Najara Aparecida Dalla Barba São José dos Pinhais: Colônia de imigrantes, dos lusobrasileiros aos eslavos Monografia apresentada ao curso de Graduação em História da Universidade Federal do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel e Licenciado em História. Sob orientação da Profª Dr. Roseli Boschilia CURITIBA 2007 2 Tão longa a jornada! E a gente cai, de repente, no abismo do nada. Helena Kolody 3 SUMÁRIO Introdução....................................................................1 1. Imigração Paranaense............................................3 1.2. Imigração em São José dos Pinhais..................5 1.3. Colônia Santos Andrade e Transferência para a Colônia Marcelino.............................................9 2. Colonização e Permanência: Os Portugueses em São José dos Pinhais...........................................14 3. Colônia Marcelino: Instalação e Encontro Cultural.......................................................26 4. Conclusão.............................................................37 Fontes........................................................................38 Referências Bibliográficas.........................................39 4 INTRODUÇÃO O objetivo dessa monografia é discutir como se deu à instalação de imigrantes eslavos no município de São José dos Pinhais no final do século XIX, em terras já habitadas por luso-brasileiros. Delimitando a pesquisa em uma colônia particular, a Colônia Marcelino. O interesse por esse tema ocorreu durante o estudo na disciplina de História do Paraná, do curso de história. As pesquisas sobre imigrantes no Paraná abordados pela professora me chamaram muito a atenção, para futuramente desenvolver um estudo mais aprofundado. O interesse foi aumentando cada vez que eu tinha contato com uma nova biografia sobre o assunto, e a escolha definitiva sobre o tema veio junto a uma visita que fiz a Colônia Marcelino em São José dos Pinhais. Resultando então nessa monografia. A questão que orientou a busca pelas fontes e a leituras sobre o assunto deu-se em função do silêncio presente na historiografia em relação aos luso-brasileiros, que viviam na região de São José dos Pinhais, antes da chegada dos imigrantes europeus. Portanto com essa pesquisa pretendo complementar a história de São José dos Pinhais, mostrando não só a instalação dos imigrantes no final do século XIX, mas também investigar a origem populacional dessa região, que foi apagada pelo discurso historiográfico que privilegiou os imigrantes europeus. As leituras sobre o tema foi o primeiro passo percorrido para se entender o contexto no qual a pesquisa seria incluída, em seguida foi feito investigação em museus, bibliotecas, no Arquivo Público, igreja de São José dos Pinhais, convento Irmãs Servas de Maria Imaculada na Colônia Marcelino, museu da Justiça de Curitiba e Fórum de São José dos Pinhais. Nessa busca foram encontradas fontes que comprovam a permanência de luso-brasileiros na Colônia pesquisada, além de outras fontes ligadas à temática. Sendo elas, Jornal da Tarde de Curitiba de 1908, Relatório apresentado ao Governador do Estado José Pereira Santos Andrade no ano de 1899, Processo de cobrança em nome de Marcelino 5 José Nogueira, 21 registros de terras em Nome de Marcelino José Nogueira e a lista de votantes de São José dos Pinhais do ano de 1878. Depois da investigação das fontes o próximo passo foi a leitura do referencial teórico. Entre as leituras os autores escolhidos, e que contribuíram para a reflexão teórica – metodológica, foram, Stuart Hall, que levanta a questão a partir do conceito de “crise de identidade” e de “choque cultural”, e também foi de grande importância, as discussões sobre identidade e diferença, abordado por Tomaz Tadeu da Silva. A monografia está estruturada em três capítulos. No primeiro é discutido o contexto da economia da erva-mate no Paraná na segunda metade do século XIX e a imigração paranaense como reflexo dessa economia. Dentro desse contexto estão separados dois subtítulos, no primeiro o foco é direcionado para o espaço de São José dos Pinhais e das Colônias que ali se instalaram, e no segundo, o objetivo é a criação da Colônia Santos Andrade e a transferência dos imigrantes desse núcleo para a Colônia particular denominada Marcelino. No segundo capítulo procurou-se cruzar as fontes levantadas com as referências bibliografias sobre a colonização no Paraná, sendo discutido juntamente a memória do antigo morador Marcelino José Nogueira, que foi o facilitador na venda das terras da região do Marcelino, para os imigrantes então instalados na Colônia Santos Andrade. No terceiro capítulo o foco da pesquisa se direciona para a instalação dos imigrantes poloneses e ucranianos na Colônia Marcelino, sendo articulado a partir dos depoimentos orais obtidos por Maria Angélica Marochi e o referencial teórico. 6 1 - IMIGRAÇÃO PARANAENSE O recorte cronológico estabelecido para esse primeiro capítulo, está definido a partir da economia do mate que começa por volta de 1820 no Paraná. Esse período propiciou a emancipação da Província que deixou de ser comarca de São Paulo em 1853. È importante destacar essa fase da economia paranaense porque foi, a partir de então, que o Estado necessitou de imigrantes e passou a incentivar instalações de colônias agrícolas aos arredores de Curitiba. Segundo Santos a emancipação da Província estava diretamente ligada à economia da erva-mate. Desta maneira, a partir do decênio de 1820, o mate tornou-se o mais importante produto da exportação paranaense, situação esta que se manteve durante praticamente todo o século XIX. È preciso considerar que, após 1840. o Paraná penetra profundamente na conjuntura de emancipação política de São Paulo, o que vai acontecer em 1853. Durante essa fase, os desejos de liberdade política estão diretamente ligados à necessidade de expansão comercial. Era, portanto, imperativa a emancipação da 5° Comarca de São Paulo a fim de que ela alcançasse mais rápido e 1 diretamente seu progresso econômico . O autor continua a expor que essa economia da erva-mate além de substituir, anulou outras produções. Todo o comércio era destinado à exportação de mate, tornando deficitários outros setores de produção. Durante os primeiros decênios do século XIX, a economia paranaense começou a entrar definitivamente numa fase comercial. A partir daí, estruturou-se uma economia de exportação que substituiu quase por completo a produção de subsistência. Nesse novo contexto histórico-econômico, a produção do mate, para exportação, monopolizou todas as atividades do litoral e 2 primeiro planalto do Paraná . Nessa propulsão da economia da erva-mate, o governo da província deu maior importância a esse mercado, reduzindo o incentivo ao cultivo de produtos de necessidades básicas, presentes desde meados do século XIX. 1 2 SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. Vida material e econômica. Curitiba: SEED, 2001. p.43 Idem, p. 38-39 7 Essa característica específica do Paraná, é relatada em 1858, pelo presidente da Província Francisco Liberato de Mattos: È para lamentar que esta província, cujos terrenos produzem com abundância, a mandioca, o arroz, o café, a cana, o fumo, o milho, o centeio, a cevada, o trigo e todos os gêneros alimentícios, compensando tão prodigiosamente os trabalhos do agricultor, receba da marinha e por preços tão exagerados a mor parte daqueles gêneros alimentícios”. E continua, procurando expor, “a necessidade de promover a emigração de colonos morigerados e laboriosos, que, conhecedores de processos mais acabados, e habituados ao uso de instrumentos mais vantajosos ao maneio e cultura das terras, se empreguem nos vastos campos que possue 3 a província . Na década de 1870 essa deficiência na economia de subsistência, levou o então presidente da província Lamenha Lins a incentivar a vinda de imigrantes para o Paraná. Ele assumiu a presidência da Província entre 1875 e 1877, e suas decisões relativas à imigração tiveram reflexos nos governos posteriores. Sua política era a de instalar um “cinturão verde” ao redor de Curitiba, a fim de abastecer essa região com produtos de subsistência. Segundo Andreazza, além dos produtos de necessidade básica, esta política levava em conta outros fatores: “como o Paraná era uma Província que recebera a sua emancipação política há pouco tempo, via na ocupação territorial uma forma de garantir seu espaço político, de ativar meios de transporte e comunicação, como também efetuar obras públicas, além da precariedade em métodos e insuficiência em quantidade da lavoura de subsistência”.4 O estabelecimento das primeiras colônias se deu nos arredores do centro urbano de Curitiba. O objetivo do governo provincial era abastecer o centro consumidor mais rapidamente, e além disso economizar com construções de pontes e estradas, uma vez que a mão-de-obra imigrante era utilizada nessa área. 3 PARANÁ. Governador (1857-1859: Mattos). Relatório do presidente da Província do Paraná, Francisco Liberato de Mattos, na abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 7 de janeiro de 1858. Curytiba: Typ. Paranaense, 1858. p. 21, citado por BELQUIS, R.D. ; GONÇALVES. M. Reconstruindo Memórias: os poloneses do Santo Inácio. Curitiba: Universidade Tuiuti do Paraná, 2004. p. 26. 4 ANDREAZZA, Maria Luiza. O paraíso das delícias; um estudo da imigração ucraniana 1895-1995. – Curitiba Aos Quatro Ventos, 1999, p.44 8 Nesse período havia no Brasil a formulação de um discurso em defesa da política de branqueamento da raça, e a necessidade de uma nação mais civilizada, onde a presença do negro não era bem vista. Nesse sentido, o imigrante europeu teve um papel primordial com o componente racial, contribuindo para a formação do novo perfil da sociedade brasileira republicana. Segundo o Comendador Ildefonso Pereira Correia, que era segundo vice-presidente da província em 1888, a imigração foi “como fator ethnico de primeira ordem, destinada a tonificar o organismo nacional abastardado por vícios de origem e pelo contacto que teve com a escravidão5”. No período analisado o Paraná necessitava socialmente e economicamente de novos moradores, aumentando assim o incentivo, por parte dos presidentes de província para a criação e fixação de colônias. O “cinturão verde” ofereceu tanto ao imigrante, quanto para os demais moradores luso-brasileiros, uma nova forma de integração social. Para os colonos esse sistema representou uma nova forma de socialização com a terra de adoção, e para os moradores serviu de incentivo para o estabelecimento de laços sociais e comerciais com outra cultura. 1.2. - IMIGRAÇÃO EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS A partir desse breve contexto acerca da imigração paranaense, o foco do trabalho se dirige para o espaço de São José dos Pinhais, que merece uma análise específica quanto a acomodação dos imigrantes europeus. São José dos Pinhais é hoje um dos municípios mais desenvolvidos do Paraná, mas sua expansão demográfica, econômica e social ocorreu de forma muito lenta, uma vez que todos os passos do crescimento dessa região foram orientados e dependentes do desenvolvimento econômico de Curitiba. 5 PARANÁ. Relatório que ao Exm. Sr. Commendador Ildefonso Pereira Correia segundo vice-presidente da Província apresentou o Exm. Sr. Dr. José Cezário de Miranda Ribeiro por occasião de passar-lhe a administração da província do Paraná em 30 de junho de 1888. p.26. Curityba : Typ. Da Gazeta Paranaense,1888.IN:Andreazza, Maria Luiza. Paraíso das delícias; um estudo da imigração ucraniana. – Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999, p. 45. 9 A trajetória desse município acompanhou os diferentes momentos econômicos ocorridos no Paraná, desde a economia do ouro, passando pelo tropeirismo, a erva-mate, madeira, a economia agrícola vinculada à política imigratória, e finalmente a chegada da Industrialização na segunda metade do século XX. A chegada dos primeiros imigrantes em São José dos Pinhais coincide com o período da economia ervateira no Paraná, portanto é importante ressaltar que as decisões tomadas pelos presidentes de Província, quanto à instalação de imigrantes, afetou diretamente essa região. Como desdobramento da política implantada por Lamenha Lins, mesmo após ele ter deixado a presidência da Província, no ano de 1878, deu-se continuidade à criação de colônias agrícolas. Dentre elas, quatro se encontravam em São José dos Pinhais: colônia Santa Maria do Novo Tyrol*, colônia Murici, Zacarias e Inspetor Carvalho. Essas quatro colônias agrícolas instaladas próximas ao centro urbano de São José dos Pinhais estavam localizadas entre 6 e 32 km de distância do centro. Esses primeiros núcleos foram criados graças à iniciativa do governo provincial. Eles dispunham de melhor infra-estrutura do que os grupos que foram instalados posteriormente, na década de 1890 em São José. Esse fato se destaca na medida em que esses primeiros grupos estavam instalados mais próximos das áreas de abastecimento, indicando um dos fatores que facilitaram a prosperidade dos colonos. O mapa que segue esclarece essa informação quanto à localização das colônias instaladas na década de 1870 e da colônia Santos Andrade, criada na década 1890 pelo governo provincial. 1878 – Colônia Murici 1878 – Colônia Inspetor Carvalho 1878 – Colônia Zacarias 1896 – Colônia Santos Andrade 10 11 É importante ressaltar que essas não foram as primeiras colônias em São José, sendo que em 1876 ocorreu oficialmente à criação da primeira colônia, a Tomás Coelho*. Até a chegada dos imigrantes, a maioria da população de São José dos Pinhais era formada por descendentes de colonizadores portugueses, indígenas e escravos libertos, que não detinham propriedades. Como as economias que percorreram São José apenas geravam riquezas isoladas, não contribuíram para o seu desenvolvimento, que só veio a ocorrer após a chegada dos grupos de imigrantes. Na obra de Roberto Simonsen e citado por Maria Cristina Colnaghi aparece um depoimento de 1780 referindo-se às condições precárias da vila de Curitiba e seus arredores, pertencentes capitania de São Paulo. Os moradores da vila de Curitiba,que está ao lado da estrada 14 léguas, além de não serem as terras frutíferas, e porque não têm para quem nem para onde consumir os frutos da sua lavoura, tem já o costume de plantar somente aquilo que basta para o sustento de suas famílias; ainda, isto é, aqueles que têm como, uma vez que a maior parte nem disso cuida, porque muitos sustentam-se conduzindo congonhas para a vila de Paranaguá, onde as permutam pelo sal, algodão e farinha, sem saírem desta miséria desde o princípio de seus avós, e não se pode condenar esse gênero de vida porque ainda assim têm o sal, farinha e algodão para vestirem; e a mesma sorte têm os da freguesia de S.José, 6 que é do termo desta vila . Em São José dos Pinhais essa precariedade perdurou até o século seguinte, quando chegaram as primeiras levas de imigrantes. De acordo com Brepohl mesmo com todas as expectativas, “a chegada dos imigrantes estrangeiros, em que pese sua importante contribuição, não foi suficiente para impulsionar a economia são-joseense, no sentido de indicar uma vocação econômica própria para o município, nem tampouco conseguir romper com as características de vila de sua sede7”. 6 SIMONSEM, Roberto. citado IN: Colnaghi, Maria Cristina. Francisco de Borja Baptista de Magalhães Filho e Marionilde Dias Brepohl de Magalhães. São José dos Pinhais: a trajetória de uma cidade. – Curitiba: Editora Prefhacio, 1992. p. 33. * As colônias Tomás Coelho e Santa Maria do Novo Tyrol deixaram de pertencer ao município de São José dos Pinhais no ano de 1890, quando houve um desmembramento de terras, hoje elas pertencem ao município de Piraquara 7 Colnaghi, Maria Cristina. Francisco de Borja Baptista de Magalhães Filho e Marionilde Dias Brepohl de Magalhães. São José dos Pinhais: a trajetória de uma cidade. – Curitiba: Editora Prefhacio, 1992. P. 117. 12 1.3. - COLÔNIA SANTOS ANDRADE E TRANSFERÊNCIA PARA A COLÔNIA MARCELINO Depois de um intervalo de quase duas décadas após a criação das primeiras colônias em São José dos Pinhais, ocorreu a instalação de imigrantes na colônia Santos Andrade. Colônia criada oficialmente no ano de 1896 nas divisas de São José dos Pinhais e Guaratuba. O perfil da instalação desses imigrantes é distinto dos outros grupos que foram instalados em São José, pois ela é criada alguns anos depois da proclamação da república. Com a instabilidade que perdurou no Brasil no final do século XIX, o governo federal cortou a ajuda financeira destinada à acomodação de novos grupos em diferentes espaços rurais. O Paraná e as novas colônias que aqui surgiam foram afetadas diretamente por esse corte financeiro. No caso específico do núcleo Santos Andrade, a deficiência se deu devido a infra-estrutura da região. Marochi cita o triste destino quanto a criação dessa colônia, a identificando como a “mancha negra” na história do projeto oficial de imigração8. Esse núcleo, da década 1890, foi instalado em região mais afastada do centro, distinta das primeiras colônias instaladas em São José dos Pinhais. O único documento que relata a composição da colônia Santos Andrade é um relatório de 1907. Santos Andrade- colônia fundada em 1896 no logar Castelhano, com localisação de colonos polacos; além dos lotes urbanos foram demarcados lotes rurais nas linhas Cunhay, Arraial, Ouro Fino e Castelhanos e construída uma estrada de rodagem para comunicação da colônia com o logar de Campo Largo, até onde chegava a estrada que parte de São José dos Pinhais. Em 1899 e 1900 foram ahi demarcados novos lotes, porém por motivos diversos foram os colonos abandonando as terras e na visita que ultimamente fiz à colônia, encontrei um único morador; as casas desaparecidas e as estradas abandonadas. Os seus antigos habitantes instalaram-se em terrenos de domínio particular, em 8 MAROCHI, Maria Angélica. Imigrantes 1870-1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. CuritibaTravessa dos Editores, 2006, p. 138 13 que obtiveram lotes por meio de pagamento realisados em 9 prestações. A realidade que os imigrantes encontraram ao chegar na Colônia Santos Andrade, fez com que todas as famílias se transferissem para outra região. Esse fato não ocorreu apenas com os imigrantes da colônia Santos Andrade, outras regiões que também eram pertencentes aos descendentes de colonizadores portugueses se tornaram loteamentos, e a partir dos anos de 1860, por conseguinte colônias particulares, dando uma nova opção ao imigrante que não estava satisfeito com o local para onde havia sido destinado. Segundo o relato de Marochi, fica explícito os motivos que levaram a transferência das famílias de imigrantes para outras regiões. Os primeiros grupos que chegaram à Colônia Santos Andrade nada encontraram, sequer um abrigo descente para recebê-los. O governo limitou-se apenas a abrir uma picada no meio do mato até o local. A estrada, que não era das melhores, acabava em Campo Largo da Roseira. Daí para frente, todos eram obrigados a caminhar, as pessoas carregavam como podiam os seus poucos pertences. Era impossível transportar algum tipo de material para a construção das casas. Com isto, os imigrantes foram obrigados a construir seus pequenos ranchos com o que extraíram da mata. (...) Entre os próprios vizinhos dos lotes, de tanto mato, a comunicação ficava difícil. Após construírem os seus ranchos, as famílias procuraram dar início às plantações de algum alimento para o sustento. No entanto, a terra era totalmente inadequada à produção dos alimentos que eles já conheciam ou estavam acostumados a comer. Segundo especialistas, a terra do local era desprovida de qualquer substância favorável à produção agrícola, 10 como sonhavam os primeiros imigrantes . O relato de um descendente desses primeiros imigrantes que foram destinados à Colônia Santos Andrade comprova o fato de que o imigrante esperava melhor infra-estrutura nos núcleos, “meus avós Stefano Nogas e Eudócia Smolinski Nogas contavam que, quando foram conduzidos até a Colônia Santos Andrade, na Castelhanos, acreditando encontrar um lugar 9 Relatório elaborado pelo Secretário de Estado dos Negócios de Obras Públicas e Colonização. Curitiba. 1907. p.4. In: MAROCHI, Maria Angélica. Imigrantes 1870-1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. CuritibaTravessa dos Editores, 2006, p. 140. 10 MAROCHI, Maria Angélica. Imigrantes 1870-1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. CuritibaTravessa dos Editores, 2006, p. 140. 14 com casas, ferramentas e alguns animais domésticos, encontraram somente estacas demarcando os terrenos11. Outra forma dos imigrantes adquirirem terras era a partir da compra, mas como esse fato pouco ocorreu entre os recém chegados de outros países, eles eram instalados onde o Governo estabelecia. No relatório apresentado ao Governador do Estado em 31 de Janeiro de 1899, fica clara a posição do Governo para imigrantes que não se habituavam ao local destinado: ”os imigrantes que abandonam o lote que lhes foi distribuído perde o direito à nova colocação em qualquer colônia do Estado”12. Sendo assim, restava aos imigrantes a mudança para outra região, desde que comprassem as terras. Diante das dificuldades, os moradores da Colônia Santos Andrade adquiriram as terras da região de Marcelino, situada próxima à estrada geral de São José dos Pinhais. O grande incentivo a transferência para essa região além do pagamento facilitado das terras foi a localização. Não havendo espaço para instalação próximo do centro, a melhor alternativa era estar ao lado da estrada geral, o que ocorria, com a colônia Marcelino. Essa transferência dos imigrantes deu-se por incentivo particular, pois as condições de vida na Colônia Santos Andrade eram inviáveis. Na nova Colônia eles passaram a desenvolver uma vida econômica e social ativa, interagindo com a economia do Estado, dando continuidade a seu modo de vida. A formação da colônia Marcelino é datada da última década do século XIX. Segundo Marochi, “por volta do ano de 1897, de acordo com dados da época, ocorreram as transferências das primeiras famílias da Colônia Santos Andrade para Marcelinos, ou Colônia Marcelino13”. Além dos testemunhos o único documento que prova essa data é um cruzeiro colocado na entrada da colônia em 1899, e que existe até hoje, só que agora feito em concreto e mármore. 11 NOGAS, Onofre IN: Colônia Marcelino: Nossa raízes, memórias da colonização São –Joseense. Proline editora e Gráfica, SJP 2001. p.90 12 Relatório apresentado ao Governador do Estado José Pereira Santos Andrade, em 31 de janeiro de 1899. 13 Marochi, Maria Angélica. Imigrantes 1870-1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Curitiba- Travessa dos Editores, 2006, p. 195. 15 Assim se instalam os primeiros moradores imigrantes na região de Marcelino. Com muito trabalho e suor, esse grupo cultivava a terra e dela tirava seu sustento. Segundo Wachowicz na década de 1870, ou seja, poucas décadas antes da instalação dos imigrantes na Marcelino, a situação de escassez de produtos agrícolas no Paraná havia se invertido, pois as colônias já instaladas supriam essa necessidade. Esse fato não impediu as novas colônias de participarem desse comércio. O surgimento de inúmeras colônias de imigrantes europeus em torno da capital colocou Curitiba na posição única entre as capitais brasileiras, de receber ainda no século XIX um verdadeiro cinturão verde, responsável pelo abastecimento de produtos de subsistência. A partir de meados da década de 1870, não mais se falou em escassez de gêneros alimentícios na capital 14 paranaense . Mesmo tendo sido uma colônia particular, distante do centro de Curitiba e algum tempo depois da economia de subsistência, a colônia Marcelino ainda assim teve participação nesse comércio. Os imigrantes que se estabeleceram na região comercializavam seus produtos na Capital do Estado. De acordo com Marochi essa forma de comércio avança para o século XX, citando a Colônia Marcelino como exemplo. A distância da colônia dificultava as vendas, mas nem por isso elas deixavam de existir. Assim que os colonos conseguiam obter algum dinheiro, adquiriam uma carroça para o transporte dos produtos que pretendiam vender em Curitiba, mas isto já nos anos trinta. A viagem era longa e, mesmo após vários anos, muitos chegavam a gastar até mais que dois dias para completar a 15 viagem . Graças a esse distanciamento a colônia Marcelino é uma das únicas colônias que ainda não foi absorvida pelo quadro urbano de São José, mantendo suas tradições até hoje. 14 WACHOWICZ, Ruy Chistovam. Santa Cândida-pioneira da colonização linista .Boletim Informativo n°16 da fundação Cultural de Curitiba. Curitiba,1975. p.2. Citado por Marochi,, Maria Angélica. Imigrantes 1870-1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Travessa dos Editores – Curitiba, 2006. 15 Marochi, Maria Angélica. Imigrantes 1870-1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Curitiba- Travessa dos Editores, 2006, p. 197 16 Como o grupo de imigrantes analisado nessa monografia é de origem eslava, vale a pena destacar que entre 1880/1900 foi o período de maior fluxo desses imigrantes para o Paraná, vindos com o apoio do Governo Central, ou por iniciativas particulares e estaduais. Quanto à composição dos grupos de imigrantes dessas novas colônias, embora mantenha-se aquêle caráter de variedade étnica que é constante nos contingentes imigrados para o Paraná, houve acentuada predominância de elementos eslavos, principalmente poloneses e ucranianos, que constituem, aliás, pelo seu número, o grupo étnico mais significativo das correntes imigratórias dirigidas 16 para êste Estado O próximo passo para entender como foi à instalação desses grupos de imigrantes em São José dos Pinhais, é voltar às origens da colonização paranaense. Dessa forma será possível discutir quem eram os moradores dessa região de São José, como sobreviviam e como se organizavam antes da chegada dos imigrantes europeus. 16 BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Cecília Maria. História do Paraná. Curitiba: Grafipar,1969, volume I p.183 17 2. - COLONIZAÇÃO E PERMANÊNCIA: OS PORTUGUESES EM SÃO JOSÉ DOS PINHAIS A exploração de ouro em Paranaguá no início do século XVII trouxe grandes levas de aventureiros e exploradores para o Paraná, o que contribuiu para a expansão demográfica por todo o planalto. Assim, até a criação da vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba em 1693, a região litorânea, São José dos Pinhais e Curitiba formavam uma mesma comunidade, com seu centro em Paranaguá. São José dos Pinhais por se localizar entre a rota Curitiba/Paranaguá foi povoada primeiramente por esses mineradores que formaram pequenas povoações. Um comentário de Antunes dá conta da exploração de ouro em Paranaguá e da fixação desses mineradores nos campos de Curitiba. Essas perspectivas de descoberta de ouro provocaram movimentos constantes também na Capitania de Santo Amaro, sobretudo no litoral de Paranaguá e ainda nos campos de Curitiba. Como essas regiões ficam afastadas de São Paulo, os faiscadores de ouro viram-se obrigados a ali fixarem residência. Desse modo, mesmo antes da fundação das vilas, esses lugares contavam já com algumas pequenas povoações, que não tinham entretanto 17 nenhuma organização ou representação política . De início os primeiros aventureiros que chegavam eram de diferentes níveis sociais. Eles vinham de São Paulo à procura de ouro e na captura de índios. Num segundo momento era feita à concessão de sesmarias aos colonizadores com o objetivo de ligar o português à terra, na tentativa de desenvolver atividades agrícolas e pastoris, ocupar vazios demográficos, legitimando a colonização da coroa. Segundo consta a preação de índios levou ao litoral paranaense, já em 1585, os primeiros aventureiros procedentes das vilas de Santos e São Vicente, que vinham traficar com os tupiniquins e prear índios Carijós, os quais requereram terras na região nos anos seguintes, constituindo-se a concessão destas terras na 18 primeira sesmaria doada no sul do Brasil. 17 SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. Vida material e econômica. Curitiba: SEED, 2001. p.22 FARIAS, Vilson Francisco de. De Portugal ao Sul do Brasil – 500 anos –História, Cultura e Turismo. – Florianópolis: Ed. do autor, 2001. p.58 18 18 Essa concessão de terra por sesmaria também alterou o perfil da população, que ao invés de passageira se tornou fixa e diversificada, somando-se aos índios e tão logo aos africanos que chegariam da África. A primeira sesmaria entre as oito concedidas na região de São José dos Pinhais é datada de 1707. Essa forma de concessão de terra em São José perdurou até 1743 quando foi adquirida a última sesmaria. A Sesmaria – povoadora a medida que ela se transforma – contribuiu de forma expressiva para a ocupação efetiva de espaço geográfico paranaense (...)A Sesmaria foi o alicerce na organização do povoamento e do espaço do Paraná. Acompanhou as diversas fases de ocupação e exploração econômica, motivando a fixação do homem a terra, mesmo por soluções alheias ao seu processo de concessão de terras, os 19 apossamentos . Juntamente com esse período de concessão de terra em São José dos Pinhais, pela corte portuguesa, ocorreu o declínio da exploração de ouro em Paranaguá. “O ouro paranaense era pouco, basicamente de aluvião, extraído nos leitos dos rios e córregos, desestimulando esta atividade, que entrou em franca decadência quando foram encontrados os grandes veios da região das Gerais20”, observa Farias. A partir de então a população residente no planalto paranaense passa a destinar a atividade econômica à lavoura, e principalmente à criação de gado. Em virtude da escassez da produção aurífera, desde o início, os campos de Curitiba serviram, do ponto de vista material, a atividades ligadas à lavoura de subsistência e à pecuária. A área se prestou à exploração do pastoreio, e esse novo gênero de vida exigiu, pouco a pouco, a fixação de pequenos núcleos de habitantes, com seus escravos, em torno dos pousos e currais de 21 gado . A população de São José no ano de 1797 aponta para um total de 1.502 pessoas, sendo 1.315 livres e 187 escravos22. Esse contingente se compreende na maioria pelos descendentes de portugueses que permanecem na região de São José após a retirada dos exploradores para 19 RITTER, Maria Lourdes. As sesmarias do Paraná no séc XVIII. Curitiba – Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1980. p.207 20 FARIAS, Vilson Francisco de. De Portugal ao Sul do Brasil – 500 anos –História, Cultura e Turismo. – Florianópolis: Ed. do autor, 2001. p.59 21 SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. Vida material e econômica. Curitiba: SEED, 2001. p.25 22 SBRAVATI, 1980. IN: Colnaghi, Maria Cristina. Francisco de Borja Baptista de Magalhães Filho e Marionilde Dias Brephol de Magalhães. São José dos Pinhais: a trajetória de uma cidade. – Curitiba: Editora Prefhacio, 1992. p. 32. 19 Minas Gerais, levando em consideração que São José dos Pinhais era uma freguesia há 35 anos. Esses dados são de fundamental importância quanto ao objetivo central do capítulo, cuja intenção é mostrar que a história de São José dos Pinhais não deve ser escrita apenas sobre a ótica dos imigrantes. Antes dos imigrantes outros grupos indígenas e sobre tudo luso-brasileiros deixaram vestígios de sua presença nessa região. Esses luso-brasileiros descendentes dos sesmeiros do início do século XVIII, permanecem nessas terras que foram obtidas por seus descendentes, “predominando a forma de aquisição através da herança23”. No ano de 1818 foram recenseadas 205 propriedades na região de São José dos Pinhais, variando com extensão máxima de 3.000 braças e mínima de 50 braças, sendo que apenas 5 proprietários não eram residentes24. Essa informação nos faz compreender, juntamente com uma lista de votantes da região de Marcelino em São José dos Pinhais, do ano de 1878, onde consta a permanência dos sobrenomes dos que receberam sesmaria da coroa, comprovando que essas terras foram divididas como herança para os filhos e netos dos sesmeiros, e assim consecutivamente. Entre o final do século XVIII e início do XIX a população de São José, de sua maioria luso-brasileira, desenvolvia outros tipos de economia além da agricultura e pecuária, “ já no século XVIII, ao lado de uma economia de Subsistência, aparecem os primeiros alvarás de licença concedidos pela Câmara de Curitiba, para o estabelecimento em São José, de ofícios de sapateiro, ferreiro, bem como para lojas de secos e molhados, fazendas e outros25. Pela época pode-se concluir que os estabelecimentos eram de luso-brasileiros, sendo que até a chegada dos imigrantes os moradores dessa região além dos descendentes de portugueses eram negros e índios,que viviam de trabalho senhoril. Mas é após a instalação das colônias 23 RITTER, Maria Lourdes. As sesmarias do Paraná no séc XVIII. Curitiba – Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1980. p.202 24 Idem. p.206 25 SBRAVATI, 1980. IN: Colnaghi, Maria Cristina. Francisco de Borja Baptista de Magalhães Filho e Marionilde Dias Brephol de Magalhães. São José dos Pinhais: a trajetória de uma cidade. – Curitiba: Editora Prefhacio, 1992. p. 34 20 no município, que a região terá destaque quanto a criação de estabelecimentos comerciais. No caso específico da região de Marcelino, localizada a 30 km do centro urbano de São José, a análise da lista de cidadãos comprova que todos os moradores votantes eram lavradores luso-brasileiros e que se incluíam naqueles que receberam terras por herança “Os registros de 1893 mostram que no Marcelinos foram relacionados mais de setenta proprietários de pequenas e médias extensões, sendo que os seus sobrenomes eram todos de origem portuguesa26”.Eram pessoas que viviam de um latifúndio pouco produtivo, e em sua maioria não moravam nas terras, utilizavam como espaço de trabalho e depósito de erva-mate. Em meados do século XIX, quando começaram a chegar as primeiras camadas de imigrantes nessa região de São José dos Pinhais, muitos desses luso-brasileiros venderam ou trocaram suas terras, procurando outro lugar para se estabelecer. Esse processo de evasão dos luso-brasileiros para outras regiões desenvolveu uma outra forma de distribuição de terras entre os moradores. O acúmulo de terras nas mãos de poucos proprietários nessa região tornou-se comum. Como exemplificação desses fazendeiros/comerciantes que eram donos de muitas braças de terra, destaca-se como representante nessa pesquisa um comerciante da região, Marcelino José Nogueira, homem de grande influência em São José dos Pinhais no século XIX. Entre as formas de comércio dos luso-brasileiros em São José até a chegada dos imigrantes, se inclui a do comerciante caixeiro viajante, que vendia seus produtos diretamente nas fazendas. E o comerciante destacado na pesquisa, desenvolveu esse tipo de comércio na região. Nascido em São Francisco do Sul, em Santa Catarina, no ano de 1830 Marcelino José Nogueira, filho de Leodovina Nogueira, não tinha pai, ou não chegou a conhecê-lo, levando somente o sobrenome português da mãe. Ele se muda para a região de São José dos Pinhais ainda jovem, 26 Marochi, Maria Angélica. Imigrantes 1870-1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Curitiba- Travessa dos Editores, 2006 p. 194. 21 quando começa a ter destaque na sua vida profissional. Aos 32 anos Marcelino foi escrivão de São José, se tornando conhecido nessa região. Alguns cadernos comemorativos feitos no ano de 1995 sobre as colônias em São José dos Pinhais dão destaque a Marcelino como Coronel da guarda Imperial, mas em documentos oficiais as profissões que se comprovam era de escrivão, e latifundiário nas regiões de Campo-Largo, Cotia, Agaraú e Marcelino, localidade que levava seu nome. Ao que tudo indica as atividades desenvolvidas por ele lhe deram o destaque na região. Casado duas vezes, sendo o primeiro casamento com Maria Joaquina da Conceição Nogueira, teve 3 filhos, dois homens, um professor e o outro advogado, e uma filha. No segundo matrimônio com Leocádia Alves Pereira, de família nobre, teve 5 filhos, três homens e duas mulheres, entre elas Olívia Alves Nogueira que formou-se professora na escola Americana e falava fluentemente 4 idiomas além do português, por esse motivo foi homenageada com o nome de uma escola em São José dos Pinhais. No que tudo indica a família Alves Pereira tinham grande prestígio na região, pois o casarão da família estava localizado ao lado da igreja Matriz de São José, e todos os filhos do casal Marcelino Nogueira e Leocádia Alves Pereira estudaram e tiveram grande destaque na vida profissional. Além da professora Olívia, o filho mais velho do 2° casamento se destacou como promotor público em Ponta Grossa. Pode-se concluir, então, que associando o destaque de Marcelino como escrivão, latifundiário e líder político, com o prestígio da família Alves Pereira, seu status social e econômico aumentou ainda mais, levando-o a tornar-se um dos proprietários de terra mais conhecidos da região. Ao longo da vida, Marcelino José Nogueira, se torna proprietário de grande extensão de terras, variando entre 666 alqueires. Todas as suas fazendas tinham benfeitorias, plantação e preparo de ervais, culturas extrativas, aminhos e mananciais. Apenas uma fazenda, a maior delas, foi adquirida por compra e possuía casa, depósitos, paiós, quintais, potreiros e estrada. Isso nos leva a pensar que talvez fosse nessa fazenda que Marcelino residia, sendo que ela 22 se localiza na estrada geral que liga o centro urbano de São José a Tijucas do Sul. As demais fazendas adquiridas também estão ao lado dessa estrada geral. O acúmulo de terras nas mãos desse homem percorreu todas as formas de aquisição, de herança, compra, doação e por pagamento de processos. Ao que tudo indica, era comum ele vender mantimentos fiado, e os pequenos colonos não tendo condições para saldar seus débitos, pagavam o comerciante, ofertando-lhes suas terras, culminando com a aquisição de grandes glebas de terras como forma de pagamento. Pode-se afirmar que esse acordo de pagamento de dívida com terras nem sempre foi pacífico, pois nos registros de terras todos esses casos estão como terras adquiridas por adjudicação judicial, ou seja, um processo que estava ocorrendo e quando perdida a causa, o proprietário das terras e devedor, passou para ao comerciante alguns alqueires como forma de quitação da dívida. Além dos registros pesquisados, outro documento que comprova essa informação é um processo de 1861 no qual Marcelino José Nogueira entra em cobrança no fórum de São José contra Bento Alves Ribeiro. Outra maneira muito comum nos séculos anteriores de adquirir terras, e foi provavelmente o que levou o Coronel Marcelino a fazer os registros das terras todos no mesmo dia, era a prática de obter a terra e não fazer o registro da mesma no ato da compra e sim, quando se iria revendê-las essas terras. Isso foi provavelmente o que fez Marcelino, já que estava com a intenção de vender as terras da região de Marcelino para os imigrantes da Colônia Santos Andrade. O acúmulo de terras nas mãos de Marcelino José Nogueira foi obtido através de diferentes modalidades: 8 regiões adquiridas por compra, somando um total de 383 alqueires mais ou menos, por herança 6 regiões somando 88 alqueires, por doação em pagamento 2 regiões somando 95 alqueires e por adjudicação judicial 5 regiões, somando 100 alqueires mais ou menos, num total de terras de 666 alqueires nas regiões próximas da Marcelino. 23 O mapa a seguir classifica as terras sobre posse de Marcelino José Nogueira em 1895, antes da venda de algumas terras aos imigrantes. As áreas adquiridas na região, estão assim distribuídas: Propriedade: Espigão adquirido por: compra Propriedade: Campestre adquirido por: compra Propriedade: Campo-Largo adquirido por: compra Propriedade: Palmital adquirido por: herança Propriedade: Miringuava-Mirim adquirido por: compra Propriedade: Rocinha adquirido por: compra Propriedade: Barreiro adquirido por: compra Propriedade: Rocinha adquirido por: adjudicação judicial Propriedade: Potreiro adquirido por: doação em pagamento Propriedade: Fulla pagamento adquirido por: doação em 24 Propriedade: Fulla, quarteirão do Palermo, adquirido por: adjudicação judicial Propriedade: Caratuvas no quarteirão da Fachina, adquirido por: adjudicação judicial Propriedade: Avencal adquirido por: adjudicação judicial Propriedade: Queimada adquirido por: herança Propriedade: Potreiro adquirido por: herança Propriedade: Monte-Alegre adquirido por: herança Propriedade: Morro adquirido por: compra Propriedade: Capoeira adquirido por: compra Propriedade: Campinas adquirido por: adjudicação em pagamento Propriedade: Capoeiras do Marcelino adquirido por: herança Propriedade: Queimada herança27 27 Arquivo Público do Paraná; livro 136, do registro 729 até 749. adquirido por: 25 • Adjudicação Judicial – 100 alqueires • Doação em pagamento - 95 alqueires • Compra – 383 alqueires • Herança – 88 alqueires 26 Todos os registros foram feitos no mesmo dia, em 4 de dezembro de 1895 no cartório de São José dos Pinhais. Uma fonte que seria muito importante para saber as posses do Coronel Marcelino no inicio do século XX, é um testamento deixado pelo mesmo, mas esse documento está perdido no fórum de São José. Provavelmente Marcelino José Nogueira além de possuir terras, comercializar, ela morava nas regiões próximas de Marcelino, antes da chegada dos imigrantes, pois a lista de votantes é do ano de1878 e essa região já existia com o nome de Marcelino. Ao que tudo indica, ele era conhecido por quase todos os moradores aos arredores da região. “O comerciante não era apenas um vendedor, mas um homem bem informado, conhecedor dos costumes e talvez de alguns segredos de seus clientes. Era também um dos que trazia informações dos grandes centros28”. Com a venda de produtos em várias regiões de São José, Marcelino ficou conhecido pelos moradores da região. Com a instalação dos imigrantes eslavos na Colônia Santos Andrade, ele passou também a comercializar nessa região, estabelecendo vínculos comerciais e de amizade. Esse vínculo comercial é o que possibilitou a venda das terras da região de Marcelino para os imigrantes instalados na Santos Andrade, levando em conta as dificuldades já mencionadas no 1° capítulo, que fizeram os imigrantes procurarem outra região para se estabelecer. Segundo informações dos moradores da colônia Marcelino, ele vendeu parte de suas terras na região para os imigrantes, facilitando o pagamento, o que tornou acessível adquirir essas terras. O Jornal Tribuna de São José em um caderno especial da colônia Marcelino do ano de 1995 mostra a seguinte informação. Tão logo os primeiros compradores da nova gleba ali chegaram e sendo um dos adquirentes chamado Pedro, foi proposto para que o nome da Vila fosse chamada São Pedro. Assim permanecendo por apenas dois anos, até que o povo ucraniano achou por bem homenagear aquele que facilitou para que os imigrantes ali se 28 Colnaghi, Maria Cristina. Francisco de Borja Baptista de Magalhães Filho e Marionilde Dias Brephol de Magalhães. São José dos Pinhais: a trajetória de uma cidade. – Curitiba: Editora Prefhacio, 1992. p. 83 27 reunissem, imortalizando o coronel, denominando o lugar de 29 Colônia Marcelino e assim, permanece até hoje . Essa informação é desconhecida quando pesquisada em documentos oficiais. Como mencionado anteriormente e se apoiando na lista de votantes, essa região de Marcelino já existia como vila Marcelino algumas décadas antes da instalação dos imigrantes, por esse motivo se torna menos viável que realmente se tenha mudado o nome da região por dois anos, sendo que esse nome já tinha uma tradição entre os moradores por causa do comerciante e das terras aos redor da região que também eram suas. A memória de Marcelino José Nogueira e de seus descendentes mesmo após dois séculos permanece presente no cotidiano dos sãojoseense. Ao passar pela rua Dr. Marcelino Nogueira Jr, no centro da cidade, visitar o colégio Olívia Nogueira também localizada no centro de São José, ou um passeio ao Distrito Administrativo de Marcelino ou Colônia Marcelino, em todos esses lugares estão expostas as homenagens e gratidão por uma família que contribuiu para o comércio, educação e política da região, e na instalação dos imigrantes na colônia Marcelino. A permanência do nome Marcelino na antiga vila e após a instalação da colônia, deixa explícito que a ligação era muito mais do que apenas comercial do Maragato com os luso-brasileiros e depois com os imigrantes. Há muitas evidências do agradecimento dos colonos pelo comerciante ter dado às famílias a oportunidade de ficarem próximas. Alguns imigrantes que foram para a Marcelino vieram de outras colônias, indicando que alguma famílias foram separadas e estabelecidas em outros núcleos, e viram na mudança dos imigrantes da Santos Andrade para a Marcelino a oportunidade de se estabelecerem próximas aos seus conhecidos. Enquanto colônia de imigrantes europeus, não foi criada oficialmente pelas autoridades governamentais, mas surgiu em função da busca de novas terras por parte dos imigrantes, principalmente ucranianos e poloneses, já instalados na Colônia santos Andrade, isto durante a última década de 1800. Além destas famílias, vieram algumas outras de poloneses, que há 29 Jornal Diário Tribuna de São José. De 13 a 17 de abril de 1995, edição N° 2.400. 28 algum tempo viviam na Colônia Tomás Coelho (hoje Araucária) e 30 na Colônia Orleans, situada no município de Curitiba . Sem dúvida a trajetória de vida de Marcelino José Nogueira acompanhou um importante período de mudanças na história do município de São José, a qual marcou definitivamente os costumes e a vida social dessa população, à chegada dos imigrantes Europeus. 30 Marochi, Maria Angélica. Imigrantes 1870-1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Curitiba- Travessa dos Editores, 2006. p. 194. 29 3. - COLÔNIA MARCELINO: INSTALAÇÃO E ENCONTRO CULTURAL O terceiro capítulo tem como objetivo analisar como se deu a instalação das famílias de imigrantes ucranianos e poloneses que vieram da Colônia Santos Andrade para a de Marcelino, e como ocorreu o processo de manutenção da vida cultural desses grupos nas primeiras décadas de instalação, discutindo a questão de “choque cultural” identidade e diferença. A questão do encontro cultural será privilegiada nesse capítulo a partir da análise da instalação de dois grupos de imigrantes, ucranianos e poloneses, na colônia Marcelino. Tadeu Silva, ao analisar a questão do forjamento de identidade, mostra que ela se constrói a partir do outro. Se as “identidades” só podem ser lidas a contrapelo, isto é, não como aquilo que fixa o jogo da diferença em um ponto de origem e estabilidade, mas como aquilo que é construído na différance ou por meio dela, sendo constantemente desestabilizadas por aquilo 31 que deixam de fora . Por tratar-se de uma colônia particular a documentação relacionada a sua criação é praticamente inexistente, (apenas existem documentos relacionados a casas comerciais), ocasionando uma lacuna que está presente em todos os espaços que tiveram esse tipo de imigração espontânea. Ao contrário das colônias governamentais que tem disponível em órgãos públicos ampla documentação referentes a sua criação, os núcleos formados espontaneamente contam apenas com informações raras e esparsas, muitas vezes baseadas na tradição oral. Nesse sentido, para alicerçar esse capítulo serão utilizadas as fontes orais obtidas por Marochi, dos descendentes dos imigrantes ucranianos e poloneses, que ainda vivem na Colônia Marcelino. Na tentativa de avançar 31 SILVA, Tomaz Tadeu. Stuart Hall, Kathryn Woodward. Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p.111. 30 na discussão sobre o tema da imigração em São José dos Pinhais, questão central do livro de Marochi, nosso objetivo será de problematizar a discussão acerca da identidade cultural. A vinda dos imigrantes destacada nesse trabalho faz parte de um processo de grandes mudanças ocorridas no final do século XIX, podendo também ser chamado de globalização. Esse momento é caracterizado por transformações urbanas, industriais e culturais. Esse contexto histórico também teve forte impacto sobre a identidade cultural, fosse ela de classe, de gênero, etnia, raça ou nacionalidade, trazendo conseqüências para as estruturas sociais. Como argumenta Hall sobre as mudanças do mundo contemporâneo: As velhas identidade, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos 32 indivíduos uma ancoragem estável no mundo social A questão de “choque cultural” está intrinsecamente ligada a um processo de deslocamento. Esse fator ocorreu com os imigrantes ucranianos e poloneses que se instalaram na Colônia Marcelino, e a partir das diferenças entre os grupos é que vai surgir a criação de uma simbologia para delimitar suas identidades. Analisado por Silva a identificação opera por meio da diferença, ela envolve um trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas33. A simbologia para a recuperação da identidade desses grupos é muito presente, e toda essa recriação parte da necessidade de busca da reprodução da “terra natal”. As identidades estão sempre expostas a mudanças e como afirma Hall “a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia34”. 32 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro – 10. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 13. 33 SILVA, Tomaz Tadeu. Stuart Hall, Kathryn Woodward. Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. – Petrópolis, RJ: Vozes. P. 106. 34 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro – 10. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 13. 31 O fato desses grupos de ucranianos e poloneses terem se deslocado de seu país de origem para procurar uma nova vida, sugere que estavam num processo de crise, o qual para um imigrante está associado a uma “crise de identidade” acarretada pelo seu deslocamento. No caso dos imigrantes ucranianos e poloneses, essa desestabilização cultural já estava ocorrendo dentro da Europa, ao chegar na nova pátria e na localidade destinada, a necessidade da reformulação da identidade se torna muito forte, pelo fato de estarem em um grupo menor e pela localização territorial também ser nova. A identidade só se torna percebida a medida que está em processo de transformação, quando se encontra numa situação até então desconhecida. Como observa o crítico cultural Kobena Mercer citado por Hall em A Identidade Cultural na pós-modernidade “ a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e da incerteza35". Essa “crise de identidade” discutida por Mercer e citada por Hall é percebida nos imigrantes pesquisados a partir do momento que eles se estabelecem na Colônia e dividem esse espaço com outra etnia, que também procura manter a sua cultura, colocando-se, portanto, numa situação de alteridade. Quanto aos luso-brasileiros que eram proprietários de terras aos arredores da região que passou a ser a colônia Marcelino, ao que tudo indica não moravam nessas áreas, apenas mantinham um latifúndio pouco produtivo, usando esses espaços para o plantio e estocagem de erva-mate. Pelo fato dos luso-brasileiros não residirem na região, mas apenas ter um contato comercial com os imigrantes, esse grupo não entrará na discussão do choque cultural, que compreenderá somente o encontro dos grupos ucranianos e poloneses. 35 MERCER, Kobena. In: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro – 10. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 13. 32 Marochi deixa claro o distanciamento cultural entre os imigrantes ucranianos e poloneses: No início do estabelecimento dos imigrantes na colônia, os mesmos formavam dois grupos distintos e cada um no seu lado. Não havia uma convivência maior entre eles. A separação aconteceu por questões de ordem cultural e religiosa. Havia diferença entre os costumes dos países de origem e, nos primeiros anos, por parte dos dois grupos não houve uma preocupação em maiores aproximações. Com isto, a escola e a igreja, que eram dois locais de encontro da comunidade, por décadas estiveram separadas. Até os cemitérios foram construídos em locais diferentes. Um era dos ucranianos e outro dos poloneses e dos antigos moradores descendentes dos 36 portugueses . Um fator de primeira ordem na acomodação das famílias na nova colônia era o estabelecimento próximo a outras famílias que já conheciam, seja no país de origem ou na antiga Colônia. Essa demarcação de espaço faz parte de uma simbologia para a recuperação de sua identidade que era mantida à medida que lhes permitiam as circunstâncias e o novo modo de vida. Como em todos os núcleos os primeiros anos de instalação eram de trabalho árduo. O cultivo das terras era feito por todos, até mesmo pelas crianças. Os imigrantes tinham que se unir para promover melhorias na região, que geralmente era localizado em mata fechada. Um depoimento mostrar que todas as formas de trabalho eram válidas para manter a sobrevivência das famílias, “logo quando chegaram na Colônia Marcelino, faziam o que podiam para sobreviver; plantavam, serravam madeiras no mato e faziam valas grandes para cercar pastos”.37 Alguns relatos sobre construções de casas dos imigrantes poloneses em outras colônias de Curitiba, o que pode ser relacionado com as casas dos poloneses da colônia Marcelino, mostra como essas habitações eram feitas nos primeiros anos de instalação nas colônias. Geralmente construídas em mutirão, eram casas simples. (...) para a construção de suas moradias, os colonos utilizavam cascas de pinheiros, que, bem ajustadas, proporcionava abrigo 36 MAROCHI, Maria Angélica. Imigrantes 1870 – 1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Curitiba Travessa dos Editores, 2006. p.202. 37 Demétrio Nogas, IN: : Colônia Marcelino: Nossa raízes, memórias da colonização São –Joseense. Proline editora e Gráfica, SJP 2001. p.90 33 àquela população de pele clara e olhos azuis. Se não eram confortáveis, pelo menos eram úteis, (...) poucos materiais tinham em mãos. Logo depois, (...) passaram a fazer suas casas com 38 troncos de pinheiros, até surgirem as primeiras olarias . As madeiras das paredes eram encaixadas e não utilizavam pregos, o assoalho era de chão batido, e os poucos móveis que tinham eram simples, “as camas eram feitas por eles mesmos de madeira bruta. Toda a palha do trigo colocada na cama era o colchão. Os lençóis eram de sacos bem grandes e folgados39”. Os dois grupos de imigrantes da colônia Marcelino dedicaram-se algumas dezenas de anos ao plantio de trigo, porém esse cultivo foi sendo abandonado aos poucos devido a certas leis governamentais que fizeram extinguir os pequenos moinhos coloniais. Quase todas as propriedades possuíam uma agricultura de subsistência, com plantações para o consumo, como milho, feijão, mandioca, aipim, hortaliças e algumas árvores frutíferas. Para o comércio nas primeiras décadas da Colônia, os colonos plantavam a batata-inglesa, batata-doce, repolho e a batata-salsa, porém foi com a plantação de camomila que a Colônia ganhou destaque comercial no século XX. Na pecuária criavam suínos, galinhas, bovinos de leite e de corte, peixes e abelha, mas essa criação foi para a subsistência do núcleo, e que ainda continua até os dias atuais. Nos primeiros anos, devido a enorme distância entre a colônia e os centros urbanos, foi criado no núcleo, uma casa comercial e um moinho de cereais. O que tudo indica, e por documentos oficiais do século XX, pesquisado por Marochi, é possível que o dono desses estabelecimentos tenha sido um imigrante polonês, e provavelmente essa foi a primeira família a se estabelecer na colônia. 38 CHEVINSKI, Luis. História do bairro Abranszes. In: BUENO, Wilma de Lara. Uma cidade bemamanhecida; vivência e trabalho das mulheres polonesas em Curitiba. – Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. p.49 39 KOWALSKI, Maria Liuza. Idem. p. 49 34 Apenas no ano de 1920 os registros mostram o funcionamento de uma casa comercial de propriedade da “Sociedade Ruthena”40. Essa informação nos leva a pensar, que até a década de 1920, os ucranianos comercializavam e utilizavam o moinho de cereais dos poloneses, assim concluímos que no ramo comercial as etnias tiveram uma maior proximidade. Essa estrutura cultural do imigrante quando deslocada não será substituída por outra, apenas será restabelecida, ocasionando em perdas e acréscimos. Entretanto como argumenta Laclau, também citado por Hall “isso não deveria nos desencorajar: o deslocamento tem características positivas. Ele desarticula as identidades estáveis do passado, mas também abre a possibilidade de novas articulações: a criação de novas identidades, a produção de novos sujeitos41”. Como comentado, na afirmação de uma identidade está a exclusão ou negação de outra, quando o imigrante afirma que ele é ucraniano ele nega que seja polonês e que faz parte desse grupo, ou vice-versa. Essa exclusão é atribuída de forma negativa as outras identidades, porque a identidade e a diferença são produzidas socialmente e culturalmente, portanto elas são passíveis de julgamento, e como esse julgamento é feito por outro grupo ele tende a ser considerado inferior. O comentário exposto por Paiva e citado pelos escritores do livro São José dos Pinhais: a trajetória de uma Cidade, é no sentido de mostrar que esse julgamento e preconceito por outra cultura não se dá apenas de imigrante para imigrante, mas também pode ser de um grupo estabelecido para com os imigrantes. No Brasil, a assimilação dos imigrantes desenvolveu-se dentre dificuldades consideráveis. Primeiro, o preconceito das elites brasileiras com relação ao trabalho manual, visto como tarefa de escravos. Segundo, a inexistência, de início, de escolas públicas que lhes favorecessem o aprendizado da língua portuguesa. Terceiro, a campanha de Nacionalização (1937), gestada nos anos precedentes, e que disseminava junto à sociedade, o 40 MAROCHI, Maria Angélica. Imigrantes 1870 – 1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Curitiba Travessa dos Editores, 2006. p.198. 41 LACLAU, E. In: In: HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro – 10. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 13. 35 preconceito contra o “imigrante”, visto como uma figura 42 potencialmente prejudicial, por não devotar amor a nação . Portanto, a identidade é formulada a partir do outro, pois é só assim que se pode delimitar a identidade cultural de um grupo, quando ele se diferencia e sabe que não faz parte do outro. Segundo Hall “A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros43”. Como no mesmo espaço estavam estabelecidas as duas etnias, ocorre essa formulação de símbolos para demarcar a identidade cultural de cada grupo. O fortalecimento da simbologia para demarcar a identidade de um grupo, é uma reação defensiva quando essa etnia se sente ameaçado pela presença de outra cultura. E como levantado, a questão da identidade cultural é construída a partir da diferença de um grupo para o outro. È interessante expor que mesmo com as demarcações identitárias, em alguns momentos os dois grupos se unem, e em outros se distanciam agindo isoladamente. Um exemplo disso é o lazer. Na organização para a festa do trigo, que ocorre todos os anos desde o final do século XIX, as desigualdades étnicas se tornam neutras. Um fato muito curioso que ocorre aqui em Marcelino á a preparação para a festa do trigo. Toda a comunidade trabalha para este evento, desde as lembrancinhas e tudo o mais com que lhes for possível colaborar. Acontecem também outras celebrações, como a festa do Padroeiro da igreja, o Espírito Santo, em maio ou junho. E quando há necessidade de fazer outras festas para a promoção da catequese ou renovação da 44 igreja, todos colaboram prontamente .” Outro ponto importante para o sucesso da Colônia Marcelino foi o perfil religioso das duas etnias, segundo uma pesquisa feita sobre a colônia Marcelino pela prefeitura de São José dos Pinhais, “de acordo com a maioria 42 COLNAGHI, Maria Cristina. Francisco de Borja Baptista de Magalhães Filho e Marionilde Dias Brephol de Magalhães. São José dos Pinhais: a trajetória de uma cidade. – Curitiba: Editora Prefhacio, 1992. p. 102. 43 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro – 10. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 13. 44 Irmã Ana Marques, diretora da escola Marcelino. IN: Colônia Marcelino: Nossa raízes, memórias da colonização São –Joseense. Proline editora e Gráfica, SJP 2001. p.69 36 dos colonos, o grande impulso para o desenvolvimento da Marcelino, desde a chegada dos primeiros imigrantes, é a fé. Muita gente acabou abraçando a carreira religiosa e isto também contribuiu para criar uma característica diferenciada deste povo45” Segundo Maria Joselete, assistente social e escritora que fez uma pesquisa no âmbito social na colônia para o Jornal tribuna de São José, o grupo ucraniano tem um diferencial quanto a forma de manutenção de sua cultura. O grupo étnico ucraniano distingue-se nitidamente dos demais grupos étnicos com o qual convive, tendo como principais elementos diferenciadores a língua e a religião com seu próprio rito, e há por parte de seus elementos a preocupação de não serem confundidos como representantes de uma única etnia. Percebeu-se também, que o espírito de conservação refere-se apenas a padrões culturais, sem cunho nacionalista radical, visando uma integração na comunidade maior. O que indica que a preservação da cultura ucraniana não impediu que seus membros se integrassem à vida sóciopolítica na Pátria Adotiva, participando em igualdade de condições com os demais habitantes do país da 46 vida em sociedade . Esse fato se comprova pelas reuniões religiosas serem separadas na colônia. Existem duas igrejas católicas na região: uma de rito católico-latino a de São Pedro e São Paulo que é freqüentada pelos imigrantes poloneses e a outra Santíssima Trindade de rito Bizantino, freqüentada pelos ucranianos. As duas se unem em celebrações importantes como a Páscoa e o Natal, mas no cotidiano cada grupo étnico tem sua igreja. Existem divergências em relação à união dos dois grupos no âmbito religioso. Segundo o jornal Tribuna de São José. “Sempre ucranianos e poloneses participavam unidos nas cerimônias religiosas. Como era difícil a presença de padres47”. Através de uma fonte oral obtida por Marochi, podemos ver uma outra posição sobre as celebrações religiosas nos primeiros anos na Colônia. Que entraram em comunidade, juntos, foi mais ou menos dos anos 40 para cá. Foi dali que eles começaram a se unir. Antes era cada qual de um lado. Os poloneses, até os Dias Santos não 45 Idem. p. 69. CONRADO, Maria Joselete. IN: Jornal Tribuna de São José, de 13 à 17 de abril de 1995, edição n° 2.400. 47 Tribuna de São José. De 13 a 17 de Abril de 1995. edição n° 2.400. 46 37 guardavam juntos. Até o dia de Natal era separado. Havia uma diferença, pois os ucranianos guardavam pelo rito bizantino e os poloneses, já quando vieram, se associaram aos brasileiros. Isto geralmente era por tudo. Onde havia uma igreja de brasileiros, os poloneses já se infiltravam, ficavam juntos. Aí, guardavam os Dias Santos juntos. Um tempo, até tinha uns padres poloneses que vieram da Polônia, e não davam valor aos ucranianos e brasileiros. A missa e a prática, tudo era em polonês. Era assim, os ucranianos eram proibidos de ir à igreja dos poloneses. Tinha um padre que dizia que os ucranianos não deviam entrar na igreja 48 dos poloneses. Então, era proibido . (...) Considero que uma fonte oral mesmo tendo sofrido influências do tempo, trás alguma recordação de seus antecedentes. Já o jornal por ser uma entrevista em um caderno comemorativo sobre a colônia Marcelino, pode estar mascarando essa separação religiosa, que era tão importante para delimitar a identidade de um grupo de imigrante. Segundo as fontes orais os cemitérios também eram separados, no início da colônia o primeiro cemitério construído foi o dos ucranianos, pois os luso-brasileiros que moravam nas redondezas eram enterrados no cemitério de Campo Largo da Roseira, e os poloneses na colônia Murici. Quando chegaram outros grupos de poloneses foi construído o cemitério que passou a atender tanto estes quanto os luso-brasileiros. Como na maioria das colônias as crianças e adolescentes filhos de imigrantes não conseguiam permanecer muito tempo na escola, pois a família necessitava de seus serviços na lavoura ou nos trabalhos domésticos, não freqüentavam a escola regularmente. Portanto, outro ponto que encontramos de distanciamento entre as etnias está na educação dos filhos dos imigrantes. Segundo a memória oral dos antigos moradores, mesmo durante a década de 1930 existiam duas escolas a “Escola das Irmãs”, administrada pelas irmãs ucranianas vindas de Prudentópolis e que atendia preferencialmente a comunidade ucraniana, e uma outra escola freqüentada por filhos de poloneses e pelos chamados “brasileiros” ou filhos dos antigos colonizadores portugueses49. 48 NOGAS, Demétrio. In: Maria Angélica. Imigrantes 1870 – 1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Curitiba - Travessa dos Editores, 2006. p.202. 49 Idem. p. 201 38 No que diz respeito a separação educacional entre os poloneses e ucranianos nos primeiros anos da colônia, Marochi complementa que: Os poloneses criaram a Sociedade São Miguel, que funcionava como uma espécie de cooperativa ou associação. A primeira escola polonesa foi mantida por esta Sociedade passando bem mais tarde para a administração da Prefeitura. Já os ucranianos, desde o início também se preocupavam com a educação de seus filhos e, muitos deles pagavam um professor particular para 50 alfabetizar as crianças . Apenas no ano de 1931 ocorreu a criação de um colégio para todas as crianças da Colônia sem distinção cultural. Nesse período do Governo Vargas, os princípios que norteavam a educação no país era: religião, pátria e família. Assim, a partir da criação dessa instituição na colônia, as diferenças culturais foram amenizadas aos poucos, e se consolidou a partir 1937 devido ao projeto de Nacionalização do mesmo presidente. Para criar uma delimitação da identidade, os imigrantes ucranianos construíram seus símbolos diferenciados dos poloneses, e esses dos ucranianos. Como já exposto a igreja, o cemitério, as festas, a língua, a comida, a educação dos filhos, entre outros, afirmando que tem outra identidade e portanto constitui um grupo em particular. Essa necessidade de forjar uma identidade se deu pelo desejo de retorno da unidade que foi desfeita pela mudança, a identificação é um importante ponto para se formular uma compreensão sobre a própria cultura. Por meio dos sistemas simbólicos que os imigrantes da Marcelino se identificaram e reconstruíram suas identidades. Com o passar dos anos, as tradições de um passado distante, foram cedendo espaço à confraternização e união deste povo eslavo que se estabeleceu em Marcelino. A citação que segue mostra como o passar dos anos contribuiu para uma interação entre as duas etnias. Aqui os poloneses e ucranianos, acho que era meio a meio, mas cada qual no seu canto. (...) Não era como hoje, que é tudo uma coisa só. Eu sou polonês e a minha esposa é ucraniana. Depois que veio o Colégio, já mudou a situação. Eles já estavam mais amigos e unidos. A rivalidade entre os poloneses e ucranianos foi mais no começo. Depois que os velhos, aqueles europeus que chegaram aqui, foram falecendo, se acabando, a mocidade 50 MAROCHI, Maria Angélica. Imigrantes 1870 – 1950: Os Europeus em São José dos Pinhais. Curitiba Travessa dos Editores, 2006. p.201. 39 começou a pensar diferente. Eles começaram a crescer, se unir e se conhecer melhor. No final, todos ficaram unidos como se fosse 51 uma família . Atualmente a colônia continua desenvolvendo um comércio ativo. Todos os anos, no mês de fevereiro é realizada a festa da colheita do trigo,na qual a colônia recebe vários visitantes. Porém, essa festividade é uma tradição dos primeiros anos da colônia, já que nos dias atuais, essa plantação é escassa na região, e o comércio que predomina é o de camomila. Os descendentes de ucranianos e poloneses passaram a dividir os mesmos espaços, na educação, no comércio e no lazer. Porém, no âmbito religioso as separações continuam. Frequentemente ocorre o casamento entre os descendentes de poloneses e ucranianos, unindo ainda mais essas duas etnias, que no século passado tinham uma forte separação cultural. 51 INCOTE, Paulo. Idem. p.203. 40 CONCLUSÃO O objeto dessa pesquisa foi analisar uma colônia particular, chamada Marcelino, localizada em José dos Pinhais. Foram levantadas questões acerca da instalação de imigrantes nesse espaço, privilegiando questões de identidade cultural e do encontro cultural das duas etnias, ucraniana e polonesa, que ali se instalaram. A questão que nos instigou à pesquisa era analisar porque em alguns momentos os diferentes grupos de imigrantes se distanciavam e em outros se aproximavam. Como considerações finais conclui-se que os imigrantes ucranianos e poloneses, por ter uma lavoura de subsistência ativa, e a necessidade de comercializar para poder obter produtos que não plantavam ou produziam, desenvolveram um comércio regular, em São José dos Pinhais e Curitiba. Esse comércio atingiu as expectativas do governo sobre a colônia agrícola, levando ao reconhecimento e destaque da colônia Marcelino. Ao contrário dos luso-brasileiros, que tinham um latifúndio pouco produtivo. Os imigrantes se dedicaram ao cultivo de batata-inglesa, batata-doce, repolho, batatasalsa, camomila, milho, feijão, mandioca, aipim, hortaliças e algumas árvores frutíferas, alterando a paisagem da região, antes desabitada e isolada. A integração da maioria das famílias dos imigrantes europeus, principalmente os ucranianos e poloneses, no âmbito cultural veio a ocorrer a partir do início do século XIX, devido ao forte laço com suas tradições. Já no comércio, essa integração dos imigrantes foi visível nos primeiros anos de instalação. O que transformou o perfil socioeconômico e sociocultural da população São Joseense. A vinda dos imigrantes europeus para São José dos Pinhais, certamente marcou como um importante período da história do município. 41 FONTES JORNAL DIÁRIO TRIBUNA DE SÃO JOSÉ. de 13 a 17 de abril de 1995 edição N° 2.400. DEAP. Relatório. Apresentado ao Governador do Estado José Pereira Santos Andrade em 31 de janeiro de 1899. DEAP. Registro de Terras em Nome de Marcelino José Nogueira. São José dos Pinhais, 1893. – Livro 136, registro 729 ao 749. DEAP. Lista de Cidadãos Votantes de São José dos Pinhais, 1878- 1880. Arquivo Público do Paraná. DEAP. Processos em nome de Marcelino José Nogueira, 18611862, São José dos Pinhais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 42 ANDREAZZA, Maria Luiza. O Paraíso das Delícias: um estudo da imigração ucraniana 1895-1995. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. BALHANA, Altiva Pilatti; MACHADO, Brasil Pinheiro; WESTPHALEN, Cecília Maria. História do Paraná. Curitiba: Grafipar,1969, volume I p.183. BOSCHILIA, Roseli (org). Reconstruindo memórias: os poloneses do Santo Inácio. Curitiba: Universidade Tuiti dos Paraná, 2004. COLNAGHI, MariaCristina; MAGALHÃES FILHO, Francisco de Borja Baptista; MAGALHÃES, Marionilde Dias Brephol de. São José dos Pinhais: a Trajetória de uma Cidade. Curitiba: prefhacio, 1992. Colônia Marcelino: Nossa raízes, memórias da colonização São – Joseense. Proline editora e Gráfica, SJP 2001. p.90 CONRRADO, Maria Joselete. Perfil Sócio-Econômico cultural da Colônia Ucraniana de Marcelino. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba: 1987. FARIAS, Vilson Francisco de. De Portugal ao Sul do Brasil – 500 anos –História, Cultura e Turismo. –Florianópolis: Ed. do autor, 2001.p.58 RITTER, Maria Lourdes. As sesmarias do Paraná no séc XVIII. Curitiba – Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico Paranaense, 1980. p.207. SANTOS, Carlos Roberto Antunes dos. Vida material e econômica. Curitiba: SEED, 2001. p.22 SILVA, Tomaz Tadeu. HALL, Stuart. WOODWARD, Kathryn. Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro – 10. ed. – Rio de Janeiro: DP&A, 2005