SOCIOECONOMIA
A Sustentabilidade da cultura do
inhame no Recôncavo da Bahia:
realidade e perspectivas
Edivaldo Carvalho1
George Gurgel2
1 – Engenheiro Agrônomo com especialização em
Desenvolvimento Rural, Consultor de Agronegócio da
União das Associações de São Gonçalo dos Campos
e Região – UNISSAN, Mestrando em Desenvolvimento
Regional e Meio Ambiente da Faculdade Maria Milza –
FAMAM, Cruz das Almas-BA;
e-mail: [email protected]
2 – Administrador, DSc., EADM/UFBA, Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, Professor
Responsável pelo Programa de Mestrado e Relações
Internacionais da Faculdade Maria Milza – FAMAM,
Cruz das Almas – BA; e-mail: [email protected]
A
posição de destaque ocupada pelo Agronegócio na
composição da economia da
Bahia apresenta segmentos de
grande representatividade como
a produção de grãos do Cerrado,
o polo de fruticultura de Juazeiro e
o polo cafeeiro da Chapada, entre
outros. A região do Recôncavo,
muito embora em tempos passados tenha ocupado lugar de destaque no cenário social, político e
econômico do Estado, apresenta
atualmente um posicionamento
muito aquém do seu verdadeiro
potencial. A atividade fumageira
tradicional, outrora expoente da
economia regional, entrou em
declínio e vem perdendo expres42
Foto: Acervo Seagri
são na economia do Estado; até
mesmo a fumicultura empresarial,
centrada na produção de fumos
claros para capa de charuto, com
uso de tecnologias modernas,
num sistema de produção totalmente verticalizado e relações de
produção capitalistas, passa por
momentos de dificuldades, enfrentando fortes turbulências em
nível de mercado mundial, com
sérias dificuldades de inserção
dos seus produtos.
Por outro lado, a citricultura que
na década de 60 começou a adquirir importância na economia
regional, chegando ao auge nas
duas décadas seguintes, também
vem passando por grande crise,
não conseguindo remunerar convenientemente a atividade, em
função da perda de produtividade
dos pomares e do aviltamento dos
preços, no mercado internacional.
Indubitavelmente, a cultura do
inhame, tradicional entre os agricultores da região situada entre
os municípios de Cruz das Almas, São Felipe, São Felix e Maragogipe (conhecida como terra
d’água), vem ganhando força
como principal atividade agrícola
da microrregião, garantindo para
estes representantes da agricultura familiar o aumento da renda e
a melhoria da qualidade de vida
das suas famílias, podendo ser
considerada como uma atividade
bem sucedida dentro do segmento no Estado da Bahia.
Apesar dos resultados positivos
apresentados pela lavoura de
inhame na região, o segmento
apresenta problemas nas dimensões agronômica, econômica e ambiental, adotando um
sistema de produção de baixo
nível tecnológico e práticas de
manejo inadequadas, agravados
pela falta de assistência técnica
e escassez de trabalhos de pesquisas realizados nesta cultura,
que permanece praticamente
desassistida, mesmo a despeito
da expressiva presença na região de entidades voltadas para
a pesquisa agrícola, a exemplo
da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB, do
Centro Nacional de Pesquisa
em Mandioca e Fruticultura da
Empresa Brasileira de Pesqui-
sa Agropecuária – CNPMF/EMBRAPA e da Empresa Baiana de
Desenvolvimento
Agropecuário - EBDA. A prevalência desta
problemática resulta em grandes prejuízos econômicos aos
produtores familiares, podendo
mesmo inviabilizar uma atividade que se reveste de fundamental importância para o desenvolvimento sustentável da região.
Através de inspeções de campo
na região produtora, constatou-se o uso expressivo de sementes contaminadas, sem nenhum
tratamento durante o plantio,
bem como um grande número
de túberas apresentando sintomas claros de doenças por ocasião da colheita e armazenamento do produto. Foram realizadas
também observações em feiras
livres, centros de abastecimento e supermercados, tendo sido
constatadas significativas quantidades de túberas contaminadas,
principalmente pela “Casca Preta”, que, em estado avançado,
inviabiliza completamente a qualidade do produto para fins de
comercialização.
Ademais, os problemas causados pelos nematoides tendem
a agravarem-se rapidamente
pelas seguintes razões: a) constituem uma praga de solo de
difícil combate, principalmente
quando se leva em consideração a inexistência de produtos
realmente eficazes e economicamente viáveis para o seu
controle; b) o uso de sementes
contaminadas e sem o devido
tratamento tornam-se um veícu43
lo permanente de disseminação
das doenças e de contaminação
de novas glebas, potencializando o problema; c) a estrutura
fundiária da região, constituída
de pequenas propriedades, limita o uso da prática da rotação
de culturas, de modo que a utilização da mesma área seguidamente com a cultura do inhame,
favorece sobremaneira o agravamento do problema. Deste
modo, a melhoria na assistência
técnica, bem como a disponibilidade de tecnologias modernas
de produção em nível de agricultor, seria capaz de contribuir significativamente para a solução
desses problemas.
À luz dos fatos citados, entende-se que a exploração da cultura do inhame no Recôncavo da
Bahia, encontra-se gravemente
comprometida, podendo até ser
inviabilizada, se medidas urgentes não forem tomadas por parte
dos poderes públicos na perspectiva de superação dos problemas.
Sendo assim, a necessidade
do estabelecimento de políticas
públicas que viabilizem a reestruturação desta atividade, é de
fundamental importância para
a sobrevivência e a garantia da
qualidade de vida dos agricultores familiares da região.
Por outro lado, a cultura do inhame tende a ser uma opção viável
e factível em substituição a cultura
do fumo, que se encontra em fase
de franco declínio, em que pese
ainda a sua importância econômica e social no município e região.
O Recôncavo foi o berço da civilização brasileira e primeiro
centro econômico da nova Colônia Portuguesa, inicialmente,
com a exportação do Pau Brasil
e depois, com a cultura da cana-de-açúcar, a construção dos
engenhos e o estabelecimento
de rotas de expansão territorial
e exploração do sertão. Deteve
por muitos anos a condição de
centro político, econômico e financeiro da nova Colônia, condição que transcendeu aos períodos Imperial e Republicano,
estendendo-se até início do século XX, quando as cidades do
Recôncavo (Santo Amaro, São
Felix, Nazaré das Farinhas) e,
principalmente, Cachoeira ainda
detinha grande poder político e
econômico, constituindo-se no
segundo centro de poder do Estado da Bahia.
Não obstante seu glorioso passado, a atual realidade do Recôncavo da Bahia não é nada animadora. O cenário atual mostra
uma região empobrecida, de alta
densidade populacional, com
uma economia estagnada e graves questões sociais. Apresenta,
ainda, um grande passivo ambiental, envolvendo problemas
que vão da supressão quase total da Mata Atlântica à destruição
de manguezais, assoreamento e
poluição dos rios componentes
Foto: Acervo Seagri
CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA DO
RECÔNCAVO DA
BAHIA
das suas principais bacias hidrográficas, a exemplo do Paraguaçu, Subaé e Jaguaripe, e consequentemente, da Bahia de Todos
os Santos, onde invariavelmente deságuam. Por outro lado, a
erosão das áreas desprotegidas
proporciona a depreciação dos
solos, agravadas por práticas
inadequadas de agricultura, principalmente na região de topografia mais acidentada, a exemplo
das áreas situadas entre São
Felix e Maragogipe, São Felipe e
Cruz das Almas, onde se desenvolve a tradicional exploração do
cultivo do Inhame. Este passivo
ambiental, gerado ao longo do
tempo, bem como a inexistência de uma política adequada
de preservação e reparação am44
biental, que incorpore às práticas
culturais, técnicas voltadas para
a preservação, compromete a
sustentabilidade desses ecossistemas regionais, transcendendo
os meios, físico e biótico, atingindo também o meio antrópico,
com comprometimento social e
econômico da população.
Assim, a “sustentabilidade” aqui
é entendida como a capacidade
de um determinado ecossistema de garantir a sobrevivência
dos seres humanos em condições de dignidade, propiciando
a reprodução dos seus modelos
econômicos, sem comprometer
a capacidade de regeneração do
meio ambiente nos meios físico e
biótico, de modo a garantir qua-
lidade de vida às gerações futuras. Neste sentido, a continuidade da atividade da inhamicultura
na região deve ser realizada em
condições capazes de remunerar satisfatoriamente aos produtores, garantindo-lhes renda e
qualidade de vida, preservando
o ecossistema regional.
CULTURA DO INHAME – UMA RETROSPECTIVA HISTÓRICA
A cultura do Inhame é tradicional
no Recôncavo da Bahia desde
muitas décadas, representando
uma importante atividade para a
agricultura familiar, sem, no entanto, chegar a ter uma maior representatividade na economia regional, em que pese a sua grande
contribuição social.
A partir de meados da década de
90 a cultura do inhame passou a
experimentar um período de crescimento e valorização do seu produto. Com o apoio do Serviço de
Extensão Rural da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola –
EBDA, a atividade conseguiu certo nível de sofisticação, através da
conscientização dos produtores
da necessidade de se organizarem, e desse modo somar forças
com o objetivo de obter uma melhor inserção no mercado, inclusive buscando o viés da exportação, que remunerava seu produto
de forma muito mais interessante
do que o mercado interno, melhorando assim a rentabilidade da
cultura. Neste período foi fundada
uma Cooperativa que, apoiada
pela Companhia de Ação Regional da Bahia – CAR, conseguiu
se estruturar e estabelecer uma
logística que lhe permitiu uma importante dinamização da cultura,
principalmente no aspecto da comercialização, com o acesso ao
mercado externo, representado,
principalmente, pela Europa e Estados Unidos (MESQUITA, 2001).
Impulsionada por este processo,
a atividade teve um grande incremento na sua área plantada, proporcionando a criação de riqueza,
e consequentemente aumento da
renda e melhoria da qualidade de
vida da população rural, consolidando sua importância na economia da região. Este período durou
até o início da década seguinte,
quando a Cooperativa começou
a passar por algumas dificuldades, que resultaram num movimento de dispersão por parte dos
produtores, o que, por sua vez,
provocava um enfraquecimento e
descrédito cada vez maior da cooperativa, com forte comprometimento da logística e da estrutura
de comercialização da produção,
principalmente com relação ao
mercado externo, muito mais
complexo e exigente no cumprimento dos seus contratos, tanto
no que diz respeito à qualidade
do produto, quanto à pontualidade de entrega.
No que se refere especificamente ao mercado externo, além da
questão organizacional e de logística, devemos ressaltar questões
endógenas relativas ao processo
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produtivo, principalmente no tocante ao baixo nível tecnológico
utilizado na cultura do inhame,
que além da baixa produtividade, interfere de modo muito mais
incisivo na qualidade do produto, principalmente no tamanho e
conformação das túberas, cujo
aproveitamento dentro do padrão
exigido pelo mercado, girava apenas em torno de 15% da produção, fator altamente limitante, já
que exigia grande trabalho de seleção e classificação, para que se
conseguisse fechar um container
de 15 toneladas para embarque.
As dificuldades da produção, a
gestão deficiente e a desagregação dos produtores, provocaram
uma completa desestruturação
da Cooperativa, culminando com
a completa paralisação das suas
atividades e o fim de um período
de crescimento e alguma organização da atividade da inhamicultura no Recôncavo da Bahia.
Não obstante este processo de
desorganização do setor, a fase
anterior foi determinante para o
crescimento da cultura com grande aumento da produção em decorrência da expansão da área
plantada, de modo que, mesmo
no atual estágio de desorganização, continua desempenhando
importante papel na economia
agrária da região e na sustentação da sua agricultura familiar.
Este crescimento foi possível
principalmente pelo fato de que
a cultura do inhame na região do
Recôncavo da Bahia conseguiu
desenvolver seu próprio capital,
conseguindo reproduzir anual-
mente seu modelo de produção,
com pouca dependência de financiamentos externos, salvo alguns aportes feitos pelo setor
bancário, ao contrário da secular
cultura do fumo, que não conseguiu desenvolver um capital rural,
estando sempre a reboque do capital comercial de origem externa,
representado pelo segmento manufatureiro exportador.
CONCLUSÕES
Em observações e experimentações realizadas em trabalhos sob
a égide do Consórcio Intermunicipal de Pedra do Cavalo - CIAPEC/Secretaria de Agricultura de
Cruz das Almas - 1976 a 2004),
da Secretaria de Agricultura de
São Gonçalo dos Campos (2005
a 2008) e da União das Associações de São Gonçalo dos Campos e Região - UNISAN e Secretaria de Agricultura do Estado da
Bahia - SEAGRI, através do Projeto PROINHAME (2011 e 2012),
conseguimos desenvolver pesquisas criando novas técnicas de
cultivo que visaram principalmente as práticas de tutoramento e de
produção de sementes e mudas
livres de doenças. No que concerne ao tutoramento, o uso inédito de tutor vivo, através do uso
de plantas como o girassol e a
crotalária, plantadas com antecedência nas entrelinhas da cultura
do inhame, para servirem como
suporte para as ramas da cultura principal. Outra técnica inédita
testada foi a produção de inhame
sem tutor, com e sem o uso de
mulching plástico. Essas técnicas
visam diminuir o impacto sobre o
meio ambiente na devastação da
vegetação para retirada de varas,
prática que já impactou fortemente a flora da região.
No que se refere à produção de sementes e mudas, usou-se a técnica
da produção de túberas-sementes
e mudas, a partir de micro-seções
de túberas. O uso dessa prática implica na redução de custos de produção, haja vista a sua elevada participação percentual no custo total
de produção dessa cultura. Ademais, tem ainda como objetivo a
diminuição da incidência de pragas
e doenças na cultura, com reflexos
bastante positivos na diminuição
do custo de produção, no aumento
da produtividade e na sua sustentabilidade ambiental, na medida em
que se evita e/ou se diminui significativamente o uso de agrotóxicos
para o seu controle.
Não obstante a importância que
esta pesquisa possa ter para a
melhoria do sistema de produção
do inhame representa ainda muito
pouco para as reais necessidades
que a cultura demanda, de forma
a que venha se firmar definitivamente como a principal alternativa econômica capaz de mitigar
a crise socioeconômica que já se
apresenta como realidade na atividade fumageira na região.
A revitalização e a reorganização dos agricultores que exploram a cultura do inhame no
Recôncavo da Bahia devem
passar, obrigatoriamente, por
uma profunda intervenção em
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nível de governo, no sentido de
criar novas tecnologias capazes
de melhorar o seu processo produtivo, bem como a introdução
de mecanismos e instrumentos
que propiciem a reorganização
do setor e o estabelecimento de
uma logística capaz de dinamizar o processo de comercialização, permitindo uma reinserção
no mercado externo, de grande
importância para a garantia de
rentabilidade da cultura.
Dentre os vários problemas enfrentados pela cultura de inhame,
como preparo de solo inadequado, adubação deficiente, uso de
sementes de baixa qualidade
(contaminadas por nematoides,
fungos, etc.), tutoramento inadequado, ataque de pragas e
doenças, desorganização dos
produtores e falta de assistência
técnica dentre outros, destacamos como de grande impacto, e que vem comprometendo
seriamente o rendimento da
cultura, as doenças causadas
por nematoides, principalmente
Scutellonema bradys causador
da doença conhecida como “casca preta” e o Meloidogyne spp.,
causador da “Meloidognose” ou
“doença das gralhas”, de difícil
combate, e que causam grandes prejuízos à cultura (SANTOS,
1996), apresentando altos níveis
de disseminação, comprometendo fortemente a produtividade e
a qualidade do produto.
Assim, torna-se urgente e imperativo, uma forte intervenção governamental neste importante segmento
da agricultura familiar da região,
no sentido de salvaguardar uma
atividade que dá sustentação econômica e social a uma expressiva
parcela da população regional.
Destarte, o que se propõe neste
trabalho, é o estabelecimento de
um Protocolo por parte da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e
Aquicultura do Estado do Bahia
- SEAGRI, Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, Ministério da Agricultura - MAPA, Universidade Federal do Recôncavo
- UFRB, Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola - EBDA,
Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária - EMBRAPA, Banco do Nordeste do Brasil - BNB,
Banco do Brasil - BB e outras entidades, no sentido de criar programa de recuperação e reestruturação da cultura do inhame no
Recôncavo da Bahia, com o objetivo de propor políticas que visem
resolver os principais entraves da
cultura, para o que se propõe as
seguintes intervenções:
a. realização de um diagnóstico
completo, incluindo o censo
agrícola dos produtores de
inhame da região, buscando
levantar o número de produtores, tamanho das propriedades,
área plantada, composição das
famílias, renda, etc., no sentido
de conhecer a real dimensão da
cultura e seus problemas.
b. desenvolver ações no sentido de viabilizar a construção
da Rodovia Maragogipe-Cruz das Almas, empreendimento de crucial importância para o escoamento da
produção agrícola da região,
principal produtora de inhame do Estado.
c. publicação por parte da
SEAGRI, de uma Portaria estabelecendo critérios para a
produção de utilização de sementes e mudas limpas (livres
de pragas e doenças), inclusive como condição para acesso
ao crédito rural.
d. criação do Programa de Desenvolvimento da Cultura do
Inhame - PROINHAME RECÔNCAVO, objetivando disponibilizar aos produtores,
novas ferramentas tecnológicas que possibilitem além
do necessário aumento da
produtividade, uma significativa melhoria da qualidade do
produto, condição sine qua
non para uma boa inserção
do produto no mercado, principalmente quando destinado à exportação, com ênfase
protocolar nas técnicas que
garantam a sustentabilidade
da atividade.
Por fim, entendemos ser este
o caminho para promover o
desenvolvimento sustentável
desta importante região do Estado da Bahia, garantindo geração de renda e qualidade de
vida para a população rural, e
dando uma grande contribuição para a dinamização e o
desenvolvimento da economia
regional.
REFERÊNCIAS
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