1 FACULDADE INTERAMERICANA DE PORTO VELHO – RO LUCENIRA LOPES DE CASTRO REQUI O EMPREGO DE ALGEMAS PERANTE A NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL Porto Velho 2011 2 LUCENIRA LOPES DE CASTRO REQUI O EMPREGO DE ALGEMAS PERANTE A NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL Trabalhomonográfico apresentado ao Curso de Direito na Faculdade Interamericana de Porto Velho – UNIRON, como requisito de avaliação final para obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Professor Especialista Eudes Rosa Cabral. Porto Velho 2011 3 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO Biblioteca Profº. Juarez Américo do Prado R427u REQUI, Lucenira Lopes de Castro. O emprego de algemas perante a nova sistemática processual penal. / Lucenira Lopes de Castro Requi. _Porto Velho: [s.n.], 2011. 62 fls. Monografia apresentada à Coord. de Direito da UNIRON para a conclusão do curso e a aquisição do grau de bacharel em Direito, 2011. Orientador: Profº. Eudes Rosa Cabral. 1. Processo penal. 2. Uso de algemas. 3. Poder de polícia. 4. Segurança Pública. I. CABRAL, Eudes Rosa. II. Título. CDD: 345.0527 Danielle Brito Silva CRB-11-766 4 LUCENIRA LOPES DE CASTRO REQUI O EMPREGO DE ALGEMAS PERANTE A NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL Monografia de Bacharelado em Direito para obtenção do título de Bacharel, pela Faculdade Interamericana de Porto Velho – UNIRON apresentada pela AcadêmicaLucenira Lopes de Castro Requi, regularmente matriculado na disciplina de Monografia II, apresentou e defendeu a presente Monografia de Conclusão de Curso, perante a Banca examinadora. Banca examinadora: ......................................................................................................... ......................................................................................................... ......................................................................................................... ......................................................................................................... Conceito: .......................................................................................................... Porto Velho:............./........../2011. 5 Dedico este trabalho a todas as pessoas que me ajudaram e apoiaram nesta empreitada. 6 Agradeço, a minha família, e professores, pela paciência e dedicação em que desenvolveram na difícil arte de transmitir conhecimento. 7 "A lei escrita pode ser obra de uma ilusão, de um capricho, de um momento de pressa, ou qualquer outra causa menos ponderável; o uso, por isso mesmo que tem o consenso diuturno de todos, exprime a alma universal dos homens e das cousas." Machado de Assis 8 RESUMO O objetivo deste trabalho é demonstrar as alterações trazidas, não sópela súmula vinculante do Supremo tribunal Federal em relação à regulamentação ao uso de algemas, mas também pelas recentes mudanças no CPP e a inércia Legislativa sobre o assunto.Salientar quanto a sua aplicação quando e como poderão ser utilizadas as algemas de forma que preserve a integridade do preso sem ferir seus direitos e garantias fundamentais e principalmente sem uma pré-condenação. Evidentemente que os critérios do uso indiscriminado de algemas não estão defendendo um tratamento mais leniente para os corruptos e sonegadores ou qualquer individuo acusado de crime. O que se pretende é chamar a atenção para a ilegalidade da força pública e da humilhação ao preso, pois atenta contra o Estado de Democrático de Direito. Deve-se proclamar a absoluta necessidade de prudência e razoabilidade na aplicação de medidas antecipadas de restrição da liberdade, por ser a melhor maneira de prevenir a arbitrariedade estatal e de afastar a tentação de extrapolar os limites do uso legítimo da força pelo abuso de autoridade. Porém, temos visto que a regra, infelizmente, é o uso indiscriminado desse meio de contenção frente a diversos fatores afetos às Instituições de Segurança Pública do nosso País. A Constituição cidadã veio num momento em que a sociedade brasileira clamava por mais liberdade em sentido amplo. Assim, almejando um Estado Democrático de Direito a sociedade brasileira,viu-se “protegida” por uma série de dispositivos que careceriam de leis e de regulamentos para sua efetiva implementação. O tema “uso de algemas” mesmo causando certo impacto em sua pronúncia literal acaba por se tornar nos bancos escolares, um paradigma para os futuros operadores do direito, independentemente da área em que irão atuar. Portanto notou-se a necessidade de abordagem sobre o tema desse estudo. De tudo, pôde se concluir que diante de toda legislação em vigor o uso de algemas é regra e não exceção. Palavras-chave: Algemas, Poder de Polícia, Agente Público, Órgãos de Segurança 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11 1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS ALGEMAS .................................................................. 13 1.1 CONCEITOS ...................................................................................................................... 13 1.2 ORIGENS DAS ALGEMAS NA ANTIGUIDADE .......................................................... 15 1.3 O PROGRESSO TÉCNICO DAS ALGEMAS ................................................................. 16 1.4 ESPÉCIES DE ALGEMAS ............................................................................................... 18 1.5 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E ASPECTO DE SEGURANÇA PÚBLICA ................... 21 1.5.1 Projetos Existentes Sobre O Uso De Algemas ............................................................. 21 1.5.2 No Senado Federal ......................................................................................................... 21 1.5.3 Câmara dos Deputados ................................................................................................. 22 2 LEGALIDADE DO USO DE ALGEMAS NO BRASIL ................................................. 23 2.1 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ..................................................................................... 25 2.2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ............................................................................ 26 2.3 NA JUSTIÇA CASTRENSE ............................................................................................. 27 2.4 LEGISLAÇÕES RECENTES SOBRE O USO DE ALGEMA ......................................... 29 2.4.1 A Súmula Vinculante nº 11 ........................................................................................... 30 2.4.2 A Inconstitucionalidade da Súmula e a Militância Judicial em seu Conteúdo ....... 31 2.4.3 Do Âmbito de Abrangência da Súmula ....................................................................... 38 2.4.4 Da Incoerência de se Cumprir a Súmula .................................................................... 40 10 2.5 ASPECTO JURÍDICO DO USO DE ALGEMAS ........................................................ 43 3 ALTERAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ................................................. 45 3.1 DECRETO DO ESTADO DE SÃO PAULO..................................................................... 46 3.2 DIREITO INTERNACIONAL – ONU .............................................................................. 47 3.3 DAS POLÍCIAS BRASILEIRAS ...................................................................................... 48 3.3.1 Poder De Polícia Em Sentido Lato ............................................................................... 49 3.3.2 A Polícia Federal ............................................................................................................ 52 3.3.3 Da Polícia Civil dos Estados ......................................................................................... 53 3.3.4 Das Polícias Militares dos Estados ............................................................................... 53 3.3.5 A Policia Rodoviária Federal ...................................................................................... 54 3.3.6 A Polícia Ferroviária ..................................................................................................... 55 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 56 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 59 11 INTRODUÇÃO Caracterizou-se a pesquisa, após analisar o vasto campo de atuação do direito penal, acabou por desaguar num tema que até pouco tempo não era polêmico em nossos tribunais. O uso da algema. Por mais dinâmico e atual que seja esse tema o mesmo é pouco comentado, de regra, pois, tem-se que o emprego desse instrumento de contenção física, por si só já basta para que todos nós, resguardadas as devidas proporções, já façamos um juízo de valoressobre a pessoa do “algemado”. Na apresentação do primeiro capítulo tornou-se necessário trazermos uma conceituação do instrumento algema, ondee uma abordagem á antiguidade onde demonstraremos a origem das algemas e suas variantes, bem como os motivos que levaram á sua criação, dentro de seus váriossignificados, e para aquelas sociedades que as criaram, bem como durante a fase evolutiva. Num segundo momento, analisaremos o tema do ponto de vista legal e também do ponto de vista legislativo. Como se trata de um assunto, cujo público alvo, quando sujeito à norma penal, por determinado tempo de suas vidas, perdem a cidadania, logo, não exercitam o voto, integram uma parcela da sociedade que não é vista por nossos políticos, assim, uma normatização prática e digna nesse sentido acaba nas gavetas de nosso Congresso. Fato este que há mais de vinte anos que não se legisla sobre o tema, exceto casuísmos recentes, como é o caso da súmula vinculante nº 11, editada pelo Supremo Tribunal Federal e uma tímida alteração no Código de Processo Penal, sobre a permanência do algemado perante o Júri. O tema em questão é de grande relevância, pois visa à garantia de direito fundamental da dignidade da pessoa humana.Em que pesa a regulamentação por um Órgão do Poder Judiciário, sua edição, mesmo que polêmica veio suprir uma lacuna legislativa, e que será objeto de análise aprofundada. 12 Para um melhor entendimento das nuances que norteiam o emprego da algema pelos Órgãos ligados à Segurança Pública, é imprescindível uma análise e embasamento legal dessas Instituições, conquanto o Poder de Polícia que lhes é conferido. É na linha de frente que encontraremos maior dificuldade normativa sobre esse instrumento contendor da força agressiva do criminoso em detrimento da incolumidade pública das pessoas de bem. Realizaremos ainda uma abordagem doutrináriadas normas existentes, bem como em relação à súmula vinculante nº 11, analisando o seuconteúdo, a sua legitimidade perante a opinião dos operadores do direito, donde pudemos compilar várias interpretações e opiniões de renomados juristas, incluindo as exceções legais. Ao final, como conclusão, em face de todas as situações encontradas, inclusive no âmbito das Instituições Policiais, se verificará uma grande lacuna entre a norma legal e a doutrina de emprego da algema propriamente dita,na linha frente, no dia-a-dia, dos agentes públicos, que integram os diversos segmentos ligados à condução de pessoas, ou mesmo no primeiro contato com o suposto delinquente no combate à criminalidade. Como a temática sobre o uso da algema aflorou na mídia recentemente, alguns operadores do direito ousaram emitir suas opiniões ou comentar doutrinariamente a norma existente. Importante mencionar, que, para nossa surpresa, o único Estado da Federação que já disciplinou a matéria foi o Estado de São Paulo, aindaem 1950. Mesmo com a previsão no Código de Processo Penal-CPP, no Código de Processo Penal Militar-CPPM, (lei especial),e mais recentemente com a edição da súmula vinculante nº 11 pelo Supremo Tribunal Federal, a matéria está,longe de ser pacificada ou mesmo normatizada de forma clara a orientar os agentes do Estado encarregados da Segurança Pública. Nas escolas de formação, veremos que não há doutrina própria nessa ou naquela instituição, mas sim, se ensina apenas as técnicas de imobilização, as formas de contenção pela força, de modo a preparar o homem para seu mister, sem contudo, lhe fornecer um suporte legal que o ampare na decisão “algemar”. 13 1EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS ALGEMAS Da antiguidade à atualidade esse instrumento foi e continua inserido na sociedade e nos costumes dos mais diferentes povos,não podendo ser visto como novo muito menos, desconsiderado. Para isto, verificar-se-á seu processo de transformação estrutural e material. Como cultura dos povos em evolução, a algema é,a priori uma ferramenta estatal ou de aplicação pelo estado/poder para subjugar, em tese, aquele que transgride a lei ou a norma daquela sociedade. 1.1 CONCEITOS Para melhor entendimento é bom saber que segundo o Dicionário Mor1 da Língua Portuguesa, define-se “algema como par de argolas com que se prendem os braços pelos punhos os delinquentes ou cativos; grilhões, grilhote. Tudo o que prende, sujeita, obstáculo moral”. Desta forma, diz Souza2 em seu dicionário: [...] ser a algema instrumento de ferro com que o alcaide ou oficial de justiça prende as mãos do criminoso, ou dedospolegares (Vestígios da língua arábica em Portugal’, Lisboa. Of. de Acad. Real das Sciências). [...] certo instrumento de ferro com que se prende as mãos ou dedos polegares, aos que são conduzidos pela Justiça às cadeias (“Esboço de hum dicionário jurídico, theorético e práctico”, Lisboa, T. Rollandiana, 1825, T I, verbete respectivo). Nesse passoScotini3em seu léxico diz: “algema peça metálica que serve para prender um indivíduo pelos pulsos; grilhões; fig. prisão.” E segue, “cadeia, corrente, corrente formada por elos metálicos; prisão”. Ao verificarmos no dicionário Aurélio4esse instrumento é definido como:“cada uma de um par de argolas metálicas, com fechaduras e ligadas entre si, us. para prender alguém pelo pulso. [Mais us. no plural]”. 1 MOR, Dicionário da língua Portuguesa. vol. 1. São Paulo:Livro’Mor. p. 131. SOUZA, Frei João de. Na Of. Da Academia Real das Sciências. 1789. p. 36. 3 SCOTTINI, Alfredo. Minidicionário Escolar da Língua Portuguesa. Compilado. Blumenau: Todolivro. 2007.p.38-74. ISBN 978-85-376-0032-0. 4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio. Dicionário Eletrônico. 7. ed. Curitiba: Positivo.2008.ISBN 978-85-7472-959-6. 2 14 O estudo da palavra, manietar, deriva do latim5manus; o ato de atar ou prender as mãos, outro significado importante é da palavra cadeia vem de catena, que significa corrente. O vocábulo Inglês traz o termo handcuffs,6 algema, e legironsou legcuffspara as partes que emparelhavam o tornozelo dos presos.Handcuffs, palavra originária do antigo anglo-saxão handcop, significando prender as mãos. Nessa mesma esteira de significados aparece a palavra cope coppe.7nomeando policiais nos Estados Unidos e Reino Unidorespectivamente. Segundo Pitombo:8 Algemas é o instrumento de força, em geral metálico, empregado pela Justiça Penal, “com que se prendem os braços” de alguém, “pelos punhos”, na frente ou atrás do corpo, ao ensejo de sua prisão, custódia, condução, ou em caso de simples detenção. Outro termo também utilizado em outras épocas é grilhões, do espanhol grillos9espécie que correspondia a corrente de ferro ou algemas de pés e seu diminutivo é grilheta. A expressão algema origina-sede al-djamma ou al-jemma10, que na língua Árabesignifica “pulseira”.Herança da ocupação árabe-sarracena na Península Ibérica,11 passou a integrar o dicionário da língua portuguesa tendo em vista a influência desse povo,o que se tornou comum o seu uso, em meados do século XVI, no sentido de aprisionar. Ximenes12 traz esta definição: “instrumento composto de duas argolas de ferro e uma fechadura, com que se prendem os braços pelo pulso. [mais usado no plural]”. O ato de limitar o braço e pernas é antiguíssimo, este ato demonstrava uma maneira chocante e imponente de conduzir prisioneiros colocados assim, aquele que o escoltava numa demonstração de poder e força. 5 SARAIVA, F.R. Dos Santos. Dicionário Latino Português.12 ed. Belo Horizonte-RJ:Garnier. 2006.p.710. GOYOS JUNIOR, Durval de Noronha. Dictionary Jurídico: English-Portuguese, Portuguese-English. São Paulo: Observador Legal. 1992. ISBN 8585548-01-0. 7 Dicionário Vocabulário Tradução. Disponível em: <http://pt.bab.la/dicionario/ingles-portugues/handcuffs>>, Acesso em: 10 jun. 2011. 8 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Emprego de Algemas. Revista dos Tribunais. Ano 74.v. 592. Fev. 1985. p. 275. 9 Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Grilh%C3A3o&printable=yes> . Acesso em 5 Junho 2011. 10 HOUAISS, Antônio e Villar de Salles.Dicionário Houaiss da Língua Portuguêsa. 1ed. Rio de Janeiro. p. 93. ISBN 978-85-7302-963-5. 11 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a Dignidade da Pessoa Humana. Fundamentos jurídicos do Uso de Algemas. São Paulo: Lex. 2008. p.20. 12 XIMENES, Sérgio. Dicionário da língua portuguesa. 2. ed. reform. São Paulo: Ediouro, 2001. p. 41 6 15 Temos que ter por norte, que o emprego da algema desde a antiguidade comosendo um elemento de prevenção ou ‘aviso’ a pretensos transgressores da lei, pois, as pessoas eram submetidas à disciplina e conduzidas em público ou até mesmo expostas de forma humilhante e degradante para demonstrar superioridade. 1.2 ORIGENSDAS ALGEMAS NA ANTIGUIDADE No contexto históricohá 4.000 anos nos Relevos da Mesopotâmia,13foram encontrados registros de prisioneiros com mãos atadas.Outros registrosforam gravados nasartes em cerâmica trazidas de uma cultura pré-incaica, de 100 a 700 d.C., este povo situouse ao norte do Peru,ondehavia pessoas com mãos amarradas às costas, vítimas de sacrifícios rituais.·. Através da Sagrada Escritura14 existe algumas passagens, onde se faz alusão ao uso de algemas; estas, já em metal e denominada de grilhões, cadeias e correntes, indistintamente. Timóteo2,1: 16, [“...]porque muitas vezes me deu ânimo e nunca se envergonhou das minhas cadeias” “Timóteo; 2, 2:9, pelo qual estou sofrendo até algemas, como malfeitor: contudo, a palavra de Deus não está algemada.” “Lucas 8:29, [...] e estava preso com cadeias e grilhões, [...].” “Marcos 5:3, o qual tinha o seu domicílio nos sepulcros, e nem com cadeias o podia alguém ter preso.” “Marcos 5:4, porque, tendo sido atado por muitas vezes com grilhões e com cadeias, tinha quebrado as cadeias e despedaçados os grilhões [...].” “Atos 12:6, [...] Pedro dormia entre dois soldados, preso com duas cadeias; os guardas à porta vigiavam a prisão.” “Atos 12:7, [...] Caíram as cadeias de suas mãos.” “Atos 20:23, [...] me assegurava que me esperam cadeias e tribulações.” “Atos 26:29, [...] não somente tu, mas também todos quantos me ouvem se fizessem hoje tais qual eu sou, menos estas prisões.” “Atos 28:20, [...] porquanto, é por causa da esperança de Israel que estou preso com esta cadeia”. (grifo nosso) 1977. Nesse Contexto, a Mitologiagrega deixa registro em uma lenda onde Sísifo que gostava muito de se envolver na vida das pessoas levanta conversa injuriosa contra Zeus15, dizendo que o mesmose apaixonou e raptou Égina, filha de Asopo Deus-rio, e ao fugir com a moça passa na cidade onde Sísifo mora.Corre para entregá-lo a Asopo, em troca de uma fonte de água permanente para sua cidade. Zeus, muito bravo, pediu a Hades que penalizasse firmemente Sísifo e o levasse para o inferno. Hadessaiu em cumprimento da missão,foi logrado pelo ardiloso Sísifo, que ao ver um par de algemas pedira para Hades lhe demonstrar 13 ALMEIDA, Bruno Rotta. Uma noção de liberdade: o uso de algemas a partir da filosofia. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14857/> . Acesso em 10 Jun. 2011. 14 Bíblia Sagrada. Vol. I. 1978. 15 Disponível em: <http:/www.omarrare.uerj.br/numero10/pdfs/mirian.pdf. Acesso em:20 Junho 2011. 16 como ele iria levá-lo. Ingenuamente,Hades passa a demonstrar o uso das algemas passando-as em sua munheca. Sísifo mais que ligeiro fecha as algemas, mantendo o mesmo preso em sua casa, pois enquanto estivesse preso não levaria mais ninguém à morte, pois o mesmo era o deus do inferno. Pode-se extrair do curso da história que os nomes divergem,mas os demais termos são sinônimos e o seu uso permanece ate hoje, muito embora os motivos de sua criação mudaram. É o que passaremos a abordar no próximo tópico, onde seu significado mudou ao longo deste percurso. A cultura de um povo ditanormas e a utilização das algemas, grilhões, ferros, cadeias ou qualquer nome a ela denominado terá um efeito. No transcurso da história, o sistema penal tinha uma conotação repressiva, onde se abrigava a aplicar prática barbaras e vil. De natureza punitiva a intenção muito antes da sentença era a provocação de dor,modo este de infligir mal ao réu no próprio corpo. 1.3 O PROGRESSO TÉCNICO DAS ALGEMAS O tipo de material utilizado na fabricação de imobilizadores (mãos e pés) era diferente, até porque, o ferro antigamente era muito caro e raro, utilizando-se para a fabricação de armas de fogo. Remotamente, tivemos o uso de cordas, de fácil aquisição e de baixo custo e traziam o efeito esperado pelos captores, pois com a fricção e o aperto exagerado ocasionavam ferimentos nos presos, o que de longe era uma preocupação para quem prendia. Seu uso era simples e o meio para removê-las também, bastava corta-las, o que trazia uma grande insegurança aos captores, pois quaisquer prisioneiros poderiamdelas se livrar. Não se nega a possibilidade de usá-las na atualidade, dependendo do lugar e das circunstâncias utilizar-se-á. Devido à fragilidade das cordas, surgiu o grilhão, de fabricação mais resistente, e de difícil remoção esse instrumento prendiam de modo firme os pulsos ou tornozelos do detido.Sua confecção consistia num metal que poderia ser ligado entre si por correntes ou barras de metalpermitindo desta feita as formas mais variadas de se imobilizar. Os grilhões eramconfeccionados de forma circular e suas grilhetas em diversos tamanhos trazendo desta forma um grau de dificuldade maior para quem tentasse escapar. 17 As correntes eram utilizadas nos presos pelas pernas, e seus movimentos eram limitados,pois, no máximo se poderia dar algum passo. Desta feita, usavam-se os grilhõestambém no pescoço. Com efeito, surge então o problema dos grilhões, onde seu diâmetro embora variado, muita das vezes impossibilitava sua utilização em pessoas de pulso fino, tornando-se ineficiente.Já, nos detidos mais avantajados acarretava desconforto maior, trazendo muito sofrimento e dor. Mais difíceis de remover os grilhões eram utilizadas nos pulsos, pés e pescoço. Sua maior dificuldade consistia na sua regulagem, pois dependia de várias pulseiras com os mais diversos diâmetros. A corrente antes utilizada presa aos grilhõesfuncionou por algum tempo, mas o desconforto era visível. Desta forma teriam que ter grilhetas de vários tamanhos para adequar-se à compleição física do subjugado. Esse fabrico é simbolizado na música de D.Pedro-I, em nosso Hino da Independência do Brasil, “[...] Os grilhões que nos forjava, da perfídia astuto ardil, houve mão mais poderosa zombou deles o Brasil. [...],16 criado logo após o 7 de setembro na letra de Evaristo da Veiga. Os grilhões, enquanto instrumento contendor das mãos foram aperfeiçoados e as algemas, contemporâneas e mais elaboradas passaram a ser usadas por quase todas as sociedades sem qualquer indício de serem suprimidas, com exceção da Europa.Somente os países fora da Europa ainda se utilizam dos grilhões. A algema também se encontra presente na época da escravidão, onde os negros eram tidos como propriedades, amarrados e açoitados, como forma de punição. Em tempos remotos, o ato de se imobilizar os pés e as mãos de presos com algemas era comum, pois ao impedir seus movimentos simbolizava opressão. No inicio, as limitações dos anéis de metal travados no lugar foram sendo aperfeiçoados e corrigidos em 1862, sendo queWV Adan, revolucionou o dispositivo com a invenção de catracas ajustáveis que vinculariam perfeitamente aos pulsos grossos ou finos17. Estas algemas eram um arco quadrado com entalhes no exterior que contrataram com um mecanismo de bloqueio em forma de lágrima. Anos após, esta invenção foi patenteada por Orson C. Phelps,com uma nova versão de algema catraca, com os entalhes voltados para o interior do arco quadrado. 16 COLÉGIO OBJETIVO. Diário do Aluno. Ensino Fundamental 2º ao 5º ano, 2011. HARIS, James. Um Estudo de Melhorias das Algemas.1989. http://www.maderow.com/Volume -7/Handcuffs.html. Acessado em: 14/07/2011. 17 Disponível em: 18 Um empresário chamado John Tower,utilizando o padrão de perfeição, habilidade e eficácia das algemas Adans, abriu sua própria fábrica de algemas, em 1865, adotando as patentesPhelps, que passou a chamar Sociedade Torre de algema, fabricada até a Segunda Guerra Mundial. No ano de 1871, Torre patenteou sua primeira algema e a inovação do seu projeto foi a substituição de um arco quadrado para um arco redondo. Essa patente foi entregue em 1874. As algemas ajustáveis tiveram uma falha em seu mecanismo de mola, onde era possível a pessoa soltar-se do bloqueio e fugir. Torre resolveu inovar mais uma vez, criando uma algema de bloqueio duplo, patenteada em 1879. As inovações não pararam. No decorrer do século XIX e XX, um inventor chamado ED Bean em 1882, criou um botão de liberação para manter o mecanismo de travamento, esse mecanismo foi aperfeiçoado por outro inventor, onde serviu de base para todos os outros modelos, foi patenteada em1912. Até que em 1920, surgiram as algemas usadas até os dias de hoje, tais como: semiarco, fixo e duplo, composta por duas peças de metal recurvo a qual se permite que a parte móvel dentada passe e por fim as travas. Pode-se observar que as algemas em tempos remotos até a atualidade,através de suas várias conceituações foram e são utilizadas nas mãos, pernas e no torso, da qual sua forma também sofreu alteração e consequente evolução. 1.4ESPÉCIES DE ALGEMAS Vale lembrar que, nas Ordenações do Reino de Portugal, não havia pena de prisão,18 esse instrumento era utilizado para limitar os movimentos dos braços, do qual era utilizado nos dedos polegares ou nos pulsos. Percebe-se que o ato de imobilizar membros do corpo trazia para o suspeito ou condenado o início de uma série de horrores. Para os dias de hoje, para algumas pessoas leigas a visualização de uma pessoa algemada transparece prejulgamento. Dai a preocupação do legislador em tornar a sua prática uma exceção e não uma regra. Foram vários os modelos de algemas criadas, podendo ser divididos em dois subgrupos: Metal, uma das que mais evoluíram e a algema de plástico.19 18 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. 16ª ed.Atualizada por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 354. 19 A primeira era confeccionada com duas peças de metal surgiu como umafigura de oito e seu mecanismo consistia em uma dobradiça de um lado e a fechadura do outro. Interessante notar que as duas peças formavam um algarismo 3quando aberta, e quando unidas um número 8, daí o seu nome. Como o espaço entre as algemas e o pulso do preso eram mínimos, estas provocavam muito desconforto e dor, e eram utilizadas no preso, tanto pela frente como pelas costas. Outro modelo surgiu no mercado chamado de cifrãoou até mesmo dólar, sua forma em “S” baseava-se numa barra de ferro ou aço ligeiramente curva, onde era presa a um eixo central. Oproblema decorrente do uso dessa algema equiparava-se as algemas em figura-deoito, que abrindo colocava um pulso do preso abaixo e o outro acima da barra principal, fechando em S. Sua estrutura se modernizou para o formato de U, com um parafuso e uma porca em formato de borboleta e essa porca era girada até ajustar no pulso do preso. Vários foram os dispositivos inventados, porém buscava-se o que de melhor seajustava aos pulsos do prisioneiro e o de uso mais prático e rápido. Aalgema que melhor se ajustoufoi a deuma corrente fina ou cabos, cordas de piano em aço, cujo mecanismopermitia a abertura com uma manopla em cada ponta ou fechada com uma única manopla. A forma usada pelos agentes policiais era de colocar a corrente ou cabo em torno de um dos pulsos do prisioneiro ou ambos e torcê-los pelas manoplas. Esse procedimento fazia com que os pulsos ficassem mais firmes, dificultando a fuga, pois bastava torcê-los para haver uma quebra de resistência, resultando muita dor e ferimentos ao conduzido.Esse sistema era conhecido como ligotte, cabrioletou twister.20 Nesse meio tempo surgiram as algemas de controle imediato, onde de forma rápida se poderia conter ânimos alterados. Esse instrumento consistia numa grilheta única juntada a uma manopla, indicadas de nippersem inglês, Vorführzange ou Schliesszange21 em alemão. Esse tipo de algema consistia na abertura da grilheta através de um sistema mecânico e sem chaves, dessa forma, controlava-se um dos braços do custodiado de forma firme e positiva sem utilizar as mãos para segura-lo. 19 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a Dignidade da Pessoa Humana. Fundamentos jurídicos do Uso de Algemas. São Paulo: Lex. 2008. p. 14-27. 20 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a Dignidade da Pessoa Humana. Fundamentos jurídicos do Uso de Algemas. São Paulo: Lex. 2008. p. 14-27. 21 Idem, ibidem. 20 No decorrer da história, as algemas precisavam ser mudadasno tocante ao ajuste dos pulsos e a rápida forma de emprego, pois seu objetivo principal era, e é, a diminuição de resistência dos indivíduos. Somente em 1880, foram criadas nos Estados Unidos as algemas ajustáveis. Seu sistema de funcionamento consiste emuma catraca em forma de arco, onde desliza dentro do mecanismo e seu travamento se dá com os dentes que este dispõe de um dos lados, ajustandose facilmente a qualquer tipo físico. Existira, porém, um impedimento para seu emprego, pois a mesma deveria ser transportada aberta para que pudesse permitir ao agente do estado ser utilizada de imediato, senão deveriam usar chaves para destrava-la, o que demandaria tempo e a possível resistência ou fuga. Esse modelo foi copiado em toda sua extensão e em todo o mundo, muito embora os modelos das algemas anteriores continuassem sendo fabricadas evendidas. Aperfeiçoaram-se as algemas em 1920, que consistia emsemiarco fixo duplo, composta por duas peças de metal recurvo onde o arco móvel edentado podia passar, dessa forma não permitindo que se abrisse, a não ser com o uso das chaves. Esse tipo de algema poderia ser transportada fechada o que não impediria utilizar-se rapidamente, por tratar-se de parte móvel e ajustável somente com uma simples pressão no pulso. Esse já é o nosso modelo atual. Neste mesmo período surgira às algemas com travas, objetivando impedir queuma vez ajustada, não precisava mais ser apertado além do necessário no pulso do indivíduo. Esse tipo de mecanismo evita a lesão, o que protege o detido e por consequência o policial. Surgiram ainda as algemas de polegares, utilizadas pelos policiais em conjuntocom a de pulso, evitando desta feita as lesões e fraturas. A segunda, bem mais recente no mercado,é a mais moderna das algemasdescartáveis, que é fabricada em fita flexível feita de fios de poliéster com corpo de trava. Funciona como lacre,podendo ser removida com um objeto cortante.No Brasil, nossas polícias já se utilizamdesse acessóriofornecido pelo Estado. A polícia norte-americana utiliza essas algemas descartáveis somente em situações em que não haja violência. Como dito, em nosso País as algemas de plástico, são utilizadas somente quando o número de algemas de metal for insuficiente, ou quando se tratar de pessoa muito obesa ou que tenham outros empecilhos físicos. 21 Destaca-se que, dentro dos vários modelos existentes algumas algemas continuam sendo vendidas, muito embora estranhamente e inapropriadamentesejamutilizadas por policiais os instrumentos sem trava. Atualmente existem modelos de algemas revestidas de polietileno, não abrasivo e com maior conforto a quem está sendo limitado. Na prática essaalgema no Brasil não é fabricada sendo inviável sua aquisição, tendo em vista o seu alto valor aquisitivo. 1.5 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E ASPECTO DE SEGURANÇA PÚBLICA 1.5.1 Projetos Existentes Sobre O Uso De Algemas Como em nosso sistema legislativo reina o processo bicameral, e também alguns interesses individuais, há projetos de leis pendentes de acabamento nas duas ‘casas’ legislativas. Trataremos cada uma delas em apartado. 1.5.2 No Senado Federal No Senado Federal existe o Projeto nº 185/2004 de 15/06/2004, de autoria do Senador Demostenes Torres22,que como um “bravo guerreiro” sua matéria parece estar caminhando regularmente. (anexo 1) O mencionado projeto divide-se nas hipóteses: que cabem, nas que não cabem, no registro dos casos e no que fazer nos abusos, sendo um projeto enxuto. Art. 2º As algemas somente poderão ser empregadas nos seguintes casos: I – durante o deslocamento do preso, quando oferecer resistência ou houver fundado receio de tentativa de fuga: II – quando o preso em flagrante delito oferecer resistência ou tentar fugir; III – durante audiência perante autoridade judiciária ou administrativa, se houver fundado receio, com base em elementos concretos demonstrativos da periculosidade do preso, de que possa perturbar a ordem dos trabalhos, tentar fugir ou ameaçar a segurança e a integridade física dos presentes; IV – em circunstâncias excepcionais, quando julgado indispensável pela autoridade competente; V – quando não houver outros meios idôneos para atingir o fim a que se destinam. 22 Disponível em:<www. Senado.gov.br. Atividade Legislativa. Sistema de Tramitação de Matéria>. Acesso em: 22/09/2011. 22 O projeto traz os casos em que seria possível o uso de algemas permitindo no deslocamento ou, no flagrante, quando houver resistência ou fundado receio de fuga, durante a audiência, se houver fundado receio, baseado na periculosidade, como é o caso dos incisos I, II, e III. O ponto fraco do projeto são os incisos IV e V, onde determina o uso de algemas em “circunstâncias excepcionais”, quando julgados “indispensáveis” pela autoridade competente, e o segundo quando “não houver outros meios idôneospara atingir o fim a que se destinam”. O primeiro tem falha de não limitar o que seriam os casos indispensáveis, deixando uma margem indesejável à autoridade, por outro lado, o segundo inciso fala do “fim a que se destinam”, sem constar no projeto qual seja tal fim, pergunta-se seriam os dos três primeiros incisos? No artigo 4º determina que exista livro próprio para o registro do uso de algemas, da qual deverá constar o seu motivo fundamentadamente. Já o artigo 5º Trazendo acertadamente que os abusos deverão ser comunicadosao MP, órgão responsável constitucionalmente pela titularidade da ação penal, impedindo a manutenção somente na esfera administrativa. 1.5.3 Câmara dos Deputados A polêmica do uso de algemas em presos no Brasil reacende a discussão na Câmara Dos Deputados, foram propostos 13 projetos de lei23 (anexo II), os projetos tentam estabelecer os limites entre os diretos individuais do cidadão, garantidos pela Constituição, e a necessidade de o Estado garantir a integridade de terceiros e daqueles que estão sob sua custodia no ato de prisão. A par disso, todos os projetos tramitaram no ano de 2008, atualmente tramitando de forma conjunta. Os projetos tramitam apensados ao mais antigo (PL 2753/2000), na Comissão de Constituição e Justiça daquela casa, porém, foi aprovado somente o projeto do Deputado De Velasco (PL – 3287/2000), publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 29/ de junho de 200024. 23 Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposiçõesWeb/prop_imp?idProposiçõesAcessado em: 25/09/2011. 24 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_imp?idProposicao=19413&ord=1&tp=completa>. Acessado em 25/09/2011. 23 Vale salientar que, o projeto do Deputado se divide em duas seções. A primeira do emprego específico de algemas, e a segunda tratam de criação de tipos penais para quem extrapola o seu uso, especificamente dos abusos. Em seu artigo 1º traz o uso de algemas como “privativo das autoridades policiais e seus agentes”, o que derrogaria a Lei nº 9.537/9725, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional, permitindo ocapitão da embarcação o uso de algemas, visto que, capitão de mar não é autoridade policial muito menos agente policial. Nos casos de possibilidade, prevê o artigo 2º: “resistir ou desobedecer à ordem de prisão”, inciso I, “tentar ou der indícios de que pretendefugir”,inciso II, “ou puser em risco a própria integridade física oumoral ou as de outrem”, inciso III. A lacuna legislativa acaba por vezes a deixar as Instituições responsáveis pela aplicação da lei, desamparadas, pois, não havendo clareza de procedimento, cada instituição edita normas peculiares, adequando-as à sua realidade local. Como exceção, temos a situação, em tese, já resolvida no Estado de São Paulo, cujo Decreto já foi objeto de estudo, porém, dada a previsão constitucional do art. 68, §, II, e como tal iniciativa foi ainda em 1950, seria oportuna uma análise mais acurada sobre sua recepção pela Carta de 88, porém, não será objeto de nosso estudo. Temos em nosso País várias Instituições Policias, e analisaremos cada uma delas sobre o prisma do emprego ou do uso da algema em suas atividades cotidianas. 2LEGALIDADE DO USO DE ALGEMAS NO BRASIL O ordenamento jurídico no Brasil determina que o uso de algemas seja regulado por Decreto Federal, constante no artigo 199, da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal. Seu surgimento se deu juntamente com a reformulação da Parte Geral do Código Penal. Oportuno seria sua regulamentação de forma definitiva o que complementaria e disciplinaria em âmbito nacional o uso de tal instrumento. Nesse contexto, num país em que se utiliza o sistema da civil law, donde todo direito é exteriorizado na forma escrita, a falta de regramento nacional específico acarreta certa insegurança, devendo as regras para sua utilização ser inferidas, a partir de interpretação doutrinária dos institutos em vigor. Pode-se observar que no texto do artigo 199 da LEP, o legislador delegou ao Poder Executivo a regulamentação específica do tema “algema”. Decorrido prazo sem o fazer, 25 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9537.htm. Acessado em 29/09/2011. 24 perdeu o Presidente da República a oportunidade de tal legalização. Notadamente é uma norma de iniciativa do poder executivo. Com a promulgação da Constituição de 1988, o artigo 68 delega ao Presidente da República a competência para sua elaboração, solicitando para tanto, tal poder ao Congresso Nacional. No entanto o § 1º, inciso II, do mesmo artigo, atribui a competência para legislar sobre direitos individuais, exclusivamente ao Poder Legislativo. O embaraço ocorre ante o emprego de algemas ser uma limitação constitucional ao direito de liberdade e afetar diretamente garantias constitucionais. Diga-se que tal regulamentação anda a passos lentos, carecendo a LEP em seu artigo 199 ainda de complementação regulamentar. Nesse diapasão diversos projetos tramitaram, uns foram arquivados e outros ainda se encontram tramitando no Congresso Nacional, mas não despertaram a atenção dos parlamentares, uma vez que já se passaram vinte e sete anos e até o momento ainda estão por ser finalizados. Cabe mencionar, em princípio, pela polêmica que circunda a matéria, emespecial envolvendo o uso de algemas, que somente sairá das gavetas quando ocorrer casuísmos envolvendo personalidades importantes da nação. E isso já ocorreu. É o que temos a afirmar como passado recente, ocasião em que, nossos legisladores se arvoram para resolver na maioria dos casos, com a edição de leis esparsas e de caráter especial, para simplesmente dar resposta àquela situação determinada. Desta feita, as “normas de emergência” em regra imperam, e o que deveria estar disciplinado de uma forma geral pelo então Código de Processo Comum, que subsidiariamente auxilia os demais, acaba, infelizmente em normas especiais. Exemplificativamente podemos citar o mais recente caso onde em 2008, através das inúmeras operações policiais, nunca se criticou e repudiou tanto o uso de algemas, isto porque, várias pessoas da alta sociedade como o advogado Ricardo Tosto, o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, ocasião em que, surgiram diversos projetos de lei motivados pela exposição na mídia dos detidos que foram presos e algemados. O costume Legislativo onde os processos andam a toque de caixaé chamado de “normas de emergência” é criticado por Choukr,26 onde destaca: a situação brasileira apresenta uma delicadeza particular quando se pensa na cultura emergencial, característica esta comum aos países em processo de (re)democratização, onde os valores que lhes são próprios mal são 26 CHOUKR, Fauzi Hassan. O Processo Penal da Emergência.2002.p. 215 25 estabelecidos no pacto de civilidade e acabam por ser desmoralizados na prática dos operadores do direito - e na prática social, de forma geral - que desta forma conferem uma vivência apenas formal aos cânones culturais da normalidade. A ausência de uma norma regulamentadora para a utilização do uso de algemas pelos agentes do Estado, que as utilizam como instrumento de trabalho, traz a incerteza na execução de prisões e no transporte de presos, pois a norma a trata como uma excepcionalidade da qual, na prática não se utiliza, se na linha de frente essas mesmas normas não funcionam. Segundo Cavalcanti:27 o direito do cidadão e a segurança da sociedade, via de regra, ocasionam conflitos que devem merecer soluções judiciais, razão pela qual não podem ficar a mercê da regulamentação de um dispositivo legal que eterniza desde 1984. A inexistência de uma regulamentação específica e explicita sobre o uso de algemas ainda está por existir, porém, analisando atentamente o direito vigente Gomes28 constata que: “já contamos com um produto legislativo mais do que suficiente para concluir que podemos fazer “bom” (e moderado) uso das algemas”. 2.1 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL No bojo da Magna Carta, lei maior de um País, mais precisamente em seu artigo 5º, III (Segunda Parte). Diz: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – [...] II – [...] III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; 27 CAVALCANTI, Ubyratan Guimarães. O uso de Algemas.Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ministério da Justiça. Janeiro a Junho de 1993. p.29. 28 GOMES, Luiz Flávio. Revista Jurídica Consulex 26 Porém, nesse mesmo artigo temos a legalidade da prisão em flagrante delito, que se permite a qualquer do povo a efetivação do ‘ato de prender’ qualquer que seja, desde em situação de flagrância delitiva. Já, as autoridades devem prender, e aí que está o diferencial, a ‘mão do estado’ sobre seu tutelado. É nessa situação que os agentes públicos se utilizam da algema para desempenharem seu papel ou exercitarem o poder de polícia que lhes é peculiar em razão da função pública de que são investidos. 2.2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Retira-se do CPP29 dois artigos que devem ser levados em conta. “Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.” (negritamos) e, Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas. Denota-se que a Legislação Pátria dispõe que o uso da força seja empregado como de uso excepcional, permitindo tal medida no caso de resistência ou de tentativa de fuga, inserindo-se desta feita a utilização do uso de algemas, porém sem explicita-las. Pitombo30 afirma que por força entende-se: “Poder excepcional, que se exercita, consoante às leis do processo (arts. 284 e 292), discricionariamente, mas sem atentado à garantia constitucional da pessoa coagida, no que lhe toca à integridade física ou moral.”(grifo nosso). Vejamos o que dispõe o artigo 284, do CPP, ao estabelecer que “não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”31, esse dispositivo é utilizado frequentemente para fundamentar o uso de algemas quando há a hipótese de resistência ou de fuga. Nucci, interpretando tal dispositivo, esclarece que o CPP impõe: a prisão seja feita sem violência gratuita e desnecessária, especialmente quando há aquiescência do procurado. Entretanto, especifica expressamente, 29 Anne Joyce Angher. VadeMecum – Acadêmico de Direito. 10 ed. São Paulo: Rideel. 2010. p.406. PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Ob. cit. p.13. 31 Anne Joyce Angher. VadeMecum – Acadêmico de Direito. 10 ed. São Paulo: Rideel. 2010. p. 406. 30 27 que a força pode ser utilizada, no caso de haver resistência ou tentativa de fuga.32 A excepcionalidade do uso de algemas acima descrito ressurge assim que o detido atente contra a desobediência, a segurança, ou até mesmo quando este tente fugir.O ponto determinante do CPP é o tocante a discricionariedadedo uso das algemas, pois a autoridade em comando é que vai decidir, quando e como utilizar os meios de contenção, parando ai, os abusos e consequentemente o surgimento de arbitrariedade. A discricionariedade acima apontada é um dos três atributos ou qualidades características do poder de polícia e dos atos administrativos resultantes de seu regular exercício. Para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo significa que: A administração, quanto aos atos a ele relacionados, regra geral, dispõe de uma razoável liberdade de atuação, podendo valorar a oportunidade e conveniência de sua prática, estabelecer o motivo e escolher, dentro dos limites legais, seu conteúdo. A finalidade de todo ato de polícia – como a finalidade de qualquer ato administrativo – é requisito sempre vinculado e traduz-se na proteção do interesse da coletividade. Racionalmente podemos finalizar balizando que o uso da força deva ser empregado tão somente para a contenção do indivíduo, isto se necessário for, caso contrário, estaríamos ferindo e extrapolando o que é defeso pela Constituição. O uso da força serve tão somente para a contenção do indivíduo, ficando proibido o tratamento desumano e degradante, porém, dada a vacância de norma objetiva, acabam os agentes públicos na ‘linha de frente’, ao arrepio da lei, adotando o uso da algema como regra, quando deveria ser uma exceção. 2.3 NA JUSTIÇA CASTRENSE O Código de Processo Penal Militar33 traz diversos elementos que em tese, poderiam ser utilizados analogicamente, muito embora tal código seja desconhecido por alguns criminalistas que atuam no direito penal ordinário,e é de bom alvitre analisarmos o único artigo dessecódex que também prevê o uso da força. 32 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado.8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.2008. p. 579. 33 Estado Maior das Forças Armadas. Código de Processo Pena Militar – CPPM. ed. 1. 1969. 28 Art. 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e auxiliares seus, inclusive a prisão do ofensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas. § 1ºo emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242. Vejamos que o artigo 234, do CPPM, intrinsecamente acaba por regulamentar o uso da força a ser exercido pela autoridade militar, seja ela administrativa ou judiciária, enquanto que, no § 1º o uso de algema é regrado, excepcionando-se os casos onde haja perigo de fuga. Essa normatização tinha ou tem, dependendo daexegese, o condão de não se permitir, em nenhum a hipótese que as pessoas elencadas no art. 242 sejam submetidas ao emprego da algema. O artigo 242 do mesmo códex trata do instituto da prisão especial, onde elenca em dez alíneas, diversos cargos, civis, militares e religiosos, que não podem ser algemados em hipótese alguma, vejamos: Art. 242. Serão recolhidos a quartel ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação irrecorrível: a) os ministros de Estado; b) os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia; c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembleias Legislativas dos Estados; d) os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei; e) os magistrados; f) os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados; g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional; h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional; i) os ministros do Tribunal de Contas; j) os ministros de confissão religiosa. Vejamos que o ordenamento jurídico militar é datado de 21/10/1969, quando da época do Atos Institucionais, ou seja, do período da ‘já esquecida’ ditadura militar em nosso País, e que alguns doutrinadores e estudiosos do direito entendem que não foram recepcionados pela Carta de 88. 29 Com entendimento contrário ao artigo 242 do CPPM, Gomes34, entende que: A nova ordem constitucional não recepcionou o questionável sistema de privilégios do citado dispositivo do CPPM, resquício de uma época de intangibilidade das autoridades, com escassos instrumentos de controle social e de prestação de contas. Ao contrário disso, protegia-se o uso de tal instrumento para um seleto rol de pessoas ou dignidades da Nação onde o seu impedimento era absoluto, o que contraria por completo o princípio da igualdade, pautado no ano de 1988, quando da promulgação da Constituição Cidadã. Por isso é que, retornandoan passantàs Ordenações Filipinas, que vigorou no Brasil até o surgimento do Código Civil de 1916, temos que a utilização das algemas ao povo da exceção (pobres) era a aplicação de castigo, pois se desconhecia a prisão como punição. Comparativamente teríamos o direito aplicado pela Polícia dos Estados Unidos da América, que leva o princípio da igualdade ao máximo, princípio este que está no coração da criação daquele Estado. A utilização das algemas nos EUA representa a submissão do indivíduo aos ditames do Estado Juiz, onde não se tem a escala social como critério de exclusão, de algemar ou não alguém. È notório que lá, não há exceção ao emprego da algema, mas sim, é regra geral do Estado Americano se algemar ‘os presos’, independentemente do nível social ou da autoridade de que é investido aquele preso. 2.4 LEGISLAÇÕES RECENTES SOBRE O USO DE ALGEMA Infelizmente, no Brasil temos sido submetidos a casuísmos, não só nessa matéria específica, como também em outras que não é objeto de nossa abordagem. A exemplo disso podemos citar a edição da Lei dos Crimes Hediondos, concebida e aprovada “a toque de caixa” pelo Congresso, ante a condição e vítima de empresário influente no País. De lá para cá, inúmeros outros casos se adotaram, nesse ou naquele aspecto, tudo para permitir que nossos representantes políticos pudessem “mostrar” aos seus eleitores que realmente trabalham. 34 GOMES, Rodrigo Carneiro. Algema segundo o STF. Revista Jurídica Consulex.Brasília: Consulex, nº 241. 2007. p.34. 30 Tem-se ainda que, na falta de “agir” do legislador e ante a necessidade de editar norma regulamentadora extravagante, principalmente que o Estado/Juiz chega bem próximo de pessoas inatingíveis, surgem, infelizmente em nossos tribunais a necessidade de dar resposta à sociedade. Com a edição da súmulavinculante nº 11,consolidam-se as jurisprudências daquela Corte no sentido de que o uso de algemas somente é lícito em casos excepcionais e prevendo a aplicação de penalidades pelo abuso na forma de constrangimento físico e moral do preso. 2.4.1 A Súmula Vinculante nº 11 Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio fuga e de perigo à integridade própria ou alheia, por parte do preso ou terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sobre pena responsabilidade disciplinar, civil, e penal do agente ou da autoridade e nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo responsabilidade civil do estado. de de de de da Como se disse anteriormente, os casuísmos do ano de 2008 foi também o ano de adição dessa norma nascida do plenário de nossa maior corte de justiça. O STF, ao editar essa súmula, tentou deliberadamente abranger todas as possibilidades sobre o uso da algema, tanto é que já permitiu ao ofendido, em caso de atitude infundada do agente público, o direito de se ver indenizado pelo estado. Aqui o Supremo acabou por abrir as portas da justiça para todo aquele que, não tendo recebido dessa ou daquela autoridade a justificativa pela qual foi subjugado pelo uso da algema, poderá, em juízo buscar indenização civil. Essa abertura, sob ótica restrita, já configura desamparo constitucional, consagrado no inciso II do artigo 5º de nossa Carta Maior que diz: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazeralguma coisa senão em virtude de lei” 31 2.4.2A Inconstitucionalidade da Súmula e a Militância Judicial em seu Conteúdo Sobre tal enunciado, é importante esclarecer algumas divergências e considerações que certamente marcarão o debate sobre o uso de algemas no Brasil. Para Bulos, a Súmula vinculante “é o instrumento que permite ao Supremo Tribunal Federal padronizar a exegese de uma norma jurídica controvertida, evitando insegurança e disparidade de entendimento em questões idênticas” 35. Foi introduzida, na Constituição Federal de 1988, pela Emenda Constitucional n° 45 de 30 de dezembro de 2004, mais conhecida como reforma do Poder Judiciário. Diz a redação do art. 103-A da Carta Magna: Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso36. Retira-se, portanto, do próprio texto constitucional, os requisitos para que o Supremo Tribunal Federal (STF) possa editar uma súmula vinculante. Primeiramente, é necessário que existam reiteradas decisões sobre matéria constitucional. É também estabelecido que a súmula aborde sobre validade, interpretação e eficácia de normas determinadas. Além disso, é preciso que haja polêmica atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica. 35 36 BULOS, UadiLammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.p. 1093. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal. Brasília. 2007.p.79. 32 Por fim, para ser objeto de súmula vinculante a matéria deve provocar relevante multiplicação de processo sobre questões idênticas. Salienta-se que os requisitos acima apontados estão previstos na Lei n° 11.417, de 19 de dezembro de 200637, que regulamentou o artigo 103-A em explanação. A primeira súmula vinculante surgiu no dia 06 de junho de 200738 e até agora o Supremo Tribunal Federal editou quatorze verbetes e mais seis encontram-se em fase de tramitação. Sob o contexto de refrear abusos relacionados com o emprego de algemas em pessoas presas, inclusive evidenciado pela omissão por parte do Poder Legislativo, o STF, em sua composição plenária, por unanimidade, em sessão realizada em 13 de agosto de 2008, editou a mais polêmica de suas súmulas vinculantes, que é a de n° 11. O articulado dessa súmula promoveu, por parte de diversos setores da sociedade jurídica, inúmeras críticas. No que tange à regularidade procedimental, a delegada Arryane Queiroz sustenta a inconstitucionalidade da súmula vinculante n° 11, pois no caso não foram cumpridos os requisitos autorizadores de sua edição. Nesse ponto, já que a Constituição Federal exige que sejam cumpridos cumulativamente todos os requisitos para a edição de uma súmula vinculante, é suficiente a ausência de qualquer deles para que se fulmine a súmula vinculante n° 11. De plano, constata-se que não existem reiteradas decisões sobre matéria constitucional. Para tanto, basta pesquisar a jurisprudência do Supremo, onde se verifica uma quantidade ínfima de acórdãos que contém a palavra algemas. Analisando-se os precedentes do STF sobre o uso de algemas há quatro decisões mais antigas quando a composição do Tribunal era completamente diversa. Calha neste momento ressaltar a conclusão ocorrida noIII Simpósio de Procuradores e Promotores de Justiça : O Ministério Público e as inovações Jurídico-Penais, do MP-MG, aprovada por maioria,vejamos: A Súmula Vinculante11 do STF é formal e materialmente inconstitucional, em razão de não haver resultado de reiteração de decisões sobre o tema, bem como por violar o princípio da legalidade, tanto ao estabelecer à autoridade pública dever não previsto em lei, quanto ao determinar responsabilidade penal por comportamento não tipificado.39 37 Anne Joyce Angher. VadeMecum – Acadêmico de Direito. 10 ed. São Paulo: Rideel. 2010. p.1367. http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=1.NUME.ES. Acessada em 25/09/2011. 39 Revista Cadernos do Júri. Confraria do Júri. Escola Superior de Ministério Público. Cuiabá: Entrelinhas. Ano 1. nº 2. 2008. Apud. Ementa 16, , in ementas MP-MG. 38 33 Oportuno apresentar algumas decisões contrárias e favoráveis do Supremo Tribunal Federal sobre utilização do uso de algemas demonstrando a celeuma instalada pelo STF, frente a súmula. Favoravelmente ao uso de algema o STF no RHC 56.465, julgado em 05 de setembro de 1978, pela 2º turma, tendo comoRelator e então Ministro Cordeiro Guerra,entendeu que o uso de algemas em audiência para inquirição e testemunhas é justificado para evitar a fuga do preso e para preservar a segurança das testemunhas, inserindo-se a decisão no âmbito da condução pelo juiz dos trabalhos desenvolvidos na audiência. STF - RECURSO EM HABEAS CORPUS RHC 56465 (STF) Data de Publicação:4 de Setembro de 1978 Ementa: NÃO CONSTITUI CONSTRANGIMENTO ILEGAL O USO DE ALGEMAS POR PARTE DO ACUSADO, DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL, SE NECESSARIO A ORDEM DOS TRABALHOS E A SEGURANÇA TESTEMUNHAS E COMO MEIO DE PREVENIR A FUGA DO PRESO. INEPCIA DA DENUNCIA NÃO COMPROVADA. RHC IMPROVIDO. . CONSTRANGIMENTO ILEGAL, INSTRUÇÃO CRIMINAL, USO DE ALGEMAS, DIREITO PENAL, MATÉRIA TRABALHISTA DOCUMENTO INCLUIDO SEM REVISÃO DO STF ANO: 1978 Alteração: 22/09/98, (STF).40 Já no HC 63.943/PE, cujo julgamento se deu em 16 de setembro de 1986, apenas se faz referência à algema para descrever que um capitão da Polícia Militar estava à paisana, mas fazendo uso de algemas e armas da corporação.Outro julgado, RE 111.786/RJ, decidido em 28 de novembro de 1986, não foi sequer conhecido pela Corte. Há ainda o HC 71.195/SP, resolvido em 25 de outubro de 1994, pela 2ª Turma – Rel. Min. Francisco Rezek, onde se firmou que o emprego de algemas em plenário do Júri não constituiu constrangimento ilegal porque, no caso concreto, a medida se revelou imprescindível à ordem dos trabalhos e à segurança dos presentes, porque havia informações de que o réu pretendia agredir o juiz-presidente e o promotor de justiça. Aqui podemos citar um caso emblemático, em termos de uso de algemas, foi o assassinato do Juiz Rowland Bernes, 64 anos; e sua estenógrafa, Julie Brandau, na Corte do Condado de Fulton, Atlanta, EUA, no mês de março do ano de 2005, enquanto atuavam no julgamento de Brian Nichols, 34 anos, acusado de estupro, que, sem algemas, conseguiu retirar a arma da policial da escolta e alvejá-los. O acusado, recapturado, foi descrito por 40 Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/jurisprudência/listar jurisprudência>. Acessado em 28/09/2011. 34 seuadvogado como pessoa “com uma personalidade tranquila e muito querido entre seus companheiros”.41 De modo recente, em HC 89.429/RO, julgado em 22 de agosto de 2006, um Conselheiro do Tribunal de Contas de Rondônia que estava preso buscava não ser algemado por ocasião de sua condução da carceragem da Polícia Federal em Brasília ao Gabinete de uma Ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde seria ouvido, bem como em outros atos judiciais, e também não ser exposto à exibição para as câmeras de imprensa. Vejamos: EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. USO DE ALGEMAS NO MOMENTO DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA EM FACE DA CONDUTA PASSIVA DO PACIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PRECEDENTES. 1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas corpus concedido. (HC 89429, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 22/08/2006, DJ 02-02-2007 PP-00114 EMENT VOL-02262-05 PP00920 RTJ VOL-00200-01 PP-00150 RDDT n. 139, 2007, p. 240) 42 A liminar requerida foi concedida, para garantir ao paciente o direito de não ser algemado por ocasião de sua oitiva no STJ. No mérito, reconheceu-se seu direito de não ser algemado por ocasião de outros transportes que viessem a ser feitos, a não ser em caso de reação violenta. Ainda nesse mesmo sentido, dois Habeas Corpus, com fundamentos idênticos foram impetrados pelos co-réus, um Procurador de Justiça(HC 89.419) e um Desembargador (HC 89.416), com desfechosemelhante. Por último e mais recente, no dia 07 de agosto de 2008, o STF, em oposição ao Superior Tribunal de Justiça e ao ministério Público Federal, na apreciação do HC n° 91.952, do qual foi relator o Ministro Marco Aurélio, em que restou anulado o julgamento do Tribunal do Júri da cidade de Laranjal Paulista – SP, porque o réu, um pedreiro acusado de homicídio, permaneceu algemado durante toda a sessão. 41 CARNEIRO GOMES, Rodrigo. Regra, e não exceção. Uso de algemas garante integridade de policial e acusado. Revista Consultor Jurídico. 11.02.2006. Disponível em:// http://www.conjur.com.br/2006-fev11/uso_algemas_garante_integridade_policial_acusado 10/10/2011. 42 Disponível em: <http.www.stf.jus.br/portal/jurisprudência/listar jurisprudência.htpm>. Acessado em 28/09/2011. 35 ALGEMAS - UTILIZAÇÃO. O uso de algemas surge excepcional somente restando justificado ante a periculosidade do agente ou risco concreto de fuga. JULGAMENTO - ACUSADO ALGEMADO - TRIBUNAL DO JÚRI. Implica prejuízo à defesa a manutenção do réu algemado na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, resultando o fato na insubsistência do veredicto condenatório. (91952 SP , Relator: MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 07/08/2008, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-04 PP-00850, undefined). Os ministros da Suprema Corte entenderam que a manutenção das algemas influenciou os jurados a condenarem o réu. Afirmou-se ainda, na ocasião, não existirem dados concretos que pudessem indicar que, pelo perfil do acusado, houvesse risco aos presentes, caso ele permanecesse em plenário sem algemas, razão pela qual se considerou aviltada sua dignidade humana. Foi justamente durante esse julgamento que o Tribunal deliberou elaborar a súmula vinculante ora comentada e decidiu, também, dar a esta e às demais súmulas vinculantes um caráter impeditivo de recursos, ou seja, das decisões tomadas em tribunais inferiores, com base nesse entendimento, não caberá recurso. Logo, em relação ao conteúdo desse apanhado de julgados, o recente HC n° 91.952/SP foi o único julgado pelo pleno do Tribunal e foi o primeiro a enfrentar em profundidade o problema do abuso de algemas. Pode-se afirmar, portanto, que não há decisões reiteradas sobre o assunto a fundamentar a edição da súmula vinculante n° 11, senão alguns casos isolados, o que a torna inconstitucional. Desta feita a Súmula Vinculante, nº 11, na tentativa de corrigir alguns poucos abusos ocorridos no emprego de algemas, acabou, no calor dos fatos, exagerando e, por conseguinte, provocando novos problemas. As pesquisas encontradas sobre episódios envolvendo o uso da algema são rara, daí há pouca, ou quase nenhuma manifestação Legislativa tenha surgido em mais de vinte anos. Em verdade, casuísmo ou não a súmula foi editada quando pessoas de classe social e poderaquisitivos mais elevados passaram a ser presas, antes, nunca houve manifestação de órgãos ou qualquer instituição que semanifestasse a respeito de tal assunto. A súmula vinculante n° 11 ao exigir a explicação por escrito da excepcionalidade do uso de algemas trouxe uma novidade para o ordenamento jurídico, já que nenhuma lei, que é fruto da vontade coletiva, consubstanciada pelos representantes do povo eleitos para o parlamento, faz tal previsão. Esse fenômeno denominado ativismo judicial, em que o Poder Judiciário invade a esfera de competência do Poder Legislativo, conflita com o princípio da separação de Poderes. 36 O primeiro a formular as bases teóricas da tripartição de Poderes foi Aristóteles43, segundo o qual o soberano concentrava em suas mãos o exercício de três funções distintas: editar normas gerais a serem observadas por todos, aplicar referidas normas ao caso concreto e julgar os conflitos de interesse que porventura surgissem da execução das normas gerais. Montesquieu,44 partindo da ideia de que o “poder absoluto corrompe absolutamente”, aprimorou a divisão funcional, idealizada por Aristóteles, correlaciona-la com a divisão orgânica de Poder, ou seja, cada função estaria intimamente ligada a um órgão e não mais seria exercida exclusivamente pelo monarca. Em outras palavras, cada poder deveria exercer uma função típica, inerente à sua natureza, atuando independente e autonomamente. A teoria de Montesquieu se contrapôs ao absolutismo, chegando a impulsionar diversos movimentos, inclusive às revoluções americana e francesa, consagrando-se enfim na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esse sistema de separação de Poderes, adotado pela maioria das Constituições de todo o mundo, foi associado à ideia de Estado Democrático e deu origem ao conhecido sistema de freios e contrapesos, segundo o qual, umPoder fiscaliza o outro, obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competência45. O constitucionalista Bonavides46 enfatiza que a importância do princípio da separação de Poderes não diminuiu na atualidade: provavelmente em razão da virtude que tem ele – conforme Montesquieu já assinalara, com a clarividência de um pensamento meridianamente lógico – de limitar e controlar poderes, refreando assim a concentração de sua titularidade num único órgão ativo da soberania. A concentração seria, sem dúvida, lesiva ao exercício social da liberdade humana em qualquer gênero de organização do Estado. Titular exclusivo dos poderes da soberania na esfera formal da legitimidade, é tão-somente a Nação politicamente organizada, sob a égide de um Estado de Direito. O que houve diante da nova realidade social e histórica foi um abrandamento da teoria de Montesquieu ao se permitir interpenetração entre os Poderes, deixando de existir aquela separação rígida, pura e absoluta. Isso significa que, embora o Estado conte com os três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, e que cada um exerça respectivamente a sua 43 ARISTÓTELES. Política. Tradução de: Pedro ConstantinTolens. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 15-34. MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O espírito das leis. Tradução de Pedro Vieira Mota. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 141. 45 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 184-185. 46 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 509. 44 37 função típica de legislar, executar e aplicar, esses Poderes também exercem funções atípicas, quer dizer, típicas dos outros dois Poderes. Entretanto, Lenza47 pondera que: mesmo no exercício da função atípica, o órgão exercerá uma função sua, não havendo aí ferimento ao princípio da separação de Poderes, porque tal competência foi constitucionalmente assegurada pelo poder constituinte originário. E continua o autor ao dizer que, as atribuições asseguradas não poderão ser delegadas de um Poder a outro. Trata-se do princípio da indelegabilidade de atribuições. Um órgão só poderá exercer atribuições de outro, ou da natureza típica de outro, quando houver expressa previsão (e aí surgem às funções atípicas) e, diretamente, quando houver delegação por parte do poder constituinte originário, como, por exemplo, ocorre com as leis delegadas do art. 68, da CF/88, cuja atribuição é delegada pelo Legislativo ao Executivo. Portanto, onde houver Estado de Direito, que é aquele onde impera a ordenação e a vinculação do poder estatal, o impedimento ao abuso do poder político e a garantia da liberdade, haverá, de necessidade, como um dos eixos da ordem constitucional, a divisão de poderes. 48 Nesse sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê em seu artigo 2° que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, abraçando assim, a doutrina da tripartição de Poderes. Além disso, a CF erigiu a separação de Poderes à categoria de cláusula pétrea, conforme se observa em seu artigo 60, § 4°, inciso III: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4° Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] III – a separação dos Poderes; Sob esse prisma da divisão de poderes adotada pela Constituição Brasileira, ao exigir explicação por escrito da autoridade para o uso de algemas, o Supremo atuou como verdadeiro legislador positivo, sendo que apenas a lei pode criar direitos e impor obrigações, de forma geral e abstrata. O fato de o Legislativo tardar em regulamentar o artigo 199, da Lei de Execução Penal que versa sobre o uso de algemas, não abre ao STF uma competência legislativa 47 48 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 293. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 511. 38 subsidiária. Isso porque, segundo o Presidente da Câmara dos Deputados Arlindo Chinaglia, se essa justificativa fosse válida, diante da demora do Judiciário em proferir determinado julgamento, poderia o Legislativo avocar essa função. Sobre essa questão, sintetiza Eduardo Appio49 que “em uma democracia, os fins — mesmo que nobres — nunca justificam os meios”. É Claro que o Legislativo tem atuado no plano da retórica, visto que já são mais de vinte anos de espera pela lei que irá regulamentar o uso de algemas em âmbito nacional, com a apresentação de vários projetos de lei sobre o tema, sem que nenhum deles se concretizasse. Entretanto, reitere-se, esse argumento não é suficiente para legitimar a ampliação da atuação do Judiciário em áreas que são eminentemente políticas, ainda mais sob o manto de súmulas vinculantes. Agindo assim, o Supremo Tribunal Federal tem extrapolado os limites de sua competência, pois segundo o artigo 22 da Constituição Federal, a regulamentação de matéria penal e processual penal compete à União. 2.4.3 Do Âmbito de Abrangência da Súmula Outra observação que deve ser feita à súmula vinculante n° 11 é que o caso versado pelo HC n° 91.952/SP, o qual serviu de precedente para a elaboração do enunciado da súmula, refere-se ao uso de algemas apenas no âmbito do Tribunal do Júri. Dessa forma, não poderia o STF ter estendido a aplicação da súmula aos demais casos envolvendo algemas, como no transporte de presos, na execução de prisão cautelar ou em flagrante, nas audiências do Juízo Criminal Comum, entre outros. No julgamento do HC n° 91.952/SP o STF decidiu pela anulação do processo, a fim de evitar que os jurados, leigos que são, fossem induzidos a pensar que o réu que é apresentado algemado é o autor do crime em julgamento. Quanto a esse supostomelindre dos jurados a influências, é de se considerar que a função de julgar os crimes dolosos contra a vida concedida aos cidadãos, ainda que leigos, decorre diretamente da Constituição Federal. Ademais, o texto constitucional diz que os veredictos proferidos em sede de Tribunal do Júri são soberanos, o que significa que os jurados não precisam fundamentar sua decisão. Justamente por isso: “é impossível, sem a realização de estudos científicos, empíricos, afirmar 49 Disponível em:<http://estudandoodireito.blogspot.com/2008/09/ativismo-judicirio-em-uma-democraciaos.html>. Acesso em: 28/09/2011. 39 que os jurados decidiram pela condenação ou pela absolvição movida por essa ou aquela circunstância”.50 Ressalte-se ainda que os jurados ao tomar a decisão de condenar ou absolver o réu, este o fará, após a análise exaustiva das provas que lhes são apresentados pelo promotor de justiça e pelo advogado, os quais são profissionais especializados em transmitir e explicar ao conselho de sentençasobre os elementos dos autos e as regras e princípios constitucionais e legais referentes ao caso em análise. Os jurados também contam com a possibilidade de pedir esclarecimentos ao juiz-presidente do Júri. E se mesmo assim, a decisão dos jurados for considerada contrária à prova dos autos, prevê o Código de Processo Penal a possibilidade de recurso. Se a decisão do corpo de jurados não se apoiar em nenhuma das provas constantes dos autos, o Tribunal de Justiça competente, ao analisar a apelação, poderá anular o julgamento proferido pelo Júri e determinar que um novo seja realizado. Além disso, é o Código de Processo Penal que estabelece os requisitos necessários para o alistamento de jurados, tais como ser maior de dezoito anos, ter idoneidade moral, ausência de suspeição e impedimento, entre outros, aferindo assim a capacidade da pessoa para a participação nos julgamentos. Por tudo isso, os jurados não podem ter sua capacidade de discernimento desprezada. Ao se adotar o raciocínio de que as algemas influenciam os jurados a proferirem um veredicto condenatório e por isso esse instrumento não pode ser utilizado, teria que se questionar inclusive a existência do Tribunal do Júri, pois vários outros fatores também são aptos a contaminar a decisão dos jurados. Um bom exemplo é o fato de o réu ser escoltado durante o julgamento, geralmente, por pelo menos dois policiais militares armados, sendo que tal circunstância induz periculosidade. Streck51 também exemplifica que a própria sala em que se realiza o Júri é passível de influenciar a decisão do corpo de jurados. Segundo o autor, pode-se afirmar que a distribuição do espaço físico daquele local privilegia a tese da acusação ao colocar o promotor de justiça ao lado do juiz-presidente da sessão e em um patamar mais elevado que o advogado do réu, podendo levar a crer que o acusador é mais importante que o defensor. Desse modo, a partir da presunção infundada que se faz dos jurados, quando houver necessidade de o réu se apresentar algemado na sessão de julgamento a condenação é certa, pois, na mente deles “– que, pelo visto, presumem-se ingênuos e facilmente influenciáveis –, 50 FUDOLI, Rodrigo de Abreu , Uso de Algema e a Sumula Vinculante nº 11, do STF. Disponível em: <http://www.direitopenalvirtual.com.br/artigos/leiamais/default.asp?id=405.> Acesso em: 28/09/2011. 51 STRECK, LenioLuíz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001, p.107. 40 doravante só ficará algemado o réu ‘culpado’ (‘perigoso, logo algemado; algemado, logo culpado’)”.52 Ora, os jurados são juízes leigos e não ignorantes. E ainda que fossem desprezados todos esses argumentos, ainda assim a súmula vinculante n° 11, deveria ser restrita aos casos de Tribunal do Júri, pois nos procedimentos afetos ao Juízo Criminal Comum não se justifica a aplicação do preceito sumular em comento porque a situação é absolutamente diversa. Se dos jurados não se exige qualificação técnica, o mesmo não ocorre com o juiz de direito, que detém todo o conhecimento jurídico necessário para pautar a sua decisão, estando adstrito ao Direito Penal do fato e não do autor. O promotor de justiça Fudoli53do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, esclarece, que: fora dos casos de Júri, para quem sustenta que os jurados podem condenar com mais facilidade uma pessoa algemada – não há qualquer relação entre a prova produzida e a colocação de algemas no réu. Ou seja, ainda que, em casos concretos, o uso de algemas seja indevido, nem por isso haverá influência na aquisição da prova sobre autoria e materialidade da infração penal, tipicidade e ilicitude da conduta praticada e na culpabilidade e punibilidade do autor do crime, no exercício do contraditório ou da ampla defesa ou na formação do convencimento do Juiz. Se o crime não for doloso contra a vida, o julgamento será feito por um bacharel em Direito (juiz togado) que sabe que o fato de o réu estar algemado se deve à circunstância de ele ter sido preso cautelarmente, não se presumindo sua culpabilidade. Dessa forma, o STF não poderia ter editado uma súmula com efeito vinculante para abranger, não só o Júri, mas todas as demais hipóteses que envolvem o uso de algemas, pois esse é um exemplo claro de exorbitância de Poder. De qualquer modo, como forma de não engessar a atividade do julgador, este poderá, constatando a ausência de similitude entre a matéria apreciada e aquele objeto da súmula, concluir pela presença de algum elemento diferenciador, o que o desobrigará a aplicar a súmula vinculante nº 11, desde que fundamentadamente. 2.4.4 Da Incoerência de se Cumprir a Súmula A súmula vinculante nº 11 restringiu o uso de algemas a três hipóteses excepcionais: resistência à ordem de prisão legal, fundado receio de fuga do preso e de agressão por parte deste ou de terceiros. 52 53 FUDOLI. Ob. Cit. pg. 38. Idem. 41 A resistência é definida como a possibilidade de o infrator “opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio” 54 . O segundo motivo traduz-se no receio de fuga, “justificado quando o infrator, percebendo a atuação policial, empreende esforço para se evadir, ou quando é capturado após perseguição” 55 . E por último, está o perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, já que o uso de algemas: pode se materializar em expediente para conferir ao procedimento segurança, evitando-se o mal maior que é o emprego de força física para conter o preso ou seus comparsas, amigos, familiares, inclusive com a utilização de armas, letais ou não56. Os agentes do Estad0o, diante de um caso concreto, terão que constatar a presença de um daqueles três requisitos e decidir pela necessidade ou não de se utilizar as algemas. Isso significa que tal decisão é discricionária, mas não arbitrária. Mello57 define discricionariedade como a margem de liberdade deixada pela lei, para que, no caso concreto, o agente escolhe qual a melhor providência a ser adotada, de modo a atender o interesse público. Todavia, alerta que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade, pois nessa o agente se comporta fora do que lhe permite a lei, enquanto naquela o agente deverá optar por uma hipótese dentre as que foram deixadas pela lei. É preciso considerar ainda que existem duas situações: a do policial que decide sobre algemar ou não uma pessoa no calor do acontecimento do fato e a do juiz que, em tese, dispõe de um tempo maior para tomar essa decisão. Todavia, tendo em vista a subjetividade dos elementos que, segundo o STF, devem ser avaliados para se decidir sobre a aposição de algemas, é praticamente irrelevante uma maior ou menor disponibilidade de tempo para que tal decisão seja tomada. Avaliar critérios como periculosidade, estado emocional, sinais de desequilíbrio mental causado por doença ou substância entorpecente, compleição física, idade, sexo e idade do preso, local onde se realiza a diligência (possibilidade de fuga ou resgate) e quantidade de policiais envolvidos na operação, pode até indicar algumas das possíveis reações da pessoa a ser presa, mas não todas. 54 MIRABETE, JulioFabbrine. Código Penal interpretado. São Paulo: Atlas 1999. p.1758. TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2008.p. 442. 56 Idem. Ibidem. 57 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros,2008, p. 424. 55 42 Independentemente da classe social, o homem nasceu para ser livre, portanto, em tese, todos têm potencial para, reagir à prisão, colocando a sua própria vida em risco, bem como a integridade dos agentes responsáveis pelo “algemamento” e a de transeuntes.58 Situações-limite, como é a prisão, ocasionam nas pessoas as mais inesperadas reações, e não há profissional, seja psiquiatra, psicólogo, magistrado ou policial, capaz de prevê-las. Nesse sentido, os requisitos exigidos pelo Supremo para a colocação de algemas, sobretudo: o ‘fundado’ receio de fuga ou de perigo à integridade física de qualquer pessoa é aspecto nebuloso e de apreciação subjetiva. Será que o STF aceitará que a pessoa presa ou que deva ser presa seja algemada com base exclusivamente na natureza do crime (nesse contexto, assaltantes, latrocidas e homicidas poderiam ser sempre algemados, ainda que bem comportados durante o processo, ao passo que estelionatários não), ou será exigido, para a colocação de algemas no preso (ainda que por crime violento) uma conduta concreta demonstrando ‘periculosidade’ (exemplo: o réu que olha de forma ameaçadora para a vítima em audiência)? E mais: tendo em vista o inato desejo de liberdade do ser humano, será que não haveria fundado receio de fuga em toda execução de uma prisão (em flagrante ou não), e mesmo em toda situação na qual o preso vislumbre a possibilidade de fuga59 (por exemplo, em uma audiência judicial à qual comparece escoltado)? O problema, portanto, está em como aperfeiçoar o comportamento humano. É muito difícil aos policiais e aos juízes manterem o equilíbrio exato entre a necessidade das algemas e a sua dispensa, pois do mesmo modo que existem circunstâncias evidentes a caracterizar algum risco, outras são extremamente imperceptíveis. Esse é o principal motivo pelo qual, nos moldes em que foi redigida, a súmula vinculante nº 11 é impossível de ser cumprida, exercendo um papel excessivamente simbólico ao servir apenas para transmitir uma imagem à sociedade de que os ministros do Supremo estão preocupados em resguardar os direitos dos presos. Além desse aspecto, também em relação à exigência de que o policial e o juiz, em cada caso, fundamentem por escrito e previamente o que eles entendem como excepcionalidade da situação, diante da própria imprevisibilidade de reação do preso, lhes seria impossível cumprir a imposição da súmula vinculante n° 11, transparecendo mais uma 58 PONTES, Jorge Barbosa. Algemas, 2008. londoncabs& súmula 11. <http://www.adpf.org.br/modules/news/article.php?storyid=41469>.Acesso em: 28/09/2011 59 FUDOLI, Op. Cit. p. 38. Disponível em: 43 vez a sua carga simbólica. Ao estabelecer tal obrigação, critica a juíza de direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal Rejane Jungbluth, ao dizer que: não houve, por parte dos ministros do Supremo, uma preocupação quanto ao elemento desestabilizador causado no trabalho da polícia, bem como do judiciário de primeiro grau, principais destinatários da norma e agora reféns de uma regra embaraçosa e desprovida de um maior comprometimento com a realidade do país. Ainda no que se refere à previsão na súmula vinculante nº 11 da sanção de nulidade da prisão ou ato processual praticado com colocação de algemas, em função da ausência de justificação ou da falta de excepcionalidade da medida constritiva, isso só se sustenta se houver a demonstração de um efetivo prejuízo. Caso contrário, dada a subjetividade da questão, qualquer uso de algemas tornará discutível a validade da prisão ou do próprio processo, por meio de reclamação no STF,onde, já existem várias reclamações de réus alegando o descumprimento da súmula vinculante n° 11 por parte de juízes de primeiro grau. Há também alguns habeas corpus preventivos requerendo, salvo conduto a policiais, para continuarem a utilizar algemas em seu trabalho sem serem penalizados por isso.60 Bertassoadverte que se não for essa a interpretação, “a súmula estará algemando de vez o STF, que não fará outra coisa senão decidir quem deve ser algemado”61. Esse é mais um problema que dificulta ou até mesmo impede o cumprimento da súmula na prática forense, que se apresenta ao público com uma função essencialmente simbólica. 2.5 ASPECTO JURÍDICO DO USO DE ALGEMAS O uso de algemas não é previsto expressamente no ordenamento jurídico Processual Penal. Aparece em pontos diversos. Já tendo sido objeto de previsão originária no artigo 199, da Lei de Execução Penal, (1984) onde enuncia que “o uso de algema será regulamentado por Decreto Federal”.De uma forma generalizada, a regulamentação do artigo em tela daria um norte a todos os que lidam com a segurança pública e o exercício do poder de polícia. 60 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp> Acesso em: 03 abr. 2011. 61BERTASSO,Marcelo. Asalgemas e a falta de sintonia do Supremo. Disponível em:<http://www.sinpfetro.com.br/menu_lat.asp?cod=525>.Acesso em: 12/10/2011. 44 As algemas, segundo Tourinho Netto: Servem para proteger os agentes policiais. Se não há razão, porque não se pressupõe resistência, está ausente o temor É medida desnecessária. Não me parece que existiu qualquer resistência. A intervenção da força física – e das próprias algemas – se legitima para resguardar a segurança da ação(negritamos) 62. As algemas para o policialpor serem utilizadas diariamente no seu afazer representa a segurança, tanto para ele como para quem é conduzido, porém, infelizmente nossa sociedade não ‘enxerga’ essa atitude dessa forma. As pessoas em seu íntimo ‘pré-condenam’ o conduzido, principalmente em via pública ou nos meios de imprensa disponíveis. Regra geral se desconhece o processo e se dá conhecimento de seu desfecho, exceto na sentença, cuja publicação se dá por meio próprio (Diário da Justiça), cuja circulação é restrita. Nossa cultura ainda é a de que sempre o policial está cometendo abuso de autoridade ao algemar um idoso ou um adolescente, jamais deveria fazê-lo, porém, ao utilizar algema em um político ou personalidade pública, dá, nessa mesma sociedade a sensação de justiça sendo feita. Ademais, para o policial serve a algema como instrumento de atuação inibidora, que se utilizada corretamente facilita o serviço além de oferecer segurança a seus pares. Por outro lado, limita a vontade subjetiva do preso. Vale dizer que na condução ou no ato de prender as algemas estabelecem a segurança necessária entre o policial e o agente. Dentro dos quais, o Policial, com sua discricionariedade e bom senso saberá de forma razoável o seu melhor memento de utilizá-la no caso concreto. As algemas, até por definição, constituem o elo do serviço policial. Quando o legislador deixou a cargo da União (Art. 199 Lei Execução Penal) a sua normatização, analisou-se de forma generalizada sempreconsciente das necessidades de emprego em todas as instituições policiais. Pouco se normatizou nas Instituições Policiais sobre o emprego específico da algema.O que se sabe é que são multifuncionais, desempenhando diversas e variadas funções deixando a critério do executor a discricionariedade da qual integra a real necessidade de utilizar as algemas através das variáveis que lhe surjam. 62 TOURINHO NETTO, Fernando.Por Que Soltei Jader Barbalho. Entrevista. Coleção Revista Jurídica Consulex. CD 14 anos. Brasília. 2009. 45 3ALTERAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Com recentes reformas pontuais no Código de Processo Penal, podemos citar a novel forma processual em relação à defesa prévia ou preliminar,(Lei nº 11.719/2008 - art. 396-A) que já permite ao juiz a absolvição sumária do acusado desde que preenchidos os requisitos, ocasião em que as provas são ofertadas antes do interrogatório. Isso já foi um grande avanço em relação a diminuir o tempo de tramitação do processo. Já em relação ao uso ou emprego da algema, mais uma vez, os legisladoresperderam a oportunidade de sedimentarde forma definitiva o uso desse meio de defesa emnosso ordenamento jurídico. Sobre essa matéria, recentemente se assim podemos dizer, foi sancionada a Lei nº 11.689 de 9 de junho de 2008, que apenas se restringiu a normatizar a aplicabilidade da algema, única e exclusivamente no que tange ao acusado enquanto na sala do júri. Faz-se necessário uma detida análise sobre o dispositivo legal abaixo citado, a fim de se dimensionar seu alcance, vejamos o que diz otexto do novo art. 474 e seu § 3º, in verbis: Art. 474- a seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no capítulo III do titulo VII do livro I deste código, com as alterações introduzidas nesta seção. [...] §3º Não se permitira o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. (grifo nosso) Mais uma vez nosso legislador pátrio, Salvo Melhor Juizo, acabou por prever o uso da força através da algema, única e tão somente na sala do Júri, pois, certamente, nas demais situações como já enfatizado, não era ou não seria o momento oportuno, eis que a sociedade não clama por tal regulamentação. Isso, mais uma vez acaba por deixar ainda e como sempre, ao livre arbítrio do agente público (em regra o policial), que na linha de frente se utiliza do poder discricionário, em tese, desamparado da norma objetiva. Pelo texto, podemos claramente concluir que o parágrafo terceiro, se comparado às Ordenações Filipinas, tem o condão de proibir a conotação de ‘condenado’ a que está submetido o acusado perante os jurados ‘leigos’. 46 Com propriedade o doutrinador Porto ensina que o: Juiz Presidente, que dará atenção a peculiaridades que envolvam a sessão de julgamento, peculiaridades que, se envolvendo negativamente a pessoa do réu poderão gerar a necessidade de uso de algemas, como medida de segurança para o normal desenrolar dos trabalhos63. Observa-se que, mesmo no tribunal do júri o réu pode ser algemado, no entanto vejamos o que diz o artigo 478, I, CPP: Art. 478 – Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referencias: I – [...] a determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado. Em relação ao inciso I do referido artigo, aproibição teve por finalidade evitar que aquela situação venha influenciar a decisão dos jurados. Tanto que, seproibiuque nos debates fossem feitas referências às razões de o réu se encontrar algemado (se for o caso). Aproibição visa impedir que a acusação o tratasse como animal que precisa ser acorrentado para não atacar a sociedade e os próprios jurados. 3.1DECRETO DO ESTADO DE SÃO PAULO Tendo em vista a falta de uma norma federal, o Estado de São Paulo normatizou uma regulamentação Estadual que já completou mais de 60 anos, e com excelentes resultados práticos, é o Decreto nº 19.903, de 30 de Outubro de 1950, bem como por meio dos mandamentos contidos na Resolução SSP-41, do então Secretário de Segurança Pública, publicada no Diário Oficial do Estado de 2 de maio de 1983. que prescreve exclusivamente sobre o objeto de estudo. O referido decreto abrange em três artigos básicos alguns critérios para o emprego de algemas, vejamos: Art. 1º O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra nas seguintes diligências: 63 PORTO, Hermínio Alberto Marques. Juri: Procedimentos e aspectos do julgamento: questionários. 11 ed. São Paulo: Saraiva. 2005. 47 1º - condução à presença da autoridade dos delinquentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a fuga. 2º- condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postosem custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força. 3º- Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligências, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção. Ao analisarmos o artigo 1º, caput nota-se que o uso de algemas é permitido somente em condições excepcionais, onde neste caso o detido resista à prisão, ou tentou fuga ou é agressivo (por ser ébrio, vicioso ou turbulento exaltado). Neste ponto pode-se resumir que é permitido o uso de algemas na Polícia de São Paulo em três situações: a) Preso que oferece resistência; b) Ébrios, viciosos e turbulentos exaltados; c) Transporte de preso para quem tentou ou possa fugir e seja perigoso. 3.2DIREITO INTERNACIONAL – ONU As regras mínimas da Organização das Nações Unidas - ONU para tratamento de prisioneiro, na parte que versa sobre instrumentos de coação, mais precisamente em seu nº 33, estabelecem que o emprego de algemas jamais possa se dar como medida de punição. Tratase de uma recomendação de caráter não forçoso, mas que serve como base de interpretação, pois somente permite o uso de algemas no transporte, condicionado à periculosidade do agente somada à tentativa ou possibilidade de fuga. Nota-se que a maior organização internacional que congrega quase todas as Nações do Planeta, também trata o uso da força de forma moderada, como não poderia ser diferente, vindo de uma organização de alto nível. Jamais se prestaria a ONU a regular detalhadamente o uso da força, seja pela algema ou não, sob pena de estar intervindo na soberania dos países signatários, e não é essa a sua função ou objetivos, mas sim, sempre de mediação. 48 3.3 DAS POLÍCIAS BRASILEIRAS Não se pode tratar da utilização do emprego de algemas nas instituições policiais sem fazer algumas considerações sobre as polícias existentes no País,suas conceituações e como elas se dividem. Convém lembrar, que o Estado brasileiro ao criar suas Polícias delegou a elas a promoção do bem comum onde é limitado coercitivamente o exercício de atividades individuais e a garantia do bem geral. Para tanto, consiste a Polícia segundo Marques, no: Conjunto de serviços organizados pela Administração pública para assegurar a ordem pública e garantir a integridade física e moral das pessoas, mediante limitações impostas à atividade pessoal64. Podemos conceituar polícia como uma instituição encarregada de manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade e a segurança dos cidadãos. Derivada do latim a palavra polícia é polítia ou politéia do grego, o nome referencial advém ao que é próprio da cidade, estando ligadas de modo intimo a comunidade política (polis). A origem de seu nome se reporta aos tempos antigos da história da qual o seu povo se identifica com ela, como afirma Palmas65 “Ao longo de dezenas de séculos, a polícia desempenhou relevante papel nas primitivas nações que se organizaram politicamente, como elemento primeiro de defesa das comunidades”. Logo nas primeiras manifestações sociais da história, os homens se desentendiam muito, sendo necessário o controle pelo poder da força,no que mais tarde teriam que prevenir e controlar as situações de embates. Note-se que nas duas situações estão presentes os primeiros entendimentos de polícia. A Polícia de Segurança é dividida teórica e didaticamente em duas, das quais tem como função a polícia administrativa e a judiciária, com a primeira garante-se a ordem pública e impede a prática de delitos, atuação esta preventiva, já que se destina a garantir ao indivíduo o uso e gozo de seus direitos,a vida, a integridade corpórea, o patrimônio, a liberdade, cuidando não sejam lesados pelo comportamento ilícito de outrem66. A segunda, a Polícia judiciária exerce suas atividades após a prática do crime, colhendo os elementos que o elucidam e impedindo que desapareçam para que futuramente 64 MARQUES, José Frederico. Elementos do Direito Processual.2 ed.v.IV. Rio de Janeiro:Forense.p. 36. PALMAS, Alcides P. História da Policia Civil da Bahia. Salvador. Segurança Pública.1978. 66 NORONHA,E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 21. ed. Atual. por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha. São Paulo: Saraiva. 1992. p.17. 65 49 haja lugar a ação penal. Essa função, a conhecemos como repressiva, revestindo-se ainda de atividade também administrativa. Trata-se de função investigatória onde suafunção é o auxilio a Justiça. Segundo Rocha67, essa característica, Polícia Administrativa e Polícia Judiciária, sãoartificiais e na prática não funciona, porque a Polícia é una e esse seu segundo momento, Polícia Judiciária, apesar do nome, é também uma atividade administrativa.É Necessário fazer a divisão da Polícia de Segurança em preventiva e repressiva levando-se em consideração a sustentação. No Brasil, a polícia de segurança ou segurança pública é praticada de acordo com a competência por força de mandamento constitucional, pela polícia federal e pelas policias estaduais, que representam a dianteira na luta contra o crime. Consagrado nosartigos e parágrafos da Constituição Federal68, a seguir: Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal II – polícia rodoviária federal III - polícia ferroviária federal IV - polícias civis V – polícias militares e corpos de bombeiros militares Podemos ainda mencionar a criação das Guardas Municipais, existentes em algumas cidades brasileiras, como sendo uma força ostensiva, com atividade específica de preservação do patrimônio público, porém, nas grandes cidades temos presenciado sua atividade paralela no combate ao crime, em complemento às atividades das Policias Militares dos Estados. Essas instituições se assemelham às Policiais Militares dos Estados, porém, apesar de possuírem atuação limitada, são ostensivas, em razão do uniforme que as identifica, e, positivamente acabam influenciando os propensos delinquentes a não agirem, eis que em tese, habituados a obedecer à presença da “farda”. 3.3.1 Poder De Polícia Em Sentido Lato Dois vocábulos resumem os aspectos fundamentais a que se submete a Administração Pública, quais sejam prerrogativas e sujeições, a primeira é concedida à 67 ROCHA, Luiz Carlos. Prática Policial. São Paulo: Saraiva. 1982. p.7. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília. 2007.p. 100. 68 50 própria Administração, oferecendo a esta, meios para assegurar o exercício de suas atividades, a segunda, como limites opostos à atuação administrativa em benefício dos direitos dos cidadãos. Neste ponto oDireito Administrativo coloca em conflito dois aspectos opostos: a autoridade da Administração Pública e a liberdade individual vejam o que diz Meireles69, sobre o poder de polícia em sentido amplo: Compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública senão também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu próprio direito, até onde for razoavelmente compatível com o direito dos demais. A Administração Pública ao exercer o poder de polícia, coloca em confronto os dois aspectos, pois de um lado, o cidadão quer exercer plenamente os seus direitos: por outro lado, a Administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela o faz usando tal poder. Di Pietro70· aduz que não existe nenhuma incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia pelo Estado, fundamentando nas palavras de Zanobini“a ideia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado”, já nas palavras de Cavalcanti, o poder de polícia “constitui um meio de assegurar os diretos individuais porventura ameaçados pelo exercício ilimitado, sem disciplina normativa dos direitos individuais por parte de todos”, acrescentando ainda que se trata de “limitação à liberdade individual, mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais ao homem”. Basicamente pode-se tirar o fundamento do poder de polícia como sendo o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, que dá à Administração posição de superioridade sobre os governados. Em geral, temos que a norma penal, apesar de prever em todos os seus institutos a legalidade do uso da força necessário para conter, evitar ou proteger a incolumidade das pessoas – detido ou preso, agente publico – policiais em geral e terceiros. Essa é a nossa 69 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. (Apud Cooley 1903, p. 829) 36 ed. Malheiros. 2010. p. 135. 70 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas. 2001. p. 107.ISBN 85224-2720-8. 51 cultura interna de obediência às normas impostas pelo estado-poder, mesmoestando sob um sistema de governo predominantemente democrático. Cabe aqui um parêntese diferencial entre a norma legal e a prática. Como nosso estudo não foi baseado em pesquisa de campo, apenas mencionamosque os policias em geral, usam ou empregam suas algemas – como regra e nunca em forma de exceção; Basta que prestemos atenção nas reportagens televisivas e nas matérias de jornais periódicos que em regra – os conduzidos, detidos ou presos – sempre estão algemados. De igual modo, ocorre com aquelas pessoas contida quando do cumprimento de mandados diversos, como é o caso das “grandes operações” – realizadas principalmente pelaPolícia Federal nos últimos anos em nosso país. Essas considerações nos levam a estabelecer um grande paradigma entre a norma penal que – intrinsecamente – permite o uso da força desde que comedido, enquanto que, na “linha de frente” a regra é o uso indiscriminado da algema por parte dos policiais em geral. Essa atitude de “algemar” é altamente subjetiva e porque não dizer institucional, pois, nas escolas de formação, além de se ensinar o emprego técnico de imobilização, dentre eles a algema. Há uma divulgação interna muito enfática e de forma a prevenir possível responsabilização por “fuga de preso”; Como observado em todo o ordenamento jurídico Brasileiro, tem-se que o uso de algemas é uma regra bem embasada pelo então Magistrado Carioca Filho, ao dizer que: “Nem todo algemado está preso: mas todo preso deve ser algemado. O constrangimento se houver, está no fato da prisão e não no fato do emprego de algemas.” O magistrado segue uma linha norte-americana ao deixar para um plano secundário a análise do emprego de algemas e fixarse na legalidade da prisão, concluindo ao final: Como são pouquíssimos os beneficiários, o Estado atropela os direitos humanos ao permitir que, justamentesob sua guarda, seja perpetrada a maior violação, que é o tratamento desigualitário daqueles que se encontram em idêntica situação. As prisões deveriam estar encimadas pelo mesmo dístico: “todos aqui são iguais”71. 71 FILHO, Nagib Staibi. Constituição, prisão e algemas.in Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. nº 19, abril/junho 1994, p. 11-15. 52 3.3.2 A Polícia Federal Instituição policial voltada à investigação dos crimes desua competência, composta ainda de peritos em diversas áreas de modo a auxiliar a justiça na aplicação da lei penal e ainda especificamente na apuração própria dos delitos de sua alçada. § 1ºdo art. 144. A polícia federal, instituída por lei como órgãopermanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: [...]. I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. Veja que o legislador constitucional já deu ou concedeu a policia federal sua função precípua, elencando sua área de atuação. Isso não a exclui de participar das investigações próprias das Polícias Civis dos Estados em forma de cooperação mútua, pois, hoje, através do Ministério da Justiça, há anos se está implantando o INFOSEG, que é nada mais do que um sistema integrado de informações únicas do cidadão, ou seja, um ‘arquivo geral’ da Nação. Essas medidas acabam por aproximar as instituições ligadas à segurança pública e permite minimizar custos, pois, do contrário, cada instituição vinha mantendo um sistema de informações próprio, somente compartilhado quando solicitado. Isso já um grande avanço, quando lembramos que a não muito tempo, viemos de um regime totalitário, onde as informações eram objeto de acesso muito restrito. Oportuno é mencionar o avanço dessa instituição, que há poucos anos possuía um campo de ação mais voltado ao tráfico de entorpecentes, porém, com parcos recursos humanos e tecnologia carecedora de atualização. Nos últimos anos o Governo Federal, além de aumentar consideravelmente seus quadros, cuidou de ampliar, dentro da lei, seu campo de atuação, nas fronteiras, no crime organizado, na investigação dos crimes do ‘colarinho branco’, a corrupção, dentre outros. 53 3.3.3 Da Polícia Civil dos Estados Essa instituição exerce o papel da polícia Judiciária Estadual, com função assim definida em seu art. 144, da Constituição Federal/88. § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incubem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as Militares. No meio técnico, é, efetivamente a polícia do judiciário, auxiliando diretamente o Juiz e o promotor no fornecimento das informações essenciais à propositura da ação penal e por consequência permitindo que o indigitado seja legalmente processado pelo Estado/Juiz. Como sua atuação é normalmente pós-delito e suas ações são normalmente veladas, ou seja, na investigação, pouco de ostensivo nela se vê em relação ao uso ou emprego da algema. Mas isso não a exclui do emprego indiscriminado dessa ferramenta de contenção, pois, quando age, já tem a certeza ou fortes indícios de que o subjugado é o criminoso. 3.3.4 Das Polícias Militares dos Estados Por força Constitucional as policias militares dos estados capacitam seus integrantes para exercerem a polícia administrativa e ostensiva. Possui diversas áreas especificas de atuação institucional podendo ser subdivididas em: policia de choque, de transito, de guarda em presídios ou prédios públicos, ostensiva propriamente dita, de proteção ambiental, rodoviária e outros. De igual modo, o art. 144 do mesmo diploma legal assim prevê: § 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Aqui, até poderemos fazer um parêntese para relembrar o conceito do Juiz Carioca Filho72, ao dizer que: “Nem todo algemado está preso: mas todo preso deve ser algemado”. Essa é a maior definição que podemos correlacionar o trabalho ostensivo das forças policiais 72 FILHO, Nagib Staib. Constituição, prisão e algemas. in revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. nº 19. Abril/junho. 1994. p. 11-15. 54 com o uso da algema, como regra e não como exceção, pois é essa polícia administrativa como já anteriormente definida, que está diuturnamente ‘na linha de frente’, no combate ao crime, tão logo aconteceu ou esteja acontecendo. É a situação de flagrante delito. Do conceito acima, temos que, nem sempre o preso pela polícia administrativa, terá sua liberdade cerceada pela autoridade policial, devendo sempre prevalecer o principio constitucional de inocência. Porém, para que a ordemseja mantida, o detido, prima facie é algemado, de forma a obedecer ao poder emanado do estado-tutor como já foi objeto de esclarecimento anterior. Enfim, nem sempre a pessoa que, inicialmente é detida e algemada, será ao final condenada, pois, para isso, uma série de fatores serão analisados no processo, que aqui não será objeto de esclarecimento. Nesse prisma é perfeitamente admissível, como dito, que a regra é o uso da algema, pessoas, acabem por reclamar indenizações após serem inocentado, como já previsto na própria sumula vinculante nº 11. 3.3.5 APolicia Rodoviária Federal Institucionalmente foi criada para patrulhar preventivamente as rodovias federais do País. Sua atuação é concentrada em postos fixos de fiscalização e controle de veículos e cargas. De igual modo, o art. 144 diz: § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. Também, por cultura, sempre ‘enxergamos’ os patrulheiros em nossas rodovias federais, e de pronto já nos policiamos. Se estamos com cinto de segurança, se estamos em velocidade compatível, onde estão os documentos de nosso veículo, etc. E é esse o seu mister constitucional. A prevenção. É pouco comum presenciarmos qualquer patrulheiro usar suas algemas, pois, quando somos abordados, normalmente estamos submetidos à ‘policia preventiva’, em operações (blitz) educativas ou mesmo que repressivas, tem como finalidade a observâncias das regras gerais de trânsito nas rodovias. Daí não a enxergarmos como força repressiva, porém, também o é, quando qualquer crime é cometido. 55 3.3.6 APolícia Ferroviária Órgão criado com atuação específica no patrulhamento preventivo das estradas de ferro do País. Sua área de atuação é restrita à fiscalização de pessoas e cargas nos terminais ferroviários, foi também consagrada no art. 144: § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. Como na Cidade de Porto Velho, Estado de Rondônia não há polícia ferroviária propriamente dita, temos que sua atuação é idêntica à da policia rodoviária federal, seu emprego é específico e sua área de atuação é bem delimitada, resguardada a situação de flagrância de que, qualquer do povo pode e as autoridades devem prender quem quer que esteja em flagrante delito. Derradeiramente é um erro comum associar o uso da algema ao emprego de força, quando, na realidade, ela é forma de neutralização da própria força e de imobilizar o meliante pelo recurso da algema do que pelo acesso a técnicas corpóreas de imobilização, que às vezes acabam por causar lesões mais sérias. 56 CONCLUSÃO Conforme foi explicitado no decorrer desse estudo, não obstante a omissão legislativa em relação ao disposto no artigo 199 da Lei de Execução Penal, examinando-se o vigente ordenamento jurídico brasileiro, bem como a interpretação doutrinária e jurisprudencial a respeito do tema, é possível extrair algumas regras para a correta utilização de algemas. Em suma, nenhuma das normas objetivas proíbe as algemas como instrumento neutralizador de forças, porém,todas remetem ao agente do estado a decisão oportuna do seu emprego, inclusive prevendo sanções ao seu excesso. As algemas, no atual Estado Democrático de Direito, só podem ser utilizadas como instrumento necessário à contenção física ou transporte daquele legalmente detido ou preso, de modo a garantir a segurança dos envolvidos na operação e não servir de meio de execração pública, castigo, humilhação ou de antecipação de pena como em outros tempos. Todos os direitos fundamentais, tanto do indivíduo delituoso como dos demais membros da sociedade, são garantidos igualmente pela Constituição Federal de 1988, portanto a situação de tensão entre eles é inevitável.Considerando que os direitos estão no mesmo patamar de proteção, não é possível, aprioristicamente, proibir ou liberar o uso de algemas. Assim, o princípio da proporcionalidade foi apontado como o recurso hábil a resolver o conflito, em cada caso concreto gerado pelo uso de algemas, que visa garantir os direitos fundamentais da comunidade, frente aos direitos fundamentais do preso. No que tange à súmula vinculante n° 11, esta empurra para a ilegalidade o uso de algemas e ao invés de estabilizar as relações jurídicas, causou um verdadeiro alvoroço junto aos organismos de segurança pública, às unidades criminais do próprio Poder Judiciário e aos membros do Ministério Público que atuam perante as Varas Criminais. Isso porque a combatida súmula padece de graves vícios de inconstitucionalidade, de ilegitimidade e de inefetividade, devendo ser urgentemente revisada ou cancelada. Conclui-se assim, pela total inadequação da súmula vinculante n° 11 à realidade hoje vivida por aqueles que atuam na prática do combate à criminalidade. Vemos que os 57 criminosos estão cada vez mais audazes violentos e porque não dizer organizados, ante a retrógrada ‘máquina’ pública de combate ao crime. Como utensílio de trabalho, havendo necessidade, os policiais não só podem, como devem, empregar as algemas no exercício regular de sua atividade. O que não se admite é o abuso, devendo prevalecer o bom senso, o equilíbrio e a moderação no uso de tão importante instrumento de preservação da integridade física de ambos, policial e delinquente. Recriminar o uso de algema é querer que o policial na linha de frente aceite que a vida do preso é mais importante que a sua própriaou de terceiro, quando em verdade, todas possuem o mesmo valor. O policial no exercício regular de sua atividade, e na forma legal, não deve deixar de algemar o suspeito, por receio deconstrangimento e eleger o valor subjetivo ‘imagem’ como mais importante que o valor ‘vida’. Da análise dos dispositivos apresentados torna-se fácil concluir que o uso de algemas é admitido no direito pátrio. Todaviaa ausência de uma legislação clara, através de uma lei específica sobre o assunto, ou o seu tratamento claro no vigenteCódigo de Processo Penal, e nos demais ordenamento afins,torna o seu uso passível de abusos e excessos. É preciso enfrentar o tema.Se o uso de algemas é uma possibilidade legal, ou seja, é impossível agastar o seu emprego e se tratando de uma limitação a uma garantia fundamental, logo excepcional, mostra-se imperiosa a regulamentação precisa, impedindo o aparecimento de legislações casuísticas, que impeçam ou venham a inibir o uso desse instrumento de segurança ou o permita usar indiscriminadamente. Por fim, notou-se que a algema é uma regra em nosso sistema penal pátrio e não um instrumento de exceção como tentou impor a recente sumula vinculante nº 11. Ela não se amoldou, a nosso ver, ao arcabouço jurídico então vigente. Foi concebida num momento infeliz por aqueles que a editaram, e pelo que se vê não veio a atender aos anseios dos operadores do direito, mesmo pelos organismos de direitos humanos. Nossos legisladores como já foi dito, são reticentes sobre o tema, apenas dele se posicionando casuisticamente, enquanto as forças de segurança pública carecem de maior clareza legislativa para que sua atividade tenha suporte na lei. Assim, a opção pelo uso da algema, como regra,é fruto de iniciativa eminentemente subjetiva do agente público, no ato de decidir pela prisão de alguém. Lá ele está só, não há ali a presença do Estado Juiz, do Ministério Público, nem tampouco de seu chefe imediato. Assim, o poder de agir do agente da lei tem início no momento da prisão, quer seja ela em fragrante quer seja ela fruto de investigação ou, por fim, decretada por decisão fundamentada. 58 Em nova atitude, se assim podemos dizer, o Congresso editou recentemente duas novas normas em relação ao uso da algema, o que só corrobora nossa conclusão em relação à regra e não exceção. Tais dispositivos dizem respeito ao uso e emprego da algema de cintura, mais comumente utilizada para translado de detentos em aeronaves, e mais recentemente com a regulamentação do uso da tornozeleira para detentos abrangidos ou contemplados com a indulto natalino. Estamos falando das leis nº 12.258 de 15/julho/2010 e a novel lex nº 12.403 de 04/maio/2011, que alteraram dispositivos do CPP e da LEP. Como nossa conclusão foi pela ‘regra’ e não exceção ao uso das algema, por derradeira basta que se verifique o dia-a-dia dos Agentes Penitenciários e Policiais envolvidos diretamente no translado de detentos e/ou custodiados das instituições prisionais do País. Em razão da situação processual a que se encontram essas pessoas, poder-se-ia inadmitir fuga ou perigo a terceiros e aos próprios agentes públicos. Porém, tais apenados ou presos provisórios, dada a sua condição de encarcerados, notadamente são aqueles que maior perigo potencial ofereceria ao Estado/tutor. Nenhum agente público se permitiria conduzir qualquer detento de um estabelecimento até uma audiência, sem antes, assegurar-se de que aquele esteja algemado me que seu poder de reação esteja reduzido. 59 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Luiz Alberto David e JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2003. 487 p. ISBN 85-02-04213-0. ARISTÓTELES. Política. Tradução de: Pedro ConstantinTolens. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 15-34. AURÉLIO, Novo. O dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. 2127 p. ISBN 85-209-1010-6. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR6023: Informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro, 2002. BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives Gandra, Comentários à Constituição do Brasil. 2ª edição. 2º Volume. São Paulo: Editora Saraiva. 2001. ISBN 85-02-00519-7. 701 p. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: ed. Celso Bastos, 2002, p.147-235. 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