UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
LETÍCIA SANTOS DA CRUZ
ESCRITA DOCENTE: MONOGRAFIAS DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
SABERES E PRÁTICAS – ALFABETIZAÇÃO, LEITURA E ESCRITA EM FOCO
Rio de Janeiro
2014
LETÍCIA SANTOS DA CRUZ
ESCRITA DOCENTE: MONOGRAFIAS DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
SABERES E PRÁTICAS – ALFABETIZAÇÃO, LEITURA E ESCRITA EM FOCO
Dissertação apresentada à Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientador: Profa. Dr. Ludmila Thomé de
Andrade
Rio de Janeiro
2014
LETÍCIA SANTOS DA CRUZ
ESCRITA DOCENTE: MONOGRAFIAS DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO
SABERES E PRÁTICAS – ALFABETIZAÇÃO, LEITURA E ESCRITA EM FOCO
Dissertação apresentada à Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
Mestre em Educação.
Orientador: Profa. Dr. Ludmila Thomé de
Andrade
Aprovada em:___________de ____________________de 2014.
Banca Examinadora
Prof. Dra. Ludmila Thomé de Andrade
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Assinatura:_________________
Prof. Dr. Guilherme do Val Toledo Prado
Instituição: Universidade Estadual de Campinas. Assinatura: ___________________
Prof. Dra. Ana Maria Ferreira da Costa Monteiro
Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Assinatura:_________________
Rio de Janeiro
2014
A Paulo Roberto e Maria Celeste,
Meus Pais.
Trago dentro de meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
Fernando Pessoa
Poesia de Álvaro de Campos. 1916.
3
AGRADECIENTOS
Primeiramente a Deus por me permitir vivenciar essa experiência.
Aos meus pais, pela paciência e tolerância ao entenderem minha ausência tão
presente no cotidiano que nossas vidas se tornou. Obrigada pelo abrigo e cuidado.
Aos meus irmãos Ânderson e Mayara. Nossas diferenças me fazem cada vez mais
consciente de mim e do quanto ainda preciso aprender. Nossas igualdades
mostram-me o meu lugar de pertencimento. Não posso deixar de mencionar a
Débora, minha cunhada, e Gabriel, o sobrinho do coração. Obrigada por fazerem
parte da minha vida, me compreenderem e apoiarem todas as minhas escolhas.
Ao meu gato Positivo, companhia fiel que me ajudava na descontração nos
momentos de escrita.
Ao Paulo Lucio, amor não concretizado, mas tão fortalecedor. Você faz parte desse
processo também.
À Lud, que me conquistou desde a graduação, caminhou comigo na monitoria e
iniciação científica, sempre me incentivando ao mestrado. Obrigada pelo carinho,
pela vida compartilhada, pela orientação cuidadosa e pelo respeito.
A Dra. Sonia Amat pela escuta atenta há tantos anos.
Às amigas, Cristina, Luciana, Luiza, Bruna, Fernanda, Renata e Beth. Obrigada pela
a ponderação, conselhos, acolhimento de mãe, risos e gargalhadas, lágrimas e
abraços, pela loucura nossa de cada dia, pelo trabalho, lanches, almoços e
sanduíche da janta também, pelo jeito mulherzinha de cada uma ser. Sem vocês
teria sido muito mais difícil passar por essa etapa.
A todos do Grupo de Pesquisa do LEDUC. Seus enunciados também me formaram.
4
Aos meus companheiros de trabalho Raquel Moraes e Rodrigo Merat, amigos
sempre atentos e ajudadores. Nossas gargalhadas me impulsionaram para que essa
escrita acontecesse. Não posso esquecer da Ingrid, chuchu do Rodrigo, obrigada
pelo auxílio técnico com as representações e por compartilhar esse momento tão
singular.
À banca examinadora pelo olhar responsivo e responsável sobre a minha escrita.
À Solange e toda a equipe da Secretaria do PPGE. Muito obrigada por organizarem
tão bem minha vida acadêmica.
À Marcela e a Luciana da Secretaria do CESPEB. Muito obrigada por abrirem as
porta para que eu pudesse colher as informações que precisava e por toda ajuda
durante esse tempo de pesquisa.
Às alunas professoras do CESPEB, sem suas escritas esse trabalho não existiria da
forma que é.
A todos os professores que contribuíram para minha formação.
Às minhas crianças da Educação Infantil que a cada dia me ensinam coisas novas e
me fazem uma pessoa mais feliz.
5
RESUMO
CRUZ, Letícia S.Escrita docente: monografias do curso de especialização
Saberes e Práticas – alfabetização, leitura e escrita em foco. Rio de Janeiro,
2014. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
A pesquisa objetivou pensar a escrita docente como um caminho que possibilite o
professor a repensar suas práticas, levando-o a se perceber como autor de seus
próprios textos e como sujeito histórico de saberes que reverberam em sua trajetória
e profissional. Essa pesquisa fundamentou-se no princípio de que a formação
continuada pode ser um espaço em que o professor pense suas práticas e suas
relações cotidianas como possibilidade de ver-se inserido em um processo formativo
do qual ele é realmente parte fundamental. Assim como seus alunos que estão no
dia a dia da escola, podendo criar recursos para enxergar as várias formas de falar
sobre sua prática e levar outros, as crianças, a também falarem de si e de seus
saberes a partir da aquisição da linguagem escrita. A pesquisa se originada análise
documental das monografias elaboradas por professoras alfabetizadoras, alunas de
duas turmas do curso CESPEB - Curso de Especialização Saberes e Práticas da
Educação Básica – oferecidos respectivamente em 2008-2/2009 e 2010/2011-1 pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Esse trabalho propõe-se a analisar
as monografias produzidas no CESPEB- Alfabetização a partir das leituras de
Bakhtin e de autores pesquisadores, tomando o conceito de que o professor
incorpora diferentes vozes sociais, constituindo-se assim autor de seus próprios
textos. Foram observadas nas monografias as marcas do gênero acadêmico na
escrita das alunas-professoras, as reverberações que apontam as influências das
professoras formadoras no discurso das alunas-professoras e por fim, como o olhar
sobre a criança tem importância na constituição do discurso das alunas-professoras
sobre a sua prática.
Palavras-chave: Escrita Docente, Formação de Professores Alfabetizadores,
Formação Continuada.
6
ABSTRACT
CRUZ, Leticia S. Teaching Writing: monographs of the specialization course
Knowledge and Practices - literacy, reading and writing in focus. Rio de Janeiro,
2014. Dissertation (Master of Education) - Faculty of Education, Federal University of
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
The research aimed think teaching writing as a way that enables the teacher to
rethink their practices, leading him to realize as the author of his own texts as
historical subject and the knowledge that reverberate in your career and professional.
This research was based on the principle that continuing education can be a space in
which teachers think their practices and their daily life as a possibility to be seen
embedded in a formative process of which it is really crucial part. Like their students
are in school every day and can create resources to see the various ways to talk
about their practice and lead others, children, also talk about themselves and their
knowledge from the acquisition of written language. The research stems from the
documentary analysis of monographs prepared for literacy teachers, students from
two classes of travel CESPEB - Specialization Course Knowledge and Practice of
Basic Education - offered respectively in 2008-2/2009 2010/2011-1 and the Federal
University of Rio de Janeiro - UFRJ. This study aims to examine the monographs
produced in-CESPEB Literacy from the readings of Bakhtin authors and researchers,
taking the concept of the teacher incorporates different social voices, becoming well
authored their own texts. Marks the academic genre were observed in monographs
written the students-teachers, the reverberations that link the influences of training
teachers in the speech of students-teachers, and finally, as the vision of the child is
important in the formation of the discourse of students-teachers about their practice.
Keywords: Writing Teacher, Teacher Education Literacy, Continuing Education.
7
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO........................................................................................................08
2.REFERENCIAL TEÓRICO......................................................................................22
2.1 A lente para olhar a Escrita Docente...................................................................22
2.2 Uma questão de Linguagem................................................................................28
2.3 Formação Continuada e o professor desse contexto...........................................35
2.4
A
escrita
docente
como
uma
possibilidade
de
um
dizer
sobre
a
prática.........................................................................................................................41
3. UM POUCO DE HISTÓRIA....................................................................................52
3.1O CESPEB...........................................................................................................54
3.2 O CESPEB de Alfabetização, Leitura e Escrita...................................................60
4.ESCOLHA DO CAMINHO METODOLÓGICO......................................................68
5.ANÁLISE
DOS
DADOS–
O
encontro
com
o
texto
das
Alunas-
Professoras................................................................................................................74
5.1 As marcas do acadêmico na escrita das alunas-professoras..............................75
5.2 Reverberação apontando as interações entre as professoras formadoras e as
alunas professoras.....................................................................................................86
5.3 A voz do aluno no percurso profissional como apoio para às prática
pedagógicas...............................................................................................................91
6.CONCLUSÕES INACABADAS..............................................................................98
Referências Bibliográficas........................................................................................104
Anexos......................................................................................................................109
8
1. INTRODUÇÃO
A partir da minha vivência no curso de Pedagogia da UFRJ, nas disciplinas de
práticas de ensino, observei que o espaço da sala de aula pode ser um lugar para o
professor pensar sua condição de também aprendiz do processo de aquisição da
leitura e da escrita e de repensar suas práticas. A experiência como monitora da
disciplina de Didática da Língua Portuguesa permitiu-me ver alunos de períodos já
avançados argumentando que entendiam que a proposta da disciplina deveria se
pautar em propor um meio de lhes ensinar a como ensinar o aluno dos anos iniciais
do Ensino Fundamental a escrever uma palavra “certa”, a usar os sinais de
pontuação e as regras gramaticais. As representações da maioria dos futuros
professores em formação inicial estavam engessadas pela formação escolar que
estes haviam tido. Concebiam a disciplina como um espaço de ensinar a fazer, a
como seguir certos passos, talvez um reflexo de como os seus conhecimentos
haviam sido aplicados a eles mesmos, quando alunos.
Como bolsista de Iniciação Científica, pude construir um olhar distanciado
sobre a formação inicial, durante o período de imersão na graduação, e percebi o
espaço da sala de aula como um momento para que os futuros docentes reflitam
sobre suas práticas como docentes, também futuras. No grupo de pesquisa ao qual
essa pesquisa está integrada, temos explorado a noção de homologia de processos,
pela qual concebemos que na formação os interlocutores hibridizam diversas
identidades - aluno, professor em formação, gestor, mãe/pai, mulher/homem, etc. –
nos espaços de interação e interlocução a partir das diversas experiências de
formação, sejam essas na universidade, nas Secretarias de Educação, nas
formações oferecidas pelo Governo entre outras, produzindo, “possibilidade de
compreender que os processos de ensino e aprendizagem ocorridos no chão da
escola da Educação Básica podem ser situados num paralelo, articulado aos
processos de formação docente.” (Andrade 2011, p. 88)
Considereias possibilidades discursivas que se apresentam aos sujeitos como
tensionadas pelas alteridades constitutivas dos discursos enunciados. Sendo assim,
desde esse momento de minha própria formação inicial, convivendo com as
questões do grupo de pesquisa como estudante de Iniciação Científica, passei a
9
apostar numa homologia de processos1. Concebia que a constituição de sujeitos
professores, durante o tempo de graduação/formação inicial, os faria se verem
projetados nos discursos produzidos em sala de aula, problematizando a escrita e
leitura das produções de seus alunos a partir de sua mediação. Durante esse
percurso, fui levada a pensar como se daria o mesmo processo para aqueles que já
estão na prática. Nesse lugar, ela seria, então, o espaço de pensar os processos de
mediação, a qualidade do ensino, as possíveis projeções, etc. Dessa forma, a
formação continuada permitiria a estes sujeitos se projetarem para seu lugar de
mediadores junto a seus alunos, sobretudo no que se refere às aprendizagens sobre
a linguagem. Tornou-se então relevante para mim a discussão do processo de
formação dos professores no âmbito da formação continuada, seus conceitos e
prioridades como educadores, enquanto espaço para que sujeitos reflitam sobre
suas práticas na própria prática.
Em meu trabalho monográfico, orientado pela Prof.ª D.ra Ludmila Thomé de
Andrade, analisei a escrita das professoras em formação continuada, participantes
do Curso de Extensão Alfabetização, Leitura e Escrita em 2007.2, na UFRJ. Neste
trabalho, baseada em uma concepção bakhtiniana de linguagem, segundo a qual
“pertence ainda ao domínio individual e ao domínio social; ela não se deixa
classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque não se sabe como
isolar sua unidade” (Bakhtin 2009, p.88), constatei que a escrita das professoras
pode refletir e refratar vários enunciados, simultaneamente, relativos à sua prática, à
teoria apresentada no curso e a uma relação com a formação profissional, dentre
outras. Pude concluir que suas escritas revelam traços do diálogo instaurado entre
as professoras formadoras e as alunas professoras. Trouxe, para tanto, a essa
discussão, a noção de reverberação. Fazendo uma analogia com esse conceito
acústico, concebi as vozes das professoras formadoras como as ondas sonoras
propagadas (o som inicial) e as alunas professoras como as superfícies refletoras e
suas escritas as reverberações dessas ondas sonoras.
Essa pesquisa fundamentou-se no princípio de que a formação continuada
pode ser um momento em que o professor pense suas práticas e suas relações
cotidianas como possibilidade de ver-se inserido em um processo do qual ele é
1
Esse conceito vem sendo utilizado pelo grupo de pesquisa .
10
realmente parte fundamental, assim como seus alunos que estão no dia a dia da
escola, podendo criar recursos para enxergar as várias formas de falar sobre sua
prática e levar outros, as crianças, a também falarem de si e de seus saberes a partir
da aquisição da linguagem escrita. Concebo a escrita docente como um processo de
reflexão da própria prática docente, na qual podem ser reverberadas o cotidiano
escolar.
Concordo com Miller, segundo quem:
(...) o processo de construção do texto escrito exige que seu autor
ajuste o seu dizer a um determinado interlocutor, às finalidades e
intenções que caracterizam esse dizer e que adote uma estratégia de
conjunto que realize adequadamente o jogo entre os diferentes
planos de construção textual (... ) (MILLER, 2003, p. 2)
Entendendo o processo de escrita como um momento significativo de
interlocução entre usuários da língua materna, se deve levar em conta os vários
tipos de escrita possíveis com suas formas específicas de organização e a
funcionalidade das mesmas, para a realização dessa comunicação de acordo com a
necessidade do meio do qual se fala e para o qual se fala. Para o sujeito que é posto
diante de situações de escrita, é através dessa reflexão, na situação de produção
textual, que o domínio da língua vai sendo ampliado, juntamente com a consciência
sobre a utilização dos recursos da língua.
Tomo como objeto de pesquisa para uma análise documental as monografias
elaboradas por professoras alfabetizadoras, alunasde dois cursos CESPEB - Curso
de Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica – oferecidos
respectivamente em 2008-2/2009 e 2010/2011-1 pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro – UFRJ.
Segundo o Projeto de Implantação do curso, ele faz parte de uma série de
ações da UFRJ através do CFCH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas da
UFRJ) tendo como ações centrais a formação inicial e continuada dos professores
da educação básica. A formação inicial está ligada diretamente à Faculdade de
Educação e ao Colégio de Aplicação que recebe para seus estágios grande parte
dos alunos das licenciaturas, em relação a Formação Continuada de Professores
refere-se às ações voltadas para refletir, complementar e atualizar a formação de
professores em exercício.
11
Várias são as iniciativas do CFCH que evidenciam, ao longo das últimas
décadas, sua participação em programas e /ou projetos de extensão - em parcerias
com outros Centros. Entre 1991 e 1994, a UFRJ participou do PAPRE (Programa de
Atualização de Professores da Rede Estadual / RJ), um programa de formação
continuada para professores do 2º grau, atual Ensino Médio, coordenado pelo Fórum
de Reitores e pela Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro.Outra ação
foi a criação em 1994 do Núcleo de Consultoria e Atendimento Psicopedagógico
(NUCAP) em parceria com a Secretaria Municipal do Rio de Janeiro, a Fundação
José Bonifácio/UFRJ e escolas federais, a fim de estabelecer práticas de Orientação
Educacional para as comunidades e desenvolver oficinas com os professores do
ensino fundamental.
A CAPES, dos anos 90, em parceria com as Fundações de Amparo à
Pesquisa, reiniciou o financiamento de programas de formação continuada de
professores através do Programa Pró-Ciências. A UFRJ, desenvolveu, então,
através de diversas unidades CCMN, CFCH e CCS Cursos de extensão e de pósgraduação lato sensu, em diversos formatos destinados à formação permanete de
professores. Destacam-se como experiência da Faculdade de Educação na
promoção desse tipo de curso o Curso de Especialização em Administração Escolar,
aprovado na CEPG em 26/04/1996, ministrado pelo Departamento de Administração
Educacional da Faculdade de educação da UFRJ. Destaca-se ainda, a participação
da Faculdade de Educação na coordenação e execução do Programa Escola de
Gestoresem parceria com o MEC com a implementação do Curso de Especialização
em gestão na Educação Básica aprovado na CEPG/UFRJ em dezembro de 2007.
A UFRJ reconhece assim a importância dos diversos saberes que circulam
entre os diferentes sujeitos que estão envolvidos na esfera educacional,
demonstrando empenho e responsabilidade na construção de uma escola e de uma
sociedade mais justa, menos dogmática e de qualidade.
No mestrado, lanço-me à realização de uma pesquisa que dê continuidade à
minha pesquisa monográfica, pois esta é pertinente com o Projeto de Pesquisa “As
(im)possíveis alfabetizações de alunos de classe popular pela visão de docentes na
escola pública”, no qual estou inserida. O Projeto de Pesquisa tem como uma de
suas propostas “afirmar certos modos de concepção da formação docente já
testados/experimentados que resultam em mudanças de suas práticas e em
12
resultados positivos de aprendizagem de seus alunos” (Andrade 2010, p.12). Estas
ações de formação referem-se aos cursos oferecidos na UFRJ desde 2006 – Curso
de Extensão Alfabetização, Leitura e Escrita e, a partir de 2008.2 – Curso de
Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica (CESPEB), cursos gratuitos
destinados a professores do município carioca e outros municípios do Estado do Rio
de Janeiro, como Mesquita, Nova Iguaçu e Caxias.
Um dos objetivos da pesquisa, no qual ancoro meu trabalho, refere-se à:
Exploração do paradigma do professor reflexivo que distancia-se de
sua própria prática e assume a tarefa de sobre ela conscientizar-se
de alguns aspectos e como o professor pesquisador encontrar
soluções para os impasses identificados. (ANDRADE,2010a, p. 8)
Diante dessa premissa, tornou-se relevante em minha pesquisa discutir a
escrita docente no processo de formação continuada de professores enquanto uma
ação na qual os docentes possam refletir sobre suas práticas e venham a se
constituir produtores de linguagem.
Nessa
perspectiva, proponho-me, então, a
analisar as monografias
produzidas no CESPEB alfabetização a partir das leituras de Bakhtin e de autores
pesquisadores que pude considerar como relevantes, tomando o conceito de que o
professor incorpora diferentes vozes sociais, constituindo-se assim autor de seus
próprios textos. Entre essas vozes, estão as vozes das formadoras, docentes da
universidade responsáveis pelas discussões teóricas, o que em meu ponto de vista
influencia a prática docente da Educação Básica. No campo da educação,é
encontrada com muita freqüência a tensão entre o discurso da teoria e o da prática.
De um lado, professores que estão em seu cotidiano, sem saber como dar conta dos
processos pedagógicos – no nosso caso, especificamente o processo de
alfabetização - de seus alunos e, de outro, o discurso teórico da universidade,
buscando uma forma de dar conta de argumentos que façam esses profissionais
sentirem-se mais seguros em suas tarefas.
Assim, percebo a relevância das vozes das formadoras enquanto a expressão
de um saber que está posto na Universidade que toma outras dimensões quando as
professoras alfabetizadoras se apropriam dele.
Não me refiro às vozes das
formadoras como sendo específicas de cada uma, mas remete-me às vozes que
13
estão produzindo enunciados de um determinado lugar, nesse caso, a universidade.
Essas vozes irão se corporificar como sentidos nas professoras alfabetizadoras que
as ressignificarão dando a elas um acabamento, produzindo a partir dos mesmos,
novas vozes que se tornarão outros acabamentos. O saber da universidade
produzido e reproduzido pelas formadoras agrega outros sentidos produzidos pelas
professoras alfabetizadoras em seus contextos, constituindo, assim, uma rede de
enunciados e acabamentos provisórios, inscritos numa temporalidade de duração
das memórias que sempre serão inacabados.
As pesquisas, de um modo geral, têm por finalidade alterar uma determinada
realidade/consciência. Nesse sentido, revela-se a intenção dessa pesquisa em
estimular de forma reflexiva a percepção dos professores, em verem-se como
autores e personagens de seus próprios textos. Consideramos que vale identificar
quais movimentos estão sendo realizados por eles, pela observação do processo de
escrita sobre sua prática, que pode levá-los a assumir suas próprias posições e
escolhas.
Gostaríamos de escapar da posição de defesa de uma verdade, não se tem a
pretensão de pela via da pesquisa dizer o que é certo ou errado na prática docente
das alunas professoras do CESPEB. Para Bakhtin, “No homem sempre há algo, algo
que só ele mesmo pode descobrir no ato da autoconsciência e do discurso, algo que
não está sujeito a uma definição à revelia, exteriorizante” (2010, p.66). Se
buscássemos dizer às professoras o que elas devem fazer, estaríamos buscando
dar um acabamento a essas profissionais, indo completamente no caminho inverso
ao que o autor teórico sobre o discurso nos propõe.
Na formação continuada, tem-se a oportunidade de uma formação na própria
prática, diferentemente da formação inicial dos professores em que esse momento
da prática é um vir a ser, uma perspectiva. “O conhecimento é sempre uma relação
que se estabelece entre a prática e as nossas interpretações da mesma; é a isso
que chamamos de teoria, isto é, um modo de ver e interpretar o nosso modo de agir
no mundo” (GHEDIN, 2012, p.152). Refletir sobre a Formação Continuada a partir da
Escrita Docente pressupões entender que o professor tem uma reflexão sobre sua
prática mas que é preciso que ele produza uma reflexão sobre sua própria reflexão.
Estabeleci um levantamento bibliográfico, que foi focalizado entre o período
de 2007 a 2011 no portal da CAPES, com as palavras-chave “escrita docente” e
14
“formação continuada de professores alfabetizadores”. Foi possível encontrar os
seguintes dados:
ANO
2007
2008
2009
2010
2011
Total
Demonstrativo do Levantamento Bibliográfico
Palavra-chave: Escrita Docente
DISSERTAÇÕES
TESES
Total
8
1
9
6
2
8
12
3
15
6
2
8
5
2
7
37
10
47
Demonstrativo do Levantamento Bibliográfico
Palavra-chave: Formação Continuada de Professores
ANO
DISSERTAÇÕES
TESES
Total
2007
6
1
7
2008
3
0
3
2009
5
1
6
2010
5
2
7
2011
4
3
7
Total
23
7
30
A partir dos quadros demonstrativos, fica evidente que são pouco numerosas
as produções no período especificado, no entanto, vale ressaltar que para a seleção
foi usado como critério de escolha o fato de nos títulos e nos resumos haver os
termos que fizessem referência a “escrita de professores” e “formação continuada de
professores alfabetizadores”, o que de certa forma filtrou as produções, totalizando
um quantitativo de 77 trabalhos entre dissertações e teses. Com a palavra-chave
“Escrita Docente” foram 37 dissertações e 10 teses, totalizando 47 produções. Com
a palavra-chave “Formação Continuada de Professores Alfabetizadores” foram 23
dissertações e 7 teses totalizando 30 produções.
Nos 77 resumos lidos, foi possível perceber que muitas dessas pesquisas são
perpassadas pela discussão da escrita na formação continuada de professores, no
entanto, ficou evidente a ênfase em uma escrita docente voltada para a escrita de
memoriais. Esse dado também é evidenciado por Alves (2011) que em sua análise
pontua que as pesquisas têm privilegiado as histórias de vida, tendo como um de
seus referenciais teórico-metodológico autores como Marie-Christine Josso que nos
15
últimos
anos
vem
defendendo
a
necessidade
investir
nas
narrativas
(auto)biográficas como método de pesquisa e formação.
Ainda segundo Alves (2011) as produções escritas tem sido analisadas como
instrumento metodológico para investigar os efeitos de propostas de formação inicial
ou continuada na trajetória docente. Ressalta que poucos foram os trabalhos que
pesquisaram as escritas produzidas no âmbito do trabalho docente ou que a
analisaram com o objetivo de compreender as práticas e os saberes profissionais
dos professores.
Como parte do levantamento bibliográfico, relacionei as instituições ao
quantitativo de dissertações e teses, podendo assim, ter um panorama das
instituiçõesque estão produzindo pesquisas relacionadas à formação continuada de
professores alfabetizadores e a escrita docente. Seguem abaixo os quadros
demonstrativos.
Demonstrativo das instituições relacionadas às dissertações e teses
no período de 2007 a 2011
Palavra-chave: Escrita Docente
INSTITUIÇÕES
DISSERTAÇÕES
TESES
Total
UFPI
2
0
2
PUC/PR
1
0
1
PUC/RJ
1
1
2
PUC/RS
2
0
2
UNICAP
1
0
1
UNISANTOS
1
0
1
UCS
1
0
1
UPF
1
0
1
USP
1
0
1
UNISO
1
0
1
UERJ
1
0
1
UNOESC
1
0
1
UNICAMP
4
3
7
UNIOESTE
1
0
1
UNESP/ARARAQUARA
0
2
2
UFPB
3
0
3
UFMT
2
0
2
UFMG
1
0
1
UFSM
2
0
2
UFSCar
1
0
1
UFSJ
1
0
1
UFAM
1
0
1
UFMA
1
0
1
16
UFMS
UFRJ
UFRG
UFRN
UFRGS
UFF
UFBA
Total
1
1
1
1
1
1
0
37
1
2
0
0
0
0
1
10
2
3
1
1
1
1
1
47
Demonstrativo das instituições relacionadas àsdissertações e teses
no período de 2007 a 2011
Palavra-chave: Formação Continuada de Professores Alfabetizadores
INSTITUIÇÕES DISSERTAÇÕES
TESES
Total
CENTRO
UNIVERSITÁRIO
1
0
1
MOURA
LACERDA
PUC/SP
2
0
2
PUC/PR
1
0
1
UCP
1
0
1
USP
1
2
3
UNESP
2
1
3
ARARAQUARA
UNICAMP
2
0
2
UEL
2
0
2
UNESP
0
2
2
MARILIA
UFMG
1
0
1
UFPE
1
0
1
UFSJ
1
0
1
UFC
1
0
1
UNIRIO
1
0
1
UFMA
1
0
1
UFPR
0
1
1
UFRJ
3
1
4
UMESP
1
0
1
FURB
1
0
1
Total
23
7
30
A partir das Universidades levantadas, foi possível verificar quais dentre elas
tiveram o maior número de produções relacionadas às palavras-chave “escrita
docente” e “formação de professores alfabetizadores” assim como as respectivas
linhas de pesquisa. Segue abaixo os quadros demonstrativos.
17
Demonstrativo do quantitativo por Universidades e Linhas de pesquisas
Período de 2007 a 2011
Palavra-chave: Escrita Docente
LINHA DE
DISSERTAÇÕES
TESES
UNIVERSIDADE
PESQUISA
Ensino e
Aprendizagem
1
0
2
de Línguas
UFPB
História da
1
0
Educação
Currículo e
UFRJ
1
2
Linguagem
Demonstrativo do quantitativo por Universidades e Linhas de pesquisas
Período de 2007 a 2011
Palavra-chave: Formação de Professores Alfabetizadores
LINHA DE
UNIVERSIDADE
TESES
DISSERTAÇÕES
PESQUISA
Didática,
Teorias de
Ensino e
1
1
Práticas
USP
Escolares
Estado,
Sociedade e
0
1
Educação
Formação do
professor,
trabalho
1
1
docente e
práticas
UNESP
pedagógicas
ARARAQUARA
Teorias
Pedagógicas,
Trabalho
1
0
Educativo e
Sociedade
Currículo e
UFRJ
3
1
Linguagem
Segundo o demonstrativo, a UFRJ foi a Universidade que, a partir da Linha de
Pesquisa de Currículo e Linguagem, mais especificamente por via do Laboratório de
Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação (LEDUC), apresentou o maior
2
No quando demonstrativo das instituições relacionadas às dissertações e teses, a UFPB aparece com 3 produções. No
Demonstrativo do quantitativo por Universidades e Linhas de pesquisas aparecem somente 2 produções porque no Portal da
Capes um dos trabalhos está sem indicação da linha de pesquisa.
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número de produções relacionadas à escrita docente e a formação de professores
alfabetizadores. São ao todo 7 produções entre dissertações e teses, sendo que
duas dessas produções se inserem em ambas categorias de palavras-chave.
De certa forma, esses dados nos apontam o caminho que o LEDUC vem
trilhando no âmbito da formação continuada de professores no sentido de propor
uma nova forma de abordar a formação continuada de professores, enfatizando a
escrita docente como forma de refletir e dizer sobre a própria prática. Por outro lado,
vê-se no campo uma discussão homogeneizada sobre a formação continuada de
professores que tende a valorizar somente as memórias profissionais e pessoais
que influenciam na ação docente. Esse fenômeno poderia fazer-nos ler como uma
característica endógena para os investimentos do LEDUC, que produz discussões
apenas por e para seus próprios membros, como se não houvesse diálogo com
outras universidades. No entanto, a preocupação com o contraponto com uma
escrita que não seja memorialística, a preocupação com o memorial como o início
de uma escrita sobre a prática e a ênfase em uma perspectiva discursiva, articulada
com os novos estudos do letramento, tem nos permitido analisar a escrita docente
em sintonia com a identidade do professor, inserido na sociedade, entendendo que a
formação continuada pode ser o lugar do professor fazer outros textos que não
sejam os escolarizados, nem os acadêmicos.
O LEDUC é um laboratório da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, também ligada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da mesma universidade que teve seu início em 2005 a partir da
participação das Professoras Ludmila Thomé de Andrade e Patrícia Corsino no
Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE. Desde então, o laboratório vem
exercendo várias ações no âmbito das pesquisas no campo da Formação de
Professores Alfabetizadores, orientadas pelas duas professoras coordenadoras e
por novos membros que vêm se integrando às ações em curso, como Daniela
Guimarães, Marta Lima de Souza e Antonio Francisco Andrade, por exemplo.
Sob a coordenação da Professora Ludmila, participou da Olimpíada da Língua
Portuguesa, Pró-Letramento, PNAIC – Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa, sendo responsável pela coordenação Pedagógica do Programa no Estado do
os professores Manoel Corrêa (Grupo de pesquisa Práticas de leitura e escrita em
português língua materna – PPG. Filologia e Língua Portuguesa – FFLCH – USP) e
19
Raquel Fiad (Grupo de pesquisa Escrita: ensino, práticas, representações,
concepções – PPG. Linguística Aplicada – IEL – UNICAMP). Os Seminários
realizados em 2012 e 2013 voltaram-se para o tema da escrita escolar, com foco
específico na escrita de alunos e professores, propondo-se a investigar as
contribuições das pesquisas em Educação e Linguagem que produzem estudos
sobre a escrita escolar considerando as relações constitutivas entre as identidades
docentes e discentes nas pesquisas sobre escrita.
Além dessas ações, desenvolve por via da pesquisa “As (im)possíveis
alfabetizações de alunos de classe popular pela visão de docentes na escola
pública” o EPELLE(Encontro de Professores de Estudos sobre Letramento, Leitura e
Escrita), que assume a tarefa de uma formação pela prática com um grupo integral
de professores de uma escola pequena, responsáveis pelos anos inicias do Ensino
Fundamental. As discussões dos encontros giram em torno de quatros eixos: 1)
teorias de alfabetização; 2) crianças de classes populares e seus letramentos; 3)
formação de professores e 4) escrita docente.Caracteriza-se como análise de
práticas inscrevendo-se no paradigma de pesquisa do professor reflexivo a partir de
uma proposta de “formação pela prática” que envolve professores que atuam nos
anos iniciais da educação básica (educação infantil e 1º ao 3º ano do ensino
fundamental) em escolas públicas do Rio de Janeiro (ANDRADE,2010a).
Dentre os trabalhos encontrados que tratam da formação de professores
alfabetizadores e escrita docente como tema central da discussão, trago a seguir, de
forma
sintetizada,
as
que
acessei
na
íntegra.
A
dissertação
de
SCARAMUSSA(2008) que, em sua metodologia, optou por uma análise discursiva,
para “compreender o sentido da riqueza de enunciações presentes na escrita,
caracterizadas por apresentar marcas identitárias da profissão docente durante a
formação continuada e representadas por embates discursivos e dialógicos”. Ela fez
uma análise profunda da escrita docente, a partir das categorias a) Trajetórias de
vida/profissão; b) O curso de extensão e a produção de meta-reflexões sobre a
teoria e a prática; c) Estrutura composicional do trabalho; d) Interlocução direta com
as formadoras.
A tese de FERNANDES (2011) buscou conhecer o processo de autoria de
professores em processo de formação continuada, fazendo uma análise da escrita
docente, tratando-a como uma escrita heterogênea. A autora considera ainda o
20
espaço em que o discurso é produzido e as esferas de produção e circulação dos
mesmos. RIBEIRO (2011), em sua tese, faz uma análise da escrita docente a partir
dos Registros de Classe. Em sua análise verifica-se que a escrita de Registros de
Classe “suplantou a escrita pessoal dos professores, que se encontra apagada no
cotidiano do fazer docente.”
ALMEIDA (2007), em sua tese, traz como metodologia um tipo de pesquisa
denominado como “pesquisa colaborativa”. Nesse tipo de pesquisa, as intenções de
investigação, de intervenção e de formação estão unidas e implicam um esforço dos
participantes – professores e pesquisadores - na criação da mudança para o
desenvolvimento profissional. É um estudo qualitativo que buscou, durante o ano de
2005, “pelas vivências desencadeadas, pelas reflexões estabelecidas e análise das
escritas realizadas, elementos para a compressão e explicitação das questões
iniciais da pesquisa (...)”. Nas demais pesquisas, a partir da leitura de seus resumos,
a escrita foi usada como metodologia para levantar informações sobre saberes
docentes e suas memórias de formação.
A partir desse levantamento bibliográfico, tornou-se relevante em minha
pesquisa discutir a escrita docente no processo de formação continuada de
professores, enquanto uma ação na qual os docentes possam refletir sobre suas
práticas pedagógicas como professores e sobre as práticas escolares dos seus
alunos reverberadas nessas práticas dos professores.
Apoiei-me em CHARLOT(2012), em suas colocações sobre as relações entre
as práticas, a pesquisa e a política, em que considera como a questão central a
prática escolar do aluno, e assim me proponho a fazer uma pesquisa que não
discuta somente a prática do professor e suas relações com a aquisição dos saberes
docentes e os saberes da prática, mas que evidencie a prática imersa, imantada por
uma prática discente(ANDRADE, 2010b). Segundo Charlot “A eficácia das práticas
do professor depende dos efeitos destas sobre as práticas do aluno” (p. 111). Para
ele, ensinar não significa necessariamente a mesma coisa que fazer aprender,
mesmo que muitas vezes para que a criança aprenda seja preciso ensinar.
Tomo como objetivo geral pensar a escrita docente como um caminho de
pesquisa e de formação que possibilite ao professor repensar suas práticas,
levando-o a se perceber como autor de seus próprios textos e como sujeito histórico
21
de saberes que reverberam em sua trajetória e profissional. Para alcançar os
objetivos específicos me deterei a:
a) Analisar as interações estabelecidas no processo de Formação,
percebendo como os sujeitos – alunas professoras– se inscrevem nesse tipo de
escrita obrigatória, como no caso da monografia;
b) Conhecer e analisar as representações trazidas pelas professoras sobre as
práticas de seus alunos por via de suas escritas;
c) Analisar como os saberes docentes são mobilizados pelos professores em
sua prática cotidiana;
d) Conhecer as concepções que sustentam a prática docente.
Trago, para nortear meu trabalho, as seguintes questões:
1) A escrita monográfica evidencia a tentativa de formar um professor
pesquisador, abrindo a possibilidade do professor falar sobre sua prática?
2) Como são percebidas pelas alunas professoras do CEPEB em suas
práticas cotidianas na escola, as contribuições das vozes das formadoras
e o discurso acadêmico?
3) Como o aluno aparece representado na prática do professor por via do
discurso?
22
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A lente para olhar a Escrita Docente
Ao refletirmos sobre a escrita docente, somos naturalmente levados a pensar
em uma escrita estritamente profissional; em seu cotidiano, o professor escreve, em
vários momentos: no quadro, nos diários de classe, nas agendas dos alunos e
outras funções semelhantes. O professor se restringe a uma escrita com funções
comunicativas na rotina cotidiana escolar e em sala de aula, mas essa escrita
também está carregada de significados, pois o que está em questão na formação
não é somente pôr o professor em contato com situações que possibilitem a ele
escrever de forma reflexiva, mas o fato de se perceber a sua escrita de professor
como momentos em que ele pode dizer, sobre seu cotidiano em sala de aula, sobre
o que pensa a respeito da sua própria prática, de outros temas e sobre como os
problematiza. Outras vozes devem se articular à voz escolar, para que o professor,
percebendo-se inserido em um sistema do qual realmente faz parte, movimente-se
em busca de um acabamento.
PRADO (2008. p. 1) pontua que “é preciso que haja uma intencionalidade
explícita provocada também por algum elemento externo ao contexto das ações
repetitivas do dia a dia da vida escolar para colocar em marcha esse processo”.
Pensando a linguagem como um instrumento de interação entre as pessoas e os
interlocutores se constituírem como sujeitos de um processo, em que as pessoas
que dele participam estão realizando trocas verbais e construindo sentidos, posso
também afirmar que esta é marcada pelo contexto sócio-histórico. O resultado
dessas interações, sejam textos orais ou escritos, cumprem então uma função social
e se organizam conforme as exigências que são próprias do contexto em que o
sujeito está inserido.
Inscrevemo-nos na discussão da relação estabelecida entre prática e teoria,
inesgotável no âmbito educacional. Pensar o professor como produtor de reflexões,
enunciados e autor de suas palavras traz uma grande contribuição para o campo
dessa discussão. Articulo com o que Bakhtin nos propõe em relação à constituição
do gênero discursivo. Segundo o filósofo da linguagem, utilizamo-nos de enunciados
23
tanto escritos quanto orais, para comunicar finalidades específicas de determinados
campos das relações humanas. Para ele, o gênero discursivo é a elaboração de
tipos relativamente estáveis de enunciados (2003, p.262) que são produzidos de
acordo com cada campo de utilização salvando-se as particularidades individuais de
quem produz os mesmos. Pensar a partir da contribuição de Bakhtin, relacionada à
constituição do gênero discursivo como enunciados, nos possibilita entrar em
contato com as inúmeras possibilidades de criação do ser humano.
Posiciono-me diante da concepção de enunciado, pensando-o como um
núcleo problemático de importância excepcional (Bakhtin 2003, p.265). Essa
concepção está relacionada a uma unidade de comunicação contextualizada, não é
uma conclusão final, visto que para cada contexto pode-se tomar significados
diferentes. Seu sentido está posto no acabamento dado por parte de quem está
recebendo, ouvindo ou lendo o mesmo assim como quem o produz está sendo
afetado por outros, aos quais também atribui sentidos e acabamentos.
O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade
real, precisamente delimitada da alternância dos sujeitos do discurso,
a qual termina com a transmissão da palavra ao outro, por mais
silencioso que seja o “dixi” percebido pelos ouvintes [como sinal] de
que o falante terminou. (BAKHTIN, 2003, p.275)
O enunciado, nessa perspectiva, pode ser tomado como uma forma de se
dizer, a partir do momento que é visto não como o pronunciamento de palavras ou
expressões, mas também como as vozes de muitos que o constituem. O sentido de
uma obra está sempre sendo construído a partir de outras concepções também
construídas anteriormente. A voz de quem o produz está sempre ligada às outras
vozes. Segundo Bakhtin (2003, p.274), todo discurso sempre está fundido em forma
de enunciado pertencente a um determinado sujeito do discurso, e fora dessa forma
não pode existir. O sujeito se constitui no espaço de interação, seu conhecimento é
fundamentado no discurso e em efeitos de sentidos produzidos.
Todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva. É a
posição ativa de falante nesse ou naquele campo do objeto e do
sentido. Por isso, cada enunciado se caracteriza, antes de tudo, por
um determinado conteúdo semântico-objetal. A escolha dos meios
linguísticos e dos gêneros de discurso é determinada, antes de tudo,
pelas tarefas (pela ideia) do sujeito do discurso (o autor) centrada no
24
objeto e no sentido. É o primeiro momento do enunciado que
determina
as
suas
peculiaridades
estilístico-composicional
(BAKHTIN, 2003, p. 289)
Outro fator de suma importância para a produção de enunciados é o estilo.
Este caracteriza-se pelo valor subjetivo dado ao objeto do discurso pelo sujeito.
Como nenhum enunciado é desprovido de intencionalidade, a relação que o sujeito
estabelece com o seu objeto influenciará diretamente na escolha dos recursos a
serem utilizados e esses diretamente ligados à expressividade do estilo individual do
próprio enunciado.
Vale ressaltar que quando se fala de expressividade, não estamos querendo
dar margem para se relevar todas as possibilidades de um dizer sobre algo
desvinculado dos próprios recursos da língua. Bakhtin (2003, p. 289) nos adverte
que a língua como sistema possui um rico arsenal de recursos linguísticos para
exprimir a posição emocional valorativa do falante. Todos os recursos da língua são
absolutamente neutros em princípio, pois as palavras não são de ninguém. As
palavras por si nada valorizam. Elas podem abastecer qualquer falante e os juízos
de valor mais diversos opostos aos falantes (2003, p.290).
O estilo, portanto, abarca em si o modo de compor e dizer, relacionando-se
diretamente aos próprios suportes que a língua dá. Uma expressão, frase ou oração
passa a compor sentido no momento que é colocada em um contexto, em que é
pronunciada com entoação de expressividade no mesmo, o que lhe atribui um
sentido concreto, um acabamento. A expressividade está relacionada ao sujeito e ao
sentido que ele quer atribuir a palavra e não a palavra como nos aponta Bakhtin:
Porque se pode pensar que quando escolhemos as palavras para o
enunciado é como se nos guiássemos pelo tom emocional próprio de
uma palavra isolada: selecionamos aquelas que pelo tom
corresponde à expressão do nosso enunciado e rejeitamos as outras.
É precisamente dessa maneira que os poetas representam o seu
trabalho com as palavras e é precisamente assim que o estilista (por
exemplo, a “experiência estilística” de Pechkovski) interpreta esse
processo. (p. 291)
As palavras, às quais atribuímos emoções e com que compomos enunciados,
em geral são tomadas emprestadas de outros enunciados que por sua vez também
se apossaram de outros enunciados.
25
Assim sendo, outra característica também muito importante à compreensão
do gênero é o tema como elemento constitutivo do enunciado. O conteúdo temático
é avaliado individualmente e marcado ideologicamente.
A relação de valor estabelecida entre o autor e suas escolhas dos objetos
semânticos dizem dele e de seu contexto, por ser o enunciado uma cadeia de
comunicação discursiva entre campos variados. Cada enunciado é composto pelos
ecos de outros campos, de outras realidades que comporão o campo onde está
situado o falante e seu dizer sobre algo. Cada escolha, por mais marcas de emoção
próprias e uma forma de dizer característica de determinado campo, está sempre
ligada a esses ecos de outros falantes.
O tema necessariamente não traz em si a novidade, o diferencial está na
relação estabelecida entre o falante e as articulações entre os ecos que o
influenciam e sua capacidade de articulá-los de forma a dizer deixando suas marcas
identitárias, suas linhas de expressão e suas estruturas.
Também articulamos essas ideias importantes de Bakhtin à Análise do
Discurso, e com Brandão aprendemos que para Foucault (apud Brandão p. 33) “um
discurso é um conjunto de enunciados que tem seus princípios de regularidade em
uma mesma formação discursiva”. Ele enumera quatro características do enunciado.
A primeira está relacionada ao Referencial - a condição de possibilidade do
aparecimento, diferenciação e desaparecimento dos objetos e relações que são
designados pela frase. A segunda refere-se à relação do enunciado com o sujeito –
ele critica a ideia do sujeito enquanto instancia fundadora da linguagem, para ele o
discurso não é atravessado pelo sujeito e sim pela sua dispersão que decorre de
várias posições possíveis de serem assumidas por ele no discurso. A terceira
abrange o Campo adjacente ou espaço colateral – integra-o a um conjunto de
enunciados, ao contrário de uma frase ou proposição. Nenhum enunciado é livre ou
neutro e a quarta está relacionada à sua condição material – O enunciado pode ser
repetido, mas a situação de enunciação não.
Entendendo o sujeito a partir de uma perspectiva histórica, marcado temporal
e espacialmente, toma-se sua fala – e aqui especificamente sua escrita – como
sendo produzida a partir de um determinado tempo e espaço, sua fala/escrita é a
representação de um espaço social e de um determinado tempo histórico, nessa
perspectiva incorpora-se a noção do outro como constituinte do sujeito.
26
Todo membro de uma coletividade falante não encontra palavras
neutras, ‘linguísticas’, livre de apreciações e orientações de outrem,
mas sim palavras habitadas por vozes outras. Ele as recebe pela voz
de outrem, plenos da voz de outrem. Todas palavras de seu próprio
contexto provém de outro contexto, já marcado pela interpretação de
outrem. Seu pensamento só encontra palavras já ocupadas.
(AMORIM, 2004, p. 133)
Segundo Bakhtin, é a partir do fenômeno social da interação verbal realizada
através da enunciação e das enunciações (BRANDÃO, 2004) que a língua se
constitui, o que faz com que o dialogismo passe a ser uma condição para a
constituição de sentido. Segundo Brandão (2004, p. 62), Bakhtin postula uma
concepção de sujeito na qual o outro desempenha um papel fundamental: “para ele,
o ser humano é inconcebível fora das relações que o ligam ao outro”. Cada um se
constitui como sujeito na relação com o outro se tornando consciente de si a partir e
através do outro em um território socialmente organizado. “A dialogia é o confronto
das entoações e dos sistemas de valores que posicionam as mais variadas visões
de mundo dentro de um campo de visão” (GEGe 2009, p. 29). A dialogia está,
portanto, nas mais variadas formas de visão do mundo, no interrogar, responder,
questionar; nos atos de fala ou escrita, na apropriação da palavra como corpo social
de um singular coletivo.
Para Bakhtin (2003), o autor não pode viver seu próprio acabamento nem agir
sobre ele, por isso ele diz que se faz necessário o acabamento inacabado
mencionado anteriormente. O acabamento do todo está no excedente de visão
(Bakhtin 2003), a capacidade que o sujeito tem de ver mais de outro sujeito do que o
próprio sujeito vê de si mesmo (GEGe 2009, p. 44) devido a sua posição exotópica.
O outro sempre tem uma visão sobre “mim” que eu mesmo nunca teria, mas que
posso ter consciência a partir desse outro que me completa e me constitui e é na
esfera do excedente de visão que as ações são iniciadas.
Olhar para a escrita docente a partir desse viés teórico coloca diante do
professor a possibilidade da elaboração de um trabalho autoral. Faz com que ele,
em um movimento exotópico, saia de sua posição, para se olhar de fora e retornar
modificado por esse olhar, podendo assim fazer as escolhas do que deve ser escrito
ou não, podendo incluir inúmeras evidências de sua prática e de seu aprendizado,
27
trazendo à tona todo um processo de reflexão que o faz ser responsável por suas
escolhas, mostrando-se não somente como aluno de um curso de especialização,
mas também como sujeito constituído pelas várias vozes sociais que o compõem
como aluno, professor, cidadão, e outras tantas funções sociais que exercem.
Segundo SOUZA(2008. p.2), escrever podendo expressar as histórias da
própria vida é:
(...) possibilitar uma formação ao longo da vida, ao tomar as
narrativas de formação de professores e de leitores como eixos
estruturantes para o trabalho, no sentido de compreender
dispositivos da profissão docente na interface entre dimensões da
memória e lembranças do cotidiano escolar e dos saberes.
A escrita nos possibilita ver os traços das histórias pessoais e profissionais
como trajetórias que também compõem o arcabouço que se utiliza como suporte das
práticas pedagógicas. Favorecendo a reflexão sobre a experiência da formação,
levando a pessoa a pensar sobre a forma como se conhece como percebe e
conhece o outro, torna possível dar novos significados às práticas pedagógicas.
Através da escrita, é dado ao professor/aluno um caminho em que ele possa trilhar
de forma diferente do que é posto pelo discurso da universidade. Um caminho com
uma possibilidade de encontrar sua própria forma de dizer, escolhendo o estilo, os
conteúdos e o que é mais significativo para ele naquela escrita que representa a
realidade vivida por ele. A pensar no sentido de busca por uma interlocução entre o
discurso acadêmico – que muitas vezes parece não fazer sentido para o professor –
e as práticas do cotidiano escolar, no sentido de que o professor tome decisões
éticas e estéticas na elaboração de sua fala, escrita e prática.
Segundo Bakhtin (2003, p.11)
faz-se necessário o acabamento inacabado para viver, nos
antepormos a nós mesmos sem coincidências com a nossa
existência presente, percebendo que a prática será sempre um
caminho contínuo de construção junto à teoria de forma inesgotável.
Se pensarmos na formação continuada como esse acabamento inacabado,
daremos a ela um caráter diferente das discussões comuns que temos visto. O
inacabamento nos possibilita estar sempre em um movimento de busca por novos
28
significados e novas possibilidades. Ele nos insere no outro e o outro em nós a partir
do momento em que sentidos ainda são produzido posteriormente às enunciações.
Nesse sentido do inacabamento, está no movimento do professor em busca
de novas formas, a partir também da teoria, de fazer o que ele já sabe fazer,
produzindo outros sentidos. Mas para ele perceber o que ele já sabe faz-se
necessário que ele se desloque de seu lugar de professor, olhe para essa prática e
retorne a ela transformado por esse olhar. O único que pode vivenciar essa
experiência é o próprio professor, ninguém pode viver essa experiência que é dele
da mesma forma que ele não pode viver a vida e a experiência de outro.
2.2 Uma questão de linguagem
O domínio da linguagem está apoiado no uso e não no conhecimento de suas
regras, o que nos orienta a pensar que para considerar a linguagem é preciso
conhecer os falantes e os contextos de fala, isto é, os sujeitos ao contarem de si se
localizam e posicionam-se historicamente.
Tomada como um todo, a linguagem é multiforme e heteróclita;
participando de diversos domínios, tanto do físico, quanto do
fisiológico e do psíquico, ela pertence ainda ao domínio individual e
ao domínio social; ela não se deixa classificar em nenhuma categoria
dos fatos humanos, porque não se sabe como isolar sua unidade.
(BAKHTIN,2009, p. 88)
A linguagem não está presa somente a uma convenção de regras
gramaticais, mas estas precisam estar em disposição de uso para as atividades de
linguagem como forma de comunicação e interação. Para GERALDI (1997),a
aprendizagem da linguagem já é uma reflexão sobre a própria linguagem “ações
linguísticas que praticamos nas interações em que nos envolvemos demandam esta
reflexão, pois compreender a fala do outro e se fazer compreender pelo outro tem a
forma de diálogo” (p. 17). Ele pontua que se entendemos a linguagem somente
como código e a compreensão como uma decodificação meramente mecânica
desse código, podemos dispensar a reflexão. Mas se entendemos a linguagem
como uma sistematização ampla de recursos expressivos no qual a significação
acontece na singularidade de cada acontecimento de interação, nesse caso a
29
compreensão não é somente uma decodificação, sendo assim a reflexão sobre os
próprios recursos utilizados é constante no processo.
Geraldi expõe que para compreender as ações que fazemos com a
linguagem, sobre a linguagem e as ações da linguagem, faz-se necessário a
distinção entre atividades linguísticas, epilinguísticas e metalingüísticas. Para ele,
atividades linguísticas “são aquelas que praticadas nos processos interacionais,
referem-se ao assunto em pauta, “vão de si”, permitindo a progressão do assunto”
(p. 20). Nessa atividade linguística, quando se fala, a ação de pensar na
organização da estrutura da língua, na estrutura gramatical, não se faz de uma
forma consciente, usa-se a língua porque já se está imersa nela, ela faz parte do
cotidiano. O linguístico está relacionado às atividades em que o sujeito tem a
oportunidade de fazer uma ligação entre o que está sendo produzido enquanto texto
e os elementos lingüísticos que compõem essa produção.
As atividades epilinguísticas “são aquelas, que também presentes nos
processos interacionais, e neles detectáveis, resultam de uma reflexão que toma os
próprios recursos expressivos como seu objeto” (p.23). Nessas atividades
desenvolve-se a capacidade de comentar sobre um determinado comentário, dá-se
conta das informações presentes nas trocas nos diálogos com outras pessoas. Dizse a mesma coisa de forma diferente de acordo com o interlocutor, o contexto, os
objetivos, etc.
As atividades metalingüísticas são aquelas que “analisam a linguagem com a
construção de conceitos, classificações, etc.” (p. 25). Nesse caso, a linguagem é o
próprio objeto para se constituir conhecimentos sobre a língua. Nessa atividade, é
possível perceber que o sujeito faz algum tipo de julgamento sobre o que é certo ou
errado em relação ao uso das palavras ou expressões. O metalingüístico é a
sistematização das possíveis regras, dos conhecimentos teóricos conceituados
sobre a língua e outros aspectos da estrutura de funcionamento da mesma.
O que Geraldi aponta com isso é o fato de que a reflexão sobre a língua não é
exclusiva dos especialistas. Esses três tipos de atividades linguísticas estão
presentes nas ações de diálogos dos sujeitos. São produções de discurso, que se
tornam ações “sobre a linguagem e ações da linguagem”.
Ao levar o professor a exercer a escrita de forma reflexiva, é preciso antes
pensar na linguagem escrita e perceber que um texto escrito pressupõe um
30
enunciador, que está distanciado de seu leitor presumido. Sendo assim, a escrita
exigirá sempre de seu autor uma organização do texto de forma coerente e coesa.
Para que esta se dê, o movimento reflexivo epilinguístico, que vai por cima do
linguístico, pode ser ativado. Geraldi (2008, p. 21) coloca que “elege-se, portanto, o
fluxo do movimento como território. Lugar de passagem e na passagem, a interação
do homem com os outros homens no desafio de construir compreensões do mundo
vivido.” No movimento linguístico puro, não há consciência. Nos enunciados de
cunho epilinguístico, se encontram ensaios de consciência linguística que podem até
levar ao metalinguístico, mas essencialmente uma reflexão espontânea, sobre o
linguístico, que os enriquece.
As atividades epilinguísticas proporcionam ao falante/escritor a oportunidade
para refletir sobre os recursos que demonstram a expressividade que utiliza ao
falar/escrever. Assim sendo, ele está refletindo sobre o domínio funcional das regras
atreladas ao uso da língua.
A linguagem, enquanto atividade, implica que até mesmo as línguas
(no sentido sociolingüístico do termo) não estão de antemão prontas,
dadas como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-las
segundo suas necessidades. (GERALDI, 2008, p. 20)
Para o sujeito que é posto diante de situações de escrita, como é o caso dos
professores do curso de especialização, é através dessa reflexão, na situação de
produção textual, que o domínio da língua vai sendo ampliado, juntamente com a
consciência sobre a utilização dos recursos da língua. Essa consciência já faz parte
dele em seu dia a dia como usuário, mesmo que não pare para pensar como está
sendo desenvolvida essa prática. A essa consciência Miller (2003, p. 3) denomina
consciência implícita de uso, como sendo aquela que é desenvolvida intuitivamente,
que está vinculada às experiências vivenciadas, ao conhecimento que ele tem da
língua como seu usuário, no momento em que reflete sobre as ações de falar, ler e
escrever. Ela ainda aponta que essa consciência é a base necessária para o
desenvolvimento da consciência explicita de análise, pela qual torna-se a língua
como objeto de estudo, objetivando-se sua descrição e categorização.
31
REFLEXÃO
CONSCIÊNCIA IMPLICITA
CONSCIÊNCIA EXPLÍCITA DE ANÁLISE
Afirmo, dessa forma, que o domínio epilinguístico está entre o lingüístico e o
metalingüístico. É o elemento que une as características linguísticas ao
conhecimento das regras de forma reflexiva. Segue abaixo um quadro3 elaborado
para representar minha reflexão sobre o tema.
Todo sistema de normas sociais encontra-se numa posição análoga;
somente existe relacionado à consciência subjetiva dos indivíduos
que participam da coletividade regida por essas normas. São assim
os sistemas de normas morais, jurídicas, estéticas (tais normas
realmente existem), etc. Certamente, essas normas variam. Diferem
pelo grau de coerção que exercem, pela extensão de sua escala
social, pelo grau de significação social, que é função de sua relação
mais ou menos próxima com a infra-estrutura, etc. (BAKHTIN,2009,
p. 94)
3
Esse quadro foi elaborado a partir das discussões suscitadas pela professora Ludmila Thomé de
Andrade, na disciplina Didática da Língua Portuguesa do curso de Pedagogia da FE/UFRJ da qual eu
era monitora.
32
Assim, posso afirmar que para entender e explicar a utilização das regras
gramaticais faz-se necessário construir esses conhecimentos, no processo da
própria escrita e dos usos dessas regras, inseridos no domínio que o sujeito já tem
dos seus usos.
A partir da escrita docente - o que se escreve e porque se escreve - podemos
propor que o professor que escreve sobre suas práticas em sala de aula, está se
aproximando de suas representações sociais. Neste sentido, ao escrever o que a
escola lhe propõe ou lhe permite, ou no caso, as monografias do CESPEB, está na
tentativa de atender a uma expectativa de um grupo social.
O professor já escreve e há ainda muito a ser dito/escrito por ele. O que me
parece necessário é atribuir sentidos e visibilidade a essa escrita, situando-a em
contextos sociais marcados por atividades de negociação ou por processos de
inferências. Segundo Marcuschi (2010, p. 35), “Podemos observar que a construção
de categorias para a reflexão teórica ou para a classificação são tanto um reflexo da
linguagem como se refletem na linguagem e são sempre construídas inteiramente
dentro de uma sociedade.”.
Para Bakhtin (2009, p.72), a linguagem tomada nas instâncias física, fisiológica e
psicológica é privada de alma e, para se tornar um fato linguístico, precisa ser
atribuída-lhe alma. Assim como no processo de reverberação, é preciso que haja
condições ambientais para que o mesmo aconteça, para que a linguagem tome vida
“é preciso situar os sujeitos – emissor e receptor do som – bem como o próprio som,
no meio social” (Bakhtin 2009, p.72). Segundo ele, é necessário que locutor e
ouvinte pertençam à mesma comunidade linguística, que tenham uma relação sobre
o espaço bem definido.
Entendendo que a escrita das professoras reflete - no sentido de espelhar - e
refrata - no sentido de desviar - vários enunciados, foi possível trazer ainda a essa
discussão a noção de reverberação4. Para propor esta noção, aproprio-me do
campo da acústica, visto que minha experiência como musicista coloca-me
constantemente em contato com esse campo da linguagem, descreve-o como um
processo que ocorre quando duas ondas sonoras são propagadas sob uma
superfície refletora, guardando entre si uma pequena diferença de tempo no trajeto.
4
Essa noção foi elaborada por mim na monografia de conclusão do curso de Pedagogia da UFRJ em
2011.
33
Essas ondas sonoras ao estabelecerem impacto com a superfície refletora retornam,
também em tempos de mínima diferença, preenchendo o ambiente com várias
reproduções
de
som
emitido
originalmente.
Dentre
as
características
da
reverberação, destaco como também de importância para esse contexto o fato de
que um som refletido se espalha por todo o ambiente.
O sujeito que estiver nesse ambiente será atingido primeiramente pelo som
que vem direto da fonte sonora, ao mesmo tempo, o som continua se espalhando
pelo ambiente, refletindo-se nas demais superfícies existentes no local indo também
ao encontro desse sujeito, chegando com intensidades diferentes, umas chegam
mais rápido enquanto outras percorrem um caminho maior para chegar até ele.
Vejamos no esquema a seguir:
Fazendo uma analogia com esse conceito acústico, pensarei as vozes das
professoras formadoras como as ondas sonoras propagadas, as alunas professoras
como as superfícies refletoras e suas escritas como as reverberações dessas ondas
sonoras. Essas, ainda dentro dessa perspectiva, comparadas às demais ondas
sonoras que circulam pelo ambiente e retornam às professoras formadoras, são
constituídas por suas memórias, as vozes do ambiente de trabalho, a convivência
em família, o dia a dia nas ruas de seus bairros, em fim, do cotidiano, do que as
constituem como pessoas, profissionais, estudantes, mães, mulheres e tantas outras
identidades que assumem. O ambiente é o contexto em que elas estão inseridas,
nesse caso, a sala de aula tanto como alunas e enquanto professoras. O sujeito em
questão que recebe essa demanda de reverberações é o aluno, seja ele de que
instância for, o que justifica a nomeação de alunas-professoras. No âmbito da sala
34
de aula da Faculdade de Educação da UFRJ, elas são alunas, na sala de aula com
seus alunos, as professoras. Assim, como as alunas-professoras do curso de
especialização estão sendo alcançadas por todo esse processo que também
constitui as professoras formadoras, seus alunos também podem ser alcançados por
tudo o que através delas for refletido, reverberado. Dessa forma, torna-se possível
perceber como as vozes das professoras formadoras são reverberadas e como as
alunas-professoras se apropriam dessas vozes assim como essa fala é
transformada em um discurso autoral.
A preferência pela opção de reverberação e não a de eco, como nos aponta
Bakhtin (2003, p 297), quando diz que “cada enunciado é pleno de ecos e
ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da
esfera de comunicação discursiva”, está pautada em uma questão puramente
vivencial. O eco, em minha experiência como musicista, está relacionado a um som
que é propagado, dissipado, mas que não tem um retorno, o que o ouvido percebe é
o som real, além do que, o eco para acontecer ele tem uma distância limite para que
esse fenômeno sonoro aconteça, não é em todo ambiente que o eco acontece.
Assim sendo, dentro de minha perspectiva, o conceito de eco não se faz tão
aplicável. Não tenho a pretensão de ir contra o que Bakhtin propõe, mas sim de
contextualizar de forma mais adequada a minha pesquisa. Além do mais, seria
preciso explorar esta dimensão semântica da escolha do tradutor a partir da língua
original, o russo, o que não nos é possível fazer, por falta de conhecimentos desta
língua.
Foucault (2011, p. 49) diz que
“o discurso nada mais é do que a reverberação5 de uma verdade
nascendo diante de seus próprios olhos; e, quando tudo pode, enfim,
tomar a forma do discurso, quando tudo pode ser dito e o discurso,
quando tudo pode ser dito a propósito de tudo, isso se dá porque
todas as coisas tendo manifestado e intercambiado seu sentido,
podem voltar à interioridade silenciosa da consciência de si.”
Nessa perspectiva de linguagem, aponto a formação continuada de professores
como um meio social organizado que possibilita trocas lingüísticas, a partir do
5
Grifo meu.
35
momento em que todos que ali estão comungam do saber docente, do cotidiano
escolar e principalmente de uma vontade explícita em participar de um contexto de
aprendizagem de novos saberes.
2.3 Formação continuada e o professor desse contexto
Atualmente, vivemos em um contexto educacional repleto de ações políticas
voltadas para a Formação Continuada de Professores, principalmente no campo da
Língua Portuguesa nas Séries Inicias, tendo em vista o grande avanço tecnológico e
repercussões no meio social (GATTI e BARRETO, 2009). O professor cada vez mais
precisa estar habilitado a lidar com diversos conhecimentos.
De um lado, temos a visão do professor como especialista técnico
(CONTRERAS,2002) que imputa ao mesmo um conhecimento das formas do fazer,
como elaborar bem seus objetivos principais e gerais, o domínio dos conteúdos a
serem “transmitidos” assim como a responsabilidade de tentar dar conta de todas as
situações do cotidiano escolar, sejam elas de cunho pessoal, teórico, prático e social
de forma eficaz e aplicável. Por outro lado, vê-se o professor reflexivo que tenta dar
conta de um cotidiano escolar a partir de conceitos teóricos, para solucionar
problemas do dia a dia, baseando-se me reflexões e estudos que lhe tragam à luz
nova possibilidade.
Dickel (1998) faz uma breve retrospectiva das necessidades e conflitos
vividos na escola pública desde o seu período de expansão. Apoiando-se em uma
das conclusões de Connel (1996) - sobre as fragilidades dos programas
compensatórios e excludentes, amplamente expandidos nas décadas de 60 e 70
nos Estados Unidos – na qual reivindica que “ensinar bem em escolas em
desvantagem requer uma mudança na maneira como o conteúdo é determinado e
na pedagogia” (apud Connel 1996, p. 27).
A partir disso, ela pontua que esse “diagnóstico nos leva a uma complexidade
de determinações que constituem a produção social e econômica dessa exclusão”
(p.39). E é através da escola que muitas vezes essa exclusão se dá, pela forma de
organização da escola e seus conteúdos, que muitas vezes são descontextualizados
em relação às necessidades sociais das camadas populares. Essa exclusão muitas
36
vezes acaba recaindo, aparentemente, como responsabilidade do professor. Esse,
por sua vez, para dar conta de uma mudança nessa perspectiva, precisar criar
estratégias que intervenham nessa realidade tanto para estudantes quanto para ele
enquanto profissional.
“Podemos dizer que, trabalhando nas zonas fluidas produzidas pelas
contradições que a escola carrega em sua tradição, à medida que é,
ao mesmo tempo, acesso ao que a humanidade produziu e espaço
de preparação para um trabalho que, cada vez mais, está destinado
a um menor número de pessoas, muitos professores produzem
estratégias de intervenção que suspendem provisoriamente os traços
de exclusão.” (DICKEL, 1998, p. 40)
A partir dessa constatação, ela traz para sua discussão a concepção do
professor reflexivo de Stenhouse, segundo a qual o professor não pode ser visto
somente como um executor de tarefas elaboradas por outros sujeitos que estão fora
do processo de ensino aprendizagem, pois os mesmos produzem em suas práticas
conhecimentos significativos que podem contribuir para mudanças individuais na
vida dos estudantes assim como na dinâmica da escola. Reivindica:
Uma formação do professor-pesquisador como aquele profissional
que, ao optar pela luta (que é fundamentalmente) coletiva por
alternativas viáveis e comprometidas com a especificidade e o valor
do trabalho docente e com uma educação que fomente nas crianças
a potencialidade de inventar e lançar as bases de um mundo
diferente daquele anteriormente esboçado, seja capaz de se engajar
na busca de uma pedagogia e de uma escola que consigam
trabalhar nesse meio adverso.” (DICKEL, 1998, p.41)
Segundo ela, a situação dos professores vem sendo agravada historicamente
porque muitos estão “enclausurados”, pois são formados para trabalhar em escolas
homogeneizadas, evitando muitas vezes trabalhar em escolas com crianças de
classe popular e em periferias, nas quais o trabalho muitas vezes exige do professor
vários desdobramentos, investimentos de tempo e recursos, criatividade e preparo.
Dickel, citando Casanova (1996), aponta a emancipação como “chave” que abre o
pensamento de Stenhouse. Para Stenhouse, a emancipação significa autonomia e é
a arma de luta contra o paternalismo e autoridade.
37
“Para o professor, o caminho para a emancipação passa
necessariamente pela adoção da perspectiva do pesquisador e pelo
respeito aos seguintes princípios:
1) a pesquisa do professor deve se vincular ao fortalecimento de
suas capacidades e ao aperfeiçoamento autogestionado de sua
prática;
2) o foco mais importante da pesquisa é o currículo, o meio através
do qual se transmite o conhecimento na escola (Cf.Casanova, 1996,
p. 24)” (DICKEL, 1998, p. 46)
Partindo de pesquisas realizadas por Andrade (2004, p.83), atualmente a
tendência é considerar o professor como “prático reflexivo”. Nessa concepção, as
aprendizagens da prática e da vivência tomam legitimidade, o professor passa a ter
espaço para falar de suas experiências e a apropriar-se de sua voz. Por essa
perspectiva, é possível ao professor vivenciar sua prática, reconhecendo em suas
escolhas os caminhos teóricos que fundamentam suas decisões diante das
situações que surgem
.
(...) ao articular uma concepção de formação de professores que leve
em conta a experiência docente a partir de uma concepção
discursiva de linguagem,ou seja, que se proponha a pensar a
linguagem da formação, torna-se possível perceber que o saber
docente não se produz espontaneamente a partir do professor –
praticante. A autoria de um saber próprio ao professor é determinada
também pelo que é produzido externamente, à sua volta. Não há um
saber que nasce espontaneamente do sujeito, pois este último não é
fonte exclusiva de seu próprio saber. (ANDRADE,2004, p. 86)
Posso concluir, a partir dessa premissa, que o conhecimento do professor
pode ser tratado como “conhecimentos” formados por outros saberes constituídos de
outras vozes sociais, nos quais se inclui os da universidade. O ponto chave do
binômio prática e teoria estaria, portanto, na busca pelo equilíbrio nessa relação, em
que cada um precisa ter marcadas as suas características.
Nesse processo, não são os saberes que lhes são próprios, mas a
reorganização destes, efetuada de forma singular. Esse movimento
ativo é o que de mais próprio de cada sujeito poderemos encontrar,
embora haja recorrência entre sujeitos. Não há portanto, propriedade
desses saberes, mas há diferentes processos de apropriação.
(ANDRADE, 2004, p. 86)
38
Esse ponto de equilíbrio está, de certa forma, posto no próprio trabalho
exercido pelo professor em sala de aula, lugar em que prática e teoria caminham
juntas (ou deveriam caminhar), de forma nem sempre perceptível. O estar em sala
de aula - tanto na universidade enquanto aprendente quanto na sala de aula
enquanto ensinante, na prática cotidiana - possibilitará ao professor a apropriação
de sua própria voz, a partir do momento em que esse se perceba também como
ensinante na universidade e como aprendente na sala de aula com seus alunos.
Os professores pesquisadores da universidade têm um modelo do que seja
pesquisa (ANDRADE,2004, p. 89). O professor em sala de aula tem também seus
referenciais do que seja a prática, portanto, assumir sua voz docente requer
contextualizar o discurso acadêmico à prática de sala de aula, para que o professor
da educação básica se veja também em uma ação de pesquisa. É ir contra um
sistema que lhe impõe o que dizer e como dizer.
Muitos professores escrevem e falam aquilo que a instituição lhes encaminha
a escrever/falar, eles escrevem em seus diários de classe o conteúdo, dizem no
conselho de classe as dificuldades e problemas, nos intervalos entre uma aula e
outra ele diz de seu alívio em poder naquele momento descansar da pressão do
cotidiano escolar. A escola não lhe abre espaço para um dizer autoral e
transformador, para que ele se coloque de forma crítica diante de uma realidade,
como nos expõe Andrade (2004).
O efeito da formação sobre os docentes restringe-se ao âmbito
discursivo, não transformando as práticas dos professores. Chegam
a aprender a dizer, mas não chegam a modificar o seu fazer como
efeito dessa primeira aprendizagem. Entre discursos, práticas e
conhecimentos, as articulações parecem padecer de muitas
defasagens. Os professores dizem o que sabem, mas não fazem.
Fazem outras coisas sobre as quais não chegam a ter um discurso
produzido. (...) Constatamos, assim, a supressão dos modos de
enunciação próprios do professor, que seriam inerentes à profissão,
o que o deixa sem poder dispor de espaços institucionais ligados a
situações concretas de trabalho, que poderiam estar previstas na
organização escolar. (p. 95-96)
O professor está sem saber o que dizer, pois o lugar que se encontra na
escola não está lhe dando espaço para que sua voz possa ser ouvida. Isso o leva a
apropriar-se do discurso universitário, que está muito distante do discurso da prática
39
de dentro da sala de aula por conta de currículos descontextualizados das reais
necessidades daqueles que trabalham nas salas de aula.
O docente, em contraponto, escuda-se contra as formas como é
tratado nestas medidas impostas, não é identificado com nenhuma
destas políticas, exigências, avaliações feitas a sua revelia,
alheiamente assume as formas de ser orientado às quais não quer
ceder, ser conduzido. Por força destas intermitentes imposições que
saturam o ambiente escolar de medidas que são vazias de um
sentido concordante, sintonizado na identidade docente, o professor
se encontra anestesiado e também se encontra impermeabilizado a
este tipo de discurso. (ANDRADE, 2013)
Cada vez mais essa situação causa um vácuo entre as vozes da escola.
Segundo Gatti e Nunes 2008 (apud Gatti e Barreto 2009, p. 201)
Verifica-se que os currículos desses cursos são pouco atentos à
necessidade de uma formação que forneça os instrumentos
indispensáveis a um fazer docente consciente de seus fundamentos,
com boa iniciação em práticas, e aberto a revisões e
aperfeiçoamentos constantes.
Concordo com Scaramussa (2008, p.47), quando esta autora coloca que o
primeiro contato do aluno dos programas de formação de professores se dá através
de matérias teóricas das disciplinas pedagógicas e, posteriormente, em alguns
casos, de monitoria. Segundo Libâneo e Pimenta (2006, p. 51) citados por ela:
O caminho deve ser outro. Desde o ingresso dos alunos no curso, é
preciso integrar os conteúdos das disciplinas em situações da prática
que coloquem problemas aos futuros professores e lhes possibilite
experimentar soluções. Isso significa ter a prática, ao longo do curso,
como referente direto para contrastar seu estudo e formar seus
próprios conhecimentos e convicções a respeito. Isso quer dizer que
os alunos precisam conhecer o mais cedo possível os sujeitos e as
situações com que irão trabalhar. Significa tomar a prática
profissional como instância permanente e sistemática na
aprendizagem do futuro professor e como referência para a
organização curricular.
Diante dessa realidade, descortina-se a possibilidade de observar a formação
continuada como um processo de crescimento profissional para o professor de
forma a levá-lo a perceber que ele já possui conhecimentos significativos que
constituem a sua prática e como um dos caminhos a serem seguidos enquanto
40
professor-aluno-pesquisador em busca de novas práticas e de novas formas de
dizer o seu fazer. A atual concepção de Formação Continuada rompe com a ideia de
uma formação que segue a lógica de ignorar a trajetória do professor, e
considera,portanto, o desenvolvimento profissional do professor, suas escolhas, seu
espaço de atuação, o seu fazer cotidiano.
Considero ser relevante compreender o que leva o professor a buscar a
formação continuada, tomarei como base os dados levantados por Gitsos (2008) em
sua monografia de conclusão de curso de Pedagogia, citados também por
Scaramussa.
Em seus estudos, estão apontados como razões para o retorno ao estudo da
formação de professores duas categorias denominadas como: Aprofundamento e/ou
atualização do tema Alfabetização e Aperfeiçoamento profissional. Ainda segundo
ela, há uma relação de causa e efeito entre essas categorias observadas no
discurso das professoras, devido às dificuldades que são encontradas no dia a dia
da sala de aula.
Ou seja, nas formulações dos professores, a hierarquia ou a
articulação lógica freqüente para apresentar estas razões
particulares para procurarem o curso apresenta-se assim: a
atualização do tema leva ao aperfeiçoamento profissional e o
aperfeiçoamento profissional implica na atualização do tema.
(GITSOS2008apud SCARAMUSSA,p. 78)
Percebe-se que no discurso das professoras está marcada a questão do
aperfeiçoamento profissional e que o mesmo o levará ao aperfeiçoamento do tema,
no sentido de dominarem uma determinada área do conhecimento. Sendo assim, há
a preocupação do professor em buscar uma formação que o leve a refletir e buscar,
de forma autônoma, soluções das problemáticas que surgem em sala de aula.
Significa dizer com isso que não é necessário descartar de todo os fundamentos
aprendidos, mas sim ocupar-se de aprender conceitos teóricos para criar e recriar
suas próprias práticas.
Gatti e Barreto (2009) apontam que atualmente existem dois modelos de
formação continuada aceitos e defendidos: 1) as oficinas de reflexão sobre a prática.
2) formação centrada no fortalecimento institucional. Segundo elas, esses dois
modelos são discutidos por Rego e Mello (2002) que apontam que o modelo de
41
formação em pequenos grupos tem um grande valor formativo, pois permite uma
maior proximidade à realidade do professor e da sua prática a fim de legitimá-la ou
ressignificá-la, no entanto não responde às necessidades de todo o corpo docente e
as urgências sociais. O modelo do fortalecimento institucional imbricado de uma
responsabilidade social por seu lado implica um envolvimento, um trabalho coletivo,
recursos pedagógicos e uma gestão participativa. Esses modelos de formação vão
além das questões que envolvem somente o interesse do professor, envolvem
condições institucionais facilitadoras para a reflexão e ação docente.
A formação continuada para além de uma ação em que o professor muitas
vezes é encaminhado, indicado a participar, vai de encontro às necessidades reais
que emergem da prática, por isso são de fato necessidades da própria demanda do
professor, de uma busca por aprimorar e agregar saberes à prática.
Para Kemmis (1987), refletir criticamente significa colocar-se no
contexto de uma ação, na história d asituação, participar de uma
atividade social e ter uma determinada postura diante dos problemas.
Significa explorar a natureza social e histórica, tanto de nossa
relação como atores nas práticas institucionalizadas d aeducação,
quanto da relação entre nosso pensamento e ação educativos.
(CONTRERAS,2002, p. 163)
A partir de Contreras (2002) ao abordar a reflexão crítica, aponta-se a
reflexão sobre a prática não somente como uma forma de mediação de saberes da
prática mas como uma vivencia da prática.
2.4 A escrita docente como uma possibilidade de um dizer sobre a prática
Para abordar a formação continuada como um espaço propício para o
professor refletir sobre a sua prática, tomamos como nossa perspectiva de estudo a
reflexão sobre a escrita docente. Esta escrita profissional tematiza o fazer
pedagógico, podendo se tornar para nós um instrumento que traz a cena da sala de
aula, elevando-a como espaço sobre o qual discute, reflete e produz conhecimentos.
Num processo de escrita assim concebido, gostaríamos de contribuir para a
constituição dos sujeitos dessa ação pedagógica.
42
Vale ressaltar que os textos orais e escritos e, em nosso caso específico, os
últimos, vão em direção a um leitor presumido, que nenhuma escolha é neutra, a
escolha do suporte, o gênero, a forma gramatical e ortográfica levam isso em
consideração. Segundo PRADO e SOLIGO (2007, p. 34), nenhum texto é “fruto
apenas do que o escritor quer dizer, mas também do que ele supõe ser de interesse
dos leitores”, segundo eles, há um “contrato” implícito entre autor e leitor.
Apoiando-me em PINO e ZULAR (2007), tomo a escrita docente elaborada
nas monografias do CESPEB como manuscritos da prática. Segundo eles, pode-se
entender por manuscrito “qualquer documento no qual seja possível encontrar um
traço do processo de criação, e não necessariamente os manuscritos autógrafos (do
próprio punho do escritor)” (Pino e Zular 2007, p.18). Falo das monografias como
manuscritos, pois entendo que elas podem trazer traços da prática, sendo a prática
o próprio ato de criação (o que dá certo, o que dá errado, as hipóteses de trabalho,
os desafios, a orientação teórica para o desenvolvimento do trabalho, a forma para
olhar esse fazer, etc.) Não abordarei nessa discussão o processo, suas defesas e
críticas, pois meu interesse é especificamente a escrita.
O manuscrito apresenta-se como um espaço heterogêneo “no qual diversos
tempos convivem e dialogam entre si.” (p. 28). Escrever sobre a prática possibilita
refletir sobre o que se fez, o que se faz e o que se pretende fazer. Ao escrever, o
professor traz um discurso de seu processo de criação – a prática. Relaciona
permanentemente as experiências do passado e do presente para constituir um
futuro.
É possível, a partir dessa perspectiva, fazer uma relação com o paradigma do
professor reflexivo, no qual o professor elabora suas compreensões no próprio
processo de atuação.
Trata-se de um processo que inclui: a) a deliberação sobre o sentido
e valor educativo das situações; b) a mediação sobre as finalidades;
c) a realização de ações práticas consistentes com as finalidades e
valores educativos; e d) a valorização argumentada de processos e
conseqüências. Isto conduziria: a) a construção de um conhecimento
profissional específico; e b) a capacidade para desenvolver-se
nessas situações de conflito e incertezas que constituem uma parte
importante do exercício de sua profissão. (CONTRERAS, 2002, p.
137)
43
Escrever seria também um processo de atuação no qual são construídos
conhecimentos sobre a profissão e a capacidade para lidar com as situações do
cotidiano da profissão. Segundo SCHÖN (1983:270 apud Contreras 2002, p. 139) na
reflexão da ação, os profissionais costumam agir sob alguns referenciais
relativamente estáveis: 1) as linguagens – meios e repertórios que usam para
descrever a realidade e realizar suas experiências; 2) seu sistema de valores –
serve para identificação de situações problemáticas, diálogos reflexivos e avaliação
dos seus questionamentos; 3) sistema de compreensão – pelo qual percebem e dão
sentido aos fenômenos e 4) a forma como definem seu papel – pela qual suas ações
são propostas e por meio da qual fixam seu cenário institucional. Assim, produz-se
uma consciência sobre suas ações e sobre os efeitos do que foi realizado, do que
não foi realizado e sobre o que poderia ter sido realizado.
CORRÊA (2004, p.10) apresenta três eixos que orientam a circulação do
escrevente pelo processo da escrita. No primeiro, a escrita é vista como
representação termo a termo da oralidade. No segundo, a apropriação da escrita se
dá em seu estatuto de código institucionalizado – fixação metalingüística pelas
instituições e pelos sujeitos – dos movimentos históricos da sociedade. No terceiro,
o escrevente põe-se em contato não só com tudo quanto teve de experiência oral,
mas também com toda a produção escrita. Para ele, esses três eixos, como
abordagem
metodológica,
deslocam
o
sujeito
da
relação
oralidade/escrita para uma relação entre sujeito e linguagem.
ingênua
entre
A ideia que o
escrevente faz de seu texto passa por esses três eixos, o que faz com que essa
escrita não seja nunca de todo pura.
Assumimos essa perspectiva para compreendermos a formação continuada,
sobretudo no que diz respeito aos dois últimos eixos definidos pelo autor. Assim, a
formação docente se constituiria como parte importante do processo docente de
reflexão na ação, quando possibilita uma escrita voltada para o aperfeiçoamento do
trabalho do professor. No caso do gênero monografia, é considerado todo um rigor
metodológico, o que nos aproximaria do segundo eixo de Corrêa (2004) no qual,
“ligado à expectativa do escrevente de alçar-se aos discursos estabilizados das
instituições”, o professor escreve sobre a prática pedagógica - fundamentando,
argumentando e problematizando – enfrentando os saberes docentes no cotidiano.
Quanto ao terceiro eixo, poderíamos considerar que o docente é colocado num
44
contexto, optando por algumas práticas sociais e rejeitando outras no momento em
que percebe “lugares específicos” (Corrêa 2004) para sua própria escrita.
A escrita, desta forma, se revela para o autor um entrelace de
possibilidades, relações, descobertas, informações, memórias e
vivências, que o vão constituindo a cada produção, a cada registro e
a cada releitura. A partir do exercício de se tornar autor, a escrita se
compõe numa releitura do mundo. (SCARAMUSSA,2008, p. 54)
Juntamo-nos ainda a TARDIF (2011), que aponta define o saber do professor
em íntima relação com o trabalho dele na escola e na sala de aula. O professor tem
vários saberes, mas o que se destaca dentre todos é o que se impulsiona pela
vivência. Para este autor, o saber está a serviço do trabalho, pois é a partir de uma
releitura de mundo que a escrita, por via da formação continuada, abre espaço para
um movimento dos saberes docentes.
Para além dos saberes que emergem da vivência, estão os saberes
propiciados pelas interações constituídas no campo da formação continuada,
segundo Andrade (2011, p. 325):
As interações permitem situar os momentos de troca discursiva para
se observar e apontar as faces dos interactantes em pleno processo
de constituição. Porém apenas podem ser compreendidas numa
dimensão discursiva pela tensão entre posições que ali se realizam,
na enunciação da formação, em pleno ato de discurso.
A autora traz uma metáfora da concepção de pesquisa que produz uma rede,
não como as de dormir, mas sim uma rede de segurança, como as de pesca, com
nós tensionados que formam uma trama, para enfatizar as “tensões localizadas
entre os atores, com distanciamentos variáveis, mediados por outros atores ou
estabelecidos em relação mais direta, de um nó ao outro. Assim, a escrita docente
no campo da formação continuada de professores é produzida como resposta ao
tensionamento do próprio contexto, como no processo de reverberação, em que um
som propagado vai de encontro a uma superfície que o devolve após o impacto. A
escrita docente é a resposta a uma demanda em que são produzidos deslocamentos
dos sujeitos visto que, “Não há posição solitária, identidade isoladamente
constituída, mas apenas podemos conceber discursos, que se dão em eventos
45
concretamente
enunciados,
entre
dois,
pelo
menos”.
(BAKHTIN
apud
ANDRADE,2004).
Corrêa (2004) defende que o processo de escrita está regulado pela
circulação dialógica de quem escreve em função dos lugares da representação da
escrita. Segundo ele, esse movimento dialógico é guiado pela “dialogia com o já
falado/escrito, que, além da representação sobre o oral/falado e o letrado/escrito, é
também o móvel de toda a circulação, uma vez que não se refere apenas ao modo
de enunciação escrito, mas à presença do dialogismo em toda a linguagem” (p.14).
A produção escrita marca, portanto, a resposta de uma voz inicial que,
caracteriza ainda segundo Corrêa (2004) o processo de individuação. Para ele, a
individuação do sujeito está relacionada ao modo como cada sujeito deixa “pistas
linguística locais”, é o modo como ele se constitui. A escrita docente, então, pode ser
vista como uma marca da prática docente e da representação de uma real formação.
Uma formação em que não está em questão somente um vir a ser professor, mas
sim a formação de alguém que conseguem problematizar seu fazer, que se depara
com o que faz e com o que outros entendem que ele faz.
Apoiando-me em Le Goff (1996) pensarei as monografias como uma
produção escrita das alunas professoras, tomando-as como documentos. O autor
traz nesse texto uma importante discussão que me permitiu pensar sobre como se
dá a constituição de um documento. Ele aponta para dois tipos de materiais - os
documentos e os monumentos. Segundo ele, o monumento é tudo aquilo que pode
evocar o passado perpetuando as recordações das sociedades históricas, um
“legado à memória coletiva”, ele cita como exemplo os atos escritos. No século XIX o
termo monumento ainda teria sido usado relacionado as grandes coleções de
documentos de maneira a fazer vir à tona as mais profundas raízes da sociedade.
Entretanto destacando-se das provas, instrumentos, testemunhos, etc. que
buscavam reunir novos métodos da memória coletiva e da história e por outro o
desejo de provar cientificamente os fatos, o termo documento colocou-se em
primeiro plano.
Os documentos, de acordo com a escola positivista, no século XX foram os
fundamentos do fato histórico, mesmo que resultassem da escolha do historiador. A
leitura dos documentos não serviria para nada se fosse feita com ideias
46
preconcebidas, a habilidade do historiador estaria em retirar dos documentos
somente o que eles realmente teriam e não acrescentar nada além.
Com o passar do tempo, a concepção de conteúdo de um documento se
ampliou, o documento era sobretudo um texto. Devia-se atentar para as fábulas, os
mitos, os sonhos, lugares e momentos pelos quais o homem deixou suas marcas.
Essa evolução foi ao mesmo tempo qualitativa e quantitativa, a história não estava
mais cristalizada exclusivamente sobre os grandes homens, mas sim interessava-se
por todos os homens. Altera-se o estatuto do documento. O documento não existe
mais por si mesmo, mas em uma relação com os que o antecedem e os seguem, o
seu valor relativo se torna objetivo e não sua relação com uma inapreensível
substância real. O documento não é qualquer coisa que fica no âmbito do passado,
ele é produzido por uma sociedade a partir de suas relações de forças e poder.
A partir dessa concepção, acredito que é preciso contextualizar o documento
não como verdade única, porque nenhum documento é inocente e neutro, mas sim
matizar as suas nuances. É o olhar do historiador – e aqui acrescento o olhar do
pesquisador - que escolhe o documento e tira dele os dados, preferindo-os em
relação a outros e dando-lhes um valor de acordo com sua própria posição na
sociedade em que está inserido, essa por sua vez, não é neutra. O documento é o
resultado de uma montagem consciente de uma época, de uma sociedade e de um
olhar. É constituído de várias vozes. Não existe documento verdade, cabe ao
historiador/pesquisador não ser ingênuo diante de um monumento, entendendo que
o mesmo é uma montagem, uma capa, uma aparência montada. Para desmontar
essa
aparência
é
preciso
analisar
as
condições
de
produção
desses
documentos/monumentos.
Desmontar esse documento não significa isolar os documentos do conjunto
de monumentos, pois todo monumento é também um documento porque expressa
uma relação de sentidos a que pertencem, mas elaborar uma nova erudição capaz
de transferir este documento/monumento do campo da memória para o da ciência
histórica.
Nesse sentido de elaborar uma nova erudição – uma réplica – CORRÊA (no
prelo) constata que “a proximidade/distância de um dizer com força motivadora de
réplica depende, em grande parte, das representações que cada sujeito faz sobre os
dizeres que lhes fazem sentido, não importando que tais dizeres lhes tenham sido
47
dirigidos de modo direto ou indireto.” (p. 6). O autor conclui a partir disso que não há
uma primazia previamente fixada que é invariavelmente tomada como ponto de
partida na relação de quem escreve com seu interlocutor, tampouco a possibilidade
de se buscar no passado as referências textuais, que como origens de outras formas
de dizer, pudessem ser descritas, datadas e classificadas como fundadoras de um
dizer.
Para ele, essa impossibilidade está ligada ao “tipo de material analisado e ao
modo pelo qual os vestígios de gêneros discursivos – enunciados genéricos
tomados como réplicas – aparecem” (p. 7) a esse fenômeno ele vai nomear de
ruínas de gêneros discursivos6. O autor não usa a terminologia ruínas para se referir
a gêneros discursivos em estado de destruição mas sim:
como partes informes de gêneros discursivos, que, quando presentes
em outro gênero, ganham o estatuto de fontes históricas –
retrospectivas ou prospectivas – da constituição de uma fala ou de
uma escrita. Quando consideradas como fragmentos de enunciados
genéricos, elas podem ser vistas, também, como o resultado de uma
“regeneração, pensada esta última como o processo pelo qual os
sinais de um conjunto de saberes (as ruínas de uma civilização!)
podem assumir o papel de elementos fundadores de novos saberes.
Ainda segundo o autor, essas atividades nunca cessam de colocar lado a lado
as diferentes representações de tempos/espaços em novas composições genéricas
e que o reconhecimento da existência dessas ruínas é o de possibilitar novas
perspectivas de leitura, eu acrescentaria ainda, novas perspectivas de escrita.
Nessa perspectiva, eu me proponho a olhar para as monografias do CESPEB
não como um monumento intocável ao qual não cabe uma problematização a ser
discutida, mas sim como um documento no qual eu, como pesquisadora, lanço meu
olhar entendendo que todo texto (documento) tem relação com o já-dito (CORRÊA,
2004, p. 68). O meu olhar para as monografias parte de um contexto, de um
referencial, de um recorte. Se daqui há algum tempo outro pesquisador olhar para
esses mesmos texto irá encontrar outras evidências, outras conclusões. Pino e Zular
(2007) chegam a mencionar que inúmeras versões coexistem. As autoras ainda
apontam que a intertextualidade “é levada a tal ponto que se pode até falar em uma
6
Grifo meu
48
enunciação plural, seja pelos recursos reiterados de colagem, plágio, seja pela
experiência de textos escritos em conjunto, ou on-line, com participação direta dos
leitores.” (p. 57).
Entendendo o documento como texto produzido em um contexto social que
leva em consideração os sujeitos, baseio-me em Bakhtin (2003) para me apoiar na
Análise do Discurso também como uma forma de olhar para o texto das alunas
professoras. Segundo ele o texto, seja ele oral ou escrito, representa uma realidade
imediata, “são pensamentos sobre pensamentos, vivências das vivências, palavras
sobre palavras, textos sobre textos.” O texto como enunciado, segundo ele, é
determinado por dois elementos, “a ideia (intenção) e a realização dessa intenção”.
(...) todo texto (seja ele oral ou escrito) compreende um número
considerável de elementos naturais diversos, desprovidos de
qualquer configuração semiótica, que vão além dos limites da
investigação humanística (linguística, filológica, etc.) mas são por
estas levados em conta (a deterioração de um manuscrito, uma
dicção ruim, etc.). Não há nem pode haver textos puros. Além disso,
em cada texto existe uma série de elementos que podem ser
chamados de técnicos (aspecto técnico do gráfico, da obra, etc.)
(BAKHTIN, 2003, p. 309)
Bazerman (2009) também aponta que cada texto estabelece condições e cria
realidades nas quais os sujeitos afirmam e reafirma estruturas e relações
comunicativas.
Cada texto bem sucedido cria para seus leitores um fato social. Os
fatos sociais consistem em ações sociais significativas realizadas
pela linguagem, ou atos de fala. Esses atos são realizados através
de formas textuais padronizadas, típicas e, portanto, inteligíveis, ou
gêneros, que estão relacionadas a outros textos e gêneros que
ocorrem em circunstâncias relacionadas. (p.22)
Os fatos sociais são todas as coisas nas quais as pessoas acreditam como
verdade e que norteiam a forma como elas orientam-se em determinadas situações.
Têm relação como à forma como compreendemos o mundo. Bazerman diz que “os
fatos sociais afetam as palavras que as pessoas falam ou escrevem, bem como a
força que tais enunciados possuem.” (p. 24).
49
A monografia, enquanto requisito de fim de curso, relaciona-se a uma
instância acadêmica que tem suas diretrizes e orientações. Ela expressa uma forma
de discurso no qual o sujeito/autor insere seu próprio discurso. Foucault (2011), ao
falar sobre a “sociedade de discurso”, define-a com a função de conservar ou
produzir discurso em um espaço fechado, distribuindo-o somente de acordo com
regras estritas, apresenta-nos o ponto de vistas das “doutrinas”- contrário ao ponto
de vista da “sociedade de discurso” – que procura partilhar de um só e mesmo
conjunto de discurso em um número de indivíduos não determinado no qual definem
sua noção de pertencimento. Esse pertencimento doutrinário “questiona ao mesmo
tempo o enunciado e o sujeito que fala, e um através do outro.” (2011, p. 42).
A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciados e lhes
proíbe, consequentemente, todos os outros; mas ela se serve, em
contrapartida, de certos tipos de enunciação para ligar indivíduos
entre si e diferenciá-los, por isso mesmo, de todos os outros.
Ele aponta que todo sistema de educação é uma forma política de
manutenção ou modificação. As escolhas que são feitas em relação ao que se
escreve, a forma como se escreve e a quem se escreve representam escolhas,
posicionamentos políticos.
O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da
palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os
sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao
menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso
com seus poderes e seus saberes? Que é uma “escritura” (a dos
“escritores”) senão um sistema semelhante de sujeição, que toma
forma um pouco diferente, mas cujos grandes planos são análogos?
(FOUCAULT, 2011, p. 44)
Esse apontamento de Foucault nos ajuda a refletir sobre a escrita
monográfica como uma escrita que está inserida em um contexto institucional com
regras pré-estabelecidas de formatação, organização e procedimentos. Uma pessoa
só escreve uma monografia estando nesse contexto, fora dele, esse gênero é de
difícil circulação e execução. O contexto de formação – espaço doutrinário - tem em
comum
sujeitos
(alunas-professoras)
de
várias
realidades
institucionais e profissionais, mas que têm em comum a docência.
educacionais,
50
A escrita docente aqui em questão, a monografia, exigência para a conclusão
de um curso abarca em si a possibilidade da elaboração de um trabalho autoral,
visto que possibilita ao sujeito fazer as escolhas do que deve ser colocado ou não,
trazendo à tona todo um processo de reflexão que o faz ser responsável por suas
escolhas.
Portanto, considero a monografia como um gênero discursivo que abre
possibilidades para a autoria das alunas professoras falarem de sua própria
formação a partir de temas diversos que permeiam essa formação, falarem de suas
verdades, experiências e cotidianos.
Bakhtin aponta que:
O gênero do discurso não é uma forma da língua mas uma forma
típica do enunciado; como tal forma, o gênero inclui certa expressão
típica a ele inerente. No gênero a palavra ganha certa expressão
típica. O gênero corresponde a situações típicas da comunicação
discursiva, a temas típicos, por conseguinte, a alguns contatos
típicos dos significados das palavras com a realidade concreta em
circunstâncias típicas. (2003, p. 293)
Baseada nesse apontamento de Bakhtin, a escolha da análise do discurso
como metodologia para essa pesquisa reflete o interesse em compreender como as
enunciações presentes na escrita das alunas professoras trazem as marcas de suas
formações, memórias e práticas em sala de aula. Também abarca um olhar
dialógico, em que a dialogia está no embate das entoações, nas mais variadas
formas de visão do mundo, no questionar, responder; nos atos de escrita, na
apropriação da palavra como corpo social de um singular coletivo. Para Bakhtin, “o
Outro é imprescindível para sua constituição” (Gege 2009, p. 29), o diálogo é tido
como essencial para a atividade da linguagem assim como a alteridade caracteriza o
sujeito. Ainda segundo Bakhtin (2003, p. 293) a expressividade típica do gênero não
pertence à palavra como unidade da língua, não faz parte de seu significado, reflete
a relação da palavra e do seu significado com o gênero, isto é, o enunciado típico.
Dessa forma, uma palavra que em um contexto carrega em si traços de
tristeza, pode assumir, em outro, o valor de algo bom e agradável, levando ao
surgimento de uma nova situação.
51
Esse poder criativo não está na palavra, mas na funcionalidade dessa palavra no
gênero, no enunciado.
Portanto, a emoção, o juízo de valor, a expressão são estranhos à
palavra de língua e surgem unicamente no processo do seu emprego
vivo em um enunciado concreto. Em si mesmo, o significado de uma
palavra (sem referência à realidade concreta) é extra-emocional. Há
palavras que significam especialmente emoções, juízos de valor:
“alegria”, “sofrimento”, “belo”, “alegre”, “triste”, etc. Mas também
esses significados são igualmente neutros como todos os demais. O
colorido expressivo só se obtém no enunciado, e esse colorido
independe do significado de tais palavras, isoladamente tomado de
forma abstrata. (BAKHTIN, 2003, p. 292)
52
3. UM POUCO DE HISTÓRIA
Nesse capítulo, descrevo o que encontrei em documentos7 internos da UFRJ,
no processo de minha pesquisa, em relação à participação da mesma nos debates
político-acadêmicos. Em seguida apresento o Curso de Especialização Saberes e
Práticas na Educação Básica.
Entre as mudanças consideradas pela UFRJ, apontadas tanto pelo PDE
/REUNI como pelo PDI da UFRJ, está a necessidade de buscar formas de articular a
graduação com a pós-graduação,assim como da educação superior com a
educaçãobásica, de forma a evidenciar a importância do papel que essas instituições
desempenham na produção de políticas públicas para a formação docente nos vários
níveis.
O CFCH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas) da UFRJ, tem assumido
por meio de sua gestão política e acadêmica, através da sua configuração que
englobaa Faculdade de Educação (FE) e o Colégio de Aplicação (CAp), esse papel,
enfrentando os desafios da responsabilidade da formação inicial e continuada dos
docentes de diferentes áreas disciplinares.Na formação inicial,o CFCH engloba a
Faculdade de Educação e o Colégio de Aplicação, cujas atividades acadêmicas são
voltadas para essas ações de formação. Atualmente, a Faculdade de Educação tem
sob a sua responsabilidade cursos de licenciatura que se desenvolvem de forma
articulada ao CAp,cuja finalidade é propiciar oportunidades de estágio para os
alunos das licenciaturas, como também dos demais centros da universidade.
No campo da formação continuada,as ações do CFCH podem ser
evidenciadas pela sua participação em projetos ou programas de extensão - em
parceria com outros centros - que têm como foco ações voltadas para refletir,
complementar e atualizar a formação de docentes em exercício. Destaca-se, entre
esses programas, o Projeto Fundão - primeiro programa a agregar unidades de
vários Centros da UFRJ: o CCMN (que inclui os Institutos de Física, Matemática,
Química e Geografia), o CCS (Instituto de Biologia) e o CFCH (Faculdade de
Educação e Colégio de Aplicação) - com financiamento do SPEC/CAPES/PADCT de
7
Documento elaborado para implementação do curso. Foi conseguido através da secretaria do CESPEB
53
1983 até 1987, que se mantém até hoje, independentemente de novos
financiamentos governamentais.
No início dos anos 90, destaca-se a participação das unidades do CFCH no
PAPRE–(Programa de Atualização de Professores da Rede Estadual / RJ) um
programa de formação continuada para professores do 2º grau (hoje Ensino Médio)
que reunia instituições de ensino superior federais, estaduais e privadas.
O
programa estava sob a coordenação do Fórum de Reitores e da Secretaria de
Estado de Educação do Rio de Janeiro. Destaca-se também a criação em 1994 do
NUCAP (Núcleo de Consultoria e Atendimento Psicopedagógico) em parceria com a
SME/RJ
(Secretaria
Municipal
de
Educação
do
RJ),
a
Fundação
José
Bonifácio/UFRJ e escolas federais.
Em meados da década de 90, a CAPES reiniciou o financiamento de
programas de formação continuada de professores através do Programa PróCiênciasem parceria com as Fundações de Amparo à Pesquisa dos diversos
estados. A UFRJ desenvolveu em diversas unidades do CCMN, do CFCH e do CCS
cursos de extensão e de pós-graduação lato sensu, com formatos variados e
destinados à formação permanente de professores.
Atualmente, vale ressaltar a participação do CFCH, através da FE e do CAp,
no Programa Nacional de Incentivo à Formação Continuada de Professores do
Ensino Médio (PRO-IFEM),que contou com os recursos do Subprograma das
Unidades Federadas do Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio
(PROMED )
Destaca-se ainda como experiência da FE, em relação à formação continuada
na modalidade de cursos de Especialização o Curso de Administração Escolar,
aprovado na CEPG em 26/04/1996, ministrado pelo Departamento de Administração
Educacional da FE da UFRJ. O objetivo desse curso foi proporcionar ao magistério
do Rio de Janeiro elementos fundamentais para a análise da escola como
organização/instituição, tanto no seu funcionamento interno como nas relações com
o exterior para a construção de uma escola projetada para atender aos princípios de
uma sociedade democrática.
O curso oferecia fundamentação teórica para se
estudar a cultura das organizações escolares, analisar o seu funcionamento e propor
estratégias capazes de superar os problemas e proporcionar o desenvolvimento da
escola como organização. Tinha um total de 480 horas e 30vagas anuais.
54
Cabe destaque também para a participação da FE na coordenação e
execução do Programa Escola de Gestores,em parceria com o MECcom a
implementação do Curso de Especialização em gestão na Educação Básica
aprovado na CEPG/UFRJ em dezembro de 2007. Seu público-alvo era diretores e
vice-diretores. Tinha como objetivo geral formar gestores escolares das escolas
públicas de educação básica do Rio de Janeiro na perspectiva da gestão
democrática e da efetivação do direito à educação escolar com qualidade social. A
carga horária era de 400 horas e com uma oferta de 400 vagas.
As ações explicitadas legitimam esse centro como um espaço de formação
docente por excelência que reafirma o papel da universidade pública como
produtora de políticas de formação de professores como uma forma de melhorar a
qualidade da educação básica. O curso de pós-graduação lato-sensuSaberes e
Práticas na Educação Básica (CESPEB) vem se somar às ações já existentes de
formação continuada nas últimas décadas na Faculdade de Educação.
A seguir, apresento o CESPEB como proposta de formação continuada para
os professores das redes públicas federal, estadual e municipal na modalidade de
especialização que abrange diferentes áreas com questões importantes a serem
discutidas com os docentes que atuam nas redes públicas de ensino no nível
fundamental e médio.
3.1 O CESPEB
O Curso de Especialização Saberes e Prática na Educação Básica – CESPEB
foi organizado em 2007, tendo início em 2008, abrangendo as Áreas/ênfases de
Alfabetização e Letramento; História, Geografia; Educação de Jovens e Adultos;
Sociologia; Políticas Públicas e Projetos Educacionais; Língua Portuguesa e
Ciências Biológicas. O curso é sem custos para os professores em exercício nas
redes públicas do Rio de Janeiro. É composto por turmas de até trinta alunos.
Segundo a Professora Ana Maria Monteiro, em entrevista concedida para
essa pesquisa, o curso veio atender um projeto de seu plano de gestão e também
um projeto da Faculdade de Educação de ter uma especialização para a formação
continuada de professores que fosse voltada mais especificamente para as questões
do ensino de, nas várias áreas disciplinares do currículo da Educação Básica e um
55
curso voltado prioritariamente para os professores de escolas públicas do Rio de
Janeiro, principalmente os que recebem os alunos da Universidade para seus
estágios obrigatórios da universidade.
Os que se interessam pelo CESPEB inscrevem-se, e após essa etapa ocorre
uma seleção composta por uma entrevista, a escrita de um texto justificando o seu
interesse em fazer o curso, análise do currículo, e o fato de ser professor que está
ativo atuando em escola básica.
As aulas teórico-práticas acontecem nas salas de aula da Praia Vermelha
e/ou no CAp, nos horários noturnos, durante a semana, podendo até mesmo ocorrer
aos sábados de acordo com a demanda de cada curso específico, desde que não
haja prejuízo para as demais atividades relacionadas à graduação e a pósgraduação stricto sensu.
As bibliotecas do CFCH e do CAp, assim como as das unidades acadêmicas
envolvidas, no que diz respeito aos recursos didáticos, disponibilizam os recursos a
Faculdade de Educação e do Cap e das demais unidades envolvidas (ESS; ECO.
IP, IFCS, NEPP-DH). No que se refere às atividades complementares previstas na
grade curricular, são desenvolvidas na própria escola onde os professores/alunos
atuam.
Destaca-se ainda que o CESPEB compõe a ação – Diálogos entre diferentes
espaços de formação – que é a resposta do Centro Filosofia de Ciências Humanas à
chamada PRO-INFRA 01/2007, intitulado Novas tecnologias de formação em
Humanidades
De acordo com Regimento Interno do CESPEB, o curso tem como finalidade
qualificar os docentes da educação básica que atuam na rede de ensino do Rio de
Janeiro e estimular parcerias entre a UFRJ e as escolas públicas (federais,
estaduais e municipais), de forma a constituir um espaço de articulação entre a
formação inicial e a formação continuada através de estratégias políticas e
pedagógicas que envolvam as instituições e os sujeitos das práticas de estágio. Tem
como objetivos:
•
Promover reflexões sobre os aspectos políticos e éticos da atividade
profissional;
•
Contribuir para que o professor reflita sobre as suas possibilidades de ação
sobre a realidade, por meio do desenvolvimento de uma perspectiva crítica
dos processos sociais, de suas limitações e de seus condicionantes;
56
•
Contribuir para a reflexão sobre as questões de ordem político-artísticocientífico–tecnológicas do mundo contemporâneo;
•
Aprofundar os conhecimentos dos professores sobre as pesquisas atuais no
campo da Educação, abordando aspectos referentes ao currículo e à
constituição do conhecimento escolar, às teorias sobre os processos de
ensino-aprendizagem e à avaliação;
•
Contribuir para o aprimoramento na formação conceitual na disciplina
específica em que o professor atua e nos aspectos metodológicos e
pedagógicos correlatos;
•
Promover reflexões em torno do significado da interdisciplinaridade, vista aqui
como uma noção que supõe a existência de diálogos e interações entre os
professores das diversas áreas do conhecimento;
•
Fomentar a discussão sobre a importância do estágio na formação inicial dos
professores e do papel de protagonismoda escola e dos professores da rede
pública nesse processo.
O curso tem um total de 470horas, sendo 360 horas de encontros presenciais,
as outras 110 horas são distribuídas entre atividades nas escolas (20 horas) e 90
horas para elaboração do trabalho final de curso.
As
360
horas
de encontros presenciais
são distribuídas em seis
módulos,conforme quadro abaixo:
Quadro sintético da Estrutura Modular do CESPEB8
Módulos
I
II
8
Carga
horária
presencial
Carga
horária não
presencial
Área
disciplinar
específica
15 h
45 h
Perfil da
turma
5h
Diferentes
áreas
disciplinares
Número
de
encontros
/aulas
3
9
Centros,
unidades
envolvidas
CAP e
Faculdade
de
Educação
Diferentes
unidades do
CFCH
Quadro retirado do documento elaborado para implementação do curso. Foi conseguido através da
secretaria do CESPEB.
57
45h
III
IV e V
VI
Total
225 h
5h
10h
30h
90h
360
110
Diferentes
áreas
disciplinares
9
Área
disciplinar
específica
45
Área
disciplinar
específica
6
CAP e
Faculdade
de
Educação
Faculdade
de
Educação,
CAP e
Unidade/
Instituto
correspondentes
FE e
demais
unidades
envolvidas
72
Cada módulo é composto de uma ou mais disciplinas. Os módulos I, IV, V e
VI são disciplinares e constituem o eixo central do curso. Os módulos II e III são de
ordem interdisciplinar, sendo os momentos onde os professores dos diferentes
cursos de especialização se encontram no processo de formação. Cabe aos
coordenadores de cada curso específico e em função das discussões do módulo
Ielaborar a grade curricular dos módulos II e III de seus cursos a partir da oferta de
disciplinas que compõem esses dois módulos comuns a todas as áreas disciplinares
de forma a garantir as 45 horas previstas para cada um desses dois módulos.O
primeiro módulo discute questões de formação de professores, formação
continuada; o segundo discute questões contemporâneas da educação tais como
violência na escola,sexualidade, cinema e educação, etc. O terceiro abrange
discussões da pedagogia em geral - avaliação, currículo da escola, planejamento,
entre outros. Esses três módulos abrangem questões comuns às várias ênfases. Os
módulos quatro e cinco são mais específicos da área e o sexto destina-se ao
seminário de monografia que reúne todos por ênfase para discutir o foco da
pesquisa que cada um fará. Além dessa carga horária, há também um período de 30
58
horas de atividades na escola que vão gerar um portifólio com elaborações de
reflexões e comentários sobre materiais significativos na observação e participação.
Os encontros dos seis módulos estão organizados de forma que favoreça um
trabalho reflexivo entre as experiências vividas pelos docentes no seu cotidiano
profissional e as propostas teóricas presentes no curso que proporcionam algumas
pistas para essa reflexão, questões e desafios que surgem na/da prática docente. 9
O corpo docente é formado por professores da UFRJ e do CAp assim como
outros de instituições de Ensino Superior e Pesquisa que tenham título de Doutor,
Mestre ou Especialista, conforme a porcentagem exigida pela Resolução do CEPG
nº 01/07 de 9 de novembro de 2007. Além dos professores formadores haverá, para
cada aluno dos cursos específicos, um orientador. A ele compete definir, junto com o
orientando, o tema da monografia, orientar e acompanhar a elaboração da
monografia, encaminhar a monografia à Coordenação do Curso específico para
avaliação final.
A forma de avaliação fica a critério dos docentes de cada disciplina desde que
os mesmos observem o Regimento Interno da Faculdade de Educação do CEPG nº
01/07, de 09/11/07. Para a emissão do certificado de especialista é exigida a
elaboração de monografia para todos os alunos no final do curso, com conteúdo
significativo e coerente com sua área de atuação, sendo o grau obtido na
monografia considerado a nota final do curso. Todas as monografias de conclusão
deverão ser submetidas a uma Banca Examinadora composta por dois professores
do setor de especialidade mais o orientador.
A proposta do curso incorpora contribuições de estudo e pesquisa sobre a
docência que apontam:
9
•
O professor como sujeito que desenvolve e mobiliza saberes plurais
relacionados ao seu ofício - os saberes docentes em suas práticas cotidianas;
•
A importância da realização pelo professor de reflexão na e sobre a ação
docente, utilizando as contribuições teóricas das pesquisas educacionais e de
suas áreas disciplinares específicas;
•
Os professores como sujeitos socioculturais e políticos que interagem com as
questões e desafios da sociedade contemporânea;
•
A importância do reconhecimento da especificidade pedagógica das áreas
Anexo 1 - Dinâmica de funcionamento dos módulos.
59
disciplinares, o que exige tanto uma atualização dos conteúdos específicos,
como uma formação sobre os processos de produção dos saberes a serem
ensinados e aprendidos no âmbito de uma epistemologia escolar
•
A necessidade de se incorporar as contribuições oriundas das teorias críticas
e pós-críticas do campo do currículo para pensar a instituição escola e a
cultura escolar.
Entendendo que a construção de uma rede de formação docente que articule
a universidade, escola e comunidade, o tempo de formação e das vivências
pessoais e os sujeitos envolvidos, professores regentes, licenciandos, professores
formadores, alunos, funcionário, etc., como um caminho para a profissionalização
de docentes que expresse:
•
Sólida formação teórica nos conteúdos de sua área de atuação de forma a
garantir segurança em seu trabalho e viabilizar o estabelecimento de parcerias
com vistas ao desenvolvimento de ações e à produção interdisciplinar;
•
Sólida formação sobre educação e sobre os princípios políticos e éticos
pertinentes à profissão docente;
•
Compromisso ético e político com a promoção e fortalecimento da cidadania;
•
Formação que permita entender a gestão democrática como instrumento para
a mudança das relações de poder nas diversas instâncias do sistema
educacional;
•
Domínio das tecnologias de comunicação e de informação;
•
Frequente comunicação com pares e com instituições de ensino e de
pesquisa;
•
Capacidade de gerir suas demandas de formação de forma a manter-se
permanentemente atualizado tanto em questões educativas como de sua área
de conhecimento e da produção científica e cultural;
•
Reconhecimento do outro/aluno e do espaço cultural em que se encontram
alunos e escola;
•
Capacidade e segurança para migrar do papel de re-produtor de
conhecimento produzido por terceiros para o de produtor de
conhecimento,autor de seu projeto profissional e produtor de bens culturais
(incluindo propostas pedagógicas e materiais de apoio à educação).
O documento de elaboração do CESPEB traz como resultados esperados da
implementação do curso os seguintes itens:
1. Atender a demanda dos professores da rede pública de ensino por
60
cursos/oficinas/atividades nas quais se continue refletindo e discutindo
sobre a realidade cotidiana de sala de aula na educação básica, em
conjunto com a universidade;
2. Interferir na redefinição do perfil de professores da rede pública de ensino,
em função de sua procura, oferecendo meios possíveis de execução das
propostas pedagógicas emergentes;
3. Ampliar gradativamente o número de vagas oferecidas às redes municipais
de ensino do Estado do Rio de Janeiro, segundoPlano Trienal idealizado
pela UFRJ e firmado em convênio;
4. Melhoria da qualidade do estagio realizado nas escolas da rede pública em
função da criação de um espaço onde se articulam as formações inicial e
continuada dos docentes da educação básica.
5. Dinamizar a relação Universidade e Escola da educação básica com vistas
a melhorias da rede pública de ensino no Estado do Rio de Janeiro.
6. Ampliar a utilização dos espaços e recursos da Universidade Pública no fim
de semana para a formação continuada de professores.
A seguir, segue o detalhamento do Curso de Especialização em
Alfabetização, Leitura e Escrita, que é o objeto central dessa pesquisa.
3.2 O CESPEB de Alfabetização, Leitura e Escrita
O Curso de Especialização em Alfabetização, Leitura e Escrita tem como
coordenadoras as Professoras Dras. Ludmila Thomé de Andrade e Patrícia Corsino.
O público alvo do curso são professores graduados em Pedagogia que atuam
como alfabetizadores nas redes públicas (federal, estadual e municipal) e que, de
preferência, recebam alunos da UFRJ para estágio. Vale ressaltar que 10% das
vagas destinam-se a graduados em Pedagogia, não necessariamente formados na
UFRJ, que atuem como professores alfabetizadores em outros tipos de escolas.
Como já foi citado anteriormente, o curso se organiza em seis módulos, sendo
os módulos IV e V os específicos de cada ênfase. Segue abaixo a organização
curricular dos da ênfase em Alfabetização, Leitura e Escrita dos respectivos
módulos.
61
Quadros da Disciplinas dos Módulos IV e V do
Curso de Especialização em Alfabetização, Leitura e Escrita
Disciplina
Concepções de Linguagem
Carga Horária 30 horas
Concepções de linguagem. A linguagem como constitutiva do
sujeito: Mikhail Bakhtin e Lev Vigotski.Linguagem, história e
Ementa
experiência: Walter Benjamin. Articulações de diferentes
concepções de linguagem e o ensino de língua materna.
BAKHTIN, Mikhail (Volochinov).Marxismo e Filosofia da
Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo:
Livraria Martins Fontes Editora, 1992a.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética.
São Paulo: UNESP,1998.
BENJAMIN, W. Obras escolhidas, volume 1. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1993.
Bibliografia BENJAMIN, W. Obras escolhidas, volume 2. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1993.
VIGOTSKI, L. A construção do pensamento e da
linguagem. São Paulo: Martins Fontes,
VIGOTSKI, L. Pensamento e Linguagem São Paulo, Martins
Fontes,
KRAMER, Sonia. Por entre as pedras, arma e sonho na
escola. Ática.
FREITAS, Maria Teresa. Bakhtin no Brasil. Papirus.
Disciplina
Oralidade e Cultura Escrita
Carga Horária 45 horas
Letramentos e Gêneros discursivos. Gêneros da oralidade e
da escrita. Variedade dialetal e interações orais.
Ementa
Interferências de práticas da modalidade oral da linguagem
na aquisição da escrita e conseqüências no processo de
produção escrita do aprendiz escrevente.
BAGNO, Língua e preconceito linguístico. São Paulo:
Parábola, 2006
BORTONI-Ricardo, S. M. Nós cheguemu na escola, e
agora? Sociolingüística e educação São Paulo: parábola
editorial, 2005.
GARCIA, Pedro Benjamim. Oralidade, memória e formação.
In: Boletim Salto para o futuro. Rio de Janeiro: TVE- Brasil,
Bibliografia
2006 (Publicação eletrônica)
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e
funcionalidade. In: DIONÍSIO, A.P.; et allii (orgs.) Gêneros
textuais e ensino. Rio de Janeiro: Ed. Lucerna, 2002.
ONG, W. Oralidade e cultura escrita São Paulo: Papirus,
1999
SIGNORINI, I. (org.). Investigando a relação oral/escrito.
62
Campinas: Mercado de Letras, 2001
Disciplina
História e Políticas de Alfabetização no Brasil
Carga Horária 30 horas
Concepções de alfabetização ao longo da história educação
brasileira. Campanhas e Programas de alfabetização popular:
Paulo Freire e os movimentos de alfabetização, Mobral,
Alfabetização Solidária e Brasil Alfabetizado. O ensino
Ementa
fundamental de 9 anos. A alfabetização e as avaliações dos
sistemas educacionais. Antigas e novas questões sobre
métodos de alfabetização, o construtivismo ferrereano e o
letramento.
Bibliografia
BRASIL/ MEC. O ensino Fundamental de 9 anos.
CARDOSO, C. J. e AMÂNCIO, L. N. de B. (orgs.) Memória da
alfabetização mato-grossense: o caminho das cartilhas
Rondonópolis, MT: EDUFMT, 2006
CARVALHO, M. Alfabetizar e Letrar - Um Diálogo Entre a
Teoria e a Prática. Petrópolis, Vozes
FRADE, I. C. e MACIEL, F. (orgs.) história da alfabetização:
produção, difusão e circulação de livros (MG/RS/MT séc XIX
e XX) Belo Horizonte: UFMG?FAE, 2006.
GOULART, C. M. A. et al.(orgs.) O ensino inicial da leitura e
Bibliografia da escrita na rede escolar de Niterói/Rio de Janeiro (19592000) Niterói: PROALE/UFF, Faperj, 2007
MONTENEGR.; RIBEIRO, V. M.; NUNES, C. M. Indicador
Nacional de alfabetismo funcional – Inaf: um diagnóstico para
a inclusão social pela educação. São Paulo: Instituto
Montenegro, Ação Educativa, Ibope Opinião, 2001.
MORTATTI, M.R.L. Os sentidos da alfabetização São Paulo
1876/1994 São Paulo: Editora UNESP 2000.
RIBEIRO, Vera Masagão (Org.). Letramento no Brasil. São
Paulo: Global, 2003
SOARES, M. Alfabetização e letramento: um tema em 3
gêneros.
Disciplina
Práticas Pedagógicas de Leitura e de Escrita na Escola
Carga Horária 45 horas
A leitura e a escrita na Educação infantil e no ensino
fundamental. Práticas, estratégias e procedimentos de leitura
e de escrita na escola: crítica e propostas inovadoras.
Ementa
Propostas curriculares para ensino de leitura e escrita de
textos. Livros didáticos de alfabetização e de português:
análise e escolha. Jogos de linguagem. Diagnóstico,
planejamento e avaliação da leitura e da escrita.
BATISTA, Antônio Augusto Gomes e VAL, Maria da Graça
Bibliografia
Ferreira da Costa (Orgs.) Livros de alfabetização e de
63
português: os professores e suas escolha Belo Horizonte:
Autêntica, 2004
GERALDI, J. W. Portos de Passagem São Paulo: Martins
Fontes, 1992
MARINHO, M e SILVA, C. (org) Leitura do Professor. São
Paulo: Mercado das Letras,1998.
MORTATTI, M. R. L. Cartilha de alfabetização e cultura
escolar: Um pacto. secular. Caderno CEDES v.20 n.52
Campinas, nov.2000.
PEREZ, F. C. Ensinar ou Aprender a Ler e a Escrever. Porto
Alegre: ArtMed.
SOLÉ, Izabel. Estratégias de leitura. Porto Alegre: ArtMed.
TERZI, S. B. A oralidade e a construção da leitura por
crianças de meios iletrados in KLEIMAN, A. (org.) Os
significados do letramento: uma nova perspectiva sobre
a prática social da escrita. Campinas, S.P.: Mercado de
letras, 1995.
VAL, M. da G. C. Reflexões sobre prática escolares de
produção de texto – o sujeito autor.Belo Horizonte,
Autêntica, 2003
ZACCUR, Edwiges. A magia da linguagem Rio de Janeiro,
DP& A,
Disciplina
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA
ESCOLA
Carga Horária 45 horas
O processo de desenvolvimento da lecto-escrita. A
alfabetização e o ensino da língua portuguesa. A aquisição do
sistema alfabético: fonemas e sílabas. Padrões silábicos da
Ementa
língua portuguesa. O tratamento pedagógico da ortografia.
Segmentação da escrita de palavras e grupos tonais. Ensino
da morfologia. Escolhas lexicais.
ABAURRE, B. ET al. (Orgs.) Cenas de aquisição da escrita
Campinas, S.P. Mercado de letras, 1999.
CHARTIER, A. M. Alfabetização e formação dos
professores da escola primária. Revista Brasileira de
Educação, Rio de Janeiro, n. 8, p.4-12, maio/ago.,1998.
LEAL, T.F.; ALBUQUERQUE, E.B e MORAIS, A.G.
Alfabetização: apropriação do sistema alfabético de escrita.
BH: Autêntica.
Bibliografia
MORAIS, A.G. Ortografia: ensinar e aprender. São Paulo:
Ática, 2005.
MORTATTI, M. R. L. Cartilha de alfabetização e cultura
escolar: Um pacto. secular. Caderno CEDES v.20 n.52. Sâo
Paulo: Campinas, nov.2000.
SILVA, A. da A escrita espontânea São Paulo: Contexto,
2000
TEBEROSKY, A; Gallart, M.S e colaboradores. Contextos de
64
alfabetização inicial, Porto Alegre: ArtMed.
ZACCUR, Edwiges. A magia da linguagem Rio de Janeiro,
DP& A,
Disciplina
Literatura Infantil
Carga Horária 30 horas
Letramento literário. História da literatura para a infância no
Ocidente e no Brasil. Literatura infantil: da produção à
Ementa
recepção do leitor. A qualidade do livro de literatura infantil. A
escolarização da literatura. Espaços e práticas de leitura
literária na escola.
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e
representações. Memória e Sociedade. Lisboa: Difel, 1990.
CHARTIER, Roger(org). Práticas da leitura. São Paulo:
Estação Liberdade, 1996.
CORSINO, P. e ANDRADE, L. Critérios para a constituição
de um acervo literário para as séries iniciais do ensino
fundamental de avaliação do PNBE-2005. In: PAIVA, A. e
MARTINS, A. (org.). Literatura: saberes em movimento.
Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2007.
FRAISSE, Emmanuel e outros. Representações e imagens
da leitura. São Paulo: Ática, 1997.
GOULART, Cecília. Processos de letramento na infância:
modos de letrar e ser letrado na família e no espaço
educativo formal. In: RELATÓRIO FINAL DA PESQUISA.
Niterói: PPGE- FE. UFF. Dez, 2005.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura à leitura do mundo.
São Paulo: Ática, 1993.
LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN. A formação da leitura no
Bibliografia Brasil. São Paulo: Ática, 1999.
LARROSA, Jorge. La experiência de lalectura. Barcelona:
Laertes S A de Ediciones, 1996.
OLIVEIRA, Ieda (org.) O que é qualidade em literatura
infantil e juvenil. São Paulo: DCL, 2005
PAULINO, Graça. Letramento literário: cânones estéticos
e cânones escolares. 22a Reunião ANPEd: Caxambu,
setembro de 1999. In: CD-Rom.
PAULINO, Graça. Diversidade de narrativas. In: No fim do
século: a diversidade o jogo do livro infantil e juvenil.
Autêntica, 2000, p.39-48.
PERROTTI, Edmir (org). Espaços de Leitura. In: Boletim
Salto para o futuro. Rio de Janeiro: TVE- Brasil, 2004
SOARES, M. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In:
EVANGELISTA, BRANDÃO e MACHADO (orgs.). A
Escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e
juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
ZILBERMAN, Regina. Leitura literária e outras leitura. In:
BATISTA, Antônio Augusto e GALVÃO, Ana. Leitura:
65
práticas, impressos e letramentos. Belo Horizonte:
Autêntica, 1999, p.71-88.ZILBERMAN, R. Literatura e
escola. São Paulo: Global, 2003.
Na ocasião da implementação do CESPEB, que tinha como coordenadoras
as professoras Carmen Teresa Gabriel (CFCH), Ana Maria Monteiro (FE) e Maria
Luiza M. da Rocha (CAp UFRJ), as professoras Ludmila Thomé de Andrade
e
Patrícia Corsino foram convidadas para coordenar o CESPEB Alfabetização, Leitura
e Escrita devido à experiência na coordenação do curso de Extensão,também
denominado Alfabetização, Leitura e Escrita, que foi oferecido pela UFRJ de 2005 a
2007. Assim como o curso de especialização, ele era também oferecido aos
professores dasredes públicas (federal, estadual e municipal) e tinha muita procura
por parte dos professores da rede por conta da relevância de suas discussões.
Em entrevista, a professora Ludmila Thomé de Andrade relata que o curso de
extensão se constituía de 15 encontros com 3 horas de duração para cada, nos
quais seincluíam discussões de literatura infantil, leitura e escrita, gênero,
planejamento, avaliação. Sentiam a necessidade que essa proposta se expandisse,
pois consideravam ser pouco tempo para abordagens tão significativas.
Diante da possibilidade de ampliação da discussão que já vinham
desenvolvendo, abraçaram o CESPEB Alfa como uma ação geradora de um espaço
de reflexão sobre a prática docente. Segundo ela, elaborar o curso de Alfabetização,
Leitura, Escrita do CESPEB foi um trabalho de ampliação do que já se vinha
fazendo, agregando um maior aprofundamento nos temas. Na sua visão, no que diz
respeito a à concepção de linguagem, à estrutura, às especificidades da
alfabetização, o curso está bem estruturado, embora, no entanto,ela tenha algumas
ressalvas em relação àestrutura comum, hoje, depois da terceira edição de CESPEB
Alfa. Em sua concepção, esse atravessamento na estrutura curricular, que reúne as
ênfases de Educação Física, Língua Portuguesa, EJA, entre outras, acaba por
prejudicar alguns aprofundamentos temáticos mais disciplinares, de caráter central
deste curso de especialização. A ideia de se inserir a integração entre públicos
docentes (na posição de discentes), em princípio, segundo ela, tem um efeito
benéfico, mas o que se viu acontecer, em algumas edições destas integrações, foi
uma estruturação curricular onde se tem disciplinas muito gerais, que foram se
tornando tão menores, a ponto de se ter uma disciplina com somente com três
66
aulas, nas quais muitas vezes os professores, embora compromissados e capazes,
não chegam evidentemente a criar vínculos com a turma, por conta da duração da
disciplina. Esse elemento pontualmente interfere e dá um caráter de pós-graduação
mais ligeira, em que os aprofundamentos se pulverizam demais e não deixam ao
professor discente a oportunidade de se deterem em temas fundamentais,
selecionados pela equipe coordenadora responsável pelo currículo. Do ponto de
vista da avaliação da linguagem, ela acredita que valha a pena haver um
aprofundamento ainda maior, embora ache que os módulos de linguagem sejam
muitos bons.
O Primeiro módulo - Concepções de Linguagem - introduz Vygotsky,
Benjamin e Bakhtin como base para das discussões. O segundo módulo – História
e Política da Alfabetização no Brasil – trata das questões políticas que envolvem a
alfabetização tais como o sistema de avaliação, os índices educacionais. O terceiro
módulo - Oralidade e Cultura Escrita - é um ponto de partida para pensar a
linguagem
na
concepção
apresentada,
no
sentido
de
se
propiciar
em
desembaraçamento de concepções arraigadas; o de Literatura Infantil tem como
princípio discutir o que se tem lido como literatura na escola, os acervos da escola, o
que é literatura e a formação do sujeito leitor. Posterior a esse módulo, seguem os
módulos chamados de Práticas (Práticas Pedagógicas de Alfabetização e Práticas
Pedagógicas de Leitura, Escrita). Para a professora Ludmila, esses dois últimos são
o coração do curso. Ele se desdobram em 9 aulas respectivamente, um número
maior que os demais módulos.
O módulo que aborda as Práticas Pedagógicas de Alfabetização revisita os
métodos, faz uma primeira aula sobre memória levantando como elas (professoras
alfabetizadoras)foram
alfabetizadas,
retoma
os
métodos
tradicionais
e
as
concepções que embasam os mesmos, passa pelo construtivismo, letramento,
gêneros discursivos, trabalha com análise de escritas de crianças e apresentação da
própria prática das professoras alfabetizadoras, relacionada a algum tema abordado
nas disciplinas específicas do curso.
O módulo Práticas Pedagógicas de Leitura e Escritaagrega ao referencial
teórico do módulo de Práticas Pedagógicas de Alfabetização, discussões de uma
concepção cognitivista de leitura, coesão e coerência, estratégias de leitura, no
intuito de pensar junto o que vem a ser leitura. Em alguns momentos, trabalhou-se
67
com as avaliações nacionais a partir de provas anteriormente aplicadas e os
descritores das avaliações. Em relação à escrita, muitas vezes o fio condutor teórico
das discussões, teve como referência o livro “Reflexões sobre Práticas escolares de
Produção de texto – O sujeito-autor”10 que traz muitas análises de escritas infantis.
Ainda em relação aos módulos de CESPEB Alfa, a professora esclarece que
existe um que “costura” todos. Tem como ênfase a construção do memorial de
formação que antecede a escrita da monografia. No CESPEB Alfa o memorial é
escrito no início do curso e quando elas terminam o CESPEB, escrevem a última
parte do memorial, tendo passado pela experiência de formação. Ela aponta que em
muitas monografias o memorial constituiu a primeira parte do trabalho.
Em relação às orientações para a escrita do trabalho final do curso, a
monografia, é importante ressaltar que não havia um formato estabelecido que
impusesse conteúdo ou tom memorialístico. Ela esclarece que a proposta era que
cada professor orientador acompanhasse sua orientanda dentro do tema escolhido
pela mesma, mas que tivesse decorrido das discussões do curso. A proposta previa
que as professoras alfabetizadoras pudessem escolher, construir o tema da sua
pesquisa, por ter ocasião de falar de alguma coisa que lhe tivesse chamado atenção
para um aprofundamento na monografia. Esse aspecto ressalta o sentido do curso
em propor que elas abram o olhar para uma perspectiva mais crítica, no sentido de
também perceberem o que elas já fazem e o que pode aprimorar nesse fazer a partir
de um refinamento teórico.
A seguir, trago a metodologia que me conduziu no percurso de olhar para a
escrita das professoras alfabetizadoras, tendo as monografias do CESPEB
Alfabetização, Leitura e Escrita meu corpus de pesquisa.
10
VAL, Maria da Graça Costa. ROCHA, Gladys. Autêntica/CEALE/FaE/UFMG, 2008.
68
4. A ESCOLHA DO CAMINHO METODOLÓGICO
De forma geral, essa pesquisa adota como metodologias integradamente a
“Análise Documental” e a “Análise do Discurso” - especificadas anteriormente no
capítulo sobre o referencial teórico na página p.22 - como seus eixos norteadores.
Neste capítulo descreverei a metodologia utilizada para o desenvolvimento dessa
pesquisa com as alunas-professoras do CESPEB alfabetização, leitura e escrita.
Para atingir os objetivos pretendidos em minha pesquisa de mestrado,
acessei, na secretaria do curso, as monografias produzidas pelas duas turmas do
CESPEB – Curso de Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica da
UFRJ. A primeira turma teve início em 2008 e a segunda em 2010. Ao todo,
reunindo os trabalhos elaborados pelas duas turmas, encontrei um total de 39
monografias. Inicialmente, foram lidos os 39 resumos, das duas turmas,como
contato inicial exploratório, para me situar em relação aos temas abordados e
delinear a metodologia de trabalho.
A primeira turma, que nomeei de Turma A, apresentou 20 monografias no
total, porém dessas 20, duas não possuíam resumo. A segunda turma, que nomeei
de Turma B, apresentou 19 monografias, todas com resumo. A partir da leitura dos
resumos, pude identificar nas 39 monografias os temas abordados e suas
respectivas quantidades. As duas monografias que não apresentaram resumo foram
lidas transversalmente, a fim de buscar os objetivos, as questões e o foco da
discussão, para fazer a identificação dos temas abordados. Vale ressaltar que houve
monografias que abordaram mais de um tema, conforme é possível verificar no
quadro abaixo:
Quadro Demonstrativo dos Temas Abordados nas
Monografias do CESPEB Alfabetização, Leitura e Escrita
TEMAS ABORDADOS NAS MONOGRAFIAS
Literatura Infantil
Formação de Professores
Leitura e Escrita
Quantidade por Turma
A (2008)
4
6
-
B (2010)
3
2
5
69
Leitura e Escrita Docente
Leitura e Escrita Discente
Prática Docente
Avaliação
Infância
Educação Infantil
2
3
8
1
1
1
4
5
2
-
Posterior ao processo de leitura dos resumos e levantamento dos temas
abordados em todas, fiz uma seleção das monografias a serem lidas na íntegra,
visto a grande quantidade trabalhos. Decidi então selecionar cinco monografias de
cada turma para leitura, levando em consideração os objetivos expostos nos
resumos. Abaixo segue um quadro com os nomes fictícios das alunas professoras e
os objetivos expostos nos resumos das monografias escolhidas para análise.
Procurei eleger as monografias que tivessem relação com a trajetória
profissional de cada aluna professora, que tratassem de alfabetização e as que, de
certa forma, falassem sobre a criança.
Quadro demonstrativo dos objetivos das monografias
Turma A
Autor
01
02
03
Do que tratam
Sofia
“O trabalho traça a memória e história da
minha trajetória de formação a partir do recorte
do projeto que teve como viés a Literatura
infantil com as diferentes versões e releitura
para o conto tradicional “Chapeuzinho
Vermelho”.
Ana Paula
A pesquisa traz um panorama da história das
infâncias das pesquisas com crianças e dos
grupamentos e reagrupamentos originados
dos Ciclos de Formação.
Amanda
“A pesquisa busca discutir de que maneira os
professores contribuem para a formação de
um individuo critico e ativo. O objetivo consiste
na seguinte interrogativa: Por diferentes
caminhos
teórico-metodológicos
os
professores alfabetizadores possibilitam o
percurso da alfabetização e letramento dos
alunos de classes populares?”
70
04
05
Claudia
Objetivo: O desenvolvimento e a produção da
linguagem numa escola de educação infantil
do município do Rio de janeiro. A questão
primordial deste trabalho é fazer uma reflexão
sobre o desenvolvimento da linguagem das
crianças, na escola de educação infantil da
qual faço parte.
Sonia
“A presente pesquisa constituiu-se na análise
de uma situação real, em que a parceria entre
duas professoras diante de um fator alarmante
em muitas escolas brasileiras, a alfabetização
dos alunos das classes populares, resultou
numa experiência bem sucedida com alunos
em distorção idade série. Estas crianças foram
alfabetizadas através de uma proposta focada
no uso social da língua, num trabalho contínuo
de significação da escrita.”
Quadro demonstrativo dos objetivos das monografias
Turma B
Autor
01
02
Do que tratam
Suzana
Esta pesquisa tratará da aquisição da leitura e
da escrita dos alunos dos 1º e 2º anos do
ensino fundamental da E.M. X, situada no
bairro de Y (RJ) buscando investigar a
influência da oralidade nas construções dos
textos infantis e como o professor pode auxiliar
na construção da escrita para que o educando
supere as primeiras hipóteses que são
calcadas na linguagem oral.
Lilian
Este trabalho relata uma experiência em uma
escola pública federal do Rio de Janeiro, com
turmas do 4º ano do Ensino Fundamental,
sobre práticas de narrativas através do relato
de acontecimentos do cotidiano, notícias de
jornais, televisão e internet, dramatizados em
formato de telejornal semanal denominado de
TV Criativa. O objetivo foi criar um ambiente
lúdico, que oportunizasse a discussão de
assuntos da escola e da atualidade,
favorecendo a escuta e o debate de diferentes
71
pontos de vista, além do acesso a diferentes
gêneros textuais e conquista da autoria através
da construção de textos individuais e coletivos.
03
04
05
Júlia
O objetivo do trabalho é acompanhar a
evolução da escrita e analisar as atividades
sobre a linguagem escrita de três alunos que
frequentaram esta turma numa escola no
terceiro distrito do Município de Duque de
Caxias no ano de 2010, então cursando o
segundo ano de escolaridade.
Karina
O objetivo deste trabalho é analisar as
trajetórias de três alunos de uma turma de
alfabetização ao longo do ano letivo de 2010, a
partir de uma perspectiva construtivista. Tratase de um estudo qualitativo, em que são
descritas algumas intervenções didáticas da
alfabetizadora,
analisados
os
trabalhos
escolares dos sujeitos da pesquisa e
destacados os progressos e/ou dificuldades de
cada um, em diferentes momentos do ano
letivo.
Célia
Tem como objetivo refletir sobre a leitura e a
contribuição da literatura infantil no processo
de alfabetização e letramento da criança nos
seus anos iniciais de escolarização.
Abaixo segue um quadrocom o quantitativo dos temas abordados nas
monografias escolhidas para análise.
Quadro dos Temas abordados nas Monografias Escolhidas
TEMAS ABORDADOS NAS MONOGRAFIAS
Literatura Infantil
Formação de Professores
Leitura e Escrita
Leitura e Escrita Docente
Leitura e Escrita Discente
Prática Docente
Quantidade por Turma
A
1
1
2
B
1
3
1
-
72
Avaliação
Infância
Educação Infantil
1
1
-
A partir dessa primeira parte de estudos, pude eleger os procedimentos para
a pesquisa. Apoiada na afirmação de Minayo de que a
Entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou entre vários
interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador, destinada a
construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e
abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes
tendo em vista este objetivo.” (1992, p. 261)
Tomei-a como um procedimento de minha pesquisa, optando pela entrevista
“aberta ou em profundidade” (Minayo 1992, p. 262) que tem como característica o
fato de que o entrevistado é convidado a falar de forma livre sobre um determinado
assunto e as perguntas do entrevistador, quando são feitas, buscam dar uma maior
profundidade nas reflexões estabelecidas. Seguindo essa perspectiva, realizei duas
entrevistas a fim de levantar dados que orientassem minha caminhada em direção
ao meu objeto de pesquisa.
A primeira entrevista realizada foi com a Professora Ana Maria Monteiro,
diretora da Faculdade de Educação, que participou de todo o processo de
implementação do CESPEB. Teve como pontos norteadores: i) a demanda que
impulsionou a criação do Curso de Especialização Saberes e Práticas da educação
Básica e ii) a(s) concepção(ões) que nortearam a organização curricular do curso. A
partir desses pontos,estabelecemos uma conversa muito produtiva da qual, pude
levantar as informações sobre o CESPEB que constam nesse trabalho.
Também foi realizada uma entrevista com a Professora Ludmila Thomé de
Andrade, que coordena do CESPEB Alfabetização, Leitura e Escrita. O objetivo
dessa conversa foi levantar as especificidades do CESPEB Alfa, para tanto tivemos
como roteiro os seguintes pontos: i) de que princípios partiram para a concepção do
CESPEB Alfa, ii) como foram organizadas as disciplinas que compunham os
módulos curso e iii) quais as especificidades dessas disciplinas. Ainda relacionado
ao levantamento de informações sobre o CESPEB, pude junto à Secretaria do curso
ter acesso ao Projeto Geral do CESPEB, do qual também pude obter informações
relacionadas
à estrutura
e
características,
justificativa,
gestão
acadêmico-
73
pedagógica, corpo docente, infra-estrutura, acompanhamento, monitoramento e
avaliação, resultados esperados e custos.
A partir dessa trajetória, pude trazer como categorias de análise, para
compreender como o processo de escrita pode ser revelador de um percurso
significativo, os seguintes pontos:
1. As marcas do acadêmico na escrita das alunas professoras;
2. A reverberação apontando as interações entre as professoras formadoras e as
alunas professoras;
3. A voz do aluno no percurso profissional como apoio para as práticas
pedagógicas.
74
5. ANÁLISE DOS DADOS – O ENCONTRO COM O TEXTO DAS PROFESSORAS
De forma geral, todos os trabalhos lidos apresentaram traços dos módulos
abordados no curso:
1. Concepções de linguagem;
2. História e Política da Alfabetização no Brasil;
3. Oralidade e Cultura escrita;
4. Literatura Infantil;
5. Práticas (Práticas Pedagógicas de Alfabetização e Práticas de Leitura e
Escrita).
Em cada um dos trabalhos lidos, foi possível identificar marcas de suas
autoras, mesmo com a utilização dos padrões da escrita universitáriacom citações,
referenciais teóricos, análise de dados, talvez por uma tradição histórica em relação
à forma como os trabalhos acadêmicos devam ser feitos. Nesse sentido, há o dizer
sobre um determinado conhecimento, ancorado em uma forma pré-determinada de
se dizer.
Elas puderam chegar às suas próprias conclusões em relação às práticas, ao
que o curso trouxe de novo e em relação ao resgate de suas formações
acadêmicas. Cada escolha do que quiseram dizer foi também a escolha do que não
dizer, escolha do que colocar, passou por reflexões e processos de tomadas de
consciência que as levaram a escolher aquelas formas, suasopções de escrita.
Comparando a escrita das alunas professoras com o processo de criação
artística, posso dizer que cada escrita traz em si, como processo de autoconsciência, uma nova posição de autor em relação ao indivíduo representado.
Escrever sobre a prática não está posto em nenhum lugar. O que é para ser dito só
pode ser dito por quem está na prática, nesse caso, as alunas professoras. Elas
falam de si, na prática, e da prática, em si. Descrevem suas atividades, como relatos
de práticas, mas estão evidentemente retratando-se, ao falar destas ações docentes
escolares. Dizem como se percebem enquanto professoras,no movimento do
cotidiano escolar e ao mesmo tempo como esse cotidiano as está alterando.
75
A seguir, abordo cada uma das categorias evidenciando, através de
fragmentos das monografias, as experiências das alunas professoras por via da
escrita.
5.1 As marcas do acadêmico na escrita das alunas professoras
A escrita acadêmica, especificamente usada no âmbito da universidade, tem
como características certos padrões de organização, focada sempre no tema do
conhecimento. Minayo (2007) aponta que o trabalho científico caminha em duas
direções, uma que elabora as teorias, os métodos, seus princípios e estabelece
resultados, e uma outra, que inventa, ratifica seu caminho, abandonando certas vias,
caminhando em outras direções.
Essa primeira categoria de análise teve como propósito ajudar a identificar
nas monografias apresentadas pelas alunas professoras as marcas do gênero
acadêmico. Trato como gênero acadêmico o tipo de escrita obrigatória, como
conclusão dos cursos universitários em seus vários segmentos (graduação, pósgraduação), que tem como estrutura básica: introdução, um capítulo de referencial
teórico, um de metodologia e um de análise dos dados, conclusão ou considerações
finais, referências bibliográficas e anexos, se houver.
Baseada nesse entendimento, pude perceber que nas monografias escritas
no CESPEB Alfa, apresentaram essas estrutura composicional, com pouquíssimas
ressalvas como mostra o quadro abaixo.
Quadro demonstrativo das marcas acadêmicas
Turma A
Especificações
Sofia
Capa
X
Folha de Rosto
Ficha
Catalográfica
X
Ana Paula
Amanda
Claudia
Sonia
X
X
X
X
X
X
X
76
Agradecimentos
X
X
X
Dedicatória
X
X
X
Epígrafe
X
X
X
Resumo
X
X
X
Palavras-chave
X
X
X
Abstract
Sumário
Citações diretas
e indiretas
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Introdução
X
X
X
X
Capítulos
Referencial
Teórico
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Metodologia
X
X
X
Análise de
dados
X
X
Considerações
Finais/
Conclusão
X
X
Anexos
X
X
Referências
Bibliográficas
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Quadro demonstrativo das marcas acadêmicas
Turma B
Especificações
Suzana
Capa
X
Lilian
Júlia
X
Karina
Célia
X
77
Folha de Rosto
X
X
Ficha
Catalográfica
X
Agradecimentos
X
Dedicatória
X
Epígrafe
X
X
Resumo
X
X
X
Palavras-chave
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Lista de
Imagens
X
X
Abstract
Sumário
Citações diretas
e indiretas
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Introdução
X
X
X
X
Capítulos
Referencial
Teórico
Metodologia
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Análise de
dados
X
X
X
X
Considerações
Finais
/Conclusão
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Anexos
Referências
Bibliográficas
X
Olhar para esses dados evidencia o exercício e investimento dessas
professoras em se aproximar da realidade vivenciada na universidade, visto que
uma monografia só é escrita quando solicitada com algum fim, que normalmente tem
como princípio um momento de avaliação de fim de curso; ninguém opta por
escrever uma monografia por ser o melhor gênero para se falar sobre um
78
determinado tema, como por exemplo, a prática docente. Ela é exclusivamente um
gênero que explicita, ou tenta explicitar, a cientificidade de uma forma de enxergar a
realidade. E essa cientificidade guarda em si um grande embate entre as ciências
sociais em comparação com as ciências da natureza. Existem aqueles que tentam
uniformizar os procedimentos para compreender o social e o natural e os que
desejam uma completa diferença do campo humano.
Independentemente da vertente adotada como perspectiva de pesquisa que
atribua o estatuto de ciência a uma produção, a universidade é o espaço de
circulação e reconhecimento desse gênero. Ela, ao longo da história, é detentora da
formação dos acadêmicos e pela propagação do conhecimento científico,
comprometendo-se com a pesquisa, além do ensino e a extensão. Estar na
universidade implica assumir o compromisso com uma escrita que cumpra com as
exigências desse campo, o que torna o sujeito desse contexto um pesquisador, seja
os alunos da graduação com suas produções voltadas para a Iniciação Científica, as
pesquisas para os Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC),os trabalhos nos níveis
mais avançados como as monografias dos cursos de Pós-Graduação lato sensu, as
dissertações e teses da pós-graduação stricto sensu.
Nessa perspectiva, é possível afirmar que a escrita monográfica propõe situar
seu autor no campo científico. Em relação às alunas professoras, isso não é
diferente, pois elas fazem parte desse contexto no qual a todo o momento estão
sendo estimuladas a pesquisar, sobre temas que apóiam suas práticas. Minayo
aponta que “A cientificidade, portanto, tem que ser pensada como uma ideia
reguladora de alta abstração e não como sinônimo de modelos e normas a serem
seguidos. A história da ciência revela não um “a priori”, mas o que foi produzido em
determinado momento histórico com toda a relatividade do processo de
conhecimento.” (2007p. 11). Isso não quer dizer que o professor da educação
básica, que está distante da universidade em seu dia a dia, quando cursa uma
especialização
proposta
por
uma
universidade
e
faz
parte
desse
contexto,incorporará isso como parte de sua vida profissional. Cabe a cada um
posicionar-se como um professor pesquisador ao longo da docência.
Ao analisar as monografias, percebo como as alunas professoras puderam
falar de suas práticas, mesmo tendo como suporte para suas escritas o gênero
monografia, foi possível verificar como elas conseguiram imprimir suas marcas.
79
Oespaço destinadoà metodologia foi a parte mais utilizada para falar do trabalho
realizado em sala de aula, a forma como elaboravam esse trabalho e como o
colocaram em prática. Assim, mostra a criatividade das mesmas, visto que a
metodologia é a parte de um trabalho científico no qual “inclui simultaneamente a
teoria da abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do
conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisar (sua experiência, sua
capacidade pessoal e sua sensibilidade). (Minayo 2007, p14). Diante disso,posso
concluir que a escrita monográfica coloca o professor em um lugar de pesquisador.
Não coincidente com o pesquisador da universidade, que está produzindo
pesquisas, políticas públicas, programas, materiais, etc., mas sim com o pesquisador
que reflete sobre sua prática cotidiana, que busca conhecimentos que fundamentem
sua prática.
Destaquei de algumas monografias analisadastraços do comprometimento
que essas professoras têm com a sua pesquisa. A maioria delas, três de cada
turma, ao escrever a monografia, incluiu o memorial de formação em seu trabalho, e
nele, foi possível achar referências em relação à preocupação de investir no
aprimoramento, de conhecer mais, para que pudessem articular melhor seu trabalho
junto a seus alunos. Abaixo, seguem fragmentos das monografias em que as alunas
professoras
fazem
referências
sobre
a
necessidade
de
busca
por
um
aprofundamento dos conhecimentos docentes.
Percebi a necessidade que tinha de continuar minha formação,
retomar meus estudos sistemáticos, vivenciar momentos de troca, e
comecei a buscar por um curso que desse conta desses anseios.Foi
quando me deparei, na página eletrônica da Faculdade de Educação
da UFRJ, com o Curso de Especialização do CESPEB –
Alfabetização, Leitura e Escrita, que vinha ao encontro do que eu
procurava.(Sofia - Turma A)
Acredito no que faço e por isso continuo fazendo e estudando. (...)E
é acreditando nessa continuidade de aprendizagem que, após alguns
cursos de pós-graduação, aqui estou eu, por influencia da X, que
também está fazendo este mesmo curso comigo, e de algumas
amigas, que infelizmente não conseguiram estar aqui presentes, mas
também dividem e trocam experiências comigo, sempre me
incentivando a desempenhar esta tarefa tão difícil que é
alfabetizar.(Amanda – Turma A)
80
Venho trabalhando como professora regente da Rede do Rio de
Janeiro desde o ano de 2002. Neste período pude presenciar muitas
mudanças nas práticas de trabalho adotadas em sala de aula, assim
como as correntes teóricas que embasam estas práticas. Sendo
assim, procurei adotar uma postura receptiva a estas mudanças,
mantendo-me disposta a aprender, sempre. Daí a necessidade de
buscar estudos mais aprofundados, seja em curso de atualização e
capacitação oferecidas pela Secretaria Municipal de Educação do
Rio de Janeiro e finalmente este curso de Pós-Graduação que vem
me permitindo (re)pensar a minha atuação profissional e a minha
prática docente.(Claudia – Turma A)
A intenção de me inscrever para o Curso Saberes e Práticas na
Educação Básica com enfoque em alfabetização, leitura e escrita,
advém, em primeiro lugar, da constante necessidade de atualização,
e também da eterna busca de formas de ajudar os alunos no
processo de ensino-aprendizagem. Acredito assim, trocar
experiências com meus colegas de turma, enriquecer minha prática e
aplicar o que aprendi na teoria em minhas aulas. (...) Todo o
conhecimento adquirido ao longo do curso será aproveitado de
alguma forma e terá seu calor na minha vida acadêmica, pois não
pretendo parar por aqui. Sempre almejei o mestrado e com certeza
os ensinamentos do CESPEB serão de grande aproveitamento para
alcançar este objetivo. Termino o curso com a sensação de dever
cumprido, pois doei-me de corpo e alma para aulas, os trabalhos, os
debates. (Júlia - Turma B)
Meus estudos de pós-graduação levaram-me a compreender a
necessidade de mudança na prática pedagógica que contribuam
para o desenvolvimento do processo de leitura e escrita como meio
de inserção social e cultural. Embasando a prática pedagógica,
houve a importante a contribuição dos estudos e teorias
construtivista e sociointeracionista que revelaram aspectos como
ocorrer a compreensão da leitura e escrita sob a lógica infantil e
quais fatores favorecem a sua aquisição. (...)Realizar o presente
trabalho foi excelente exercício de reflexão, em que pude perceber
que os resultados alcançados são as respostas para meus
questionamentos. (Karina – Turma B)
Retorno à sala de aula para estudar, depois de cinco anos para
poder me apropriar das ideia dos autores de uma forma não
fragmentada e crítica, discutindo alcances e limites de suas posições,
entendendo melhor a conveniência e os riscos de adotá-los.
Busco o enriquecimento através da compreensão e do confronto
entre teoria e prática educacionais. Não adianta o estudo teórico
sem a conseqüente discussão sobre sua relação com a prática, e de
nada adianta a discussão sobre a prática sem a conseqüente
discussão sobre seus fundamentos e suas bases teóricas. Meu
objetivo é conseguir, através do aprendizado adquirido durante meus
estudos, elaborar e apoiar meu projeto pedagógico articulando teoriaprática. (Célia – Turma B)
81
Na metodologia desenvolvida nas monografias, foi possível perceber como as
alunas-professoras trouxeram a cena de sala de aula, ao falarem de suas práticas.
Nota-se a necessidade de falar do que fazem, como fazem e para quem fazem.
Diferentemente das metodologias que vemos nas pesquisas, que descrevem como
as mesmas foram feitas, quais os procedimentos foram utilizados, as etapas para se
alcançar os objetivos, as entradas metodológicas que pudemos identificar nas
monografias do CESPEB,buscam trazer o que elas produziram em sua prática,
reelaborados a partir dos estudos teóricos feitos ede seus investimentos na
produção de práticas em que acreditam. Abaixo seguem fragmentos que trazem à
luz esse contexto.
Sendo assim, indo na contramão, eu procurava incluir no
planejamento: idas semanais à sala de leitura, mesmo que sem a
presença do professor específico, momentos diários para a contação
de histórias, manutenção de alguns títulos no acervo da sala para
que as crianças pudessem manusear e procurava sempre renová-lo,
formando um espaço de livros dentro da sala de aula.” (...)Após
lermos e relermos, a pedido da turma, a história “Chapeuzinho
Amarelo”, oralmente as próprias crianças foram traçando as
aproximações com o conto tradicional e, a partir do que foi surgindo
em seus relatos, sugeri que fossem recontando “Chapeuzinho
Vermelho” tal qual se recordavam. Esta proposta “deu pano para
manga11” e enquanto uma criança contava de uma maneira as outras
iam interferindo, primeiro de foram desordenada, mas com a minha
interferência, foram se dando de maneira mais organizada. Com isso,
fomos percebendo diferentes versões para uma mesma história.
Elaboramos então, uma tabela com as diferenças e semelhanças
entre elas. (Sofia – Turma A)
Trago para esta reflexão textos de algumas crianças de mesma
idade e “segmentação escolar”, porém com professoras com perfil
bem diferentes, tanto no que diz respeito as suas características
pessoais quanto nas suas concepções de alfabetização e letramento.
(...) Os textos de X e Y12, apesar de apresentarem mais erros
ortográficos, demonstram o quanto lhes é prazeroso escrever, pois
ambos refletem em seus textos suas experiências vividas dentro e
fora da escola, deixando amostra suas particulares. (Amanda –
Turma A)
11
Grifo da aluna professora
Os nomes das crianças foram omitidos por questão de preservar suas identidades, sendo alterados
pelas variáveis X e Y.
12
82
Cheguei à conclusão de que minha turma gostava muito de todo tipo
de música, e assim, comecei a explorar este interesse de forma
lúdica e criativa, tentando mostrar ao grupo diversos tipos musicais,
semelhantes ou diferentes daquelas que eles estavam acostumados
a ouvir em casa, na igreja, etc. (...)Continuei minha tentativa de
implementar um projeto de trabalho que partiria dos interesses e
necessidades dos próprios alunos. Apresentei diferentes tipos de
músicas, trabalhos com diversos ritmos, brinquedos cantados e
lembrando sempre que a música está presente em diversas
situações da vida humana, merecendo lugar de destaque em nosso
projeto. (Claudia – Turma A)
Em busca dessa nova perspectiva de leitura elaborei um novo
planejamento visando não apenas a alfabetização – no seu sentido
restrito, mas também o letramento tendo como um dos recursos a
literatura infantil.” (..)Minha intenção foi oferecer outras possibilidades
para a aquisição da leitura e da escrita, fazer com que o aluno esteja
motivado a melhorar seu desempenho, aproximar os alunos de livros
e autores da literatura infantil, a apreciação pelo texto literário e
consequentemente o avanço no conhecimento da linguagem. O livro
escolhido foi Guilherme Augusto Araújo Fernandes, de Mem Fox. O
tempo previsto para esse projeto seria de cinco aulas. Mas acabou
durando mais algumas aulas. (Célia - Turma B)
A ampliação do vocabulário ocorria no momento da brincadeira de
“adedanha”. Nesta brincadeira os participantes deveriam escrever
um nome para cada referencial de categoria. A brincadeira da
“adedanha” favoreceu a momentos de interações verbais e de
reflexão coletiva considerando a identificação da relação fonema e
grafema, a identificação das sílabas ouvidas e lidas, o seu
posicionamento nas palavras (vc, consoante vogal, cvc, consoantevogal – consoante e ccv, consoante-consoante – vogal) e assim
ajudaram-nas as perceber as diversas estruturas silábicas.As
atividades começavam com a brincadeira ou dramatização do texto
escolhido, as tentativas individuais de escrita, a escrita e a leitura
coletiva, completar lacunas com palavras contidas no texto ou
ordenar as frases da música. (Karina – Turma B)
Escolhi o caderno como um dos instrumentos de pesquisa por
considerá-lo um documento contendo tudo o que foi desenvolvido
pelo aluno durante aquele ano. É um meio de registrar as atividades
e os avanços principalmente em relação à escrita. É um objeto do
qual posso acompanhar todo o processo de construção e evolução
da escrita, além de ser um objeto concreto que está facilmente ao
alcance das mãos. (...)O trabalho era sobre as eleições presidenciais
do 2º turno de 2010. Os alunos anotaram a campanha de cada um
dos candidatos para debatermos as propostas em aula. Ao final do
debate montamos um cartaz com as promessas dos dois candidatos
e colocamos na exposição da escola sobre eleições. A aluna
escreveu o seguinte: “Tudo sobre a Dilma e Serra vão fazer para o
Brasil quem vai ganhar para presidente Dilma ou Serra crexi e
83
escolas muntas obras creches escolas casas e muntomas. (Júlia –
Turma B)
Segundo Minayo (2007), a metodologia requer dedicação e cuidado do
pesquisador. Para cada objetivo descrito, apresentam-se métodos e técnicas
correspondentes e adequados,procedimentos voltados para a produção de dados e
explicações. As professoras autoras, ao elaborarem a metodologia para tratar sobre
o seu fazer pedagógico, tentam se aproximar de um modelo pré-determinado pela
academia de uma “metodologia científica de pesquisa”. No entanto, fica marcada
uma metodologia do fazer pedagógico que condiz com o que lhes é tão comum, a
prática diária e a relação com o processo de ensino e aprendizagem. O que as
constitui como professoras, a forma que sabem falar do que fazem, mescla-se à sua
intenção de enquadramento de pesquisa com traços universitários. Pensando que
elas estão inseridas em um contexto que embora acadêmico lhes incentivou durante
todo o processo de formação a tomarem a sua palavra docente, deu-lhes espaço
para que refletissem sobre o seu fazer, fica evidente o quanto se tornou relevante
dar visibilidade ao que elas foram capazes de organizar enquanto conhecimento.
Elas se apropriam da forma de escrever preconizada da academia, aprendem a
proferir um discurso aceito, porque querem ser aceitas/aprovadas nesse campo.
Mas é preciso se pensar também que este formato é o que lhes vem como
possibilidade de enquadramento de sua vontade de dizer, para falar de sua
realidade escolar, por outro lado, também,porque fica evidente o quanto o espaço
escolar não lhes abre espaço para falar dessa prática de forma organizada,
contextualizada e articulada com uma fundamentação teórica, o que faz com que se
reforce cada vez mais que o lugar do professor pesquisador é na universidade, um
espaço ondese dá legitimação a formas de organização discursiva que possam
tratar de práticas pedagógicas.
Como última marca acadêmica elencada para essa seção do trabalho, abordo
as considerações finais escritas pelas alunas professoras. As mesmas trazem em si
conclusões,
tentam
responder
a
seus
próprios
questionamentos,
colocam
perspectivas futuras, deixando o caminho aberto para novas pesquisas. Percebo
como é importante para elas falarem sobre onde elas chegam, percebendo que é
possível escrever sobre o que fazem. Podemos verificar isso nos trechos abaixo.
84
Estabelecemos como grande desafio deste trabalho provocar
discussões entre os leitores sobre os possíveis caminhos que se
constroem como uma prática pedagógica efetiva, quando
trabalhamos com os alunos das classes populares inseridos em
escolas onde práticas educacionais excludentes e preconceituosas
permeiam o trabalho e o fazer de muitos professores.”
Alcançou-se, portanto, o fim deste estudo com o seguinte resultado:
é possível respeitar o território de cada campo do saber, trabalhar as
especificidades do processo de aquisição da escrita e da leitura
através da coletividade, conexões recíprocas, selecionando como
eixo unificador, uma proposta que valorize o sujeito, estruturando
ações pertinentes a processo de letramento. (Sonia – Turma A)
Muitos obstáculos foram encontrado pelo grupo, mas ao final
nosrestou a certeza de que estávamos no caminho certo, dando real
importância ao desenvolvimento da linguagem na educação infantil,
visto que, essa modalidade é peça fundamental para a
sistematização da alfabetização. (Claudia – Turma A)
Acredito que nossos alunos sejam capazes de descobrir novos
sabores na cozinha da vida. E é como quem aprende a cozinhar,
seguindo passa a passo uma receita e aos poucos dando seu toque
pessoal, que hoje acredito que eles um dia chegarão a “Chefs de
cozinha”.13 Lendo e interagindo com as diversas formas de
linguagens, produzindo textos onde suas razões e vivências fiquem
explicitas e quem sabe lutando para modificar ou melhorar a
realidade em que estão inseridos. Eu acredito nisso e estou tentando
e fazendo por onde, e você? (Amanda – Turma A)
Trabalhando com unidades temáticas os alunos desenvolveram
escrita a partir de assuntos trazidos por eles. Além de utilizar
assuntos atuais como meio ambiente, eleições, Copa do Mundo
propostos pela unidade escolar, a possibilidade de deixar-los
escolherem favoreceu a aprendizagem, pois os assuntos eram do
interesse deles. (...) Este trabalho continuará em andamento com
outros alunos em outras turmas, iniciando no primeiro ano de
escolaridade quando os alunos ingressarem na escola,
acompanhando todo o processo de aquisição da língua escrita no
segundo ano de escolaridade. (Júlia – Turma B)
Realizar o presente trabalho foi excelente exercício de reflexão, em
que pude perceber que os resultados alcançados são as respostas
para meus questionamentos.(...)O caminho em busca do equilíbrio é
complexo e é para o professor que se coloca no lugar de aprendiz e
tem a ousadia de experimentar, questionar, analisar e reestruturar
sua prática.” (Karina - Turma B)
13
Nesse ponto, a aluna professora coloca uma nota de roda pé, explicando que usa a mesma técnica
utilizada por Rubens Alves, em seu artigo. Utilizando a figura de linguagem metonímia, para
comparar seus alunos ao grau de instrução que deseja que eles alcancem.
85
Após este estudo, percebo que algumas práticas literárias estão
sendo modificadas em minha prática e que a leitura nos dias de hoje,
deve tomar um rumo diferente, não se restringindo ao mínino de
aspectos mecânicos, de fluência e boa dicção, que mesmo sendo
necessários, não são suficientes.Assim cabe a nós professores
preocupados com as prática docente, buscarmos caminhos para
melhorarmos a nossa prática de ensino, levando os alunos a
receberem condições adequadas para se tornarem leitores críticos e
conscientes. (Célia – Turma B)
Essas marcas acadêmicas costuramdialogicamente a escrita das alunas
professoras. Tomo aqui o dialogismo como a “costura” que produz novas dialéticas.
Penso a dialética a partir de Bakhtin, segundo o qual o eu necessita estética e
eticamente do Outro, sendo que a interação é variável de acordo com a situação
(GEGe 2009, p. 28). A estética é uma das principais concepções bakhtinianas em
diálogo com a ética, a estética surge como acabamento do agir do sujeito, um ato
estético é a valorização, a reflexão elaborada, portanto, com acabamento acerca da
ação ética. A ética refere-se ao processo, ao agir no mundo. A ética bakhtiniana
corresponde ao espaço de decisões, é um conjunto de obrigações e deveres
concretos, corresponde ao ato de viver uma vida singular, de arriscar, de ousar, de
comprometer-se, de assinar responsavelmente seu ponto de vista e responsividade
imediata do sujeito. (GEGe 20909)
Pensando
a
dialogia
como
uma
forma
vivencial
através
da
autoconsciência e sua relação com as várias consciências que a foram, vejo a
escrita das alunas professoras como o espaço para que elas se coloquem como
professoras/autoras/personagens, pois elas, melhor do que ninguém, podem
escrever sobre si, de forma que essa escrita gere um processo de auto reflexão.
Nesse sentido, escrever uma monografia, não só evidencia a necessidade de se
produzir um conhecimento, mas também a oportunidade para que elas escrevam
sobre sua prática de forma ética, isto é, com responsabilidade e em resposta a todos
os momentos que constituem suas vidas. O único que pode vivenciar essa
experiência é o próprio professor, ninguém pode viver essa experiência que é dele,
da mesma forma que ele não pode viver a vida e a experiência de outro.
O professor tornar-se criador ratifica os vivenciamentos criadores ativos de
Bakhtin (2009, p. 5), “nestes vivencia-se o trabalho criador, mas o vivenciamento
não escuta nem vê a si mesmo, escuta e vê tão somente o produto que está sendo
86
criado ou o objeto a que ela visa”, percebo então que o fazer pedagógico é dar
visibilidade a imaginação ampliando experiências para atividades criativas.
BENJAMIN (2002) diz que existem pedagogos sisudos e cruéis que nos
empurram para a “escravidão da vida” que imputam uma desvalorização da própria
vida com a arrogância da desesperança utilizando-se de um discurso baseado em
experiência sobre a própria vida. No entanto “a experiência é carente de sentido e
espírito apenas para aquele já desprovido de espírito” (p. 23). Para ele cada uma de
nossas experiências possui conteúdos. São esses conteúdos que nos constituem,
que trazem em si um espírito de coragem, ousadia, criatividade. Ela nos leva a ver o
erro como uma possibilidade de acerto, como a busca da verdade.
A partir da leitura das monografias, analiso que o espaço acadêmico é
também (ou deveria ser na maioria dos casos) esse caminho criativo, no qual
vivenciamos o processo de desenvolver através de enunciados as ideias, desejos,
reflexões, sentimentos e visões de mundo. Mesmo que aparentemente o gênero
monografia não seja o mais adequado para se escrever sobre a prática docente, ele
possibilitou um espaço em que as professoras pesquisadoras se colocassem.
Através de todos esses enunciados lidos e extraídos das escritas das alunas
professoras, foi possível perceber o cuidado em comunicar ao outro, um leitor
presumido, aquilo que elas vivenciaram, ao mesmo tempo em que “conversavam
consigo mesmas’. Ao escrever, elas também traziam para sua reflexão o que
estavam dizendo ao outro, formando uma consciência de si a partir do que
esperavam ser entendido por esse outro e por aquilo que elas mesmas entendiam
de si em suas práticas e de suas práticas nelas.
5.2 Reverberação apontando as interações entre as professoras formadoras e
as alunas professoras
A segunda categoria de minha análise propõe-se a perceber quais as
reverberações evidenciadas nas monografias. Veremos se foi possível perceber a
influência das professoras formadoras no discurso das alunas professoras e se na
prática das alunas professoras com seus alunos também é possível perceber traços
desse aprendizado. Para tanto, selecionei trechos que evidenciem essas
reverberações.
87
Longe de propor um retorno das atividades de prontidão,
marcávamos a necessidade de proporcionarmos experiências de
letramento, ampliando as práticas sociais de leitura e escrita no
caminho do que Soares (2004) vem discutindo, e um dos recursos
possíveis era a utilização do s livros de literatura, que trazem consigo
múltiplos gêneros discursivos e a visão da linguagem como atividade
social, histórica, cognitiva, dando a visão de literatura como arte,
produto cultural que circula na sociedade, tal qual propunha
Benjamim(1994, p. 205) ao afirmar que contar histórias sempre foi a
arte de contá-las de novo, e ela se perde quando as histórias não
são mais conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou tece
enquanto ouve a história.Bakhtin, Vygotsky e, especialmente,
Benjamin trouxeram suas contribuições desde o princípio, através do
livro Por Entre as Pedras: Arma e Sonho na Escola de Kramer(2007),
que norteou nossos estudos nesta especialização, e também ajudou
a ressignificar meu cotidiano de educadora com as crianças em
processo de alfabetização. (Sofia – Turma A)
Numa reflexão acerca dos movimentos de apropriação da língua
escrita no interior de uma referida sala de aula pelo aluno X14, iremos
focalizar a relação que o aluno estabelece com a linguagem escrita.
A relação estabelecida entre ele e seu texto, revela significados e
sentidos da prática docente, tendo contribuído para que esse tecido
fosse produzido.Ao pensarmos no entrelaçamento de ideias
presentes no texto do aluno e na ação de nós enquanto professoras,
estamos tecendo fios que produzem informações diferenciadas que
nos possibilitam compreender a sala de aula como lócus onde o
aprender e o ensinar são ações diárias. Ao começar a juntar os fios,
a alinhavar, buscamos formas de compreender o papel da linguagem
na relação entre o aluno e as professoras e suas formas de concebêlas no interior da sala de aula.
Como forma de organizar os pontos que serão discutidos,dialogamos
com Bakhtin, Benjamin e Vygotsky. (...)(Sonia – Turma A)
Em sua obra, Benjamin traz uma importante contribuição para se
pensar a infância, dando voz a um menino. E fala de um momento
histórico de uma sociedade, de uma forma de ver o mundo com os
olhos de uma crianças. Benjamin apresenta reflexões sobre infância
e linguagem, o encontro da infância do homem que se constitui como
sujeito da linguagem. (...)Muitas foram as discussões, embasadas
em diferentes teóricos da educação, tais como Emília Ferreiro,
Vygotsky, Paulo Freire, Magda Soares, etc. (...) Após longas
discussões, chegamos a conclusão de que primeiramente
deveríamos repensar a questão da linguagem, em dar voz a criança,
saber aproveitar toda a leitura de mundo, a cultura e todo aparato
linguístico que essa criança traz para a escola. (...) Tentamos então,
além de melhorar o nosso trabalho em sala de aula, dar um enfoque
14
Na monografia a aluna professora cita o nome da criança que aqui preferi substituir pela variável X
para preservar a identidade da criança.
88
maior à nossa sala de leitura, que até então, assumia papel
coadjuvante na escola. (Claudia – Turma A)
Com os estudos que tenho feito, percebi que a leitura não se resume
a mera decodificação, mas dever ser compreensão daquilo que é
lido, deve ter sentido para quem lê/ouve naquele momento, e não
apenas futuramente. Estou aplicando os conhecimentos adquiridos
durante a especialização em sala de aula com os meus alunos, vou
aos poucos ressignificando o que já sabia e que utilizava por
desconhecimento, de forma instintiva. Confesso que, anteriormente
minha preocupação maior era fazer com que meus alunos se
apropriassem do código escrito, e mais tarde o gosto pela
leitura/literatura viriam naturalmente, hoje entendo que este é um
trabalho que precisa ser planejado, tendo como intencionalidade o
‘ensino’ desta aproximação com a literatura.Aprendi que
alfabetizar/letrar por meio das histórias pode ser um caminho
possível e significativo para crianças e professores envolvidos no
processo de aprender/ensinar.” (Célia – Turma B)
No microcosmo da sala de aula, os autores estudados e a minha
prática pedagógica têm confirmado nas minhas observações a
importância da valorização da criança como alguém que observa,
sente, pensa, aprende e se desenvolve enquanto interage com seu
entorno em meio a contextos significativos e que, mesmo estando no
espaço coletivo da sala de aula, ela é única e possui uma
compreensão particular das informações recebidas, (...)O caminho
em busca do equilíbrio é complexo e é para o professor que se
coloca no lugar de aprendiz e tem a ousadia de experimentar,
questionar, analisar e reestruturar sua prática. (Karina – Turma B)
Desde o primeiro dia de aula, fui tocada pelo desafio de conquistar a
confiança dos alunos para assim, poder restaurar o prazer pela
busca do conhecimento, estreitar os laços de convivência e despertar
o gosto pela leitura e escrita. Este desafio me levou a refletir sobre a
realidade em que vivemos, a infância e as práticas que a escola
adota, muitas vezes, distantes dos interesses e anseios da criança.
Muitas questões surgiram: O que ensinar? Como ensinar? Qual a
função da escola hoje? E muitas outras, sem resposta. Segundo
Corsino, “sua função hoje não deveria se pautar na transmissão do
conhecimento, pois as máquinas fazem melhor, mas sim na
possibilidade de socialização, de discussão e digestão das
informações, no resgate da historicidade, na troca, na interlocução
[...] (2009, p. 239). Pensando nas palavras da autora e nos estudos
que desenvolvi sobre Benjamin e Bakhtin, rompi os muros
culturalmente construídos, e me juntei às crianças, fazendo da
prática da “narrativa” nosso elo, nossa possibilidade de trocas de
olhares em relação ao mundo, nossa redescoberta de ensinar e
aprender. (Lilian – Turma B)
Observei nos fragmentos extraídos das monografias, assim como na leitura
dos demais que também apresentam traços semelhantes, que as alunas professoras
89
procuraram expressar os conhecimentos adquiridos no curso em si e através da
convivência com as professoras formadoras e as colegas de turma. Os enunciados
trouxeram evidências de atividades que elas planejaram para realizar com seus
alunos em seus respectivos ambientes de sala de aula, baseadas nas experiências
que vivenciaram no curso.
Foi possível perceber nas escritas que as alunas professoras fazem menção
a autores, tais como Bakhtin, Vygotsky e Benjamin, que estão na referência
bibliográfica do curso e que perpassam, principalmente, as disciplinas voltadas para
a linguagem. Usam como citações diretas ou indiretas ou tecendo comentários
baseados em seus apontamentos. Também foi possível identificar que surgem
temas em suas escritas que estão elencados nas ementas do curso, já mencionados
no capítulo que aborda o curso.
Isso leva-me a perceber como houve o movimento de passagem do lugar de
aluna-professora que adquire um conhecimento e procura adequá-lo à sua realidade
para o lugar da professora que junto com o aluno constrói, reconstrói e ressignifica
esses saberes em outros saberes. Esse movimento exotópico delas se permitirem
um estranhamento de suas práticas e se deslocarem dos lugares de professoras
para os de alunas e perceberem a prática docente a partir dessa visão, as coloca em
similaridade de situação com seus alunos. Dessa forma, ao retornarem aos seus
lugares de professoras, têm recursos internos e intelectuais para buscar a
transformação dessa prática disponibilizando subsídios à seus alunos para que os
mesmos também o façam. Em algumas colocações delas em relação aos seus
alunos, percebe-se o movimento de instigação a eles (alunos) para que pensem e
criem. Elas estão propiciando, assim como as professoras formadoras, um espaço
para que seus alunos também se permitam a esse estranhamento a fim de também
transformar e ressignificar o conhecimento,
Partindo da analogia com o princípio da reverberação, proposta nessa
pesquisa, percebemos que a intencionalidade com que elas procuraram planejar as
atividades para seus alunos reflete, como em uma reação em cadeia, muito do que
foi tratado na especialização pelas vozes das formadoras. Essas vozes
reverberaram então através das alunas professoras alcançando os alunos que por
elas são alfabetizados, gerando outras vozes que dão origem a novas questões
90
tanto para os alunos das séries iniciais e para as alunas professoras quanto para as
professoras formadoras.
Analisar as interações estabelecidas no CESPEB Alfa a partir da perspectivas
da reverberação possibilita-nos entender que quando tratamos de formação de
professores não é válido aceitar a ideia de que o professor devolve qualquer coisa,
uma miscelânea de conceitos, atividades e jargões educacionais. Foi possível
identificar até aqui, a partir da primeira categoria em conjunto com a segunda, que o
professor é capaz, sim, de trazer conhecimentos adquiridos na formação acadêmica,
mesmo em um gênero acadêmico, aquilo que ele apreende e transforma em um
conhecimento prático e que esse é compartilhado com seus alunos.
Ao trazerem referenciais teóricos para pensarem junto com eles sobre suas
práticas e o quanto isso é significativo para elas enquanto professoras e para
iluminar o trabalho junto as crianças, entendo que isso significa dizer que a voz das
formadoras e da universidade também está chegando ao espaço escolar.Esses
conceitos teóricos e suas referências bibliográficas não são adquiridos em uma
conversa de bar, em um show, na igreja ou em algum outro espaço diferente da
universidade. Eles foram planejados pelas formadoras, que de alguma forma
pensaram o que seria mais adequado ser discutido de forma a tornar mais
significativa a prática das alunas professoras. As alunas professoras compreendem
o valor desse conhecimento quando se referem as mudanças ocorridas por conta
das reflexões e da influencia desses autores.
Cada vez mais aposto nesse conceito como uma possibilidade de perceber as
interações estabelecidas. Quando realizei a pesquisa para minha monografia de
graduação,também observei as interações estabelecidas entre as formadoras e as
alunas professoras. Nela foi possível identificar a retomada que elas fizeram dos
conteúdos abordados no curso de extensão e como os mesmos puderam contribuir
para o desenvolvimento de suas práticas, as alunas professoras puderam perceber
a importância de um planejamento bem elaborado, que leva em consideração uma
reflexão sobre um fazer e a flexibilidade necessária à sua execução, tem para a
formação de seus alunos assim como também a escolha de um livro para a leitura
literária e a sua compreensão dos letramentos tem para a formação de tantas outras
interfaces que permeiam a relação de dentro da sala de aula como componentes
fundamentais para o processo de aprendizagem da criança.
91
Assim como no curso de extensão, o CESPEB também contribuiu para que as
alunas professoras pudessem, a partir de todo o arcabouço teórico, refletir sobre sua
prática. Isso fica evidenciado nos fragmentos trazidos, que demonstram a relevância
das discussões dos autores adotados pelas formadoras, a importância da
valorização da criança, da leitura e da escrita, do letrar e do alfabetizar. Algumas
vezes não nos damos conta do quanto o discurso acadêmico perpassa a prática
docente e de que na realidade, teoria e prática sempre caminham juntos.
Identifico com isso que o professor não tem a oportunidade para escrever
sobre essa prática articulada à teoria, esses momentos acontecem quando ele se
dispõe a investir em uma formação que exige dele a escrita, como nesse caso, de
uma monografia. O professor comprometido consigo mesmo busca novas
possibilidades, ele tem um outro olhar sobre seu processo de aprendizado. Propõe
desafios, novas possibilidades, abre espaço para conquistas grandiosas, mostra
novos horizontes, liberta pensamentos em seus alunos e nesse processo também
liberta seus pensamentos, reflete, expõe.
O inacabamento nos remete à ideia de incompletude pois sentidos sempre
estão sendo dados sobre nós por outros. Nesse sentido do inacabamento, está o
movimento do professor em busca de novas formas, a partir também da teoria, de
fazer o que ele já sabe fazer, produzindo outros sentidos. Mas para ele perceber o
que ele já sabe, faz-se necessário que ele se desloque de seu lugar de professor,
olhe para essa prática e retorne a ela transformado por esse olhar, e nesse aspecto,
tem-se a importância das formadoras. São elas que também libertam pensamentos,
orientam as reflexões, expõem novas possibilidades.
5.3 A voz do aluno no percurso profissional como apoio para as práticas
pedagógicas.
Nessa terceira e última categoria de análise, me proponho a olhar para as
monografias das alunas professoras e entender como o olhar sobre a criança tem
influência em seu discurso escrito sobre a sua prática.
O cotidiano escolar traz em si muitas vezes para o professor um espaço de
não reflexão sobre o que o mesmo faz, pois ele se acomoda em um lugar, a escola,
que não lhe abre espaço para escrever sobre o seu próprio fazer. Os professores
92
estão cada vez mais presos à rotinas de produção do que a um espaço que lhes
propicie uma liberdade de reflexão e criação. Muitos já se acostumaram a fazer de
uma tal forma que nem se dão conta que podem fazer diferente. No entanto, fazer
diferente implica um comprometimento consigo mesmo no sentido de não querer
somente reproduzir. É ir contra um sistema que lhe impões formas de avaliação,
resultados, conteúdos, rotinas, etc. Bondía (2002, p. 25) diz que :
do ponto de vista da experiência o importante não é nem a posição
(nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa maneira de
opormos), nem a “im-posição” (nossa maneira de impormos), nem a
“pro-posição” (nossa maneira de propormos), mas a “ex-posição”,
nossa maneira de “ex-pormos”, com tudo o que isso tem de
vulnerabilidade e de risco.
Ao escrever, tem-se a possibilidade de tematizar o fazer pedagógico.
Escrever sobre a prática possibilita refletir sobre o que se fez, o que se faz e o que
se pretende fazer. Ao escrever, o professor traz um discurso de seu próprio
processo de criação – a prática. Relaciona permanentemente as experiências do
passado e do presente para constituir um futuro.
Uma boa bússola para esse caminho criativo é pensar a relação estética e
ética e como essas se inserem no trabalho com crianças pequenas. A estética
(GEGe, 2009) é uma das principais concepções bakhtinianas em diálogo com a
ética, a estética surge como acabamento do agir do sujeito, um ato estético é a
valorização, a reflexão elaborada, portanto, com acabamento acerca da ação ética.
A ética (GEGe, 2009) refere-se ao processo, ao agir no mundo. A ética bakhtiniana
corresponde ao espaço de decisões, é um conjunto de obrigações e deveres
concretos, corresponde ao ato de viver uma vida singular, de arriscar, de ousar, de
comprometer-se, de assinar responsavelmente seu ponto de vista e responsividade
imediata do sujeito.
Ao pensar, apoiada em Bakhtin, sobre a produção das crianças, a partir de
um conceito estético faz-se necessário a ética para olhar e dar visibilidade a essas
produções. Se a ética bakhtiniana é um espaço de decisões responsáveis e
responsivas, o professor comprometido com essa perspectiva tem como
possibilidades fazer de suas ações momentos de reflexão tanto para ele quanto para
as crianças. Ética no sentido de compromisso com a produção da criança e com o
93
próprio fazer docente. Não se trata simplesmente de aplicar técnicas eficazes que
levem as crianças a produzir satisfatoriamente, mas sim um trabalho de produção de
sentidos para ambos.
Trago trechos das monografias das alunas professoras nos quais estão
evidenciados a relação com o conhecimento da criança e como esses mobilizam as
alunas professoras em seu cotidiano.
Começamos a ser mais criteriosos com a escolha dos livros a serem
lidos para os nossos alunos, pois se queremos formar leitores
críticos, que repensem o mundo no qual vivemos, precisamos
escolher histórias que abram espaço pra o imaginário, para a troca,
para o contato com a diversidade do mundo e não histórias que já
trazem uma mensagem fechada. Começamos dar maior importância
ao momento da contação, quando ocorre o encontro entre o
contador, a história e o ouvinte, momento este que já representa
muito para a criança. Passamos a nos preocupar menos com as
atividades que uma história pode suscitar, porém aprendemos a
aproveitar o texto da história, saborear as palavras e assim, fazer
com que os ouvintes mergulhem naquele imaginário, reconte,
dramatize, mergulhe num universo desconhecido e saia dele com
novas experiências.” (...)No ano de 2007, conseguimos deslanchar
em nossos projetos. Finalizamos o Projeto Político e demos início ao
que seria o maior desafio para nós educadoras: esquecer a listagem
de conteúdos bimestrais, as datas comemorativas e construir nossos
próprios projetos de trabalho embasados nos temas geradores e
visando o centro de interesse de cada turma, bem como as
particularidades de cada indivíduo, levando-se em consideração o
contexto sócio-histórico onde estes estão inseridos. (Claudia – Turma
A)
A história foi escrita a vinte e seis mãos, vinte e quatro das crianças,
e uma da professora da sala de leitura e mais a minha. Mas,
escrevendo assim pode parecer que foi muito fácil, as ideias iam
brotando, os estudantes falando, nenhum conflito, nada a ser
negociado... Pois é, foi preciso sim, garantir a fala de cada um, para
que todos tomassem parte do todo, o que nem sempre é simples, em
se tratando de crianças. (...)Precisamos também negociar, pois volta
e meia surgiam sugestões que se sobrepunham e era preciso decidir
de uma maneira democrática que se encaixaria melhor no projeto
coletivo, imprimindo sentido e autenticidade e, nessas horas, havia a
defesa das opiniões seguida de votação. (...)A história foi dividida em
tantas partes quantos eram os estudantes, que ilustraram
cuidadosamente o trecho que escolheram. Em seguida essas
ilustrações foram recortadas e montadas nas respectivas páginas e
estas ganharam foram de um livro, com capa de papel cartonado e
ilustração de abertura(...)Depois, as crianças sugeriram que
transformássemos o livro em peça teatral: escolheram quais
personagens queriam dramatizar, confeccionaram juntamente com
94
os pais o figurino, fizeram o cenário e ensaiamos bastante. (Sofia –
Turma A)
A cabeça de uma criança que aprende (em particular, a ler e a
escrever) é como um grande caldeirão em que borbulham muitas
ideia. (...) É no espaço da sala de aula que a criança diz a sua
palavra e nós temos que garantir esse direito. Quando nos
distanciamos deste procedimento alimentamos o saber da
experiência alheia, aquela que não nos passa, mas nos repassa o
que devemos fazer.(...)Neste caminho, um projeto para o trabalho foi
sendo delineado discutido, compartilhado com os alunos e com os
demais profissionais da escola. Esse saber construído na experiência
foi determinante para o sucesso do trabalho que decorremos ao
longo dessa construção.(Sonia – Turma A)
Percebo em minha prática que meus alunos não estão presos a
literatura “infantil”. Eles são seres humanos sedentos de novidades,
são curiosos, instigadores, precisam de diferentes tipos de textos –
infantis ou não, que despertem de verdade o seu desejo, textos
significativos. Quando apresento uma leitura e eles não demostram
entusiasmo, mudo para outra, sei que não adiantará insistir, pois
nossos alunos, hoje são críticos, buscam qualidade, por isso, tenho
que estar preparada para ‘sacar’ e permitir que façam suas leituras.
(Célia – Turma B)
Em uma aula em setembro, exploramos o livro Bicho que te quero
livre de Elias José e Ana Raquel, depois conversamos sobre o livro,
pois ele tratava sobre poesias de animais. Em meio ao debate e as
várias interpretações sobre o livro apresentada pelos alunos, um
discente comentou de forma espontânea que se fosse um bicho
gostaria de ser um cachorro. Percebi que havia uma grande
motivação em torno da temática apresentada pelo livro. Como forma
de desdobramento, fizemos uma lista coletiva sobre que animais
gostaríamos de ser e depois registramos individualmente em uma
atividade do caderno. Era mais uma atividade em que a oralidade
acompanhava a necessidade de escrita e vice-versa. (Suzana –
Turma B)
As “falas” e escritas das crianças revelam, apesar da pouca idade,
sabedoria e força na busca de soluções para os problemas da vida,
(...) Assim, este jeito de propor soluções simples para os problemas,
me trouxe a ideia de criar um espaço de discussão semanal, a partir
das notícias do cotidiano e assim começamos uma nova etapa.
Todas as crianças eram muito ligadas em televisão e sabiam tudo
que acontecia na cidade. Aproveitei o fato, criei a “hora da notícia”.
Um momento semanal em que um grupo de crianças, apresentava
cada uma, uma notícia interessante, dramatizando um telejornal, que
chamamos de TV CRIATIVA. (...)Tal atividade ampliou muito os
conhecimentos das crianças em relação a diversos assuntos,(...)
contribuindo para que as crianças compreendessem e relacionasse
os problemas com o nosso passado (...). (Lilian – Turma B)
95
Foi possível observar nas monografias que as alunas professoras tiveram o
cuidado em trazer as crianças como sujeitos centrais de suas práticas, que ao longo
do processo foram se constituindo como sujeitos do conhecimento. A forma como as
alunas professoras se relacionam com os texto das crianças expressa um modo de
se relacionar com a própria criança, o seu jeito de ser e agir no mundo. LEAL(2008)
afirma que “Pensar o ensino de produção de texto requer pensar, em primeiro lugar,
que um texto produzido por um aprendiz manifesta-se como o produto de um sujeito
que, a seu modo, através das diversas possibilidades e formas de linguagem, busca
estabelecer um determinado tipo de relação com o seu interlocutor.”(p. 54).
As alunas professoras trazem, a partir do que percebem nas/das crianças,
como é possível planejar suas ações incluindo as próprias crianças nesse processo.
Segundo Bakhtin (2009),
é nossa relação que define o objeto e sua estrutura e não o contrário;
só onde a relação se torna aleatória de nossa parte, meio
caprichosa, e nos afastamos da nossa relação de princípio com as
coisas e com o mundo, a determinidade do objeto resiste a nós como
algo estranho e independente e começa a desagregar-se, e nós
mesmos ficamos sujeitos ao domínio do aleatório, perdemos a nós
mesmos e perdemos também a determinidade estável do
mundo.(BAKHTIN, 2009, p. 4)
Baseada nessa perspectiva, percebo que as alunas-professoras saem do
lugar historicamente construído da professora somente como mera transmissora de
informações, e se colocam como pesquisadoras que questionam quais são as
intenções de suas intervenções em relação as produções das crianças. Quando a
professora Lilian diz que aproveitouum fato para criar uma proposta de atividade
junto a seus alunos, traz a evidência da importância que atribui a participação das
crianças no processo de ensino aprendizagem. Nos fragmentos destacados das
monografias fica aparente a importância que as professoras dão às falas das
crianças. Ao fazerem isso estão valorizando a criança não só como parte do
processo, mas também como objeto e princípio das ações.
De acordo com Kramer (2011) os estudos da infância fazem parte de vários
campos do conhecimento. A partir do século XX a criança passou a ser entendida
como sujeito e indivíduo em construção. Algumas concepções entenderam a criança
a partir de uma concepção cognitiva, vendo-a como sujeito epistêmico, outros
96
entendem a criança do ponto de vista afetivo, motor, social ou intelectual, ou
dicotomicamente separando corpo e mente. Independente das concepções, Kramer
aponta que a ideia de que a criança tem especificidades é muito recente. Segundo
ela “Os conceitos de Bakhtin (1988a, 1992, 1999) permitem entender que, na
produção de discursos, práticas e interações, os lugares que as pessoas ocupam e
os significados que circulam interferem no significado produzido: o contexto é
importante para entender o texto. Na enunciação, os lugares e as condições de onde
são proferidas as palavras e produzidas as interações produzem sentidos.” (p. 389)
Ao produzir textos orais ou escritos, a criança produz discursos que
correspondem a determinadas situações comunicativas que são atravessadas por
um cotidiano, que enquanto acontecimento influencia os mesmo. Quando as
crianças se percebem parte do processo, a lógica de que precisam escrever ou falar
(produzir) para que alguém diga que está certo ou errado, torna-se desnecessária,
pois o que se está produzindo são sentidos para a própria vida. Segundo
LARROSA,“a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca”
(p.21). A experiência surge na construção de um caminho no qual, crianças e
professores se constituem, no qual um altera o outro.
Segundo Charlot (2012) existe uma relação de contra-dependência entre
professor e aluno, o aluno é quem faz o trabalho intelectual para o aprendizado,
cabe a eleagir sobre o meio, refletir sobre ações, intervir, questionar, propor, entre
outros. Se ele não o faz, não aprende e esse fracasso acaba sendo tanto do aluno
quanto do professor. Para aprender é necessário que a criança esteja inserida em
um contexto que lhe proponha “atividades intelectuais” Charlot (2012). Essas
atividades intelectuais por sua vez são planejadas pelos professores, que
conscientes de sua função, propõem experiências para que as crianças vivenciem
realidades nas quais seja possível refletir sobre o que e para que estão envolvidas
naquele contexto. Isso significa afirmar que o professor que age consciente de sua
função também propõe a sim mesmo experiências que contextualizam sua própria
vivência. É, portanto um caminho que se constrói junto com a criança, propiciando o
diálogo, em um movimento sempre de inacabamento, no qual ambos vão se
constituindo, ética e esteticamente, na relação.
Ao analisar, a partir dessa perspectiva, a escrita das alunas professoras do
CESPEB, é possível entender que as mesmas tomam a criança como orientadora
97
de suas práticas que culminam em um envolvimento tanto teórico quanto vivencial
em relação ao cotidiano escolar. As crianças as impulsionam, direcionam o olhar,
instigam reflexões. As monografias do CESPEB Alfa trazem um grande ganho para
os campos que discutem a inserção da criança como produtora de cultura, saberes e
também de prática assim como demonstram professoras comprometidas com as
mesmas, e com o processo de ensino aprendizagem. Refiro-me à importância do
curso, como espaço de estudo, pesquisa e prática de professores, no qual a criança
está no centro das discussões em todo o tempo, pois a prática docente não existe
sem a criança, a prática das mesmas é mais importante pois ela dá movimento ao
fazer pedagógico do professor, instiga-o, coloca desafios diante do professor. É no
cotidiano de sala de aula que as teorias vão tomando forma e sendo validadas a
medida que os sentidos vão sendo estabelecidos para a criança e em contra partida
vão confirmando ou refutando as hipóteses do docente.
98
6.0 Conclusões Inacabadas
Seria um tanto ousado, em meu ponto de vista, dizer que tenho alguma
conclusãoem relação a tudo o que li nas monografias do CESPEB, visto queestamos
sempre dando sentidos e ressignificando os acontecimentos, discursos e palavras.
Permito-me então a dizer que tenho, sim, conclusões inacabadas que, aqui
expostas, suscitarão em mim, e espero que em outros, demais pensamentos que
propiciem reflexões agregadoras a cerca da nossa prática como docentes. A leitura
das monografias desperta-me cada vez mais o desejo de trabalhar como
pesquisadora na área da educação por entender que esse é um movimento
contínuo, inesgotável e composto por várias vozes. Por entender que muitas
questões me tocam e muito há ainda para ser refletido nesse campo.
Depois desse árduo processo de leitura e escrita de minha dissertação
percebo o quanto fui tocada/alterada pelo encontro, nas monografias, com as
memórias de formação. Ao lê-las pensava em meu próprio caminho de formação.
Nesse processo de escrita da dissertação fui me constituindo como pessoa,
adequando-me as nuances da vida. Descobri-me professora, agora não mais de
música, mas ainda agregando a música, na Educação Infantil. Achei-me
pesquisadora, ao olhar para o meu próprio fazer e questioná-lo. Identifiquei-me com
a escrita das alunas-professoras. É peculiar ler o que uma professora escreve e ir,
ao mesmo tempo, criando a imagem na mente daquele ambiente porque se sabe
como ele é. O som do falatório das crianças, a bagunça na sala de aula, a frustração
de não ter uma resposta, mas a disposição de ir buscar uma outra forma para o
entendimento de determinada questão, o cansaço, a vontade de aprender para
aprimorar, o desejo de ver as crianças avançando, crescendo, amadurecendo.
Ler a escrita das alunas-professoras foi compartilhar muitas vezes os mesmos
anseios em relação ao que a prática espera de nós e sobre o que esperamos da
prática. A partir de meu processo de escrita, tive a noção do que tenha sido o
processo de escrita delas. Constato, a partir disso, o quanto a escrita nos forma e
como ela pode ser realmente uma estratégia de formação, o registro da prática e a
articulação entre teoria e prática. Escrever traz em si uma organização dos fatos,
99
dos saberes, das teorias que sustentam a prática, da avaliação, das relações. Nos
ajuda a sair do lugar comum e olhar de fora quem somos e a pensar no interesse
dos pares, porque, ao fazê-lo também o fazemos para o outro. Identificar
professoras dizendo o quanto o cotidiano de sala de aula fez com elas tivessem
vontade, ou precisassem voltar a estudar, anuncia o quanto a teoria se faz
necessária para dar um direcionamento na prática. Foi possível perceber que o
gênero monografia é a expressão de uma experiência acadêmica. Uma monografia
não é escrita em qualquer ocasião, todos os que a ela se dedicam estão cumprindo
uma exigência. Dar conta de construir um caminho teórico que fundamente todo um
pensamento, elaborar uma metodologia de forma clara, analisar com um olhar o
mais neutro possível, não são tarefas fáceis, mas que constroem o caminho para
quem quer se dedicar à pesquisa. Diante disso, afirmo que a escrita da monografia
em um curso de especialização também é um meio de formar um pesquisador,
nesse caso, formar um professor pesquisador. Nas monografias fica claro o quanto
as alunas professoras se empenharam para dar conta desse gênero tão distante de
seu dia a dia escolar, tentando, cada uma a seu modo, organizar cada etapa que
compõe uma monografia. Na leitura dos agradecimentos de cada monografia, o
reconhecimento ao agradecer as orientadoras, explicita o quanto se faz necessário
essa parceria que norteia a escrita.
Pessoalmente, tinha minhas dúvidas se encontraria traços das práticas das
alunas professoras, nesse gênero tão engessado em um formato. No entanto ao
longo das leituras pude constatar o quanto elas foram abrindo esses espaços e
constituindo os seus modos de escrever e expressar o que elas fazem, como fazem
e para que fazem. Contrariando meu pensamento foi possível sim, perceber
professoras que estão no cotidiano da escola se lançando ao desafio da escrita
acadêmica, voltando à sala de aula, buscando mais delas mesmas.
O professor, quando estimulado e orientado com credibilidade é capaz de
colocar em evidência o que ele sabe. Infelizmente, vivenciamos um momento em
que a prática do professor só tem visibilidade nos murais da escola, nos projetos
propostos por alguns municípios que lhes rende algum tipo de benefício posterior
caso o projeto de sua escola vença. O professor não escreve sobre sua prática
porque ele não tem espaço que lhe exija tal coisa como forma de pensar a própria
prática, a escola não tem sido esse espaço. Isso evidencia que a universidade é
100
oficialmente o espaço no qual o professor interessado em ressignificar sua prática
busca agregar conhecimento e se constituir, de forma legitimada, como professor
pesquisador.
Nesse sentido, vale ressaltar a importância das ações da universidade,
voltadas para a formação continuada de professores, na perspectiva de propiciar um
espaço de discussão e fortalecimento dos saberes docentes para uma formação
profissional. No entanto, ainda temos esse espaço de certo modo como cerceador,
visto que a visibilidade dada a essa escrita limita-se ao espaço universitário. Tardif
(2011) já apontou como questão se não seria mais lucrativo para os docentes se
seus saberes da prática cotidiana e da experiência fossem reconhecidos por outros
grupos produtores de saberes, também como produtores de saberes significativos e
originados na própria prática, o que legitimaria profissionalmente a docência.
Concluo portanto que produções de pesquisa docente existem de forma
significativa no espaço da universidade, o que falta é a visibilidade para essas
pesquisas enquanto forma legitimadora do fazer docente. Cabe repensar o que se
tem feito com a produção da escrita docente como forma de atribuir um outro status
à prática do professor que não seja o do professor que cuida, repassa saberes e é
desvalorizado enquanto profissional, mas sim, daquele que tem um posicionamento
político, responsabilidade com o processo de ensino e aprendizagem e
principalmente compromisso com o outro.
A partir da análise minha pesquisa demonstrou que houve a instauração do
diálogo entre as professoras formadoras da universidade e as alunas professora nas
ações expressas na escrita das monografias. Posso afirmar, baseada nas
evidências trazidas a partir dos fragmentos destacados em meu trabalho, onde são
trazidos relatos que demonstram o conhecimento adquirido na universidade através
das
professoras
formadoras,
os
acréscimos
produzidos
pelos
conteúdos
apresentados, as memórias despertadas por momentos vivenciados durante o curso
e como tudo isso constituiu as escritas das alunas professoras.
A interação entre as professoras formadoras e as alunas professoras pôde
ser identificada a partir da retomada que elas fazem dos conteúdos abordados no
curso e como os mesmos puderam contribuir para o desenvolvimento de suas
101
práticas. Quando uma aluna professora15 diz que está aplicando os conhecimentos
adquiridos na especialização em sala de aula com seus alunos e que vai aos poucos
ressignificando o que já sabia isso demonstra que, assim como o som que pode
tomar vários direcionamentos no fenômeno da reverberação, ela pôde perceber a
importância do conhecimento adquirido na especialização não só para ela, mas
também para seus alunos. Esses conhecimentos alcançam também as crianças na
sala de aula a partir do momento em que organizam o fazer pedagógico. A voz das
formadoras se faz presente, não como a fala específica da formadora enquanto
pessoa, mas no sentido da voz que compõe o saber norteador da prática da aluna
professora.
Concluí através de suas narrativas, que as alunas professoras falam, cada
uma de contexto existencial, ligadas a uma concepção de mundo e partindo para
novas perspectivas. O cuidado ao escolher uma prática para falar sobre ela, ao optar
por uma forma de montar essa apresentação, narrar as atividades com seus alunos
e até mesmo entender a necessidade de investir na formação continuada contribuiu
para que pudessem dar sentido (ou sentidos) a esse fazer docente. A concretude
dada à prática através das monografias trouxe a elas a noção de pertencimento a
um lugar muitas vezes tido como inacessível. Elas não estavam escrevendo para
outros professores, mas sim, para si como uma forma de agregar novas
consciências. Essa visibilidade, imagem externa, constitui o sujeito e o acolhimento
dessas imagens forma a autoconsciência.
Assim como nos aponta Bakhtin:
A personagem interessa a Dostoiévski como ponto de vista
específico sobre o mundo e sobre si mesma, como posição racional
e valorativa do homem em relação a si mesmo e a realidade no
mundo (...) Por conseguinte, não são os traços da realidade – da
própria personagem e de sua ambiência – que constituem aqueles
elementos dos quais se forma a imagem da personagem, mas o
valor de tais traços para ela mesma, para a sua autoconsciência (...)
torna-se objeto de reflexão da própria personagem o objeto de sua
autoconsciência; a própria função dessa autoconsciência é o que
constitui o objeto da visão e representação do autor.(2010, p. 52-53)
15
Célia – Turma B
102
Para as alunas professoras, autoras de seu próprio dizer e fazer a imagem
externa produzida através de seus escritos constitui o acolhimento das vozes das
formadoras e a legitimidade do saber adquirido na universidade.
Por fim, percebo a importância dada pela alunas professoras às crianças. Fica
evidente que o centro do planejamento e das ações pedagógicas é a criança em
processo de aprendizagem e que as decisões mais coerentes e responsivas são
tomadas com a participação de todos, inclusive das crianças. Esse processo de
propiciar um diálogo horizontal entre os professoras e alunos ocupa os sentidos
estabelecidos como os reais objetivos, abrindo a possibilidade de se ultrapassar as
barreiras dos medos de expor o que se pensa. Um espaço-tempo de sujeitos
dialógicos que, ao pronunciarem o mundo, vão compreendendo as suas realidades e
intervindo sobre elas para transformá-las. (KRAMER, 2011, p. 56)
As monografias do CESPEB Alfa trazem um grande ganho para os campos
que discutem a inserção da criança como produtora de cultura, saberes e também
de práticas assim como demonstram professoras comprometidas com as mesmas, e
com o processo de ensino aprendizagem. Refiro-me à importância do curso, como
espaço de estudo, pesquisa e prática do professor, no qual, a criança está no centro
das discussões em todo o tempo, pois a prática docente não existe sem a criança, a
prática das mesmas é a mais importante pois ela dá movimento ao fazer pedagógico
do professor, instiga-o, coloca desafios diante do professor. É na sala de aula que as
teorias vão tomando forma e sendo validadas à medida que os sentidos vão sendo
estabelecidos para a criança e em contrapartida vão confirmando ou refutando as
hipóteses do docente.
Segundo Charlot (2012) não importa se o saber do professor é tradicional ou
não mas sim se enquanto professor ele oferece ao aluno espaço para atividades
intelectuais que permitam ao discente aprender a desenvolver suas próprias práticas
intelectuais e qual o sentido que estas têm para o aluno e se o mesmo tem prazer
em sua realização.
Benjamim (2002) diz que “cada uma de nossas experiências possui
efetivamente conteúdos”(p.23). Concluo nesse sentido que as alunas professoras
estão comprometidas com seus alunos. É por eles também que muitas retomam os
estudos, na perspectiva de lhes oferecer uma melhor forma de se relacionar com o
conteúdo escolar propiciando a elas oportunidades de diálogo e produção de
103
sentidos. Dividem com seus alunos um saber adquirido na universidade que lhe
confere uma visão ampliada das situações do dia a dia de sala de aula, um saber
que está sempre em transformação em prol da criança. Ler de uma professora16 que
é necessário garantir a fala de cada um, para que todos tomassem parte do todo
evidencia o quanto temos professores comprometidos com seus alunos e a
responsabilidade que a ação pedagógica exige de cada educador, seja na
universidade ou na escola básica.
16
Sofia – Turma A
104
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109
ANEXO
Dinâmica de funcionamento do CESPEB
Modulo 1: Construindo um projeto de trabalho coletivo
Perfil da turma: professores de uma mesma disciplina
Unidades responsáveis: Faculdade de Educação e CAp
Duração: 15 Horas/ 3 encontros
O primeiro módulo tem como objetivo principal a construção coletiva do
espaço de reflexão, caracterizando o lócus privilegiado de discussão, as concepções
de professor, formação continuada, conteúdos e áreas disciplinares privilegiadas, a
identificação das questões e problemas e a apresentação, discussão e construção
coletiva do projeto de formação a ser desenvolvido ao longo do curso de uma área
específica. Os três encontros previstos nesse primeiro módulo têm como eixo
norteador a construção coletiva do projeto de trabalho a ser desenvolvido ao longo
desse programa de formação.
Modulo
II:
Temas
contemporaneidade
Transversais,
questões,
dilemas
de
nossa
Perfil da turma: professores / alunos de diferentes disciplinas
Unidades responsáveis: Diferentes Unidades do CFCH
Duração: 45 h/ 9 encontros mais 5 horas deatividades na escola
O Módulo II aborda questões s de ordem mais geral que marcam o nosso tempo
presente e que interferem direta e /ou indiretamente no nosso cotidiano. A idéia é
reconhecer no processo de formação, o professor como sujeito político que pensa,
interpreta e age a partir da sua inserção em um mundo historicamente construído.
As diferentes disciplinas oferecidas (anexo 4) traduzem o investimento deste curso
na potencialidade da pluralidade de enfoques e contribuições teóricas das diferentes
áreas das ciências humanas na compreensão do mundo. Por exemplo: a temática da
violência poderá ser trabalhada a partir de recortes disciplinares diferenciados como
110
por exemplo, a perspectiva histórica; pelo viés dos Direitos Humanos ou através da
ênfase na articulação entre violência e dimensão cultural, etc.
Modulo III: Saberes pedagógicos
Perfil da turma: professores/ alunos de diferentes disciplinas
Unidades responsáveis: Faculdade de Educação e Cap
45 horas – 9 encontros presenciais, 5 horas de atividades na escola
O Módulo III aborda os conteúdos pedagógicos que visam aprofundar os
conhecimentos dos professores em formação sobre as pesquisas atuais no campo
da Educação, abordando aspectos referentes ao currículo e à constituição do
conhecimento escolar, às teorias sobre os processos de ensino-aprendizagem, à
avaliação bem como a formação de visão crítica sobre as políticas educacionais
em perspectiva histórica e os subsídios para a compreensão das práticas
pedagógicas em perspectiva cultural e sociologicamente fundamentada. Nesse
módulo serão discutidos, em particular, os conhecimentos oriundos das ciências
da educação .
Modulo IV: Saberes disciplinares: ( Atualização científica)
Perfil da turma: professores / alunos de uma mesma disciplina
Unidades responsáveis: Faculdade
correspondentes à disciplina específica
de
Educação,
CAp
e
Unidades
Duração:
110 horas 22 encontros presenciais. 5 horas – atividades na escola
O Módulo IV volta-se para a atualização dos conteúdos das áreas específicas,
quando os professores em formação continuada terão oportunidade de cursar
disciplinas que contemplam não apenas os aspectos fundamentais dos diferentes
campos do saber como também aspectos mais específicos decorrentes de
pesquisas recentes. As disciplinas (anexos correspondentes aos diferentes
cursos específicos ) desse núcleo visam à atualização de conteúdos em áreas
disciplinares acadêmicas, tendo em vista a possibilidade de inter-relação entre os
temas nas disciplinares escolares. São disciplinas distribuídas a serem ministradas
por professores dos diferentes institutos da UFRJ e/ou de outras instituições do
Ensino superior envolvida.
Modulo v: Saberes didáticos
Perfil da turma :professores /alunos de uma mesma disciplina
Unidades responsáveis: Faculdade de Educação , CAp
111
Duração:
115 horas – 23encontros presenciais. 5 horas – atividades na escola
O Módulo V volta-se para o ensino das áreas específicas, momento no qual os
processos de transposição didática que os professores desenvolvem no exercício
cotidiano de sua profissão são objeto de análise. Os saberes curriculares citados
como um dos componentes dos saberes docentes são aqui considerados como
expressões do conhecimento escolar que, não apenas resultam de uma seleção
cultural mas que, no momento do ensino pelos professores, mesclam saberes
adquiridos durante sua vida escolar, em sua formação profissional, na vida
profissional e pessoal, criando ou reproduzindo configurações cognitivas próprias
de uma epistemologia escolar. Esse momento é relevante e estratégico no curso,
pois apresenta uma oferta de disciplinas e oficinas (anexos correspondentes aos
diferentes cursos específicos ) com abordagem inovadora que tem aberto
possibilidades de compreensão do processo de ensino que norteia a ação
docente, oferecendo instrumental para que o professor conheça e reconheça a
ação que desenvolve na prática do ensinar, reconhecendo sua subjetividade e
possibilidades de autoria num contexto de autonomia relativa.
Dinâmica de funcionamento Módulos IV e V:
Esses módulos se desenvolvem simultaneamente de forma alternada.
Cada coordenador de curso pode organizar a distribuição da carga horária
respeitando os seguintes aspectos:
mesmo número de encontros referentes a cada um dos módulos;
incluir pelo menos 5 oficinas cujos conteúdos nos dois módulos sejam
trabalhados de forma articulada;
Garantir que a dimensão da interdisciplinaridade esteja presente tanto
como objeto de reflexão como estratégia metodológica.
Modulo VI:
Seminário de Monografia
Perfil da turma: professores /alunos de uma mesma disciplina
Unidades responsáveis:
Acadêmicas envolvidas
Faculdade
de
Educação
e
demais
Unidades
Duração:
120 h: sendo 30 horas (6 encontros presenciais) distribuídos ao longo da formação
e90 horas detrabalho individual
Neste módulo está prevista a elaboração de um trabalho final de curso sob
orientação de um professor credenciado, versando sobre um tema relativo ao
ensino na área específica de conhecimento do professor em formação continuada.
O trabalho deverá ser construído ao longo do curso, constando de atividade
elaborada e aplicada pelo professor-aluno em turma na qual atue.
112
A elaboração do trabalho final do curso cria oportunidade para que o professor, ao
definir um tema relacionado à sua prática docente, articule os vários saberes para
explicá-la, ou seja, justificar as opções e decisões tomadas, avaliando também, os
resultados alcançados. Essa elaboração expressa e possibilita a produção de
saberes sobre a atividade docente, contribuindo para o desenvolvimento da sua
capacidade profissional. Essa reflexão sobre a prática estará presente nos
diversos momentos do curso, mas será no trabalho coletivo desenvolvido no
módulo VI e na elaboração individua do trabalho final que os professores poderão
articular os diferentes saberes e práticas confrontados.
Observação: Atividades na escola:
(20 horas): distribuídas ao longo dos módulos II, II, IV e V.
Trata-se de um exercício de qualificação do olhar do professor no sentido de ele
perceber, registrar, estranhar e questionar situações vivenciadas no seu cotidiano
profissional que eles estimem estarem relacionados com as questões debatidas no
curso.
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Dissertação Letícia Santos da Cruz - Faculdade de Educação