH, oxigênio dissolvido e condutividade elétrica. O fator 2 agrupou peso,
bioacumulação de mercúrio, cobre, manganês, níquel, chumbo e temperatura (tabela 3).
34
Figura 3. Análise de componentes principais (ACP) dos biomarcadores e variáveis ambientais nos
tributários do rio do Negro (círculo azul) e do rio Solimões (círculo verde). Os fatores 1 e 2 mostrados aqui
representam 55% de variância dos dados. A variância explicada por cada fator é mostrada na Tabela 3.
(Método de extração: Análise de Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos). ss = rio Solimões
no periodo de seca; nc = rio Negro no período de cheia; ns = rio Negro no período de seca.
35
Tabela 3. Cargas das coordenadas fatoriais das variáveis sobre os dois fatores principais resultantes da
análise de componentes principais dos dados obtidos ao longo de tributários do rio Negro e do rio
Solimões (Amazonas). Somente as cargas mais elevadas com valor acima de 0,40 são mostradas na
tabela por representarem maior variância. Variáveis: °C (temperatura), ANE (Anormalidades Nucleares
Eritrocíticas), Cdv (Condutividade), Co (Cobalto), Cr (Cromo), Cu (Cobre), Fe (Ferro), Hg (Mercúrio), Mn
(Manganês), MN (Micronúcleos), Ni (Níquel), Pb (Chumbo), pH, Peso, Zn (Zinco). (Método de extração:
Análise de Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos).
Variáveis
#1
31.22%
Peso
#2
23.71%
-0.671057
MN
0.665149
ANE
0.702535
Hg
-0.604907
Cu
-0.736199
Zn
0.877243
Fe
0.608792
Mn
-0.883578
Ni
-0.869745
Pb
-0.793090
Cr
-0.719444
Co
-0.734050
pH
-0.626336
O2
-0.632639
°C
Cdv
0.823250
-0.655092
36
4.1. Caracterização físico-química dos ambientes de coleta
Analisando os dados limnológicos, observa-se que os tributários do rio Negro se
apresentaram com pH mais ácido durante o período de cheia (3,86 – 4,50), enquanto
que durante a seca o pH dos tributários apresentou maior variação, com valores que
abrangem desde a faixa de acidez até a faixa de neutralidade (4,81 – 7,06). O rio Unini,
localizado entre as cidades de Barcelos e Manaus, apresentou pH=7,06, representando
o valor mais alto entre os tributários do rio Negro. Por outro lado, as águas dos
tributários do rio Solimões apresentaram pH tendendo ao neutro (6,17 – 6,95), exceto no
lago Curupira (rio Japurá), onde as águas apresentaram característica ácida, com pH de
4,55 (Tabela 4).
A concentração de O2 dissolvido foi variável nos tributários do rio Negro
amostrados na seca (1,85 mg/L – 7,86 mg/L), enquanto que na cheia todos os tributários
apresentaram valores baixos de O 2 (1,9 mg/L - 2,80 mg/L). Nos tributários do rio
Solimões os teores de oxigênio pouco variaram e a maioria dos ambientes apresentou
valores entre 5,42 a 7,15 mg/L, sendo maior no rio Madeira (Tabela 4).
Os maiores valores de condutividade elétrica foram visualizados nos tributários do
rio Solimões durante a seca, com destaque para o lago Grande Manacapuru e para o rio
Madeira, com 59,40 e 57,90 µS.cm-1, respectivamente. Contudo, o lago Curupira, no rio
Japurá (bacia do Solimões) apresentou valor igual a 10,96 µS.cm-1, sendo este valor
muito próximo ao encontrado no lago Folharal (10,74 µS.cm-1) e igarapé Ariaú (10,45
µS.cm-1), ambos afluentes do rio Negro, amostrados durante a seca (Tabela 4).
A temperatura superficial da água no rio Solimões esteve entre 25,8°C no lago
Curupira e 31,8°C no lago Grande Manacapuru, já nos tributários do rio Negro esteve
entre 26,7°C no rio Teia e 33,0°C no igarapé Ariaú (Tabela 4).
37
Tabela 4. Caracterização físico-química de tributários do rio Negro durante os períodos de cheia e seca e
do rio Solimões durante a seca.
pH
O2 superficial
(mg/L)
Condutividade
-1
(µS.cm )
Temperatura
superficial (°C)
rio Teia
3.86
1.90
24.90
26.7
rio Jurubaxi
4.45
2.10
14.50
27.3
rio Caurés
4.50
2.80
12.64
30.9
rio Uneuxi
5.20
5.10
11.60
32.0
igarapé Ariaú
4.93
7.96
10.45
33.1
rio Preta
4.81
1.85
11.82
28.9
lago Folharal
4.95
3.71
10.74
31.3
rio Unini
7.06
6.13
15.06
32.0
lago Paupixuna
6.17
5.85
29.09
29.6
lago Curupira
4.55
5.42
10.96
25.8
lago Coari
6.50
6.54
20.16
30.2
rio Purus
6.79
5.55
49.60
30.2
lago G. Manacapuru
6.63
6.90
59.40
31.8
rio Madeira
6.95
7.15
57.90
30.5
Solimões Seca
2011
Negro Seca
2012
Negro Cheia
2011
Período Local de coleta
4.2. Bioacumulação de metais em músculo de traíras e consumo de pescado
4.2.1. Zinco
A bioacumulação de Zn foi maior nas H. malabaricus dos tributários do rio Negro
em relação aos do rio Solimões (p=0,003). Nos peixes dos tributários do rio Negro os
valores de bioacumulação ficaram entre 12,84 mg.kg-1 e 7,67 mg.kg-1, com média de
7,98 mg.kg-1, sendo as concentrações similares entre os peixes desses (p>0.400). A
média de bioacumulação nos peixes coletados na cheia da água preta foi 8,66 mg.kg-1 e
7,58 mg.kg-1 na seca. Entretanto, houve similaridade na bioacumulação entre períodos
sazonais do rio Negro (p= 0.571). Para os tributários do Solimões a média de
bioacumulação foi 3,85 mg.kg-1. Na água branca, os valores ficaram entre 2,64 mg.kg-1 e
5,45 mg.kg-1, sendo a bioacumulação de Zn similar entre os tributários do Solimões
(p>0.400). O rio Caurés e o lago do Folharal apresentaram valores mais altos do que os
demais pontos. O Zn bioacumulado nos dois sistemas aquáticos apresentou
38
concentrações abaixo dos limites recomendáveis para consumo pela legislação
brasileira, estabelecidos em 50,0 mg.kg-1. (Tabela 5, Figura 4a).
4.2.2. Cobre
A bioacumulação de Cu foi mais elevada nos peixes coletados nos tributários do
Solimões do que nos coletados em tributários do rio Negro (p=0,008). A concentração
média de cobre para peixes dos tributários do rio Negro foi de 0,15 mg.kg-1, sendo as
concentrações nos peixes similares entre os tributários do rio Negro (p>0.400). Por sua
vez, peixes de tributários do rio Solimões apresentaram concentração média de 0,22
mg.kg-1 para o Cu, sendo a bioacumulação similar entre os tributários do rio Solimões
(p>0.400). Os valores mais altos de Cu em tecido de peixes foram detectados nos
tributários a montante do rio Solimões (lago Paupixuna/rio Juruá, lago Curupira/rio
Japurá e lago Coari) e os demais tributários apresentaram valores entre 0,11 mg.kg -1 e
0,19 mg.kg-1. O Cu apresentou concentrações abaixo dos limites estabelecidos para
consumo pela legislação brasileira (30,0 mg.kg -1) (Tabela 5, Figura 4b).
39
Tabela 5. Concentração de metais em tecido muscular de traíras coletadas ao longo de tributários dos rios
Negro e Solimões (Amazonas). Hg: mercúrio; Cr: cromo; Cu: cobre; Zn: zinco; Mn: manganês; Fe: ferro;
Pb: chumbo; Ni: níquel; Co: cobalto.
Solimões Seca
2011
Negro Seca
2012
Negro
Cheia
2011
Período
Zn
Cu
Concentração de metais (mg.kg-1)
Ni
Pb
Mn
Fe
Co
rio Teia
7,67
0,12
0,35
0,00*
0,15
3,48
0,00*
0,08
1,08
rio Jurubaxi
7,10
0,18
0,32
0,10
0,15
2,86
0,00*
0,05
0,50
rio Caurés
11,20
0,14
0,56
0,51
0,40
6,85
0,00*
0,04
0,61
rio Uneuxi
7,60
0,11
0,32
0,18
0,33
2,92
0,00*
0,03
0,50
Igarapé Ariaú
5,53
0,14
0,24
0,00*
0,21
3,18
0,00*
0,05
0,38
rio Preta
4,26
0,14
0,32
0,47
0,21
2,86
0,00*
0,04
0,33
12,84
0,19
0,58
1,10
0,64
6,43
0,00*
0,04
0,37
rio Unini
7,67
0,15
0,21
0,19
0,35
3,36
0,00*
0,03
0,60
lago Paupixuna
5,45
0,29
0,52
0,92
0,75
3,29
0,15
0,11
0,53
lago Curupira
4,36
0,26
0,49
0,08
0,44
3,37
0,07
0,13
0,36
Lago Coari
2,82
0,21
0,36
0,00*
0,39
3,21
0,03
0,07
0,32
rio Purus
3,82
0,19
0,40
0,38
0,26
3,28
0,06
0,08
0,28
lago G. Manacap.
2,64
0,18
0,43
0,08
0,13
3,15
0,03
0,07
0,32
rio Madeira
4,01
0,17
0,35
0,20
0,32
3,39
0,08
0,09
0,24
50,0
30,0
5,0
2,0
LNE**
LNE**
LNE**
0,1
1,0
Local de coleta
lago Folharal
Valores recomendados para
ingestão pela ANVISA
Cr
Hg
* Abaixo do limite de detecção.
**Limite não estabelecido
40
A
B
Figura 4. Concentração de zinco (A) e cobre (B) em tecido muscular de traíras coletadas ao longo de tributários dos rios Negro e Solimões (Amazonas).
Os círculos sem preenchimento mostram os tributários do rio Solimões e os círculos com preenchimento mostram os tributários do rio Negro. As linhas
-1
-1
tracejadas azuis mostram as concentrações máximas estabelecidas para consumo pela legislação brasileira para Zn (50 mg.kg ) e Cu (3,5 mg.kg ) –
Portaria 685/98 e Decreto 55.871/65 da ANVISA.
41
4.2.3. Níquel
A bioacumulação de Ni nos peixes avaliados foi similar entre os sistemas de água
preta e branca (p=0.227), bem como entre os períodos hidrológicos do rio Negro
(p=0.225). A concentração média de níquel foi de 0,36 mg.kg -1 para peixes dos
tributários do rio Negro, sendo na cheia 0,41 mg.kg-1 e na seca de 0,33 mg.kg-1, havendo
similaridade entre os tributários de água preta (p>0.400). Para os tributários do Solimões
a média de bioacumulação de Ni nos peixes foi 0,41 mg.kg-1, sendo similar entre os
tributários de água branca (p>0.400). Na água preta, dois tributários do rio Negro
amostrados no período de seca apresentaram as menores concentrações de Ni: rio
Unini e igarapé Ariaú. Peixes do lago do Folharal apresentaram a maior bioacumulação
(0,58 mg.kg-1), seguido pelos peixes do rio Caurés (0,56 mg.kg-1). Os outros pontos do
rio Negro apresentaram peixes com bioacumulação entre 0,32 e 0,41 mg.kg-1. Dentre os
tributários do rio Solimões, a bioacumulação variou entre 0,35 mg.kg-1 e 0,52 mg.kg-1. As
concentrações de Ni foram abaixo dos limites estabelecidos para consumo pela ANVISA
(5,0 mg.kg-1) (Figuras 5a).
4.2.4. Chumbo
A bioacumulação de Pb foi similar entre os peixes de água preta e de água
branca, bem como entre diferentes períodos hidrológicos dos tributários do rio Negro
(p=0.847). A bioacumulação média para os tributários de água preta foi de 0.31 mg.kg-1,
sendo na cheia 0.20 mg.kg-1 e na seca 0.39 mg.kg-1, com bioacumulação similar entre os
tributários (p>0.400). Para os tributários do rio Solimões a média de bioacumulação de
Pb nos peixes foi de 0.15 mg.kg-1, sendo similar a concentração observada nos
tributários do rio Solimões (p>0.400). O único tributário que apresentou concentração
acima de 1,0 mg.kg-1 foi o lago do folharal, no rio Negro , seguido do lago Paupixuna/rio
Juruá, de água branca, com 0,92 mg.kg-1. Os demais tributários ficaram com valores
entre 0,08 mg.kg-1 (lagos Grande Manacapuru e Curupira/rio Japurá) e 0,51 mg.kg -1 (rio
Caurés), não sendo detectado no rio Teia e igarapé Ariaú, do rio Negro, e lago Coari, no
rio Solimões. As concentrações de Pb ficaram abaixo dos limites estabelecidos para
consumo pela ANVISA (2,0 mg.kg-1) (Figuras 5b).
42
A
B
Figura 5. Concentração de níquel (A) e chumbo (B) em tecido muscular de traíras coletadas ao longo de tributários dos rios Negro e Solimões
(Amazonas). Os círculos sem preenchimento mostram os tributários do rio Solimões e os círculos com preenchimento mostram os tributários do rio
-1
Negro. As linhas tracejadas azuis mostram os valores máximos estabelecidos pra consumo pela legislação brasileira para Ni (5,0 mg.kg ) e Pb (2,0
-1
mg.kg ) – Portaria 685/98 e Decreto 55.871/65 da ANVISA.
43
4.2.5. Manganês
O metal Mn apresentou similaridade quanto a sua bioacumulação entre peixes de
água preta e água branca, bem como entre cheia e seca dos tributários do rio Negro
(p=0.420). A média de bioacumulação de 0,31 mg.kg-1 foi observada para os peixes dos
tributários do rio Negro, sendo na cheia 0,23 mg.kg-1 e na seca de 0,35 mg.kg-1. Houve
similaridade na bioacumulação de Mn entre os tributários de água preta (p>0.400). Nos
tributários do rio Negro a bioacumulação de Mn se apresentou entre 0,15 mg.kg-1 (rios
Teia e Jurubaxi) e 0,64 mg.kg -1 (lago do Folharal). Para os tributários de água branca, a
média de bioacumulação observada nos peixes foi de 0,31 mg.kg-1, sendo similar entre
os tributários do rio Solimões (p>0.400). Na água branca, os valores ficaram entre 0,13
mg.kg-1 (lago Grande Manacapuru) e 0,75 mg.kg -1 (lago Paupixuna/rio Juruá). O Mn não
possui limites estabelecidos para consumo pela legislação brasileira (Figura 6a).
4.2.6. Ferro
A bioacumulação de Fe foi similar entre água preta e água branca (p=0.620) e
entre cheia e seca dos tributários do rio Negro (p=0.667), sendo a bioacumulação média
de Fe foi 3,28 mg.kg-1 para os tributários do rio Solimões e 3,99 mg.kg-1 para os
tributários do rio Negro, sendo na cheia 4,40 mg.kg-1 e na seca de 3,75 mg.kg-1. Na
comparação entre os tributários do rio Negro (p>0.400) e entre os tributários do rio
Solimões (p>0.400) houve similaridade. Peixes do rio Caurés e o lago do Folharal
apresentaram bioacumulação de Fe acima de 6,0 mg.kg-1 e nos demais tributários a
bioacumulação medida pouco variou, ficando entre 2,86 mg.kg-1 e 3, 75 mg.kg-1. O Fe
não possui limites estabelecidos para consumo pela legislação brasileira (Figura 6b).
4.2.7. Cobalto
A bioacumulação de Co por sua vez, foi detectada somente nos tributários de
água branca, sendo maior do que nos tributários do rio Negro (p<0.001), onde não foi
detectada a presença de Co nos tecidos de traíras. A concentração média de Co na
água branca foi 0,05 mg.kg-1, com concentrações entre 0,03 mg.kg-1 e 0,15 mg.kg-1,
ficando o lago Paupixuna/rio Juruá com a maior incidência deste metal. O Co não possui
limites estabelecidos para consumo pela legislação brasileira (Figura 6c).
44
A
B
C
Figura 6. Concentração de manganês (A), ferro (B) e Cobalto (C) em tecido muscular de traíras coletadas ao longo de tributários dos rios Negro e
Solimões (Amazonas). Os círculos sem preenchimento mostram os tributários do rio Solimões e os círculos com preenchimento mostram os tributários do
rio Negro. Para esses metais não há valores máximos estabelecidos pra consumo pela legislação brasileira – Portaria 685/98 e Decreto 55.871/65 da
ANVISA.
45
4.2.8. Cromo
Para o Cromo, as Hoplias dos tributários do rio Solimões apresentaram
bioacumulação mais acentuada do que os peixes coletados em tributários do rio Negro
(p=0,003). A bioacumulação de Cr foi similar na comparação entre os tributários do rio
Negro (p>0.400), similarmente ao observado entre os tributários do rio Solimões
(p>0.400). A média de bioacumulação de cromo foi de 0,05 mg.kg -1 em Hoplias de
tributários do rio Negro, sendo 0,06 mg.kg-1 para o período de cheia e 0,04 mg.kg -1 para
o período de seca, e 0,09 mg.kg-1 para tributários do rio Solimões (Figura 7a).
Concentrações de Cromo acima dos limites recomendados para consumo pela ANVISA
(0,1 mg.kg-1) foram detectadas nas Hoplias do lago Curupira (0,13 mg.kg-1), no rio
Japurá e lago Paupixuna (0,11 mg.kg-1), no rio Juruá. Nos outros tributários dessa bacia
os valores apresentaram-se próximos a esses limites, em especial no rio Madeira e no
rio Purus. Dentre os tributários do rio Negro, o rio Teia também apresentou valores
próximos aos limites máximos permissíveis pela Legislação Brasileira. Os menores
valores de bioacumulação de Cromo foram observados nos peixes dos rios Uneuxi e
Unini, ambos tributários do Negro (figura 7a).
4.2.9. Mercúrio
A bioacumulação de Hg foi maior nos tributários do rio Negro em relação aos
tributários do rio Solimões (p=0,002). Entre os tributários do rio Negro a bioacumulação
de Hg foi similar (Figura 9a), ocorrendo o mesmo entre os tributários do rio Solimões
(p>0.400) (Figura 9b). Somente peixes do rio Teia, no alto rio Negro, apresentaram
bioacumulação de mercúrio acima do limite indicado pela Legislação Brasileira para
consumo de peixes predadores: 1,0 mg.kg-1 (figuras 7b, 8 e 9a). Os demais tributários do
rio Negro apresentaram valores entre 0,33 mg.kg -1 e 0,61 mg.kg-1, enquanto que nos
tributários do rio Solimões os valores de bioacumulação nos peixes ficaram entre 0,24
mg.kg-1 e 0,53 mg.kg-1, sendo que os tributários de água branca mais a montante do rio
Solimões apresentaram valores mais elevados de Hg em relação aos da jusante (figuras
7b). A média geral de bioacumulação de Hg nos peixes foi de 0,54 mg.kg -1 para os
tributários do rio Negro, sendo 0,73 mg.kg-1 para o período de cheia e 0,43 mg.kg -1 para
o período de seca, e 0,34 mg.kg -1 para os tributários do rio Solimões. A bioacumulação
de Hg foi similar entre períodos sazonais dos tributários do rio Negro (p=0.071).
46
A
B
Figura 7. Concentração de cromo (A) e mercúrio (B) em tecido muscular de traíras coletadas ao longo de tributários dos rios Negro e Solimões
(Amazonas). Os círculos sem preenchimento mostram os tributários do rio Solimões e os círculos com preenchimento mostram os tributários do rio
Negro. As linhas tracejadas azuis mostram os valores máximos estabelecidos pra consumo pela legislação brasileira para Hg em peixes carnívoros (1,0
mg.kg-1 para peixes carnívoros) e Cr (0.1 mg.kg-1) - Portaria 685/98 e Decreto 55.871/65 da ANVISA.
47
Como a concentração de Hg foi mensurada por indivíduo, plotou-se a
distribuição das concentrações de Hg em cada peixe a fim de compará-las com os
limites estabelecidos para consumo de pescado pela ANVISA. É possível visualizar que
3,5% dos peixes apresentaram concentração de Hg acima da faixa permitida pela
ANVISA, sendo 2 peixes no rio Teia, 1 no rio Jurubaxi e 1 no rio Unini, todos tributários
do rio Negro. 96,5% dos peixes estavam dentro do limite considerado seguro para o
consumo humano (109 peixes) (figura 8).
Figura 8. Concentração de Mercúrio (Hg) em tecido muscular de traíras coletadas ao longo de tributários
do rio Negro durante os períodos de cheia e seca e do rio Solimões durante a seca (Amazonas). Cada
ponto no gráfico representa um indivíduo analisado. A linha azul mostra os valores recomendados para
consumo pela ANVISA. A linha vermelha mostra os valores recomendados para consumo pela OMS.
48
Numa análise geral, considerando todos os peixes coletados, foi observado que
somente a bioacumulação de Hg (dentre todos os metais avaliados) mostrou
correlação positiva com o tamanho/peso dos peixes na água preta e na água branca
(p<0,001).
Comparando
as diferentes classes de
peso,
verificou-se
que a
bioacumulação de Hg aumenta de acordo com o aumento no tamanho dos peixes. Nos
tributários de água preta os peixes acima de 500g apresentaram concentrações
maiores do que os peixes de peso entre 75 a 249g e os peixes entre 250 a 500g
(p=<0,001) (Figura 9a). Poucos peixes com tamanho acima de 500g da água preta
ultrapassaram os limites da ANVISA estabelecidos para mercúrio em peixes. Na água
branca os peixes acima de 500g apresentaram concentrações maiores do que os
peixes de peso entre 75 a 249g (p=0.003) (Figura 9b). Para os outros metais (Co, Cr,
Cu, Fe, Mn, Ni, Pb, Zn) a bioacumulação não aumentou com o aumento de tamanho
dos peixes.
49
A
B
Figura 9. Bioacumulação de mercúrio por diferentes classes de peso nos tributários do rio Negro (A) e
nos tributários do rio Solimões (B). Diferença significativa entre a x b. As linhas azuis mostram os valores
recomendados pela ANVISA.
50
Entre os peixes de peso entre 75 a 249g, a bioacumulação de todos os metais
analisados Co, Cu, Fe, Hg, Mn, Ni, Pb, Zn foi similar entre tributários de água branca
(p>0.05). O Cr por sua vez teve maior bioacumulação no rio Madeira do que no lago
Coari (p<0,05) (figura 10). Entre os tributários de água preta não foi feita comparação
para esta classe entre tributários pelo fato de apenas uma localidade apresentar n > 3.
Figura 10. Bioacumulação de Cromo em peixes de peso entre 75 a 249g nos tributários do rio Solimões.
Nenhum peixe mostrou valores acima dos recomendados pela ANVISA. Diferença significativa entre a x
b. Somente tributários com n>3 são mostrados.
Entre os peixes de peso entre 250 a 499g, a bioacumulação dos metais Co, Cr,
Co, Cu, Fe, Hg, Mn, Ni, Pb, Zn foi similar entre os tributários de água preta (p>0.05) e
similar entre tributários de água branca (p>0,05). A bioacumulação de cromo, cujas
concentrações ultrapassaram os limites da ANVISA nos lagos Paupixuna e Curupira,
apresentou diferença na comparação entre os tributários do rio Negro, sendo maior no
rio Jurubaxi e Igarapé Ariaú em relação ao rio Unini (p<0,05) (figura 11a). Entre os
tributários do rio Solimões, o rio Purus teve maior bioacumulação de Cromo em relação
aos lagos Coari e Grande Manacapuru (figura 11b). A bioacumulação de Hg, cujas
concentrações ultrapassaram os limites da ANVISA no rio Teia, apresentou diferença
na comparação entre os tributários do rio Negro, sendo maior nos rios Uneuxi e Caurés
em relação ao igarapé Ariaú (figura 11c).
51
A
B
C
Figura 11. Bioacumulação de Cromo em peixes de peso entre 250 a 499g nos tributários do rio Negro (A) e Solimões (B). Bioacumulação de
mercúrio em peixes de peso entre 250 a 499g nos tributários do rio Negro (C) Nenhum peixe mostrou valores acima dos recomendados pela
ANVISA. Diferença significativa entre a x b. Somente tributários com n>3 são mostrados.
Entre os peixes de peso acima de 500g a bioacumulação dos metais Co, Cr, Co, Cu, Fe, Hg, Mn, Ni, Pb, Zn foi
similar entre os tributários de água preta (p>0,05) e entre os tributários de água branca (p>0,05).
52
4.3. Biomarcadores de genotoxicidade
A análise de esfregaços sanguíneos de Hoplias malabaricus coletados em tributários dos rios Negro e Solimões
revelaram que a maior parte das células apresentou morfologia nuclear característica (Figura 12a; Tabela 6), contudo
foram observadas células micronucleadas (Figura 12b); núcleos em forma de rim (Figura 12c); núcleos lobados (Figura
12d); núcleos segmentados (Figura 12e) e núcleos vacuolados (Figura 12f).
Figura 12. Danos genotóxicos em Hoplias malabaricus coletados em tributários dos rios Negro e Solimões. Células eritrocíticas normais (A);
Célula micronucleada (B); Núcleo em forma de rim (C); Núcleo lobado (D); Núcleo segmentado (E); Núcleo Vacuolado (F). Fotos do autor.
53
Houve diferença na frequência das respostas genotóxicas entre os tributários de
água preta e água branca (Tabela 6), sendo que as frequências de MNs foram mais
expressivas nos tributários do Negro se comparados com os tributários do rio Solimões
(p<0,001). As frequências das outras ANEs também foram maiores nos tributários de
água preta (p<0,001).
Na água preta, as frequências de ANEs e MNs entre os períodos sazonais foram
similares, ou seja, seca e cheia nos tributários do Negro (p=1,000). Também houve
similaridade na comparação entre todos os tributários deste rio (p=1,000).
Na água branca, embora tenha sido observada tendência a maiores alterações
nos seguintes pontos de coleta: rio Madeira > lago Grande de Manacapuru > rio Purus
> lago Coari > lago Curupira/rio Japurá > lago Paupixuna/rio Juruá, as frequências de
danos genotóxicos (ANE e MN) foram similares nos peixes coletados nos tributários do
rio Solimões (p=1,000).
Tabela 6. Frequências médias (%) de eritrócitos normais, micronucleados (MN) e alterações nucleares
(ANE) em eritrócitos de Hoplias malabaricus em tributários dos rios Negro e Solimões.
Solimões Seca
2011
Negro Seca
2012
Negro Cheia
2011
Período Local de coleta
Células normais
ANE
MN
rio Teia
98,05
1,62
0,33
rio Jurubaxi
98,51
1,03
0,46
rio Caurés
99,21
0,55
0,24
rio Uneuxi
95,24
4,38
0,38
rio Ariaú
rio Preta
lago Folharal
rio Unini
lago Paupixuna – rio Juruá
lago Curupira – rio Japurá
lago Coari
rio Purus
lago Grande de Manacapuru
rio Madeira
97,64
96,45
93,46
97,69
99,36
99,39
98,94
98,51
98,70
98,75
1,86
3,06
5,06
1,98
0,55
0,47
0,85
1,23
1,03
0,78
0,50
0,49
1,48
0,33
0,09
0,14
0,21
0,26
0,27
0,47
54
A alteração nuclear do tipo “núcleo vacuolado” foi observada em grande parte
dos tributários do rio Negro, exceto no rio Caurés, na cheia, e rios Ariaú e Preta, na
seca (figura 13). Na bacia do Solimões “núcleos vacuolados” foram verificados somente
no lago Coari, em baixa proporção (figura 13). A anormalidade nuclear do tipo “núcleo
segmentado” não foi detectada no rio Caurés, na cheia dos tributários do rio Negro,
bem como nos rios Purus e Madeira, na bacia do Solimões, na seca (figura 13). De
maneira geral, a alteração “núcleo segmentado” foi menos frequente (2,8%) e a
ocorrência de núcleos vacuolados representou 7,9% de ocorrência dentre os tipos de
ANE, sendo verificada com maior frequência na seca do rio Negro em relação ao
período de cheia e aos tributários do Solimões. As alterações núcleos em forma de rim,
núcleo lobado e micronúcleo foram as mais frequentes, representando em média
31,3%, 30,2% e 27,7%, respectivamente, das alterações genotóxicas observadas.
(figura 13).
Analisando a frequência de danos genotóxicos por tributário (figura 13),
verificou-se que dentre os peixes coletados na bacia do rio Negro, no rio Jurubaxi
foram verificados todos os tipos de anormalidades genotóxicas, sendo as mais
comumente detectadas os MNs (44,8%), seguidos de núcleos lobados (22,1%) e
núcleos em forma de rim (21,4%). Núcleos segmentados (8,3%) e vacuolados (3,4%)
foram pouco frequentes. Para o rio Teia, foram mais frequentes os núcleos lobados
(39,2%), núcleo em forma de rim (31,5%) e micronúcleos (20,8%), respectivamente.
Núcleos segmentados (4,6%) e vacuolados (3,8%) foram menos frequentes. Para o rio
Caurés somente foram verificados núcleo lobados (21,8%), núcleos em forma de rim
(34,5%) e MNs (43,6%), sendo este último tipo de dano o mais comum para este
tributário. Peixes do rio Uneuxi foram os que mais apresentaram anormalidades do tipo
núcleo vacuolado (64,8%). As outras anormalidades foram detectadas com menor
expressão, em especial o tipo núcleo segmentado (2,7%). No tributário Ariaú, não
foram detectados núcleos vacuolados, sendo os núcleos segmentados menos
frequentes (1,9%), e os mais frequentes núcleos em forma de rim (39,8%), núcleos
lobados (31,5%) e MNs (26,7%), respectivamente. No rio Preta não foram observados,
também, núcleos vacuolados. Núcleos segmentados foram menos frequentes (0,9%), e
os mais frequentes núcleos em forma de rim (46,3%), núcleos lobados (36,8%) e MNs
55
(16,0%). Para o lago do Folharal verificou-se núcleos em forma de rim (30,4%), MNs
(29,2%), núcleos vacuolados (19,6%) e núcleos lobados (18,8%) como os mais
frequentes, respectivamente. E para o rio Unini, núcleos em forma de rim (42,8%) e
núcleos lobados (31,3%) foram os mais frequentes, seguidos de núcleos vacuolados
(19,6%). Núcleos segmentados (2,5) foram poucos frequentes e, neste tributário foi
verificada a menor frequência de MN dentre todos os pontos analisados neste trabalho:
1,7% de todos os danos genéticos observados para este tributário (figura 13).
Para água branca, o lago Paupixuna apresentou maior incidência os danos:
núcleo em forma de rim (43,6%), seguidos de núcleos lobados (37,2%), MNs (16,7%) e
núcleo segmentado (2,6%), sendo esse último tipo pouco comum. No lago Curupira, a
maior incidência foi de núcleos lobados (48,0%), MNs (32,0%) e núcleos em forma de
rim (18,0%), respectivamente. Núcleos vacuolados não foram observados e núcleos
segmentados foram pouco frequentes (2,0%). O lago Coari foi o único que apresentou
núcleo vacuolado na água branca, embora em pouca frequência: 1,2%. Núcleos
lobados (37,1%), núcleos em forma de rim (29,9%), bem como os MNs (24,8%) foram
os mais frequentes, respectivamente. Núcleos segmentados ocorreram com frequência
baixa de 7,0%. Nos peixes do rio Purus, somente três tipos de anormalidades
genotóxicas foram detectadas: núcleo lobado (44,5%), núcleo em forma de rim (33,6%)
e MNs (21,9%). O lago Grande Manacapuru apresentou perfil semelhante ao
encontrado para o rio Purus, com ocorrência de núcleo lobado (39,5%), núcleo em
forma de rim (32,6%) e MNs (26,9%). Entretanto, também apresentou núcleos
segmentados, embora em baixíssima frequência (0,9%). No rio Madeira, os peixes
apresentaram os MNs como a mais frequente alteração genotóxica (59,3%), sendo
esse o tributário que mais apresentou esse tipo de dano. Núcleos em forma de rim
(20,7) e núcleos lobados (20,0%) foram também os outros dois únicos tipos de ANE
observados para este tributário (figura 13).
56
(%)
Figura 13. Frequência de ocorrência dos danos genotóxicos (%) observados em eritrócitos de Hoplias malabaricus nos tributários dos rios Negro
e Solimões. Núcleos em forma de rim (NR), lobados (NL) segmentados (NS), vacuolados (NV), micronúcleos (MN).
57
No sistema de água preta, verificou-se diferença na frequência de MN do lago do Folharal em relação aos rios
Caurés e Unini (p<0,05). Para os demais pontos as frequências de MN foram similares (figura 14a). Na água branca,
houve diferença na frequência de MN entre o rio Madeira e o lago Paupixuna, no rio Juruá (figura 14b).
A
B
Figura 14. Frequências (%) de micronucleados (MN) em eritrócitos de Hoplias malabaricus em tributários dos rios Negro (A) e Solimões (B).
Diferença significativa entre a x b. Somente tributários com n>3 são mostrados.
58
Para as frequências de ANE, no sistema de água preta verificou-se diferença na
frequência do lago do Folharal em relação aos rios Caurés e Jurubaxi, entre Caurés e
Jurubaxi e entre Uneuxi e Jurubaxi (p<0,05) (Figura 15). Para os demais pontos as
frequências de MN foram similares. Na água branca, houve similaridade na frequência
de ANE entre todos os tributários amostrados (p>0,05).
Figura 15. Frequências (%) de Anormalidade Nucleares Eritrocíticas (ANE) em eritrócitos de Hoplias
malabaricus em tributários dos rios Negro. Diferença significativa entre b x e, b x d, c x d, c x e. Somente
tributários com n>3 são mostrados.
Comparando os tributários analisados por diferentes classes de peso, verificouse que para a classe de peso de 75 a 249g houve similaridade na frequência de ANE
(p=0,628) e de MN (p=103) entre os tributários de água branca. Os tributários de água
preta não foram analisados por conta do n<3.
59
Para a classe de peso de 250 a 499g houve diferença significativa na frequência de ANE (figura 16a). Entre os
tributários de água preta (p<0,05) e similaridade entre as frequências de MN (p>0,05). Para os tributários de água branca
houve similaridade na frequência de ANE (p=0,115) e para a frequência de MN houve diferença entre o lago Grande
Manacapuru e o lago Coari (p<0,05) (figura 16b).
Para a classe de peso acima de 500g, a frequência de MN (p=0,164) e ANE (p=0,711) dos peixes de tributários do
rio Solimões e a frequência de MN (p=1,000) e ANE (p=0,143) dos peixes de tributários do rio Negro foram similares.
Figura 16. Frequências (%) de Anormalidade Nucleares Eritrocíticas (ANE) em eritrócitos de Hoplias malabaricus da classe de peso de 250 a
500g em tributários dos rios Negro (A). Diferença significativa entre a x b. Frequência de eritrócitos micronucleados (MN) entre tributários dório
Solimões (B). Diferença significativa entre a x b. Somente tributários com n>3 são mostrados.
60
Mediante as diferenças evidenciadas nas respostas dos sistemas de água preta
e água branca, procedeu-se uma análise de componentes principais para os tributários
do rio Negro e outra para os tributários do rio Solimões. Dois fatores principais
explicaram as interações entre variáveis ambientais e biológicas (tabela 7).
No sistema de água preta, o fator 1 agrupou a maioria das variáveis: Peso, MN,
ANE e bioacumulação de Hg, Cu, Zn, Fe, MN, Pb e temperatura e condutividade
elétrica. As variáveis bioacumulação de Ni, Cr e Co, pH e O2 dissolvido que ficaram
agrupadas no fator 2. No sistema de água branca quase todas as variáveis foram
agrupadas no fator 1 (Peso, MN, ANE e bioacumulação de Hg, Cu, Zn, MN, Ni, Cr, Co,
pH, O2, temperatura e condutividade elétrica), com exceção da bioacumulação de
chumbo e de ferro, que se agruparam no fator 2. Os metais mercúrio e o cromo cujas
concentrações estiveram acima dos limites da ANVISA, bem como os demais
elementos metálicos, estão relacionados à influência sobre as respostas genotóxicas
(ANE e MN).
Apesar de mostrar que os metais interferem nas respostas genotóxicas tanto
nos peixes de água preta quanto de água branca, quando as variáveis foram plotadas
em gráficos de projeção, a ACP evidenciou que no sistema de águas pretas a
bioacumulação de metais está mais próxima das respostas genotóxicas do que no
sistema de águas brancas. Nos tributários do rio Solimões as características
físicoquímicas do ambiente parecem exercer maior bloqueio sobre a ação genotóxica
dos metais, enquanto que nos tributários do rio Negro as variáveis limnológicas
parecem favorecer a bioacumulação e seus efeitos genotóxicos (Figura 17a, b).
61
Tabela 7. Cargas das coordenadas fatoriais das dezesseis variáveis sobre os dois fatores principais
resultantes da análise multivariada na análise por bacia dos organismos coletados ao longo de tributários
do rio Negro e do rio Solimões (Amazonas). A matriz de carregamento foi adaptada de modo a que as
colunas aparecem em ordem decrescente de variância explicada por fatores. Somente as cargas mais
elevadas com valor acima de 0,47 são mostradas na tabela por representarem maior variância. (Método
de extração: Análise de Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos.) Variáveis: °C
(temperatura), ANE (Anormalidades Nucleares Eritrocíticas), Cdv (Condutividade), Co (Cobalto), Cr
(Cromo), Cu (Cobre), Fe (Ferro), Hg (Mercúrio), Mn (Manganês), MN (Micronúcleos), Ni (Níquel), Pb
(Chumbo), pH, Peso, Zn (Zinco).
Negro
Variáveis
Peso
#1
41.0%
Solimões
#2
25.0%
#1
61.0%
0.473930
Variáveis
Peso
0.950345
MN
-0.762252
MN
-0.799458
ANE
-0.612541
ANE
-0.761962
Hg
0.580484
Hg
0.810570
Cu
-0.539643
Cu
0.968767
Zn
-0.698061
Zn
0.820143
Fe
-0.703318
Fe
Mn
-0.945395
Mn
0.843637
Ni
0.872621
Ni
Pb
0.679506
-0.893768
Pb
-0.921923
#2
17.0%
-0.808478
Cr
0.639440
Cr
0.886439
Co
-0.719076
Co
0.729004
pH
-0.781572
pH
-0.754434
O2
-0.699300
O2
-0.704961
°C
0.666716
°C
-0.747393
Cdv
0.473930
Cdv
-0.714179
62
A
B
Figura 17. Projeção de todas as variáveis avaliadas em Hoplias malabaricus coletadas em tributários do
rio Negro (A) e projeção de todas as variáveis avaliadas em Hoplias malabaricus coletadas em tributários
do rio Solimões (B). Variáveis: °C (temperatura), ANE (Anormalidades Nucleares Eritrocíticas), Cdv
(Condutividade), Co (Cobalto), Cr (Cromo), Cu (Cobre), Fe (Ferro), Hg (Mercúrio), Mn (Manganês), MN
(Micronúcleos), Ni (Níquel), Pb (Chumbo), pH, Peso, Zn (Zinco). (Método de extração: Análise de
Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos).
63
A partir dos fatores obtidos (tabela 7) foram plotados gráficos para verificar a
distribuição dos peixes em relação à análise conjunta das variáveis ambientais,
biométricas e biológicas, representada pelos tributários do rio Negro (figura 18a) bem
como para os tributários do Solimões (figura 18b). No Negro, os tributários cujas
respostas apresentam maiores semelhanças entre si foram os rios Preta, Uneuxi, Unini
e igarapé Ariaú, amostrados durante o período de seca. Esses tributários formaram um
agrupamento que ficou separado dos demais tributários amostrados: rio Caurés, rio
Jurubaxi e rio Teia, amostrados durante período de cheia. O lago do Folharal também
ficou claramente separado dos outros pontos amostrados durante período de seca
(figura 18a). Na bacia do rio Solimões se observou um agrupamento entre os peixes
coletados no lago Coari, lago Grande de Manacapuru, rio Purus e Madeira. Os lagos
Paupixuna, no rio Juruá, e Curupira, no rio Japurá, ficaram claramente separados dos
demais pontos amostrados (figura 18a).
64
A
B
Figura 18. Análise de componentes principais (ACP) dos biomarcadores e variáveis ambientais nos
tributários do rio do Negro (A) e do rio Solimões (B). Os fatores 1 e 2 mostrados aqui representam 66%
de variância dos dados para o rio Negro e 78% de variância para o Solimões. Os círculos mostram os
agrupamentos formados nos tributários do rio Negro (azul) e do rio Solimões (verde). Os pontos não
circulados não se formaram agrupamentos. A variância explicada por cada fator é mostrada na Tabela 7.
(Método de extração: Análise de Componentes Principais; rotação: Varimax; 6 casos). ss = rio Solimões
no periodo de seca; nc = rio Negro no período de cheia; ns = rio Negro no período de seca.
65
A análise de agrupamentos demonstrou que os metais Co, Cr, Cu, Hg, Mn, Ni e
Pb estão relacionados com a ocorrência de micronúcleos nos tributários de ambos os
sistemas avaliados (figura 19a, b). Esse agrupamento exerce maior efeito sobre a
incidência de MN do que sobre a incidência das demais ANE. Ainda, a incidência de
ANE encontra-se mais distante desse agrupamento na água preta (distância<6,5) do
que na água branca, na qual as ANEs se encontram bem mais próximas do
agrupamento principal de respostas biológicas (distância < 2). As variáveis ambientais,
como pH e O2 exercem ação sobre a bioacumulação de metais e respostas
genotóxicas em ambas as bacias e a condutividade elétrica não é mostrada nas figuras
por estar muito distante e impedir a visualização dos outros agrupamentos.
As distâncias de agrupamentos mostram ainda que nos dois sistemas aquáticos
a bioacumulação tanto do Zn quanto do Fe exerce menor influência que os demais
metais sobre as respostas genotóxicas. As concentrações de zinco exercem influência
ainda mais isolada do que as demais variáveis sobre as respostas observadas nos
tributários do rio Negro em relação aos tributários do Solimões (figura 19a, b). Todavia,
se novas variáveis, como DOC, forem incluídas na análise, todo este panorama pode
ser modificado.
66
A
B
b
Figura 19. Dendograma das variáveis ambientais e biomarcadores observados nas traíras coletadas nos
tributários do rio Negro (A) e Solimões (B). Variáveis: ANE (Anormalidades Nucleares Eritrocíticas), Co
(Cobalto), Cr (Cromo), Cu (Cobre), Fe (Ferro), Hg (Mercúrio), Mn (Manganês), MN (Micronúcleos), Ni
(Níquel), O2 (Oxigênio), Pb (Chumbo), pH, Zn (Zinco) (Medida de distância: euclidiana; regra de
amalgamação: Linkage Único).
67
5. Discussão
A bacia amazônica é constituída por um complexo sistema de drenagem
formado por cerca de sete mil tributários que deságuam no rio Solimões/Amazonas e
formam um complexo sistema caracterizado por águas claras, pretas e brancas (Sioli,
1950; Santos e Ferreira, 1999; Goulding et al., 2003). Cada um destes tipos de água
apresenta características bastante peculiares, as quais podem interferir no processo de
biodisponibilidade e influenciar a bioacumulação de metais em organismos vivos
(Belger e Forsberg, 2006; Beltran-Pedreros, 2011).
Os metais podem chegar aos corpos aquáticos por três vias principais: (1)
deposição de material particulado atmosférico, (2) escoamento superficial da água da
chuva após lavagem e lixiviação do solo e (3) lançamento direto de despejos industriais
e urbanos nos meios hídricos (Föstner e Wittmann, 1983). Na Amazônia, vários sítios
de liberação de metais nos ambientes aquáticos estão relacionados à mineração de
ouro, de manganês e descargas de efluentes industriais das grandes cidades e de
acordo com Siqueira et al. (2006), existe uma associação da matéria orgânica com o
níquel, o cobalto e o zinco, indicando que a disponibilidade desses metais pode ser
influenciada, em parte, pela presença de moléculas orgânicas nos sistemas
amazônicos.
Sedimentos superficiais do rio Amazonas podem ser considerados como sítios
de ocorrência natural dos elementos metálicos, mesmo quando não há influência de
fontes poluidoras na liberação destes para o sistema aquático (Siqueira et al., 2006).
Situação similar deve ocorrer em grande parte dos tributários analisados por este
trabalho, em especial os do rio Negro, os quais sofrem baixa interferência humana por
serem áreas longínquas e de pouca densidade populacional, haja vista que o estado do
Amazonas detém um dos mais baixos índices de densidade demográfica do país, com
2,23 habitantes por quilômetro quadrado, conforme dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE, Censo 2010). Roulet et al. (1999) mostraram que mais
68
de 97% do Hg acumulado em solos da bacia do Tapajós são oriundos de fontes
naturais. Ainda, níveis excepcionalmente elevados de mercúrio (44-212 ng/g) foram
detectados nos solos da bacia do rio Negro, com pouca atividade de mineração de ouro
(Forsberg et al., 1999) e o mesmo pode estar acontecendo no lago Paupixuna, do rio
Juruá, região onde não há histórico de exploração de ouro (PNPO, 1999) e seus peixes
apresentaram bioacumulação de Hg e outros metais, como Cr, cujas concentrações no
tecido de peixes ultrapassou os limites estabelecidos como seguros pela legislação da
ANVISA (1965 e 1998). Interessante ressaltar que o elemento metálico Cobalto foi
encontrado apenas em Hoplias malabaricus de tributários do rio Solimões, podendo a
bioacumulação deste metal estar relacionada com a formação rochosa dos terrenos por
onde percolam seus rios (Maurice-Bourgoin et al., 1999).
A ocorrência e a abundância de metais nos rios Solimões, Negro, Purus,
Madeira, Trombetas, Tapajós e Amazonas variam de acordo com o terreno por onde
percolam os rios amazônicos, sendo os Andes a principal fonte da maioria dos metais
transportados ao longo do rio Solimões-Amazonas e seus afluentes de origem andina,
nos quais os metais são transportados principalmente em forma de partículas,
enquanto que as formas metálicas dissolvidas predominam no rio Negro e seus
afluentes, onde muitos metais formam complexos com a matéria orgânica dissolvida
(Seyler e Boaventura, 2001). Na Amazônia, apesar das investigações ambientais e a
preocupação com a saúde relacionadas ao mercúrio na água, biota e sedimentos
estarem mais avançada, outros elementos começam a ganhar mais atenção. A
distribuição de vários elementos: Ba, Cd, Co, Cs, Cu, Mn, Mo, Ni, Pb, Sr, U, V e Zn, foi
investigada em material dissolvido e suspenso de águas superficiais nos rios Mamoré e
Beni, formadores do rio Madeira, na parte boliviana da Amazônia, os quais
apresentaram diferenças importantes em sua hidrogeoquímica: tributários andinos do
rio Mamoré são caracterizados por altas concentrações de Mn, Sr, Mo, Ba e U, ao
passo que os afluentes do Beni apresentam elevadas concentrações de Zn, Cd e Cs.
Os autores sugeriram que a maioria dos elementos, mesmo em concentrações mais
elevadas, é de origem geológica, exceto os elementos Zn, As, Cd, cujas origens foram
relacionadas à exploração de minérios (Maurice-Bourgoin et al., 1999).
69
Vale ressaltar que a elevada concentração de compostos metálicos não é
condição única e necessária para causar efeitos nos seres vivos, pois eles precisam
estar biodisponíveis. Uma vez que os metais se complexam com a matéria orgânica,
eles podem se depositar no fundo dos rios e quando revolvidos por fatores físicos ou
invertebrados bentônicos, por exemplo, podem ficar biodisponíveis na coluna d’água e
assim entrar na rede trófica (Silva et al., 2006). Dentre as variáveis ambientais que
podem interferir nas reações dos agentes tóxicos sobre a biota, influenciando na
toxicidade desses compostos, estão o pH, o oxigênio dissolvido (OD), a temperatura, a
condutividade, presença de matéria orgânica, entre outros ( EPA, 2007). As
características limnológicas avaliadas para este trabalho mostram que os valores de pH
observados nos tributários do rio Negro os classificam como águas ácidas, tanto na
cheia quanto na seca, o que não difere de informações já descritas para as águas
pretas (Sioli 1984a; b; Küchler et al., 2000; Junk et al., 2011).
Os baixos níveis de pH encontrados para o rio Teia pode ser um dos motivos,
associado ao tamanho dos peixes, para os níveis de Hg no tecido das traíras ter sido
mais elevados, ultrapassando os limites estabelecidos pela ANVISA nesse ponto.
Entretanto, o presente estudo mostra que o rio Unini apresentou pH da água na faixa
da neutralidade, diferindo da descrição feita por Küchler et al. (2000), cujos valores de
pH descritos foram de 4,54 (ácido). Como a maioria dos rios da bacia do rio Negro
apresentam águas acidificadas em virtude da grande quantidade de ácidos húmicos e
fúlvicos advindos da decomposição da matéria orgânica (Sioli, 1984a; 1984b), talvez
em períodos de seca, semelhantes ao de coleta no rio Unini para este trabalho, os
níveis de material orgânico em decomposição sejam menos elevados. Isso também
poderia explicar o motivo desse rio apresentar teores de oxigênio dissolvido (OD) na
mesma faixa dos rios de água branca, havendo menor consumo de O 2 pela
decomposição de matéria orgânica (Esteves e Furtado, 2011) e ainda ter apresentado,
de maneira geral, concentrações intermediárias de bioacumulação de metais em
comparação aos outros tributários.
Os teores de pH apresentados pelos tributários de água branca em sua maioria
não diferiram de descrições anteriores, haja vista que esse tipo de água se caracteriza
por apresentar pH variando do ácido ao levemente alcalino, e na maioria das vezes na
70
faixa da neutralidade, em virtude da pouca influência de ácidos húmicos, ao contrário
dos rios de água preta (Sioli 1984a; b; Küchler et al., 2000; Junk et al., 2011). No
entanto, o lago Curupira, no rio Japurá apresentou águas de teores ácidos,
semelhantes aos de ambientes de água preta, conforme descrição de Sioli (1956).
Esse lago, apesar de desaguar no rio Japurá, próximo do qual foi realizada a coleta dos
peixes, advém de um igarapé cuja nascente pode estar localizada em meio a Amazônia
central, podendo ser um tributário de água preta desaguando em um rio de origem
andina, haja vista que além do pH, os teores de OD e condutividade elétrica também
foram similares aos dos tributários de água preta.
A maior condutividade elétrica nos tributários do Solimões está relacionada com
a maior presença de íons dissolvidos na água em relação à maioria dos tributários do
Negro (Sioli 1984a; b). Vale lembrar também que na água preta as perdas de oxigênio
devem estar sendo causadas pelo consumo pela decomposição da matéria orgânica, já
que nas condições naturais de um sistema aquático não intensamente poluído, o
material mais habitualmente oxidado pelo oxigênio dissolvido na água é a matéria
orgânica de origem biológica, como a procedente de plantas mortas e restos de
animais (Esteves e Furtado, 2011). Ainda, as variações detectadas nos valores de OD
podem estar relacionadas à própria presença de íons metálicos nos tributários
analisados, já que oxigênio além de ser consumido pela decomposição da matéria
orgânica via oxidação, é também consumido por oxidação química abiótica de
substâncias como íons metálicos (Esteves e Furtado, 2011).
De maneira geral, temperaturas elevadas tendem a reduzir a concentração de
O2 nos ambientes aquáticos, porém para este trabalho, temperaturas mais elevadas
pareceram não interferir na concentração de oxigênio, pois tributários com
temperaturas altas apresentaram teores mais elevados para alguns tributários. Assim,
nesses tributários a temperatura pode não exercer tanta influência em relação à
quantidade de OD. Embora em alguns tributários os teores de oxigênio dissolvido
tenham sido baixos, vale lembrar que isso não interfere na sobrevivência e ocorrência
das trairas, pois elas sobrevivem em situações de hipóxia (Nelson, 1994).
Analisadas todas as variáveis, percebeu-se que na água preta, tanto as variáveis
ambientais quanto as respostas biológicas agruparam a maioria dos tributários
71
amostrados durante a seca, exceto o lago do Folharal, no qual embora características
limnológicas tenham sido similares aos demais tributários desse sistema, os peixes
claramente apresentaram mais danos genotóxicos e maior acumulação de zinco, que
pela análise de ACP foi agrupado no mesmo fator das ANEs e MNs. Os dados obtidos
para rios no período de cheia também ficaram claramente afastados daqueles obtidos
para os rios em período de seca, mostrando que períodos sazonais interferem nas
respostas e variáveis ambientais, embora não tão acentuada para o presente estudo.
No sistema de água branca, o agrupamento dos peixes foi principalmente dos pontos
mais a jusante, dos quais o lago Curupira, no rio Japurá, e o lago Paupixuna, no rio
Juruá, ficaram separados. Os lagos Paupixuna e Curupira apresentaram maiores
bioacumulações de metais, sendo os pontos mais a montante amostrados para o
sistema de água branca, bem como os que apresentaram as menores frequência de
ANEs e MNs, fatores os quais devem tê-los afastado dos demais pontos na ACP. O
lago Curupira apresentou ainda diferenças limnológicas que o mantiveram afastado dos
demais pontos de água branca e do lago Paupixuna.
Nos dois sistemas aquáticos (água preta e água branca) foi possível detectar
tanto por agrupamento de Cluster quanto por análise de componentes principais, que a
bioacumulação de metais tende a interferir nas respostas genotóxicas e que a
coexposição desses elementos, mesmo estando abaixo dos limites estabelecidos como
seguros para consumo pela ANVISA, atuam de forma genotóxica e uma vez que esses
ambientes venham a sofrer aumento em sua disponibilidade, pode acentuar sua ação
sobre a integridade do material genético da biota aquática amazônica e dos diferentes
níveis tróficos. Todavia, nos tributários do rio Negro as variáveis limnológicas como pH,
a temperatura e o OD e condutividade favorecem a bioacumulação dos metais e assim
sob as condições desse tipo de ambiente a ação dos metais pareceu ser mais
acentuada, o que pode explicar a maior frequência de anormalidades nucleares e
micronúcleos em eritrócitos de traíras coletadas em águas pretas. Em contrapartida,
nos tributários do Solimões as variáveis limnológicas parecem exercer um efeito de
proteção contra a ação genotóxica dos metais, fazendo com que a frequência de ANE
e MN seja menos agravante nestes rios. De maneira geral, verificou-se que quanto
72
menor acidez apresentar o ambiente aquático, mais reduzida tende a ser a atuação de
metais sobre a saúde de determinados organismos.
No rio Tibre, na Itália, onde íons de metais potencialmente tóxicos (Zn, Cd, Ni, V,
Cu) foram avaliados quanto à sua ação mutagênica em peixes, observou-se que esses
elementos não pareceram estar relacionados com a incidência de MN mais elevada em
áreas contaminadas por esses metais, mesmo que em elevada concentração, sendo
sugerido que o pH com menor acidez, na faixa da neutralidade ou alcalinos, devem
manter os metais como elementos não biodisponíveis, reduzindo seus efeitos
mutagênicos (Minissi e Lombi, 1997).
Apesar de estudos envolvendo efeitos de pH não serem tão consistentes, devido
às demais variáveis que podem interferir no processo, altas temperaturas e ambientes
anaeróbicos tendem a favorecer a metilação de Hg, enquanto que processos de
demetilação são favorecidos em baixas temperaturas e/ou condições anaeróbicas.
Ainda, em ecossistemas com alta concentração de carbono orgânico dissolvido, esses
compostos orgânicos podem se ligar com metais e metalóides, tornando-os
indisponíveis e reduzindo as taxas de metilação bióticas (EPA, 2007). Assim, o pH
menos ácido e a ação de carbono orgânico dissolvido em águas brancas (Küchler et
al., 2000), podem estar exercendo nestes tributários um efeito protetor quanto à
bioacumulação de metais e sua ação genotóxica, em contraposição ao pH ácido dos
tributários de água preta, que ao que parece permite uma maior bioacumulação e ação
genotóxica de metais nos peixes, conforme já descrito anteriormente para a
bioacumulação de Hg nos peixes de água preta, que aumenta a medida que o pH é
mais baixo (Belger e Forsberg, 2006).
O rio Teia, por exemplo, apresentou o pH mais ácido e a maior bioacumulação
de Hg dentre os tributários analisados pelo presente trabalho. Desta forma, a menor
bioacumulação de alguns metais analisados (Cr, Cu, Fe) nas Hopliasdo rio Negro pode
estar associada à maior quantidade de COD e substâncias húmicas que os rios dessa
bacia apresentam quando comparados aos da bacia do Solimões (Küchler et al., 2000),
bem como a biodisponibilidade e capacidade de complexação via suas formas
físicoquímicas (Rocha e Rosa, 2003). Em contrapartida, a bioacumulação de outros
metais pode ter sido maior na bacia do Solimões por conta da própria formação
73
rochosa por onde esses rios percolam ou ainda por conta de poluição antrópica, já que
sabidamente, ao longo desses rios há mais centros urbanos, maior uso de agrotóxicos,
em especial ao longo das regiões de várzea, exploração de minério e maior fluxo de
embarcações propícias a contaminar esses ambientes aquáticos.
Assim, a bioacumulação dos metais analisados pelo presente trabalho pode ser
explicada mediante a ocorrência de fontes naturais de contaminação pelo solo e
também por poluição antrópica, via descargas de efluentes, derramamentos de
contaminantes e deposição do ar. Além disso, a biodisponibilidade desses metais é
influenciada pelas variáveis limnológicas, pois valores baixos de pH proporcionam
aumento na dissolução de íons metálicos e de sua concentração e biodisponibilidade
na água, a matéria orgânica interage com os agentes metálicos, e também influencia
na biodisponibilidade dos metais. Contudo, uma vez que as concentrações de carbono
orgânico dissolvido não foram inseridas na análise destes dados por não estarem
disponíveis para todos os locais amostrados, mudanças podem ocorrer na análise de
componentes principais (ACP) e disposição dos resultados quando os mesmos forem
adicionados. Isso porque o COD exerce grande influência sobre as respostas obtidas
para os ambientes amazônicos, influenciando na biodisponibilidade, bioacumulação e
ação, devido a sua capacidade de complexação com metais, o que reduz a sua
biodisponibilidade, desempenhando um papel importante no melhoramento da
toxicidade dos metais em águas naturais (Wood et al., 2011). Deste modo, os efeitos
dos metais podem ser reconfigurados e as concentrações de COD devem ser
consideradas para complementação destes resultados obtidos.
Ou seja, tanto as condições físicoquímicas da água quanto as atividades
antrópicas podem estar interferindo na ação genotóxica desses elementos em rios,
lagos e igarapés de água preta e água branca da Amazônia, sendo eles mais
agressivos sobre a integridade do material genético nos ambientes de água preta. Isso
foi comprovado por meio não só da maior ocorrência de MN e ANE, que inclusive foram
maiores nos tributários de água preta, mas também pela relação dos metais e a
incidência de genotoxicidade nos ambientes amostrados ao longo dos tributários, em
especial os do rio Negro. A ocorrência de danos genotóxicos em peixes da bacia
Amazônica relacionada à bioacumulação de metais reflete sérios problemas que
74
podem afetar não só peixes da espécie H. malabaricus, mas toda a população que se
alimenta desses peixes, absorvendo os contaminantes acumulados em seus tecidos.
Thier et al. (2003), argumentam que o mercúrio e certos compostos organomercuriais
exercem efeitos adversos sobre uma subunidade estrutural de microtúbulos envolvidas
na organização celular e componente de fibras do fuso mitótico: a tubulina, a qual tem
sua polimerização prejudicada pelo Hg, causando a contração dos cromossomos
metafásicos e atrasando a divisão da região centromérica e os movimentos anafásicos.
Isso poderia explicar o aumento de anormalidades nucleares, em especial na água
preta, haja vista que essas anormalidades são formadas a partir do prolongamento da
membrana nuclear em torno de cromatina levemente atrasada durante a divisão
celular. E mesmo os MN refletem perdas severas de material genético por efeitos
clastogênicos, que provocam quebras no material genético, ou efeitos aneugênicos,
que refletem danos às fibras do fuso mitótico (Ribeiro et al., 2003).
Vale ressaltar ainda que MN e ANE são eventos mutacionais e genotóxicos e
podem ocorrer espontaneamente como subprodutos de processos celulares normais
ou induzidas por mutágenos. Isso por que falhas no processo de divisão celular
ocorrem naturalmente, embora que em frequências reduzidas, pois as células
desenvolveram sistemas sofisticados para identificar e reparar DNA danificado,
impedindo assim a ocorrência exacerbada de mutações (Silva et al., 2003; Ribeiro et
al., 2003). O sistema de reparo na célula corrige, por exemplo, quebras bifilamentares
por meio da junção de pontas quebradas, o que deve contribuir para a baixa frequência
de ANE e MN em situações normais. MN e ANE podem então ocorrer mediante
problemas que afetem o bom funcionamento do sistema de reparo do DNA. Portanto, o
aumento da ocorrência de MN é indício de mutagenicidade severa sobre a estrutura do
material genético, já que as quebras cromossômicas ou perdas de cromossomos
inteiros são potencialmente letais se não reparados, em especial por que fragmentos
acêntricos não são herdáveis (Ribeiro et al., 2003).
Na bacia do rio Negro, o lago do Folharal apresentou uma maior incidência de
ANEs, tanto numa análise geral quanto por diferentes classes de peso, sendo
significativamente maior a frequência de ANEs nesse lago do que nos rios Caurés e
Jurubaxi, em especial nos peixe de tamanho intermediário (250 a 499g). As variáveis
75
que mostraram ser diferenciadas no lago do Folharal foram a bioacumulação de Zinco
e de Ferro. Apesar de serem elementos essenciais, a análise multivariada mostrou Zn
e Fe associados aos danos genotóxicos em Hoplias coletados em água preta, com
potencial efeito mutagênico na formação de MN e de ANE.
O Ferro é um elemento essencial por participar principalmente do transporte de
oxigênio dos pulmões até os tecidos, por compor a hemoglobina dos glóbulos
vermelhos do sangue e ser componente de diversas enzimas, como as envolvidas no
metabolismo energético (Forbes, 2009). O Zn também é importante nas atividades
fisiológicas, sendo componente de inúmeras enzimas, participando na divisão celular,
na transcrição e expressão gênica, além de atuar em processos fisiológicos, tais como
crescimento e desenvolvimento, na morte celular, agir como estabilizador de estruturas
de membranas e componentes celulares, além de participar da função imune e
desenvolvimento cognitivo (Mafra e Cozzolino, 2004). No entanto esses metais
apresentam potencial para exercer efeitos genotóxicos, mesmo abaixo, em todos os
tributários, dos limites estabelecidos como seguros pela legislação da ANVISA (1965 e
1998), que estabelece os limites máximos de tolerância para contaminantes
inorgânicos em peixes.
Em condições experimentais, Tapisso et al. (2009) avaliaram danos ao DNA em
camundongos (Mus argelinos spretus) expostos e co-expostos ao zinco (Zn), cádmio
(Cd) e chumbo (Pb) via injeções intraperitoneais numa concentração correspondente a
1/10 da a DL50, respectivamente, de 1,5, 21,5, 0,46 e mg/kg de peso corporal. Com
apenas uma exceção (Cd + Zn), os resultados mostraram aumento significativo de MN
em todos os grupos avaliados, indicando que o zinco, o cádmio e o chumbo induzem à
formação de MN. Ainda, o potencial clastogênico é dependente do tempo de exposição
e da interação entre os três elementos, confirmando que danos genotóxicos podem
resultar da ação simultânea de diversos metais.
Investigando a toxicidade da drenagem ácida de mina de carvão, utilizando
parâmetros físico-químicos e bioensaios, Macan et al. (2012) constataram que a
drenagem apresentou baixo valor de pH e expressiva concentração dos metais ferro e
manganês, e uma vez expostas à drenagem ácida de mina de carvão, células do
76
meristema de Allium cepa tiveram aumento dos danos ao DNA detectado via teste do
cometa, indicando que o Ferro e o Manganês também exercem ação sobre o material
genético e sua ação tóxica é mais acentuada em água mais acidificadas, como as
encontradas neste trabalho para os tributários do rio Negro, onde a coexposição a
metais parece estar exercendo em potencial ação genotóxica de manganês nos peixes.
O mais preocupante é que manganês não tem limites estipulados como seguros pela
legislação brasileira.
Na bacia do Solimões, de modo geral, o Madeira apresentou maior incidência de
MN em relação ao lago Paupixuna, na água branca. O único metal com concentrações
diferentes dos demais tributários para o rio Madeira foi o cromo, com diferença
significativa entre os peixes de peso entre 75 a 249g. Entretanto, as diferenças de ANE
e MN entre os peixes dessa classe de peso foram similares e talvez estejam
relacionados ao n, pois somente se comparou a incidência de ANE e MN com o lago
Coari. Se os demais tributários tivessem mais peixes para essa classe de tamanho,
bem como um n maior nas outras classes, resultados semelhantes poderiam ser
obtidos. Na análise por classes de tamanho, somente peixes de peso entre 250 a 500g
apresentaram diferença na frequência de MN entre o lago Grande Manacapuru e Lago
Coari.
De maneira geral, o lago Grande Manacapuru não apresentou bioacumulação
mais acentuada de metais em relação ao lago Coari, exceto o chumbo que não foi
detectado para este tributário. Sugere-se então que essa maior frequência de danos de
MN possa estar sendo provocada por outros agentes mutagênicos e, levando em
consideração que os peixes do lago Grande Manacapuru foram coletados nas
proximidades da cidade de Manacapuru, no estado do Amazonas, esse ambiente tem
sido constantemente contaminado por despejos de resíduos tóxicos além dos metais,
advindos do lançamento de esgoto no rio, derramamento de combustíveis e utilização
de pesticidas, por exemplo, que são fontes comuns de poluição e genotoxicidade nos
grandes centros (Silva et al., 2003).
Com base na legislação da ANVISA somente Cr e Hg ultrapassaram os limites
de concentração permitidos para o pescado nos espécimes de Hoplias malabaricus
77
analisados pelo presente estudo. Para o Cr os valores encontrados ultrapassaram os
limites recomendados pela ANVISA em somente dois tributários avaliados: lagos
Paupixuna e lago Curupira. A presença mais elevada de cromo nos tributários do
Solimões em relação aos do rio Negro pode ser explicada pelo fato de que águas com
pH neutros (em torno de 6,5) e maior concentração de sais podem apresentar maior
incidência de monômeros de cromo (Rai et al., 1987; Venkatramreddy et al., 2009), ao
passo que ácidos húmicos e fúlvicos altamente influenciados por valores reduzidos de
pH aumentam a taxa de redução de cromo (Deng e Stone, 1996). Isso explicaria por
que há menor concentração deste metal nos peixes de tributários do rio Negro.
Alguns autores têm defendido que a acumulação de cromo em peixes não é um
problema grave, uma vez que os peixes são capazes de eliminá-lo de seus organismos
(Buhler et al., 1977; Birungi et al., 2007). Contudo, certas espécies demonstram ser
tolerantes ao cromo e outras mostram uma maior sensibilidade a esse metal, sendo
que a ecotoxicologia de Cr, em especial na sua forma hexavalente tóxica, está ligada à
sua persistência no meio ambiente e a capacidade de induzir uma variedade de efeitos
adversos em sistemas biológicos, incluindo peixes. Esses efeitos mostram toxicidade
em níveis celulares, bioquímicos e genéticos, possuindo propriedades mutagênicas e
teratogênicas (Venkatramreddy et al., 2009). Outros efeitos adversos já foram
observados, como alteração da atividade respiratória do peixe; depressão na taxa
metabólica; decréscimo significativo nos parâmetros hematológicos; diminuição
significativa de parâmetros bioquímicos como: glicogênios totais, lipídeos totais e
conteúdo de proteína total, refletindo a extensão dos efeitos tóxicos de cromo
hexavalente que induz efeitos deletérios cumulativos em vários níveis funcionais em
peixes de água doce amplamente consumidos: Labeo rohita, chamada de “carpa
indiana” (Vutukuru, 2005).
A toxicidade, mutagenicidade e genotoxicidade de Cr têm sido comprovadas em
diversos trabalhos por meio de pesquisas em diversos grupos biológicos (Langard,
1990; De Flora et al., 1990; Çavas e Garanko, 2005; Mccarroll et al., 2010; Oliveira et
al., 2012). Venkatramreddy et al. (2009) fizeram uma revisão ampla dos efeitos
adversos do Cr incluindo sua ação genotóxica e mutagênica, proporcionando uma base
para a compreensão do impacto potencial, bem como para o avanço dos
78
conhecimentos da avaliação ecotoxicológica e de risco deste metal. Com isso,
sugerimos que estudos sejam efetuados para verificação de quais valências iônicas de
cromo são encontradas nos peixes amazônicos, em especial aqueles consumidos pela
população local, haja vista que a forma hexavalente (Cr 6+) é incluída nos grupos dos
agentes comprovadamente carcinogênicos em animais e em humanos pela
International Agency for Research on Cancer (IARC, 1990) e Agency for Toxic
Substances and Disease Registry (ATSDR, 2009). O consumo de peixes com níveis de
Cromo elevados nos peixes amazônicos é, portanto preocupante do ponto de vista da
saúde da população.
De acordo com a legislação da ANVISA, poucos peixes do rio Teia, Jurubaxi e
Unini estariam impróprios para consumo em relação aos limites estabelecidos para
consumo de Hg: 1.0 mg/kg. O mesmo limite de consumo é estabelecido pela
Organização Mundial de Saúde (FAO/WHO, 2006) para ingestão de metilmercúrio.
Contudo na região Amazônica, o consumo médio de pescado é muito elevado em
relação a outras regiões. Fréry et al. (2001) mostraram que em períodos de
abundância, o consumo de pescado na Amazônia pode chegar a até 600g/dia/pessoa.
Além do consumo pela população ribeirinha, na região Amazônica o comércio de peixe
supre também os centros urbanos e o aumento das cidades tem provocado uma
procura cada vez maior por pescado, bem como o aumento de consumo pela
população (Ferreira, 1998).
Trabalhos recentes realizados na região amazônica também alertam para os
riscos de consumo de peixes com altas concentrações de mercúrio. Rabitto et al.
(2011) avaliaram os risco do consumo de peixes da espécie de peixe carnívora Cichla
monoculus (tucunaré) do reservatório de Samuel, na bacia Amazônica, em Rondônia –
Brasil, e verificaram que esta espécie é um importante veículo de exposição humana
ao mercúrio, haja visto que esse peixe acumula e biomagnifica esse metal, com
concentrações acima do limite seguro recomendado pela EPA/WHO. Neste mesmo
ambiente, Silva et al. (2012) investigaram a bioacumulação de Hg em Hoplias
malabaricus e cerca de 18% dos peixes avaliados apresentaram níveis de mercúrio no
músculo excedendo o limite seguro para ingestão através da alimentação para
humanos estabelecidos pela OMS.
79
Além desses, diversos outros trabalhos têm mostrado que peixes carnívoros da
região amazônica, dentre eles Hoplias malabaricus tendem a bioacumular Hg, sendo
importantes fontes de contaminação para a população humana local (Lacerda et al.,
1987; Pfeiffer et al.,1989; Malm et al.,1995; Belger e Forsberg, 2006; Beltran-Pedreros
et al., 2011; Rabitto et al., 2011; Silva et al., 2012). Os dados obtidos neste trabalho
mostram que realmente há bioacumulação de Hg nesses peixes, sendo que os peixes
coletados nos tributários do rio Negro bioacumularam mais Hg do que coletados nos
tributários do rio Solimões.
A biodisponibilidade e bioacumulação de Hg dependem de vários fatores como
carbono orgânico dissolvido, densidade das zonas úmidas, regime alimentar, idade,
nível trófico e metabolismo de peixes amazônicos (Belger e Forsberg, 2006; BeltranPedreros et al., 2011). Portanto, a maior bioacumulação de Hg nos peixes amazônicos
pode estar sendo influenciada também por esses fatores, além de níveis de pH baixos.
Ainda, a presença de solos hidromórficos tem sido descrita como importantes fontes de
metilação de Hg em afluentes do rio Negro, em especial nas regiões mais a montante
desta Bacia (Zeidemann, 1998; Belger e Forsberg, 2006).
Em condições naturais amazônicas, o impacto da contaminação por mercúrio no
rio Madeira foi avaliado via análise da incidência de micronúcleos em eritrócitos de três
espécies de characiformes amazônicos pertencentes a diferentes níveis tróficos
(Prochilodus nigricans – detritívoro, Mylossoma duriventris – onívoro e Hoplias
malabaricus – piscívoro) e tendo como referência áreas não poluídas do rio Solimões.
A frequência de micronúcleos foi mais alta nos indivíduos coletados no rio Madeira e os
efeitos genotóxicos mais fortes foram detectados no peixe piscívoro Hoplias
malabaricus, provavelmente refletindo uma interação de fatores ambientais e biológicos
que causam a maior biomagnificação do mercúrio e indução de danos genéticos sobre
traíras do rio Madeira (Porto et al., 2005). Embora os autores não tenham feito nenhum
tipo de análise química na água ou nos tecidos dos peixes, o fator histórico de
mineração de ouro no rio Madeira foi considerado como possível agente causador da
maior incidência de MN neste rio, que em comparação com as frequências (%)
encontradas para o presente estudo, permitiu detectar uma maior incidência de MN em
H. malabaricus em relação aos analisados por Porto et al. (2005).
80
Tabela 8. Comparação entre a frequência média de MN em Hoplias malabaricus entre os valores
encontrados para este trabalho e os encontrado por Porto et al. (2005). Ambos os trabalhos realizados
em rios da Amazônia.
Porto et al. (2005)
Presente trabalho
Rio
Solimões
Rio
Madeira
Rio
Madeira
Bacia do
Negro – Cheia
Bacia do
Negro – Seca
Bacia do
Solimões – Seca
0.006
0.18
0.45
0.34
0.63
0.24
Vale ressaltar que os peixes analisados por Porto et al. (2005) foram coletados
no ano de 1991, 21 anos anteriores às coletas deste presente estudo, e a frequência
de MN para o rio Madeira mais que dobrou ao longo desses mais de vinte anos. E
mesmo com a redução da exploração garimpeira de ouro na parte brasileira deste rio,
as respostas genotóxicas aumentaram. Para o presente trabalho foi verificado que a
bioacumulação de Hg em associação com outros metais influencia nas respostas
genotóxicas, mostrando que outros fatores além do Hg devem estar interferindo nas
respostas genotóxicas para este importante rio amazônico, como o cromo, citado
acima, bem como a notória ocupação e poluição humana crescente ao longo deste rio
e reforçamos a grande importância do contínuo biomonitorando do rio Madeira.
Outro trabalho investigou a influência de mercúrio e metilmercúrio em eritrócitos
de peixes e verificou-se que compostos exercem ação genotóxica, mas quando os
peixes foram expostos juntamente com selênio, as frequências de micronúcleos
reduziram, mostrando que o Se parece auxiliar na diminuição da genotoxicidade de
compostos mercuriais (Al-Sabti, 1994). Um estudo recente (Lailson-Brito et al., 2012)
demonstrou que o metal Se pode ajudar na desmetilação de Hg nos organismos
aquáticos por meio da formação de seleneto de mercúrio. Com isso, a concentração de
Hg pode ser reduzida nesses organismos caso o Se esteja biodisponível na água e
uma vez absorvido, ajudar na eliminação de Hg dos organismos. Sugere-se então que
nos próximos trabalhos a análises de bioacumulação de Selênio (Se) também sejam
consideradas.
81
Ayllón e Garcia-Vazquez (2000) investigaram a ação genotóxica de Hg por teste
de micronúcleo e anormalidades nucleares em duas espécies de peixes e verificaram
que Phoxinus phoxinus não sofre ação genotóxica de Hg, enquanto que Poecilia
latipinna é sensível ao mercúrio e cádmio, apresentando respostas genotóxicas. Vale
ressaltar ainda que a sensibilidade por determinados tipos de metais e os padrões de
acumulação de xenobióticos são diferentes para cada espécie de peixe e dependem do
balanço entre a taxa de assimilação e as taxas de metabolização e eliminação dos
compostos químicos, as quais também podem ser influenciadas pelo meio (Silva et al.,
2003), justificando por que diferentes espécies respondem de diferentes formas a ação
de determinados contaminantes.
A ação genotóxica de metilmercúrio em diferentes concentrações de exposição
via trófica (via alimentação contaminada) em Hoplias malabaricus foi testada por Vicari
et al. (2012) e, embora não tenham sido observadas diferenças significativas na
ocorrência de micronúcleos entre os grupos expostos e grupo controle, a ação
genotóxica foi observada via ensaio cometa, os autores sugeriram que os possíveis
danos provocados por esse elemento sejam reparáveis. Estudando populações
humanas ribeirinhas às margens do rio Tapajós, na Amazônia, Amorim et al. (2000)
testaram o mercúrio presente em cabelos como biomarcador de exposição e
encontraram uma ação citotóxica do metal, relacionada com eventos clastogênicos e
redução da proliferação de linfócitos, medida como o índice mitótico (IM). Pinheiro et al.
(2000) avaliaram a exposição humana ao metilmercúrio e ao mercúrio total em
comunidades ribeirinhas do rio Tapajós e da região metropolitana de Belém, no estado
do Pará, via análises em amostras de cabelo e sugeriram que o mercúrio absorvido via
consumo de peixes carnívoros contaminados com o metal, dentre eles as traíras,
provoca indícios de intoxicação mercurial
nos consumidores humanos via cadeias
tróficas. Dessa forma, o potencial efeito genotóxico do mercúrio necessita de maiores
investigações, pois diferentes trabalhos vêm mostrando contradições quanto às ações
genotóxicas do Hg em diferentes espécies e, para o presente trabalho, o Hg aparece
agrupado por análise multivariada, ao grupo de metais causadores de MN e ANE.
A bioacumulação dos metais Cu e Pb também estiveram abaixo dos limites
estabelecidos pela ANVISA. Apesar de na água preta os peixes apresentarem menor
82
bioacumulação de Cu do que na água branca, nos tributários do rio Negro o Cu
mostrou estar relacionado à ocorrência de danos genotóxicos facilitado pelas
condições limnológicas, confirmando que em águas cujos teores de pH são baixos a
toxicidade de metais como o Cu é mais acentuada (Láuren e McDonald,1987). Ou
então o sistema de eliminação deste elemento por parte das traíras tem sido bastante
eficaz na água branca, como por meio da metalotioneína (Souza et al., 2009).
A análise de micronúcleos também indicou a ocorrência de efeitos genotóxicos e
mutagênicos, com aumento significativo de células alteradas, na espécie amazônica
Aequidens tetramerus (acará) após exposição a sulfato de cobre na concentração de
7,975 mg.L-1 durante 24 horas, mostrando que esse metal provoca danos no material
genético desses animais (Rocha et al., 2010). Por sua vez, embora o chumbo seja um
metal altamente tóxico, sua concentração e a de Níquel, assim como de outros
elementos estão dentro das medidas permissíveis para consumo pela legislação
brasileira, a qual necessita de revisão quanto aos limites para consumo destes metais.
Para este trabalho, a ACP mostrou que o chumbo está relacionado com a ocorrência
de danos genotóxicos em traíras e em coexposição com outros metais ele se
relacionou com os danos genotóxicos.
A genotoxicidade do Pb (concentração 5 mg Pb(NO3)2 L−1) foi investigada por
meio de bioensaios in vitro (1, 3 e 6h) e in vivo, com exposição hídrica (6, 24 e 96 h)
em
peixes de água doce Prochilodus lineatus, nos quais a frequência de ANEs
(núcleos em forma de rim, núcleo segmentado e núcleos lobado) tiveram aumento
significativo após 24 e 96 horas de exposição, indicando que ANE representa um ótimo
biomarcador para exposições longas a Pb e os MNs são bons para avaliar exposições
de curto prazo. Os resultados do ensaio do cometa em eritrócitos expostos in vitro ao
chumbo confirmaram seu efeito genotóxico e demonstraram que as lesões no DNA
causada pelo chumbo é tempo/dependente (Monteiro et al., 2011). Ferraro et al. (2004)
utilizaram Hoplias malabaricus na avaliação do potencial mutagênico (testes do cometa
e MN e aberrações cromossômicas) do chumbo inorgânico (PbII) e tributilteno (TBT),
verificando após dois meses de exposição via trófica que tanto TBT como PbII são
potencialmente mutagênicos (p <0,01), com frequência média de MN de 0,10%.
Ramsdorf et al. (2009), também avaliaram a ação genotóxica do chumbo inorgânico –
83
PbII (por injeção intraperitoneal em 96h de exposição) utilizando H. malabaricus e
verificaram ausência de MNs. Contudo, detectaram ocorrência de alterações
morfológicas nucleares.
Na Amazônia a bioacumulação de outros metais também foi avaliada, tais como
Alumínio (Al), Cádmio (Cd) e Cromo (Cr), analisados em três espécies de peixes –
piranha (Serrasalmus spp.), branquinha (Potamorhina spp.) e tucunaré (Cichla spp.) –
oriundas do rio Gelado, no estado do Pará, onde foram encontradas altas
concentrações dos três metais, com valores acima dos limites estabelecidos para
consumo nas espécies analisadas (Barros et al., 2010). Contudo, investigações
complementares necessitam ser realizadas na região Amazônica a fim de compreender
melhor a geoquímica regional, os processos de bioacumulação e efeitos de metais,
bem como aliada a aplicação de outros biomarcadores, como os de genotoxicidade
utilizada pelo presente trabalho. Investigações desse tipo podem ser utilizadas com
eficácia na avaliação dos efeitos da poluição por agentes mutagênicos e genotóxicos,
como metais, sendo recomendadas para estudos de biomonitoramento na Amazônia.
Testes de MN e ANE em sangue periférico do peixe de água doce Astyanax
jacuhiensis foram utilizados como biomarcadores na avaliação da qualidade do
ambiente aquático e possíveis efeitos da poluição petroquímica para populações
nativas do rio Bom Jardim, no Rio Grande do Sul e mostraram que os locais sujeitos a
influência petroquímica estavam sob impacto genotóxico elevado (Lemos et al., 2008).
Tal tipo de biomonitoramento, bem como o utilizado por nosso trabalho, são bons
indicadores da qualidade ambiental aquática e precisam ser aplicados com maior
ênfase na região Norte do Brasil. Sendo estabelecidos como práticas que devem ser
adotada na Amazônia para controle e avaliação da qualidade ambiental.
Todavia, a genotoxicidade de metais afeta os peixes amazônicos, sendo
potencializada pelas diferentes características físicoquímicas, confirmando a eficiência
do uso de biomarcadores de genotoxicidade tais como os utilizados em nosso trabalho.
Bem como reforçam que os limites estabelecidos pela ANVISA precisam ser revisados
por conta da ação genotóxica que esses metais exercem em especial de forma
conjunta. Indicam ainda que novos estudos tanto em monitoramento de ambientes
84
naturais como em bioensaios são necessários. Além disso, a abordagem de análise
multivariada (AAM) se configura como uma excelente ferramenta para a avaliação de
efeitos de contaminantes em ambientes naturais em complementação a outros tipos de
análises. Alguns trabalhos de biomonitoramento ambiental já realizaram essa
ferramenta, que tem se mostrado eficiente para a análise de danos biológicos
provocados por metais em ambientes naturais via diferentes tipos de biomarcadores.
Riba et al. (2005) avaliaram a relação entre a bioacumulação dos metais Zn, Cd, Cu e
Pb e lesões histológicas em diferentes tecidos de organismos (ostras e mariscos) em
três áreas diferentes do sudoeste da Espanha afetados e não afetados por atividades
de mineração. Como resultado, detectaram correlações entre a bioacumulação de
metais pesados Zn e Cd e lesões histológicas.
Investigando os efeitos de contaminantes (substâncias organocloradas, PCB,
DDT e metais – Cu, Zn, Cd, Pb, Hg), por um conjunto de biomarcadores de
histopatologia, histomorfometria e Imunohistoquímica, Dabrowska et al. (2012)
observaram
que
os
biomarcadores
histomorfométricos
se
correlacionaram
positivamente com o Hg no músculo, PCB e resíduos DDT. Esses tipos de trabalho e
de análise vêm mostrando eficiência dos biomarcadores na avaliação e comparação da
qualidade ambiental em diversos ambientes analisados e testes de genotoxicidade
podem ser usados para monitoramentos contínuos dos rios amazônicos, em especial
aqueles que vêm sofrendo fortes mudanças e impactos em virtude da ação humana,
tais como o próprio rio Madeira, que tem sofrido muitas alterações por conta de
poluição urbana, curtumes, lixões e construção de usinas Hidrelétricas e a ainda
vigente exploração garimpeira em sua parte boliviana, principalmente.
Embora a maioria dos metais analisados tenha se apresentado em
concentrações abaixo dos limites estabelecidos para consumo humano, quando
analisados em conjunto por ACP e Cluster, os resultados mostraram que a coexposição a esses metais exerce influência sobre a indução de efeitos genotóxicos:
ANE e MN. Portanto estes resultados evidenciam que os limites estabelecidos na
legislação brasileira vigente precisam ser revistos de forma a assegurar maior
segurança para o consumo humano de pescado. Faz-se necessário que sejam feitas
revisões dos valores estabelecidos para consumo humano pela legislação brasileira,
85
bem como, que sejam estabelecidos na legislação limites apropriados para consumo
dos metais que ainda não estão sendo considerados nas normativas nacionais, com
especial atenção para a região amazônica e suas particularidades, onde é notório o
elevado consumo de pescado, em quantidade bem maior do que noutras regiões do
país. Isso por que muitos indivíduos amazônicos têm diariamente sua fonte de
alimentação via consumo de peixes e, portanto, estão predispostos a absorver metais
bioacumulados em concentrações extremamente elevadas, sendo a ingestão destes
um risco diário. São necessários que mais estudos busquem compreender melhor as
origens antrópicas dos metais dentro dos sistemas aquáticos amazônicos. O cromo,
por exemplo, pode advir do uso deste metal em curtumes; o mercúrio, da sua utilização
na amalgamação de ouro na garimpagem e da lixiviação de solos amazônicos, e o
manganês do uso de agrotóxicos, por exemplo.
Os resultados obtidos pelo presente trabalho mostraram que a ocorrência de
ANE e MN foram significativamente maior nos peixes do rio Negro em comparação
com peixes da bacia do rio Solimões, o que significa que os peixes de tributários do rio
Negro estão sofrendo maior impacto sobre a estabilidade do material genético e
morfologia estrutural nuclear quando comparados aos peixes de tributários do rio
Solimões. Isso demonstra que mesmo peixes coletados em ambientes com pouca
interferência humana estão sofrendo danos em seu DNA, e por mais que a frequência
com a qual esteja ocorrendo não tenha implicâncias severas quanto à sobrevivência
desses animais, o panorama por esse trabalho observado se estabelece como
parâmetro para efeito de comparação com monitoramentos contínuos a serem
realizados na Amazônia, a fim de compreendermos melhor sua dinâmica ambiental.
Por conta disso, mais estudos de biomonitoramento na região amazônica se
fazem necessários para investigar a origem e ação tóxica de metais, bem como de
outros contaminantes, sob a influência de diferentes fatores ambientais em diferentes
níveis de organização biológica e utilizando diferentes biomarcadores, como os de
genotoxicidade (ANE e MN písceos), os quais demonstraram ser eficientes no estudo
de biomonitoramento em ambientes aquáticos amazônicos ao detectar que estão
havendo perdas genéticas em células somáticas das traíras das bacias do rio Negro e
do rio Solimões.
86
6. Conclusões

Variáveis ambientais como pH, oxigênio dissolvido, temperatura e condutividade
elétrica influenciam a bioacumulação de metais e seus efeitos genotóxicos em
traíras da espécie Hoplias malabaricus.

Está havendo indução de danos genotóxicos em traíras dos ambientes amostrados,
sendo “micronúcleos”, “núcleo em forma de rim”, “núcleo lobado” “núcleo vacuolado”
e “núcleo segmentado” observados em tributários dos rios Negro e Solimões.

As frequências dos danos genotóxicos encontrados para este trabalho poderão ser
utilizadas para efeitos de comparação em estudos de monitoramentos contínuos,
utilizando testes de ANE, MN e de bioacumulação como ferramenta de avaliação da
qualidade ambiental.

Houve diferença de ANE entre tributários do rio Negro e de MN entre tributários do
Solimões, sendo as ANEs um melhor biomarcador para água preta e MN um melhor
biomarcador para a água branca.

As características limnológicas influenciaram na biodisponibilidade dos metais,
sendo os peixes de tributários do rio Negro mais afetados pela ação dos metais do
que peixes de tributários do rio Solimões.

Dentre os metais avaliados no músculo de traíras somente cromo (Cr) e mercúrio
(Hg) apresentaram valores acima dos permissíveis para consumo humano pela
Legislação Brasileira.

São necessários mais estudos para compreender melhor as origens naturais e
antrópicas dos metais, bem como sua ação sobre a biota dentro dos sistemas
aquáticos amazônicos sob diferentes condições ambientais.
87

Problemas que afetam peixes da espécie H. malabaricus, podem também atingir a
população que se alimenta desses peixes, absorvendo os contaminantes
acumulados em seus tecidos.

Uma vez que danos genotóxicos sofrem influência da bioacumulação dos metais
avaliados mesmo em concentrações abaixo dos limites estabelecidos como seguros
para consumo de pescado pela ANVISA, a legislação vigente precisa ser revisada,
rediscutida e reformulada.
88
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Anexo
103
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Dissertação_ Mailson Rafael dos Santos Ferreira