«A programação das instituições culturais reflete sempre uma escolha, uma visão do mundo, uma opção – estética, social, económica, política –, a qual se repercute na criação de conteúdos e no relacionamento com os potenciais públicos. Nesta escolha concorrem, ou assim deveriam, duas variáveis determinantes da ação da instituição cultural e às quais o programador não pode ficar alheio: o território e a comunidade. Qual o contexto social e económico no qual se situa a instituição? Trata-se do único equipamento cultural público do concelho? Que outros equipamentos – culturais, sociais, económicos, públicos ou privados - existem na região e quais as suas missões? Quais os segmentos populacionais e como se relacionam com a vida pública? O conhecimento da realidade é o ponto de partida sem o qual a atividade de programar se esvazia de significado e consequência. Nesta equação a importância do local / regional / nacional / internacional dependerá, mais uma vez, das respostas a estas e outras questões e ao posicionamento estratégico que a instituição assume ou pretende assumir. E é este posicionamento que vai necessariamente influir a programação e determinar a dimensão educativa do projeto. Instituições culturais sem missão e alheadas do seu contexto não são mais do que experiências estéreis ou manifestos eleitoralistas. Mais do que pretender transmitir conhecimento, que parte da ideia de uma relação unidirecional e de cima para baixo, o ato de programar deve propor e provocar novas formas de observar, entender e transformar a realidade. Neste campo a dimensão educativa assume especial importância, mas não como função subalternizada que cria instrumentos de “descodificação” da programação geral. Os chamados serviços educativos devem, antes, ser reconhecidos como uma área fundamental e integrante da direção artística da instituição. Neste pressuposto, ao programador da área educativa devem ser conferidas autonomia, competências e condições (financeiras, físicas, humanas) para exercer o seu trabalho. Não se trata de um “apêndice” do projeto, mas de um elemento vital para o cumprimento da missão a que o mesmo se propõe. Ressalva-se, mais uma vez, as especificidades do contexto local, o qual pode determinar que esta dimensão esteja incorporada no papel do programador / diretor artístico. No entanto, a multiplicação dos serviços educativos nas instituições culturais - museus, teatros, bibliotecas, galerias -, a que temos assistido nas últimas décadas deve-se mais à procura de legitimação através dos números do que a uma verdadeira aposta na dimensão educativa. Efetivamente, pesa sobre os equipamentos culturais – sobretudo os públicos – a responsabilidade de justificação do investimento, como se este devesse necessariamente gerar um retorno económico, social ou político. Neste discurso a cultura é reduzida a uma função, seja ela a atratividade turística, o rejuvenescimento da economia local ou a inclusão social. As pessoas passam a ser estatísticas: consumidores, visitantes, espectadores, participantes, públicos. E aos serviços educativos caberia, assim, a especial missão de captação destes públicos. Não quero com isto dizer que a cultura deve ausentar-se destas questões, agindo num território sagrado e incólume. Muito pelo contrário. Antes deve ser parte de uma estratégia integrada de desenvolvimento dos territórios, a par e em relação com disciplinas como a educação, o urbanismo, a intervenção social, o turismo e a economia. Para isso é essencial a criação de uma rede de parcerias que permita uma participação efetiva da comunidade na gestão das cidades. Para isso é também necessário que os espaços culturais sejam locais de criação, reflexão, questionamento, experimentação. Espaços de encontro e de debate, implicados e conscientes do seu papel transformador. Só assim poderemos almejar à formação de cidadãos ativos e críticos, que contribuem para a vida coletiva. O desafio é tanto maior quanto o for a exclusão de determinados setores da sociedade daquilo que é a vida pública. Repetir fórmulas conhecidas de programação e de relacionamento com a comunidade não permitirá certamente alcançar uma população que está ausente dos mecanismos de participação cívica. Importa, acima de tudo, promover canais de comunicação e participação que coloquem as pessoas no centro da discussão e que lhes confiram poder: de decidir, de voltar, de não participar, de criticar, de reivindicar… Termino com uma ressalva: não cabe certamente às instituições culturais a resolução de problemas estruturais da sociedade. É claro que a exclusão social não termina após bem-sucedidos projetos artísticos de envolvimento comunitário e estes não podem cair na tentação de criar essa expectativa. No entanto, acredito que podem ser determinantes na construção de um imaginário social e cultural que propicia a criação de pontes e estimula o pensamento, contribuindo desta forma para uma sociedade democrática e inclusiva.» Por Marta Martins, Diretora Executiva da Artemrede