MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 4a CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO - Meio Ambiente e Patrimônio Cultural6ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO - Índios e Minorias – PROCURADORIA FEDERAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO RECOMENDAÇÃO CONJUNTA N.º 01/09 4ª e 6ª CCR e PFDC/MPF O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio das Subprocuradoras da República que esta subscrevem, Coordenadoras da 4ª e da 6ª Câmaras de Coordenação e Revisão e Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, no exercício das atribuições previstas nos artigos 6º, inciso XX e 8º, incisos II e VIII da Lei Complementar n.º 75/93, conforme atribuição delegada pelo Procurador-Geral da República, na forma do art. 8º, § 4ª da mesma Lei e considerando: 1. A realização, pelo Ministério Público Federal, de Audiência Pública para debater o Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-2017, na data de 18 de fevereiro de 2009, com a participação de representantes do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério de Minas e Energia, da Fundação Nacional do Índio – Funai, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e do meio acadêmico; 2. As diversas questões suscitadas pelos participantes da Audiência Pública, entre as quais: a) A ausência de participação da sociedade civil no processo de elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-2017, uma vez que o único mecanismo de participação utilizado pelo Ministério de Minas e Energia (a consulta pública) efetivou-se apenas em 24 de dezembro de 2008, quando novo plano (2009 – 2019) deveria estar sendo divulgado; b) A constatação de que a análise dos Impactos Socioambientais do Sistema Elétrico que consta do PDE 2008 – 2017 é deficiente e incompleta, pois baseou-se tão somente em informações fornecidas por empresas do setor elétrico, em questionário aplicado pela Empresa de Pesquisa Energética, excluindo a participação das 1 populações impactadas e de todos os outros segmentos sociais, fato que impede a consideração das análises ali apresentadas como aptas a direcionar as opções do governo; c) O fato de que o Plano Decenal de Expansão de Energia, diversas vezes caracterizado pelos representantes do Ministério de Minas e Energia como um "plano de obras” não incorpora a totalidade das perspectivas estratégicas previstas no Plano Nacional de Energia 2030, especialmente no que se refere à eficiência e à diversificação da matriz energética; d) A dicotomia existente entre diferentes Planos Governamentais e o Plano Decenal de Expansão de Energia, destacando-se a incongruência da expansão de termelétricas com a necessidade de diminuição das emissões de gases do efeito estufa, prevista no Plano Nacional de Mudanças Climáticas, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e e) A preocupação com a proposta exposta no PDE para que, no caso de empreendimentos identificados como de impactos muito significativos e com “potencial de atraso em relação às datas de entrada em operação previstas” e aqueles identificados como de impactos extremamente significativos, o Ministério de Minas e Energia apresente exposição de motivos justificando a importância estratégica dos empreendimentos, seguido de diretrizes e recomendações que assegurem não apenas a sua continuidade, mas que “garantam a sua viabilização” (sic) e com a sugestão da Empresa de Pesquisa Energética de que a implantação desses empreendimentos seja assegurada por dispositivo normativo. E, ainda: 3. A evidente necessidade de criar mecanismos formais que garantam a participação ampla e efetiva da sociedade brasileira e de outros órgãos governamentais na elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia e nos processos de decisão a ele subjacentes, em respeito ao Princípio Democrático; 4. O caráter pluricultural da sociedade brasileira e as desigualdades sociais existentes, bem como o dever constitucional de que esta realidade seja levada em conta na elaboração das políticas públicas, para que seja respeitada a diversidade sociocultural e reduzidas as desigualdades sociais; 5. Que a metodologia aplicada pela Empresa de Pesquisa Energética para a realização da Avaliação Ambiental Integrada (AAI) não foi devidamente aprovada e reconhecida pelo Ministério do Meio Ambiente e demais órgãos governamentais ambientais participantes do processo de discussão; 6. Que a Avaliação Ambiental Integrada não substitui a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), instrumento de planejamento adequado para a avaliação ambiental de políticas, planos e programas de desenvolvimento; 7. Que as complexas mudanças geradas pelas obras de infra-estrutura para oferta de energia, notadamente de energia hidrelétrica, ao mesmo tempo sociais, econômicas, culturais, territoriais, políticas e ambientais, requerem do poder público a máxima atenção no sentido de avaliar riscos de violações de direitos humanos e evitá-los; 2 8. Que o planejamento energético e as possíveis conseqüências sociais adversas de suas escolhas e empreendimentos interessam aos setores responsáveis pelas políticas públicas fundamentais para a promoção e a proteção dos direitos humanos, tais como as políticas públicas de saúde, educação, reforma agrária, alimentação e desenvolvimento urbano, entre outros; 9. O disposto no art. 6º da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho, segundo o qual os governos deverão, com boa–fé e de maneira apropriada às circunstâncias: “a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; (...) b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes”; 10. O dever de respeito à Constituição Federal, especificamente, neste caso, ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido em seu art. 1º, inciso III , ao direito à informação, previsto no art. 5º, inciso XIV, aos direitos sociais tais como o direito à saúde, ao trabalho à moradia, à proteção da maternidade e da infância, estabelecidos no art. 6º e seus incisos, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido pelo art. 225 e ao direitos dos povos indígenas, assegurados no art. 231 e 11. Que, por determinação constitucional, é função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, RESOLVE RECOMENDAR AO MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA QUE: 1. Sejam utilizados mecanismos eficientes que garantam a participação pública no processo de elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia (2009-2018) e que estes sejam previamente estabelecidos e divulgados, especificando-se também a forma de incorporação das questões apresentadas pelos interessados; 2. A metodologia de elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia seja regulamentada, incluindo-se os mecanismos de participação da sociedade brasileira em sua elaboração; 3. A avaliação socioambiental seja realizada a partir de dados primários e secundários provenientes, também, de outras fontes do próprio governo, da área acadêmica e da sociedade civil e não apenas se restrinja àquelas relativas ao setor elétrico; 4. O Plano Decenal de Expansão de Energia seja compatibilizado com as demais políticas setoriais do Governo Federal, especialmente aquelas da área ambiental e voltadas aos povos indígenas e comunidades tradicionais e que esta compatibilização seja explicitada em seu conteúdo; 3 5. A compatibilização intersetorial e a avaliação acima mencionadas incluam as políticas públicas relacionadas aos direitos humanos, saúde, moradia, alimentação adequada, educação, desenvolvimento urbano, acesso à água, dispensando a devida atenção aos direitos da criança e do adolescente, da pessoa idosa, das mulheres e das pessoas com deficiência; 6. As políticas setoriais de expansão de energia elétrica sejam objeto de avaliação por meio da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), com a devida publicidade, e que suas conclusões sejam efetivamente incorporadas pelo setor; 7. Seja excluída do Plano Decenal de Expansão de Energia, a previsão da edição de dispositivos normativos ou legais excepcionais destinados a viabilizar a implantação de empreendimentos com impactos extremamente significativos, nos termos do que propõe a Empresa de Pesquisa Energética. Solicitamos, por fim que, em atendimento ao disposto no art. 8º, § 5º, da Lei Complementar 75/93 sejam informadas, no prazo de 20 dias, as medidas adotadas por esse Ministério em relação ao aqui recomendado. Brasília, 09 de março de 2009. SANDRA CUREAU Subprocuradora-Geral da República Coordenadora da 4ª CCR DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA Subprocuradora-Geral da República Coordenadora da 6ª CCR GILDA PEREIRA DE CARVALHO Subprocuradora-Geral da República Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão 4