Impresso em papel 100% reciclado
08 | Dossier
Migrações
I Parte
1
As migrações fazem parte da história da Humanidade. Desde tempos imemoriais, o Homem sente
necessidade de se deslocar, em busca de meios
de subsistência, para fugir de ameaças físicas e
ambientais. O próprio povoamento do planeta se
deve a esta necessidade tão humana que muda de
forma tão definitiva e constante a essência das culturas, das raças e das línguas. Na véspera dos Anos
Europeus da Igualdade (2007) e do Diálogo Intercultural (2008), a AMI notícias inicia aqui um dossier sobre aquele que será um dos maiores desafios do século XXI.
2
As migrações são um dos assuntos mais polémicos e mediáticos do mundo contemporâneo. Não sendo, está fácil de ver, um
fenómeno propriamente inédito, o facto de estar tão intimamente ligado a questões de ordem política, económica e social
nos países de origem e receptores dá-lhe um impacto inusitado
e extremamente amplo.
Num mundo cada vez mais globalizado, seria legítimo prever
uma muito maior aceitação desta realidade mas a verdade é que
nem sempre assim acontece. A resistência e relutância com que
os países receptores, sobretudo a Europa e os EUA, recebem
estes novos movimentos é ambígua e porventura pouco natural para quem tanto gosta de arvorar a inevitabilidade da globalização económica.
Talvez tenham efectivamente razão os que advogam que a globalização tem um efeito perverso e que seja esta uma das principais responsáveis pelo facto de milhões de indivíduos se disporem a deixar para trás as suas raízes e origens e embarcar numa
aventura de fim desconhecido mas plena de riscos e incertezas, movidos pelas situações de pobreza extrema, desemprego,
desagregação ambiental, guerra, violência, repressão política,
social, religiosa e cultural.
Portugal - Da emigração à imigração
Até meados dos anos 60, Portugal era um país de emigrantes. Sobretudo de emigrantes transoceânicos. A falta de oportunidades e o clima de pobreza que reinava no auge do antigo
regime levaram milhões de portugueses a atravessar o Atlântico em direcção ao Novo Mundo. Brasil (22% dos 2 milhões
de emigrantes portugueses entre 1950 e 1984), Venezuela (8%),
Canadá (9%) e EUA (13%) foram os destinos eleitos para refazerem as suas vidas. A partir dos anos 60, estes fluxos começaram a centrar-se nas economias florescentes da Europa Ocidental, carentes de mão-de-obra não especializada e com condições
laborais infinitamente superiores às oferecidas em Portugal.
França (31%), Alemanha (9%) e Suíça passaram então a ser o
destino de eleição destes portugueses. Foi então que o Estado
começou a abrir as portas aos imigrantes das colónias portuguesas (sobretudo de Cabo Verde).
Com a desagregação tardia do Império ultramarino português,
em 1975, cerca de meio milhão de portugueses que viviam
sobretudo em Angola e Moçambique regressaram a Portugal para 11 anos depois, com a entrada de Portugal na então
Comunidade Económica Europeia, se voltar a incentivar a saída
de trabalhadores nacionais para um espaço europeu comum
que continuava carenciado de mão-de-obra. A integração de
Portugal neste novo espaço tornou-o especialmente atractivo
4
3
Os números da imigração em Portugal
como destino de imigrantes oriundos do Brasil, dos PALOP e da
Europa Central e Oriental.
Os manuais de sociologia e de antropologia distinguem três
modelos de integração para as populações imigrantes: a assimilação contempla a perda de identidade e cultura originais a
favor da identidade e cultura dominantes, neste caso, a do país
receptor; melting pot em que as diferentes culturas se fundem
e assimilam umas às outras, formando uma cultura e identidades novas; e o pluralismo cultural onde diferentes culturas não
cedem a outras e convivem de forma igual e equilibrada, formando um mosaico multicultural.
Seja de que forma se faça, a integração é inevitavelmente um processo gradual através do qual os imigrantes participam na vida económica, social, cívica e cultural do país de acolhimento. No entanto,
esta nem sempre ocorre, nomeadamente por causa de factores
como a pobreza, falta de trabalho, situação de ilegalidade, falta de
assistência médica e social, desestruturação familiar, clivagens culturais, desconhecimento legal, exploração e abuso laboral, desconhe7
cimento da língua e xenofobia, que contribuem por seu lado para a
exclusão social das populações imigrantes.
A prova disso está na diferente forma como Portugal lidou com
as três vagas de imigração recentes.
Um relatório da OCDE (“International Migration
Outlook”), divulgado pela ACIME em Novembro de
2006, revelou que o número de imigrantes ucranianos que entraram em Portugal legalmente diminuiu 98
por cento em quatro anos, passando de 45.200 entradas em 2001 para 700 em 2004. O documento refere
que vivem em Portugal cerca de 500 mil estrangeiros,
8
sendo a maioria oriunda do Brasil (66.700), seguida da
Ucrânia (65.800) e de Cabo Verde (64.300), que representam 4,5 por cento da população total portuguesa.
O relatório sublinha que 1346 estrangeiros adquiri5
ram a nacionalidade
portuguesa em 2004, sendo em
maior número os cidadãos brasileiros (307), venezuelanos (301) e cabo-verdianos (274). O mesmo documento destaca igualmente que Portugal continua a
utilizar o trabalho de imigrantes ilegais que exercem
sobretudo profissões nas áreas da construção civil e
das limpezas.
Outro relatório, datado de 2002 e referente à previsão
de oportunidades de trabalho em Portugal, apontava
para que sejam necessários mais 27 000 trabalhadores imigrantes, sobretudo nos sectores da Construção
Civil e dos Serviços e Hotelaria. Prevê-se que estes
trabalhadores imigrantes provenham de países extracomunitários, em particular de países da Europa de
Leste, ao abrigo de acordos de imigração estabelecidos entre Portugal e esses países. Em 2001 o Governo
português celebrou acordos deste tipo com a Roménia e a Federação Russa, estando em negociação acordos idênticos com a Eslovénia, Eslováquia, Bulgária,
Moldávia e Ucrânia. Existe acordo de imigração, há
alguns anos, com Cabo Verde.
09 | Dossier
Impresso em papel 100% reciclado
10 | Dossier
Dos PALOP ao Brasil
A esmagadora maioria dos imigrantes africanos em Portugal
deixou os países de origem sem qualquer espécie de garantia no que se refere à sua integração no mercado de trabalho,
submetendo-se frequentemente a condições de trabalho precárias e a salários muito baixos. Ainda assim, Portugal sempre foi
tido como um destino atractivo, graças à falta de mão-de-obra
e à falta de eficácia do sistema de fiscalização que promovem a
entrada e permanência em situação ilegal.
Vivendo em condições de semi-indigência e sem habitação
digna, pela exploração salarial a que são sujeitos, muitos destes
imigrantes permanecem durante anos a fio num limbo de exclusão permanente, concentrando-se em bairros pobres das periferias das grandes cidades, pernoitando nos estaleiros de construção civil onde a maioria trabalha, ou dormindo em abrigos
e na rua.
Em plenos anos 90, a imigração volta a mudar de rosto. Com a
dissolução da União Soviética e com o desagregar do modelo
Perspectiva histórica dos fluxos migratórios na Europa
Do século XIX ao princípio do século XX (mais
precisamente até ao início da II Guerra Mundial),
assistiu-se a um intenso movimento migratório de
europeus para o continente americano (sobretudo
para os EUA), motivado por razões essencialmente
económicas.
Nos anos 60 e 70, uma nova vaga de movimentos migratórios afectou a Europa. Desta vez, dentro do próprio continente. Por incentivo dos países
do Norte e pelas condições de vida nos países do
Sul, assistiu-se ao fluxo de populações destes últimos países (Itália, Portugal, Grécia, Espanha) para
países de Europa Ocidental e do Norte (Alemanha,
França, Bélgica, Reino Unido).
Já nas décadas de 80 e 90, as políticas restritivas da
imigração contribuíram para o proliferar das redes
clandestinas de tráfico de seres humanos. O sul da
Europa passa a ser um destino de imigração e atrai
um novo género de imigrantes e refugiados, oriundos do Leste europeu a braços com conflitos étnicos e com convulsões económicas.
Actualmente, a União Europeia reforçou a sua política restritiva de imigração e acentuou a tendência
para encerrar as fronteiras a estrangeiros. Mais uma
vez, a consequência imediata foi o aumento dos imigrantes ilegais. Por outro lado, o clima de recessão
económica e o aumento do desemprego fomentaram o reaparecimento de movimentos racistas e
xenófobos, sobretudo nos países do Norte.
económico vigente na Europa de Leste, que cedeu definitivamente espaço ao modelo capitalista e liberal da Sociedade Ocidental, milhões de pessoas viram-se subitamente sem trabalho e
sem qualquer espécie de assistência médica ou social.
Esta transição também foi acompanhada por conflitos étnicos,
guerras civis e movimentos repressivos que levaram ao acelerar
destes fluxos migratórios dos europeus de Leste que se começaram a espalhar pelo Velho Continente à procura de uma vida
melhor. Muitas vezes, este movimento foi impulsionado por redes
de tráfico ilegal de pessoas, intimamente relacionado com o mercado do sexo, do trabalho clandestino e da imigração ilegal.
A maior parte destes novos imigrantes chegaram a Portugal
com um elevado nível de habilitações literárias, mas as barreiras linguísticas e a falta de reconhecimento das suas competências académicas e profissionais fez com que a maioria tivesse
tido pouco mais oportunidades que as que foram dadas aos imigrantes dos PALOP.
Na viragem do século, assistiu-se a uma nova vaga de imigração,
desta vez, oriunda do Brasil. Mais heterogénea do ponto de vista
das qualificações literárias profissionais que as populações africanas e da Europa de Leste, os imigrantes brasileiros beneficiaram
da abertura das autoridades portuguesas relativamente à sua
origem e rapidamente se tornaram na comunidade imigrante
mais importante do país.
Apesar de todas as dificuldades, a verdade é que a comunidade
brasileira teve um acolhimento diferente das restantes. Sem
dúvida graças às grandes afinidades culturais que Brasil e Portugal partilham e ao facto dos portugueses não reconhecerem
nos brasileiros aquelas que são consideradas as principais razões
para encarar a população imigrante como ameaçadora, nomeadamente a instabilidade económica, os preconceitos racistas e
securitários e o conservadorismo social.
Independentemente dos juízos de valor que se possam fazer
acerca das questões que giram à volta da imigração, parece
óbvio que o objectivo principal e primordial da população imigrante é a estabilização e a melhoria das suas condições de vida,
mediante a aquisição de plenos direitos de cidadania que lhes
permitam livre acesso ao mercado de trabalho e à cobertura
do Estado-Providência. Se esta integração não se realizar, restam duas hipóteses às populações imigrantes: o trabalho clandestino, sem condições, nem dignidade e factor de exploração e
o desemprego que leva inevitavelmente ao aumento da pobreza
e da desagregação social (alcoolismo, miséria, depressão, crime,
suicídio) que a AMI está apostada em conter através dos seus
equipamentos sociais.
Uma integração plena evita, pois, uma série de problemas dramáticos e favorece a coesão social ao mesmo tempo que contribui positivamente para a economia e para a contenção do
envelhecimento demográfico.
11 | Dossier
Download

Migrações - Parte I