O TÍTULO DE DOUTOR HONORIS CAUSA AO REI DOS BELGAS E A CRIAÇÃO DA URJ MARIA DE LOURDES DE A. FÁVERO (PROEDES/FE/UFRJ)1 Introdução O trabalho pretende examinar a hipótese de ter sido a Universidade do Rio de Janeiro (URJ) criada para prestar ao Rei dos Belgas que visitou o Brasil, em 1920, homenagens acadêmicas, outorgandolhe o título de doutor honoris causa. Alguns autores têm levantado essa hipótese, mas não apresentam evidências empíricas que ajudem a elucidá-la, passando a mesma a ser absorvida pela memória da educação brasileira. Pesquisando a história desta Universidade (atual UFRJ), de 1920 a 1965, pareceu-nos pertinente aprofundar o tema, trazendo a luz dados que esclareçam a questão. Nessa perspectiva, trabalhamos fontes documentais que nos ajudaram a entender e a aclarar essa suposição. Entre outras, analisamos: as Atas da Assembléia Constituída pelos Institutos de Ensino Superior incorporados à Universidade do Rio de Janeiro, em 1920 e as Atas do Conselho Universitário da URJ de jan./1921 a jan./1930. Tais atas relacionam todos os que receberam o título de doutor honoris causa pela Universidade nesse período. Foram, também, examinadas as Atas das Sessões do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, de 1920 e os periódicos Correio da Manhã, Jornal do Brasil e Jornal do Comercio, referentes aos meses de setembro a dezembro desse ano. Tendo presente que o principal problema no exame dessas fontes era obter subsídios que nos ajudassem a compreender e esclarecer a questão, fomos levada a dialogar com Jacques Le Goff sobre o tema da “memória” e com Eric Hobsbawm a respeito da “tradição inventada”. Esse diálogo foi, ainda, enriquecido por outros autores. Nos limites desta comunicação, situamos como se processou a instituição pelo Governo Federal, em 1920, da primeira Universidade no país. A seguir, relacionada a esse aspecto, abordamos a questão básica deste estudo: foi a URJ criada para outorgar ao Rei dos Belgas o título de doutor honoris causa? Tentando esclarecer as razões pelas quais a memória criou esse fato, a luz de dados obtidos em documentos da época e que podem servir de “testemunhos desse acontecimento”, procuramos identificar as razões efetivas da vinda do Rei Alberto I ao Brasil, no ano em que foi criada a Universidade do Rio de Janeiro. A Universidade do Rio de Janeiro e seus primórdios Da Colônia até a primeira década deste século, cerca de trinta tentativas foram feitas para se criar universidade no Brasil, mas sem êxito (Souza Campos, 1940). Proclamada a República, até a 1 Para a realização deste trabalho, a autora contou com a colaboração de Daniel de Faria Simões e de Flavio Antonio de Souza França. 2 Revolução de 1930, o ensino superior sofreu várias alterações em conseqüência da promulgação de diferentes dispositivos legais. “Seu início coincide com a influência positivista na política educacional, marcada pela atuação de Benjamim Constant, em 1890-91” (Cunha, 1980, p. 132). Tal orientação, em 1911, é ainda mais acentuada com a Reforma Rivadávia Corrêa, a qual institui também o ensino livre. Assim, embora o surgimento da universidade, apoiado em ato do governo federal, continuasse sendo postergado, o regime de “desoficialização” do ensino, instituído sob a égide da influência positivista na política educacional, a qual minimizava, também, o controle do governo federal sobre o ensino superior, acabou por gerar condições para o surgimento de instituições livres. Nesse contexto, surge em 1909, a Universidade de Manaus; em 1911 é instituída a de São Paulo e em 1912 a do Paraná. Reiterando Cunha somos levada a afirmar que “tentativas, independentes e até mesmo contrárias à orientação do poder central, embora não bem sucedidas, devem ter provocado uma reação no sentido de o governo da União assumir, controlando, a iniciativa de fundar a universidade” (Cunha, ibid. p. 189). Com a preocupação de corrigir os efeitos da Reforma Rivadávia Corrêa, deve ter sido promulgada a Reforma Carlos Maximiliano que, por meio do Decreto nº 11.530, de março de 1915, dispõe a respeito da instituição de uma universidade pelo poder central. Embora de forma lacônica, a criação da instituição universitária passa a ser reconhecida legalmente através do artigo 6º ao determinar: “O Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá em Universidade as Escolas Politécnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas uma das Faculdades Livres de Direito, dispensando-a da taxa de fiscalização e dando-lhe gratuitamente edifício para funcionar.” O mesmo dispositivo dispõe ainda que o Regimento interno da Universidade será elaborado pelas três congregações reunidas e terá como reitor o presidente do Conselho Superior de Ensino. Conseqüentemente, Ramiz Galvão, então Presidente do Conselho Superior de Ensino, órgão ao qual estavam subordinadas todas as escolas superiores do país, é designado como seu primeiro reitor, cargo que exerceu cumulativamente até 1925. Examinando as Atas da Assembléia Constituída pelas Congregações das Unidades incorporadas à URJ ( out. a dez./1920) convocadas estas para discutir e aprovar o Regulamento, percebemos como algumas questões são recorrentes nessas reuniões: autonomia didática e administrativa das unidades, atribuições e constituição das congregações, o papel e o direito de assento dos professores substitutos nas congregações, entre outras. Em 23 de dezembro de 1920 é aprovado o primeiro Regimento da Universidade e não o Regulamento, como aparece nas discussões da Assembléia das Unidades. O Decreto nº 14.572 que aprova esse Regimento estabelece como objetivo da Universidade do Rio de Janeiro: “estimular a 3 cultura das ciências, estreitar entre os professores os laços de solidariedade intelectual e moral e aperfeiçoar os métodos de ensino”. Assim, a primeira universidade oficial federal é criada, resultando da justaposição de três escolas, sem maior integração entre elas e cada uma conservando suas características próprias, como se pode depreender da leitura das atas, antes mencionadas. E mais, como adverte Nagle: “não se consegue perceber na nova estrutura qualquer forma de realização do que ficou explicitado na Exposição de Motivos do Ministro da Justiça e Negócios Interiores Alfredo Pinto Vieira de Mello que encaminha o Decreto nº 14.343” (1978, p. 282). Vejamos, então, a percepção do Ministro na Exposição de Motivos: “Há, felizmente, hoje, nesta Capital, todos os elementos necessários à constituição da sua Universidade: dois estabelecimentos oficiais de ensino superior bem organizados, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica; a Faculdade de Direito, resultante da fusão das duas Faculdades reconhecidas de seus corpos docentes. Dada esta convergência de elementos valiosos, impõe-se a organização da Universidade do Rio de Janeiro, como agremiação dos estudos superiores, sob um laço forte e comum. Aí devem enfeixá-los todos os ramos do saber humano para o desenvolvimento e progresso das ciências, com que se preparam os cidadãos para bem servir à Pátria e conduzi-la aos seus gloriosos destinos” (Mello, 1920). O confronto do que propõe o Ministro com a forma simplificada e “modesta” em termos de estrutura acadêmico-administrativa da primeira universidade oficial no país, deu margem a críticas. Entre outras, vejamos os comentários de José Augusto2, em matéria publicada no Jornal do Brasil, de 24 de outubro do mesmo ano. Assinala o autor que o decreto “com o qual o Governo da República instituiu a Universidade do Rio de Janeiro, por julgar oportuno dar execução ao disposto no art. 6º do Decreto nº 11.530/1915 contém poucos artigos e trata a matéria sobre que versa da forma mais geral e vaga, de modo a não deixar no espírito de quem lê a noção exata e segura da verdadeira orientação a ser seguida pelo nosso Instituto Universitário”. As críticas à forma como a Universidade do Rio de Janeiro foi criada em 1920, não param nesse ano. Sem ir muito longe, cabe citar algumas partes do relatório de seu primeiro Reitor Benjamin Franklin Ramiz Galvão, encaminhado ao Ministro de Estado e Negócios da Justiça, Joaquim Ferreira Chaves, em 1921: “Cumpre-me oferecer à atenção do governo o relatório do que de mais importante ocorreu na Universidade do Rio de Janeiro, durante o ano de 1921, que acaba de findar. Ele será, forçosamente, sucinto, já porque a Universidade, criada pelo decreto n. 14.343, de 7 de setembro de 1920, e regulada pelo regimento constante do decreto n. 14. 572, de 23 de dezembro do mesmo ano, está, apenas, em início de funções, já porque as condições em que ela se instituiu forçaram a mesma Universidade a permanecer dentro dos moldes 2 Trata-se do educador José Augusto Bezerra de Medeiros, mais tarde presidente da ABE. 4 estabelecidos pelo decreto n. 11.530, de 18 de março de 1915, que é, por enquanto, lei vigente. Não errarei afirmando, pois, que a Universidade do Rio de Janeiro está, apenas, criada in nomine, e por esta circunstância, se acha, ainda, longe de satisfazer o desideratum do seu Regimento: estimular a cultura das ciências, estreitar, entre os professores, os laços de solidariedade intelectual e moral, e aperfeiçoar os métodos de ensino” (Galvão, 1921). Não obstante todas as críticas, com a Reforma Rocha Vaz , apresentada através do Decreto nº 16.782-A/1925, o Governo Federal defende a permanência da Universidade do Rio de Janeiro nos moldes em que fora criada. Esse decreto determina, ainda, a criação de outras universidades, nos mesmos termos da instituída no Rio de Janeiro, nos estados de Pernambuco, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Para a instituição dessas universidades, entre outros requisitos, exigia-se que adotassem o “modelo” da Universidade do Rio de Janeiro. Todavia, apesar das restrições feitas à criação da URJ, não podemos esquecer que mesmo com todos esses problemas e incongruências em torno de sua criação, há um dado a ser considerado: a instituição da Universidade do Rio de Janeiro teve o mérito de reavivar e intensificar o debate em torno do problema universitário no país.Entre as questões recorrentes nesses debates destacam-se: concepção de universidade; funções que deverão caber às universidades brasileiras; autonomia universitária; se o modelo de universidade a ser adotado no Brasil, deve ser único ou cada universidade deverá ser organizada de acordo com suas condições peculiares e as da região onde se localiza (ABE, 1929). A Universidade do Rio de Janeiro e o Rei dos Belgas: refazendo a história A criação de universidade no país era uma questão que ainda se discutia, até o limiar da última década da 1ª República. Relacionada a esse aspecto, uma questão se coloca e que motivou este estudo: teria sido a Universidade do Rio de Janeiro criada para prestar ao Rei dos Belgas, que visitou o país em 1920, as homenagens acadêmicas? Tendo presente que a Universidade do Rio de Janeiro, atual UFRJ, em 7 de setembro deste ano, comemora oitenta anos de criação, fomos motivada a aprofundar essa questão.Com essa preocupação, procuramos refletir sobre as razões da memória, entendida como “móvel da história” (Le Goff, 1992) dessa “tradição inventada” (Hobsbawm, 1984) e que passou a ser absorvida ou aceita sem uma discussão mais conseqüente como parte da história das instituições universitárias no Brasil. Apoiando-nos em historiadores, como Hobsbawm, vemos que o conceito de “tradição inventada é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as ‘tradições’ realmente inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgem de maneira mais 5 difícil de localizar num período determinado de tempo que se estabeleceram com enorme rapidez”. E acrescenta: “é óbvio que nem todas essas tradições perduram” e daí ser necessário “estudar o modo como elas surgiram e se estabeleceram” , no contexto mais amplo da história da sociedade (Hobsbawm,I984, p.21). A respeito, Santos observa que para esse historiador “toda a tradição inventada, na medida do possível, utiliza a história como elemento legitimador e de coesão” (1986, p. 6). E observa: “o tema da memória, assim como o da invenção das tradições, também assume proporções renovadas quando examinado criticamente pelos historiadores e discutido à luz da própria história” (Ibid.). Tal posicionamento vai ao encontro do que Le Goff comenta a respeito do valor da memória coletiva e da importância do papel por ela desempenhado nas sociedades na segunda metade do século XX (1992: 475-7). Com tais preocupações, procuramos analisar, a partir do exame de fontes referentes à história da criação da URJ o que alguns autores levantam sobre essa questão da outorga do título ao Rei dos Belgas. Esse exame nos permite inferir que, em geral, os autores não apresentam dados empíricos que comprovem suas assertivas. É o que se verifica, por exemplo, em Antunha quando assinala: “Sabe-se que a Universidade do Rio de Janeiro foi criada, em 1920, em virtude da necessidade de ser outorgado o título de Doutor Honoris Causa ao Rei Alberto I, da Bélgica, como parte das homenagens que lhe deveriam ser prestadas, protocolarmente, por ocasião de sua visita oficial dentro do quadro das comemorações do centenário de Independência” (1974, p. 53). Por sua vez, Souza Campos, embora não relacione explicitamente a criação da Universidade à concessão desse título, observa: “Tinha razão a lei Maximiliano. Foi justamente o dispositivo nela incluído, que permitiu o decreto n. 14.343, de 7 de setembro de 1920, lavrado por ocasião dos preparativos para a visita do Rei Alberto ao Brasil” (1940, p. 255). Vale observar, ainda, que até os anos de 1990, outros autores continuaram levantando essa hipótese, como assinalado no início deste estudo que, como toda “memória” passou a fazer parte da história das instituições universitárias no Brasil3. Após pesquisarmos a história dessa Universidade, criada em 1920 sob a denominação de Universidade do Rio de Janeiro e que de 1937 a 1965 recebe o nome de Universidade do Brasil (UB)4, apoiando-nos em fontes textuais da época, foi possível elaborar uma outra versão. Ou seja, através do exame das Atas da Assembléia constituída pelas Congregações das Unidades incorporadas à URJ (outubro a dezembro/1920), bem como das Atas do Conselho Universitário, a partir da primeira sessão que se realizou no dia 21 de janeiro de 1921, não encontramos referência alguma à concessão desse título ao Rei dos Belgas. Registramos, no 3 Entre outros autores, ver: Niskier, A. 1998, p. 227; Soares, M. e Silva, P., 1992, p. 28 e Dias, F., 1997, p. 124. Este estudo é um dos resultados da pesquisa: A Universidade do Brasil: o grande projeto universitário”, coordenada pela autora, no período de mar./99 a fev./00. 4 6 entanto, que durante os anos 20, a Universidade do Rio de Janeiro, de 1921 a 1930, concedeu 26 títulos de Doutor Honoris Causa a intelectuais e professores estrangeiros de outras universidades, com destaque para instituições da América Latina. Com a preocupação de obter subsídios que esclarecessem a questão, foi realizado, como assinalado anteriormente, minucioso levantamento e análise em jornais da época em que ocorreu a visita do Rei Alberto ao Brasil. Para completar o levantamento e análise das informações foram, também, examinadas as Atas das sessões de agosto a outubro de 1920 do IHGB-Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Da leitura e exame desses periódicos e das Atas do IHGB, alguns subsídios importantes foram colhidos para a compreensão e esclarecimento da questão. Vejamos o que revelam tais fontes. De maneira reiterada os jornais deixam passar a idéia de que a vinda do Rei Alberto I e da Rainha Elisabeth mobilizou, de forma entusiástica, representantes de setores os mais diversos da sociedade, como políticos, intelectuais etc. É pertinente lembrar que toda a preparação para a chegada do Rei Alberto e sua permanência no Rio de Janeiro recebeu ampla cobertura jornalística, além da divulgação oficial. Essa visita é registrada, como uma forma de sua Magestade agradecer ao Brasil pelo seu posicionamento contrário a invasão da Bélgica pela Alemanha, por ocasião da 1ª Guerra Mundial, em 1914. O Jornal do Brasil noticia a saída do Rei de Zeebrugge (Bélgica), em 2 de setembro e a chegada prevista para o dia 19. No dia 20, o mesmo periódico informa que haverá no Club dos Diários uma sessão solene das academias e associações científicas e literárias, em honra às suas majestades. Tal homenagem já fora decidida há um mês, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro -IHGB, quando em sessão da Assembléia Geral Extraordinária, de 17 de agosto daquele ano, o Presidente, Conde Affonso Celso, propõe que seja concedido o título de “Presidente Honorário do IHGB, nos termos do art. 12 do Estatuto, a S. M. Alberto I, Rei dos Belgas”. A proposta é aprovada por unanimidade, no mesmo dia. Examinando essa proposta da outorga do título ao Rei, três fatos nos chamaram a atenção e que podem ter contribuído para essa “tradição inventada” . Vejamos: primeiro, a proposta ter sido feita e aprovada antes da criação da Universidade; segundo, ter como proponente o Conde Affonso Celso que além de ser Presidente do IHGB era Diretor da Faculdade de Direito que, a partir de setembro, irá integrar a URJ, além de ser o responsável pelo discurso de saudação em homenagem ao Soberano Belga, como veremos a seguir . Um terceiro dado a merecer a atenção é que entre outros signatários da proposta, está Franklin Ramiz Galvão, então Diretor do Instituto, Presidente do Conselho Superior de Ensino e que será o primeiro Reitor da URJ, além de outras personalidades integrantes das elites políticas e culturais do país. 7 Outro dado que não pode ser subestimado e que poderá ter contribuído para a criação dessa “invenção” na memória da história da criação da URJ é o fato dessa Universidade está situada na capital da República, capital cultural do país, mas também cidade do mando e das decisões políticas e que em sua criação estão envolvidos, com exceções, membros das elites culturais e políticas do país. Vejamos a seguir o que ocorreu com a vinda do Rei ao Brasil e as homenagens recebidas. Como justificativa à concessão do título são apresentadas entre outras: o número de sócios do IHGB de origem belga; artigos publicados na Revista do Instituto relativos à Bélgica e publicações belgas recebidas pelo Instituto. É lembrado, também, que “em sessão de 14 de agosto de 1863, presente D. Pedro II e presidida pelo Sr. Visconde de Sapucahi, o Instituto resolveu por unanimidade que, por intermédio do Ministro dos Negócios Extrangeiros, fosse consultado S.M. Leopoldo I, da Bélgica (avô do Rei Alberto I), sobre se aceitava o título de Presidente Honorário do Instituto, em homenagem à sua decisão arbitral de 5 de janeiro de 1863, na questão com a Inglaterra. Aceita a homenagem, é aprovada em sessão de 20 de novembro daquele ano, a concessão do título de Presidente Honorário do Instituto ao Rei Leopoldo I (Revista do IHGB, t.87, v. 141, 1920, p. 477-8). Podemos verificar, ainda, que após a chegada do Rei Alberto, entre os compromissos protocolares, constantes do programa oficial de recepção, além de outras homenagens aos visitantes, destaca-se a cerimônia de entrega do diploma de Presidente Honorário do IHGB. A sessão solene desse evento foi realizada no Club dos Diários, em 23 de setembro, e contou com a presença do Presidente Epitácio Pessoa, dos Ministros do Exterior, da Fazenda, da Viação, da Guerra, da Marinha, da Justiça, do Prefeito do Distrito Federal, do Chefe de Polícia, do Presidente do Supremo Tribunal Federal e, também de representantes do corpo diplomático de vinte países. Dessa solenidade, participaram outros ilustres convidados como: Carlos Laert, Diretor do Externato Pedro II e Presidente da Academia Brasileira de Letras; José Agostinho dos Reis, Diretor da Escola Politécnica; Laudelino Freire, Diretor da Faculdade de Filosofia e Letras; Aloysio de Castro, Diretor da Faculdade de Medicina, Rodrigo Octavio, Subsecretário das Relações Exteriores e Fróes da Cruz, da Faculdade de Direito (Jornal do Brasil, 24 de set., 1920). A sessão foi presidida pelo Dr. Ramiz Galvão, Diretor do IHGB e Reitor da Universidade do Rio de Janeiro, que abriu os trabalhos, saudando os soberanos em francês, em nome da intelectualidade brasileira. A seguir o Conde Affonso Celso, Presidente do Instituto e Diretor da Faculdade de Direito da URJ, produziu longo discurso, enaltecendo os soberanos e a Bélgica, terminando pela entrega ao Rei Alberto do Diploma de Presidente Honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Sua Majestade agradeceu essa alta distinção, proferindo as seguintes palavras: 8 “Senhores, é para mim verdadeiramente uma felicidade ter esta ocasião para saudar ao mesmo tempo os representantes de todas as forças intelectuais do Brasil e de estar em contato não somente com os membros da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, como também com os membros de outras sociedades literárias e científicas e, ainda, com os membros do magistério. A presença simultânea de tantos homens eminentes é uma prova convincente de que o fecundo princípio da cooperação e da coordenação de esforços participa de nossos costumes literários como também da nossa atividade política. Senhor reitor e senhores professores, eu me sinto particularmente feliz em saudar o primeiro Reitor e o corpo docente da primeira Universidade criada nos Estados Unidos do Brasil. O ano de 1920 será uma data para sempre memorável nos fatos intelectuais de vosso país. Vós tendes já na maioria das capitais dos Estados, altas escolas e faculdades notáveis, cuja reputação transpõe vossas fronteiras. Possuireis, contudo, uma universidade integral que será digna do Brasil e que se tornará, não duvido, um cenáculo brilhante, cuja influência será um fator considerável à vida científica de Vossa Pátria. Senhores membros da Academia, esta é uma das funções de vosso ilustre Instituto a de ajudar as luzes da Alta Cultura sobre todo o território nacional” (apud. Correio da Manhã, 24.09.1920). Nessa solenidade, no Club dos Diários, não foi registrada nenhuma outorga de título acadêmico à Sua Majestade pela recém-criada Universidade. Mas, esse fato dá margem a algumas considerações: a) o Regimento da Universidade do Rio de Janeiro só foi aprovado em 23 de dezembro de 1920, através do Decreto 14.572 e de acordo com essa norma a outorga de título dessa natureza seria atribuição do Conselho Universitário, segundo o § 5º do art. 12 que estabelecia: “conferir a brasileiros e estrangeiros eminentes o grau de doutor honoris causa pela Universidade do Rio de Janeiro, mediante proposta justificada e assumida por três membros do Conselho e aceita por unanimidade em votação secreta”; b) os livros de Atas do Conselho Universitário e da Assembléia das Unidades da URJ, como vimos antes, não fazem nenhuma menção à concessão do título pela Universidade; c) a exposição de motivos que encaminha o decreto que institui a URJ, também não aborda a questão e d) os jornais da época trazem farto material sobre a vinda, a permanência dos soberanos no Brasil e as homenagens recebidas, mas não se reportam, em nenhum momento, à concessão do título de Doutor Honoris Causa ao Rei dos Belgas pela Universidade. Também, não encontramos registros de que essa Universidade tenha sido criada para receber academicamente o Rei Alberto. Entre outros títulos recebidos pelos soberanos belgas, em sua visita ao Brasil registramos, ainda: o de cidadão carioca ao Rei Alberto ; b) o de “cidadão brasileiro e de Marechal do Exército do Brasil”; c) o diploma de Professor Honoris Causa da Academia de Comércio do Rio de Janeiro, (Ibid.) e d) o título de Presidente da Academia Nacional de Medicina concedido à S.M. a Rainha Elisabeth. 9 É pertinente destacar ainda a mensagem do Rei Alberto ao regressar à Bélgica, na qual agradece ao povo brasileiro as distinções que lhe foram tributadas, através do seguinte radiograma encaminhado ao Presidente Epitácio Pessoa: “É sob a impressão ainda tão recente das manifestações calorosas em meio das quais acabo de deixar o Rio de Janeiro, que eu me dirijo, pelo alto intermédio de V. Ex., às autoridades, à população da Capital e dos Estados que visitei, assim como a todo o Brasil, a expressão de minha profunda gratidão. Durante estas quatro semanas que passei na bela pátria de V. Ex. impressionou-me do modo mais agradável a forma delicada da hospitalidade brasileira e não pude conter a minha admiração pela obra do passado, pela atividade do presente e pelo porvir ilimitado do país de V. Ex. Fomos constantemente cercados da mais viva simpatia. As Obras de caridade da Rainha receberam dons generosos. Os eminentes representantes de todos os poderes, os do Exército, da Marinha, do Ensino, das Letras, das Ciências e das Artes, do Comércio, os delegados dos operários e da imprensa, todos mostraram para com a Bélgica sentimentos cujo valor não posso bem exprimir. Além dos títulos que altas instituições brasileiras me conferiram, uma manifestação suprema do Congresso, sancionada por V. Ex., fez-me a honra insigne de outorgar-me ao mesmo tempo a dignidade de cidadão brasileiro e de Marechal do belo e grande Exército do Brasil. A par destas demonstrações tão eloqüentes, o Brasil fez timbre em dar também à Bélgica provas tangíveis de sua amizade e do seu desejo de ver desenvolverem-se as relações entre os dois países. Peço a V. Ex., Sr. Presidente, em nome da rainha e no meu, queira aceitar a expressão dos meus anelos mais sinceros pela prosperidade do Brasil e dos seus habitantes, assim como os meus votos mui calorosos pela felicidade pessoal de V. Ex. e de sua família. Nós não esqueceremos jamais de que V. Ex. e a Sra. Pessoa foram tão pródigos para conosco ( apud. Jornal do Brasil, 17 de out. de 1920, p. 5). Finalizando, encerramos este texto reiterando que os dados empíricos levantados nas fontes documentais, já referidos anteriormente e analisados, oferecem subsídios que nos permitem concluir que a razão imediata para a criação da Universidade do Rio de Janeiro não foi, como alguns afirmam, a necessidade de outorgar um título acadêmico ao Rei dos Belgas. Analisando as origens e o surgimento dessa Universidade, consideramos ser possível inferir que o fundamento para a sua criação tenha sido o desafio inadiável de que o Governo Federal assumisse seu projeto universitário ante o aparecimento de propostas de instituições universitárias livres, em nível estadual. Referências bibliográficas ABE. Associação Brasileira de Educação. O Problema Universitário Brasileiro. Rio de Janeiro: A Encadernadora, S.A, 1929. ANTUNHA, Heládio C. Gonçalves. Universidade de São Paulo – fundação e reforma. São Paulo: MEC/INEP/CRPE, 1974. CORREIO DA MANHÃ, 24 de setembro de 1920. 10 CUNHA, Luiz Antonio. 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