A PROFUSÃO DE IMAGENS EM AS MENINAS DE DIEGO VELÁSQUEZ JOÃO MARIA CLAUDINO UFRN O mundo se faz de imagens. Imagens de representação, imagens além da representação, além da referência e além da estética. Deslocamentos de imagens. Vozes que ecoam por entre as imagens. Imagens que se proliferam sem regra e sem critérios de julgamento. Sem juízo estético e sem padrão. Não há regras para o jogo, e ainda que existam, as regras existentes são quebradas, burladas, transformadas. As imagens existem, coexistem, e se transformam com novas expressões, novas figurações, novas abstrações. Proliferam-se, ordenam-se ou reordenam-se numa velocidade surpreendente, causando rupturas – como uma forma de iconoclastia sem quebrar as imagens, mas fabricando-as – porém deixando rastros entre elas. Com base nessa exposição inicial, esse estudo propõe a análise dessa profusão de imagens tendo como ponto de partida o quadro As meninas do pintor espanhol Diego Velásquez expondo a partir dele algumas das várias releituras efetuadas ao longo dos anos e por diferentes artistas. Palavras-chaves: pintura; imagens; arte; Velásquez. 1 INTRODUÇÃO O mundo se faz de imagens. Imagens de representação, imagens além da representação, além da referência e além da estética. Jean Baudrillard, no seu livro A arte da desaparição diz que “vemos a arte proliferar por toda parte, numa proliferação de signos ao infinito, na transformação de formas passadas em formas atuais” (BAUDRILLARD, 1997: 71. Para ele a Arte prolifera-se a partir da sua própria potencialidade de ilusão, a partir da sua própria capacidade de contrapor uma outra cena à sua cena real. O pacto simbólico onde o valor estético corresponde à Arte foi quebrado. O que existe, segundo Baudrillard, é uma inflação dentro da Arte, uma variação múltipla em formas anteriores. E é esta inflação, esse crescimento, que gera a proliferação de imagens. Gerando desordem, ruptura. Esse estudo propõe a análise dessa profusão/proliferação de imagens tendo como ponto de partida o quadro As meninas do pintor espanhol Diego Velásquez expondo a partir dele algumas das várias releituras efetuadas ao longo dos anos e por diferentes artistas. DIEGO VELÁSQUEZ Diego Velásquez foi um pintor espanhol e principal artista da corte do Rei Filipe IV da Espanha. Tecnicamente formidável e considerado por muitos críticos como um insuperável pintor de retratos. Neste quadro é notável a presença de uma técnica chamada tenebrismo – que consistia no contraste entre zonas escuras e zonas iluminadas por um único foco de luz, numa tentativa de ressaltar volumes e relevos –, e que buscava mostrar os detalhes de cada modelo. A respeito do quadro vejamos o que diz Michel Foucault: Las Meninas por Foucault “Talvez haja, neste quadro de Velásquez, como que a representação clássica e a definição do espaço que ela abre. Com efeito, ela intenta representar-se a si mesma em todos os seus elementos, com suas imagens, os olhares aos quais ela se oferece, os rostos que torna visíveis, os gestos que a fazem nascer. Mas aí, nessa dispersão que ela reúne e exibe em conjunto, por todas as partes um vazio essencial é perfeitamente indicado: o desaparecimento necessário daquilo que a funda – daquele a quem ela se assemelha e daquele a cujos olhos ela não passa de semelhança. Esse sujeito mesmo – que é o mesmo – foi elidido. E livre, enfim, dessa relação que a acorrentava, a representação pode se dar como pura representação.” (As palavras e as coisas – 1992, p. 31). 2 RELEITURAS Vejamos a partir de agora algumas das várias releituras feitas tendo como ponto de partida o quadro de Diego Velásquez. De início temos algumas releituras feitas pelo pintor espanhol Pablo Picasso. PABLO PICASSO Nesse primeiro momento, Picasso dá novas formas aos personagens presentes no quadro de Velásquez. Essa nova geometria presente nas figuras relembra um quadro do próprio Picasso chamado Les Desmoiselles d’Avignon. Devemos notar que nesse quadro Picasso apresenta o nome do quadro, das figuras ilustres presentes no quadro, a data, o local de uma possível apresentação e um servidor (que não se faz presente no quadro de Velásquez). PABLO PICASSO PABLO PICASSO PABLO PICASSO PABLO PICASSO Agora, nesses quatro quadros, Picasso altera totalmente as formas presentes, dando contornos totalmente diversos das que compõem o quadro de Velásquez. O pintor agora reproduz os quadros dando a eles formas em que se faz presente a estética cubista (os elementos são apresentados com formas geométricas superpostas). PABLO PICASSO Nesse último quadro, o artista substitui alguns dos personagens presentes no quadro de Velásquez. As mudanças mais diretas e de fácil percepção são o pintor e o cão: Velásquez é substituído pelo próprio Picasso e o cão mastim por um touro. Artistas desconhecidos também produziram releituras do quadro de Diego Velásquez. Vejamos alguns deles. BOB KESSEL Bob Kessel é um artista Americano conhecido por suas ilustrações produzidas com base em obras de arte. Suas preferências são as obras de Picasso e Van Gogh, o que não o impediu de produzir também uma releitura do quadro de Velásquez. Nessa sua composição apresentam-se poucos traços que lembram a produção original, sendo possível notar apenas a figura do pintor e do personagem que está à porta. JOEL-PETER WITKIN Joel-Peter Witkin é um fotógrafo norte americano. Trabalhou como fotógrafo de guerra entre 1961 e 1964, durante a guerra do Vietnã. Mais tarde entrou para a Cooper Union em Nova Iorque, onde estudou escultura e formou-se bacharel em artes em 1974. Nesta releitura, em vez de um quadro temos agora uma fotografia. Nela, o fotógrafo reproduz elementos presentes no quadro de Velásquez. O que chama a atenção agora é para as particularidades presentes. Existe agora um homem deitado aos pés do pintor, mas não com o corpo completo (aparece apenas metade do corpo, da cintura para cima), como se fosse mutilado (partido ao meio); o outro homem que está à porta, aparece seminu, está magro e barbudo; o cão agora é um rottwailer e não mais um mastim, e está amarrado por uma corda, que por sua vez está presa na mão da criança; e a criança apresenta-se também pela metade (como se também tivesse sido mutilada) e está sobre uma estrutura montada em cima de rodas; por último, chama a atenção, a figura do lado direito da fotografia, pois lembra o quadro Guernica de Pablo Picasso. A atmosfera que se faz presente nessa fotografia remete aos horrores das guerras. O fotógrafo Witkin faz então a sua releitura do quadro de Velásquez com base no cotidiano da guerra. AUNDREES Aundrees é um artista americano bastante conhecido na internet. Suas imagens são obtidas por meio de caricaturas e, geralmente, provocam o riso em quem as vê. Na imagem acima o artista faz uma releitura do quadro de Velásquez dando um tom moderno, porém engraçado, ao quadro. Agora, o pintor em vez usar o pincel utiliza uma máquina fotográfica; criança e cachorro, agora, trocam carinho; e as meninas, que no quadro do pintor espanhol estavam em harmonia, agora estão a brigar. 3 PARÓDIA E PARAFRASE COMO ELEMENTOS PRESENTES NAS RELEITURAS Affonso Romano de Sant’Anna em seu livro Paródia, paráfrase & Cia diz que: “Recentemente a especialização da arte levou os artistas a dialogarem não com a realidade aparente das coisas, mas com a realidade da própria linguagem. Como resultado, ocorreu um certo exílio e sequestro do fazer artístico” (SANT’ANNA, 2007: 08). Temos então dentro da profusão de imagens apresentadas a partir do quadro de Diego Velásquez, um diálogo presente de diversas formas, entre diferentes artistas. O autor diz ainda: “Dentro dessa especialização, surge a paródia como efeito metalinguístico, intertextual e intratextual. Podemos dizer então que a paródia é uma forma de a linguagem se voltar sobre si mesma” (SANT’ANNA, 2007: 08). E citando um outro autor em seu mesmo livro diz que: Paráfrase: “é a reafirmação, em palavras diferentes, do mesmo sentido de uma obra... Pode ser uma afirmação geral da idéia de uma obra... Em geral ela se aproxima do original em extensão.” (Karl Beckson) Desse modo, o quadro de Velásquez é o modelo a ser parafraseado ou parodiado. Resta apenas definir qual elemento foi utilizado no momento da releitura. O elemento metaliguístico e intertextual está presente em todas as composições, já que temos a linguagem artística falando sobre a linguagem artística e sobre uma produção alheia; e elemento intratextual presentes nas releituras do Picasso, já que temos uma sequência de desconstruções dentro de sua própria produção. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este não é um estudo concluído (nem em fase de conclusão). É apenas o ponto de partida para, quem sabe, um aprofundamento futuro. Partiu de uma aula em que seria apresentada apenas a primeira imagem. Desse modo, a profusão é gerada a partir de outros olhares e de outras épocas. Quem sabe num outro momento, a partir de um outro olhar, esse estudo venha a ser aprofundado. Num novo entendimento, uma nova sensação, uma nova reorganização, uma nova profusão. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • • SANT’ANNA, Afonso Romano de. Paródia, paráfrase & cia. 8ª ed. São Paulo: Ática, 2007. (Série Princípios) BAUDRILLARD, Jean. A arte da desaparição. Trad. Anamaria Skinner. Rio de Janeiro: ed. UFRJ/N-Imagem, 1997.