Tópico Especial Ortodontia Preventiva e Interceptora: Mito ou Realidade? Preventive and Interceptive Orthodontic Treatment: Myth or Reality? RESUMO Renato Rodrigues de Almeida Daniela Gamba Garib Este trabalho visou discutir os aspectos concernentes ao tratamento precoce das más oclusões, para nortear as atitudes do odontólogo diante de irregularidades desenvolvidas durante a dentadura decídua e mista. Para tanto, foram expostas as vantagens e desvantagens da ortodontia preventiva e interceptora, assim como os casos que devem, os que podem e os que não devem ser tratados precocemente. INTRODUÇÃO José Fernando Castanha Henriques Márcio Rodrigues de Almeida Renata Rodrigues de Almeida Qual é a época ideal para se iniciar o tratamento das más oclusões? Após aproximadamente um século de desenvolvimento e evolução da Ortodontia enquanto ciência, passando pela difusão mundial dos procedimentos de Ortopedia Facial, chegamos às vésperas do 3º Milênio sem um consenso unânime a respeito desta questão. Assunto em pauta na literatura contemporânea, pesquisas, opiniões e expe- Renato Rodrigues de Almeida A Daniela Gamba Garib B José Fernando Castanha Henriques Márcio Rodrigues de Almeida D Renata Rodrigues de Almeida E Unitermos: Ortodontia; Máoclusão; Dentadura decídua; Dentadura mista; Tratamento precoce; Ortodontia preventiva e interceptora; Época de tratamento. A B C D E riências clínicas relacionadas ao tratamento precoce das más oclusões4,6,11,13,22, 30,32,35,37 têm divulgado as vantagens e desvantagens da abordagem preventiva e interceptora, buscando alcançar uma resposta para a questão acima. As pretensões do tratamento precoce parecem claras, incluindo a eliminação dos fatores etiológicos da má oclusão, e a prevenção da progressão das desarmonias esqueléticas, dentárias e funcionais. Obtendo-se um ambiente dentofacial mais favorável, guiando a irrupção dentária para posições normais nos arcos, e reduzindo as discrepâncias esqueléticas por meio do redirecionamento do crescimento facial, pode-se minimizar ou até mesmo eliminar a necessidade de tratamentos complexos durante a dentadura permanente. Este artigo objetiva discutir o tratamento ortodôntico precoce, com vistas a fundamentar as atitudes profissionais com relação à época de tratamento das más oclusões. C Professor Assistente Dr. da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP, Professor responsável pela disciplina de ortodontia e coordenador do curso de Especialização em Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Lins – UNIMEP e Professor Associado da Universidade da Cidade de São Paulo - UNICID. Aluna de pós-graduação, ao nível de Mestrado, da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru - USP. Professor Titular e coordenador do curso de Doutorado da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP. Especialista, Mestre e Doutorando em Ortodontia, pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP e Professor de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Lins – UNIMEP ao nível de Graduação e Especialização. Aluna de pós-graduação, ao nível de Mestrado, da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP, Especialista em Radiologia pela Faculdade de Odontologia de Bauru – USP e Professora da Disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia de Lins – UNIMEP. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 87 VANTAGENS DO TRATAMENTO PRECOCE - Simplifica ou elimina a necessidade de tratamento corretivo na dentadura permanente A essência do tratamento precoce, indiscutivelmente, consiste no aproveitamento do crescimento dos pacientes jovens para favorecer a correção das deformidades dentoesqueléticas. Na dentadura permanente, a pequena ou ausente quantidade de crescimento residual, limitam as opções de tratamento. Segundo MOYERS, RIOLO 18, os ortodontistas devem evitar tratamentos prolongados e complexos, como ocorria no passado, quando não podiam melhorar as discrepâncias esqueléticas severas em crianças, e realizavam a correção da má oclusão apenas na dentadura permanente completa, por meio de compensações ou camuflagem ortodôntica. Os autores enfatizaram que, nos dias atuais, considera-se mais lógico e de bom senso, realizar o tratamento em duas etapas. Durante a primeira fase, controla-se o crescimento do esqueleto facial, melhorando a morfologia geral, para que o posicionamento dentário seja facilitado na segunda fase do tratamento (mecânica corretiva). A abordagem ortopédica precoce atenua a complexidade da correção ortodôntica das más oclusões, uma vez que na dentadura permanente, a boa relação entre as bases apicais, maxila e mandíbula, favorecerá o correto posicionamento dentário e a estética facial resultante6, 11. Além disso, se a segunda fase do tratamento ortodôntico for necessária, consumirá um menor período de tempo, devido à limitada quantidade de movimentação dentária requerida. - Redução do número de casos com extrações de dentes permanentes Na dentadura permanente, o tratamento compensatório de discrepâncias sagitais entre as bases apicais, como a Classe II e III esqueléticas, muitas vezes exige a extração de pré-molares su- periores e inferiores, respectivamente, para possibilitar a normalização da relação interarcos e do trespasse horizontal e vertical entre os incisivos. Obviamente, a intervenção ortopédica precoce, corrigindo a origem do problema, ou seja, a relação ântero-posterior alterada entre maxila e mandíbula, restringirá a necessidade de extrações dentárias6. Ademais, o controle de espaço durante o período de transição ou dentadura mista, com a manutenção e a recuperação de espaço para os dentes permanentes em irrupção, encerra fundamental importância na prevenção de extrações futuras. - Redução da necessidade de cirurgia ortognática Muitas discrepâncias esqueléticas severas, como o prognatismo mandibular e a face excessivamente longa, deformidades de difícil manipulação ortopédica, têm na cirurgia ortognática a única opção de tratamento satisfatório. Por outro lado, a abordagem ortopédica em casos de Classe II, Classe III por deficiência maxilar e de atresias esqueléticas da maxila, pode descartar a necessidade de cirurgia corretiva, finda a fase de crescimento6. As vantagens são indiscutíveis, não apenas devido a aspectos financeiros e relacionados aos riscos da própria cirurgia, mas também ao aspecto emocional dos pacientes. Atravessar a árdua fase da adolescência apresentando uma severa deformidade facial, a espera da maturidade esquelética para se realizar a cirurgia ortognática, implica em incômodos psicológicos para o jovem32. - Aumento da estabilidade da correção morfológica As alterações morfológicas conseqüentes à correção precoce, provêm em grande parte, do próprio potencial de crescimento e desenvolvimento da criança, o que possui uma conotação ambígua em termos de estabilidade. Ao mesmo tempo em que favorece a adaptabilidade e uma maior manutenção dos resultados conseguidos6, em mui- Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 tos casos, a correção ortopédica dos maxilares exige uma contenção, ou pelo menos um monitoramento longitudinal até o final do crescimento37. - Redução do custo biológico: o desenvolvimento de reabsorções radiculares e de problemas periodontais O tratamento ortodôntico realizado na dentadura permanente, em uma só fase, apresenta um custo biológico maior quando exige maiores quantidades de movimentação dentária e um maior tempo de tratamento corretivo. Estes fatores estão intimamente relacionados com a ocorrência de reabsorções radiculares. Além disso, os movimentos ortodônticos compensatórios, tendem a transportar os dentes para além dos limites do osso alveolar, aumentando as chances de ocorrer fenestrações ósseas e recessões gengivais. - Diminuição da vulnerabilidade dos incisivos superiores a fraturas e traumas A protrusão dos incisivos superiores, na má oclusão de Classe II, 1ª divisão, mantida durante toda a infância, aumenta as chances de ocorrer traumas e fraturas destes dentes em acidentes e quedas35. - Maior cooperação do paciente Na decisão da época mais oportuna para o início do tratamento, a colaboração do paciente na infância ou na adolescência, constitui um fator de importância. Muitos autores citam que pacientes mais jovens são mais cooperadores e atenciosos com o tratamento ortodôntico que a maioria dos adolescentes, principalmente em relação ao uso de aparelhos extrabucais5,6,18,32,37. - Benefícios psicológicos A estética facial possui implicações significantes na socialização do ser humano. A percepção de beleza influencia o desenvolvimento psicológico desde a infância até a fase adulta. Pesquisas revelaram que crianças aos 6 anos 88 de idade já incutiram valores culturais de atratividade física. Aos 8 anos, seus critérios de atratividade se equiparam ao do adulto. Crianças mais belas são mais sociáveis, mais aceitas por seus iguais, e ainda consideradas mais inteligentes, o que contribui enormemente para o desenvolvimento da auto-estima32. Baseando-se nestes preceitos, vislumbra-se o valor do tratamento precoce contribuindo para a auto-imagem da criança em desenvolvimento. DESVANTAGENS DO TRATAMENTO PRECOCE - Dificuldades em prever o rumo do processo de crescimento e desenvolvimento craniofacial O tratamento precoce requer do ortodontista uma previsão da morfologia futura na dentadura permanente, a partir da avaliação da dentadura decídua ou mista11,30. Esta tarefa complexa, necessita do conhecimento sobre o crescimento e desenvolvimento da face e da dentição, assim como da pluralidade de eventos, genéticos e ambientais, que interferem em todo este processo. Desta forma, a dúvida quanto ao rumo do desenvolvimento craniofacial, assim com a carência de conhecimentos, podem inibir o profissional de intervir precocemente. - Menor domínio da manipulação ortopédica dentofacial, quando comparado à biomecânica da movimentação dentária As tradicionais aparelhagens com bráquetes, utilizados na dentadura permanente durante a mecânica corretiva, permitem o controle tridimensional da movimentação dentária. O conhecimento da biomecânica apoia-se em conceitos exatos da física, e portanto, os profissionais possuem um grande domínio do tratamento com estes dispositivos. Por outro lado, os efeitos dos aparelhos ortopédicos, principalmente os funcionais, baseiam-se essencialmente na resposta biológica do paciente, o que não demonstra a mesma exatidão matemática. - Prolongamento do período cronológico de tratamento De acordo com MOYERS; RIOLO18, contabiliza-se o tempo de tratamento pelo número de horas gastos na cadeira do dentista, e não pelo período cronológico do início ao término do tratamento. Portanto, a ortodontia realizada em duas fases dispende menos horas clínicas, e um maior “período do calendário”. No entanto é notório que, durante um tratamento prolongado, a cooperação do paciente decresce, o que exige do profissional a racionalização e o bom senso para se intervir precocemente. Conclui-se que para cada tipo de má oclusão, e em cada caso individualmente, há que se avaliar a relação custo-benefício da intervenção precoce, a fim de se decidir a época mais oportuna para o início do tratamento. O diagnóstico de inconvenientes estéticos e funcionais associados à má oclusão, aliado a uma visão futura de como a irregularidade vai evoluir para a dentadura permanente, conduzem o profissional a optar pelo tratamento precoce quando suas vantagens superam as desvantagens. O pensamento simplista de tratar FIGURA 1- Perda de espaço proveniente da inclinação mesial do primeiro molar inferior. toda má oclusão tardiamente (na dentadura permanente) ignora as potencialidades biológicas inerentes ao processo de crescimento e desenvolvimento do ser humano. Equiparamos a odontologia à medicina, a medida que valorizamos a atitude médica ao tratar uma doença antes que ela se agrave e comprometa, reversível ou irreversivelmente, a saúde do paciente. Portanto, louvamos a filosofia de tratamento precoce, quando bem indicada, pelos incontestáveis benefícios funcional, estético e psicológico proporcionados à criança em desenvolvimento, como veremos a seguir. CASOS QUE DEVEM SER TRATADOS PRECOCEMENTE - Perda precoce de dentes decíduos (Manutenção e recuperação de espaço) Na Ortodontia, a preocupação com a perda precoce de dentes decíduos se fundamenta na perda de espaço que pode ocorrer no arco dentário, com a inclinação dos dentes adjacentes em direção ao espaço originado. Deste modo, o sucessor permanente, sem espaço disponível, desvia sua trajetória de irrupção, irrompendo fora do arco dentário, por vestibular FIGURA 2- A insuficiência de espaço para irrupção do segundo pré-molar foi ocasionada pela inclinação mesial do primeiro molar e pela inclinação distal do primeiro pré-molar, após a perda precoce do segundo molar decíduo. FIGURA 3 e 4 - As radiografias panorâmicas evidenciam a perda de espaço para caninos e pré-molares, tanto no arco superior quanto no inferior. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 89 ou lingual, ou ainda permanece impactado (FIG. 1, 2, 3 e 4). Com a má oclusão instalada, principalmente no arco inferior, não resta outra opção de tratamento senão a extração de prémolares associado à mecânica ortodôntica, para, respectivamente, proporcionar o espaço necessário e posicionar os dentes corretamente no arco dentário. Diante da perda precoce de dentes decíduos e no intento de evitar o estabelecimento da má oclusão, deve-se recorrer aos mantenedores de espaço, pois impedem a migração dos dentes adjacentes para o espaço futuramente ocupado pelo sucessor permanente. Há diversos tipos de mantenedores, removíveis ou fixos, funcionais e não funcionais (FIG. 5, 6, 7, 8 e 9), selecionados de acordo com a cooperação do paciente, o número de dentes ausentes, e a região do arco dentário. Os mantenedores funcionais apresentam dentes de acrílico, o que acrescenta vantagens estéticas a este tipo de aparelho, muito utilizado em perdas múltiplas de dentes decíduos, principalmente na região anterior (FIG. 7, 8 e 9). Deve-se salientar que a perda precoce de incisivos decíduos, em condições normais, não causa perda de espaço, mas exige, do mesmo modo, o uso de mantenedores de espaço (funcionais) para evitar hábitos de interposição de língua e restabelecer a dicção e a estética da criança, garantindo seu bem-estar psicológico (FIG. 7, 8 e 9). No entanto, após algum tempo da extração precoce dos dentes decíduos, quando constata-se a ocorrência de perda de espaço (FIG. 10A e 11A), os mantenedores perdem sua função e os aparelhos mais indicados nestes casos passam a ser os recuperadores de espaço. Estes aparelhos, que também podem ser removíveis ou fixos, verticalizam os dentes adjacentes, devolvendo o espaço no arco dentário para o dente permanente, antes de sua irrupção (FIG. 10 e 11). O aparelho removível com a mola de Benac (FIG. 10B) mostra-se eficiente apenas an- A B FIGURA 5A, B - Mantenedor de espaço fixo, tipo banda-alça, indicado para perda precoce de um único dente decíduo na região posterior do arco. A B FIGURA 6A, B - Mantenedor de espaço fixo, denominado arco lingual de Nance, indicado para perdas múltiplas na região posterior do arco inferior. A C B D FIGURA 7A, B - Perda precoce dos incisivos centrais superiores decíduos; C, D: Restabelecimento da estética por meio de um mantenedor de espaço funcional removível. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 90 tes da irrupção dos segundos molares permanentes, os quais dificultam sobremaneira a recuperação de espaço. - Hábitos Bucais A B C D FIGURA 8A,B,C,D - Mantenedor de espaço fixo funcional. A B C D FIGURA 9A,B,C,D - O dente de acrílico, associado ao expansor fixo tipo arco palatino, funciona como mantenedor de espaço funcional. A B C D FIGURA 10A, B,C,D - Recuperador de espaço removível com mola de Benac para verticalização dos primeiros molares permanentes. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 Os hábitos bucais deletérios alteram as funções exercidas pela musculatura peri e intrabucal, contribuindo negativamente para o desenvolvimento normal da oclusão26. Destacam-se em importância e freqüência, os hábitos persistentes de sucção de dedo e chupeta (FIG. 12 e 13), o pressionamento lingual atípico (FIG. 14) e a respiração bucal (FIG. 15). Todos estes hábitos constituem fatores etiológicos das más oclusões, uma vez que ocasionam um desequilíbrio entre as forças musculares que atuam sobre os arcos dentários. É certo que nem todas as crianças com hábitos bucais deletérios desenvolvem más oclusões, porém inúmeros estudos comprovaram o grande vínculo causa-efeito existente entre estes dois fatores25, 27. Na presença do hábito, o desenvolvimento de alterações morfológicas dependerá de sua freqüência, intensidade e duração (Tríade de Graber), assim como da predisposição individual relacionada ao padrão de crescimento facial de cada criança 1 (FIG. 16). Desta maneira, evidencia-se a necessidade de intervenção precoce do hábito, numa ação conjunta do dentista com o otorrinolaringologista, o fonoaudiólogo e o psicólogo, para a remoção dos fatores etiológicos (hábitos) e correção das irregularidades morfológicas causadas. Neste contexto de abordagem multidisciplinar, o otorrinolaringologista trata as obstruções das vias aéreas superiores, o ortodontista, o odontopediatra ou o clínico geral restabelecem a morfologia dentoesquelética alterada, e posteriormente, o fonoaudiólogo realiza a reeducação da função muscular, garantindo, assim, a estabilidade do tratamento precoce. Nas mãos do odontólogo fica ainda a responsabilidade de identificar o hábito e encaminhar o paciente para os demais profissionais. 91 A B C D FIGURA 11A,B,C,D - Recuperador de espaço fixo, com mola de secção aberta comprimida entre os bráquetes colados nos dentes vizinhos ao espaço a ser ampliado. B Particularmente nos casos de respiração bucal, o diagnóstico deve ser baseado em sinais morfológicos clínicos e radiográficos, como a síndrome da face longa (FIG. 15), a presença de amígdalas hipertróficas (FIG. 17) e a obstrução da nasofaringe pela adenóide (FIG. 18), condições que ditam a necessidade de avaliação por um especialista, o otorrinolaringologista. A persistência dos hábitos bucais deletérios durante todo o processo de crescimento e desenvolvimento da criança, agrava paulatinamente os desequilíbrios estruturais e funcionais do sistema estomatognático, dificultando sobremaneira tanto o tratamento da má oclusão quanto da função neuromuscular alterada, em idades mais tardias. As más oclusões mais comuns, conseqüentes aos hábitos bucais deletérios, incluem a mordida aberta anterior (FIG. 13, 14 e 19), a atresia maxilar com mordida cruzada posterior (FIG. 20), a protrusão maxilar e a retrusão mandibular, a vestibuloversão dos incisivos superiores com ou sem diastemas generalizados na região anterior (FIG. 12 e 14), a linguoversão dos incisivos inferiores (nos hábitos de sucção digital), e a sobressaliência excessiva (FIG. 12). - Mordida Aberta Anterior A C FIGURA 12A,B,C - O hábito de sucção de polegar e a má oclusão conseqüente com a vestibuloversão dos incisivos superiores. B A Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 A mordida aberta anterior pode ser definida como a presença de um tres- FIGURA 13A,B- O hábito de sucção de chupeta ocasionando a mordida aberta anterior. FIGURA 14 - Mordida aberta anterior causada pelo hábito de interposição lingual. 92 B A FIGURA 15A,B - A síndrome da face longa associada à respiração bucal. A C B FIGURA 16- Padrões faciais: A- Dolicofacial: a altura facial predomina sobre a largura, e o padrão de crescimento predominantemente vertical, neste paciente, o torna mais susceptível às más oclusões na presença dos hábitos bucais deletérios, quando comparado aos padrões meso e braquifaciais; B- Mesofacial: observa-se um equilíbrio entre a largura e a altura faciais; C- Braquifacial: a largura da face apresenta-se maior que a altura; B A FIGURA 17- Amígdalas palatinas hipertróficas: A- Aspecto radiográfico; B- Aspecto clínico. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 93 A B C FIGURA 18 - Exame cefalométrico da nasofaringe: A- Nasofaringe com largura normal; B- Presença da adenóide obstruindo parcialmente a nasofaringe; C- Obstrução completa da nasofaringe pela adenóide. A B C D E F FIGURA 19 - Interceptação da mordida aberta anterior: A- Vista intrabucal da mordida aberta anterior; B, C- Instalação da placa com grade palatina; D- Após 7 meses de tratamento, a melhora no quadro morfológico; E, F- Na dentadura permanente, a presença de trespasse vertical positivo e relação molar normal descartaram a necessidade de tratamento corretivo. passe vertical negativo entre os dentes anteriores superiores e inferiores1,3. Seu principal fator etiológico inclui obstáculos mecânicos da irrupção dentária e do desenvolvimento alveolar vertical, como os hábitos de sucção e interposição lingual, que determinam a mordida aberta anterior dentária ou dentoalveolar. Em menor freqüência, podem advir ainda de uma discrepância esquelética vertical, onde o padrão de crescimento excessivamente vertical, não acompanhado pelo desenvolvimen- to dentoalveolar nas mesmas proporções, ocasiona a mordida aberta anterior esquelética18. A interceptação da mordida aberta anterior dentária ou dentoalveolar deve ser realizada, preferencialmente, antes da irrupção dos incisivos permanentes, época em que a remoção do hábito de sucção poderá redundar na auto-correção desta má oclusão, sem, no entanto, causar prejuízos psicológicos à criança. Porém, o abandono do hábito nem sempre implicará na auto- Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 correção da mordida aberta, principalmente quando já estiverem instalados hábitos secundários, como a interposição lingual e/ou labial, e o paciente realizar a respiração bucal. Nestes casos, a má oclusão deve ser interceptada adequadamente, evitando o seu agravamento. Para tanto, o clínico geral, o odontopediatra ou o ortodontista, após identificar os hábitos bucais envolvidos na etiologia da mordida aberta, deverá corrigir a morfologia oclusal 94 A D alterada, e posteriormente encaminhar o paciente para um tratamento fonoaudiológico, que normalizará a função, assegurando a estabilidade da correção precoce. O aparelho de eleição para a correção precoce da mordida aberta anterior é a placa com grade palatina, removível ou fixa, que não exerce força alguma sobre as estruturas dentárias, funcionando apenas como um obstáculo mecânico que impede a sucção de dedo ou chupeta, e mantém a língua retruída, não permitindo sua interposição durante a fala e a deglutição (FIG. 19). Deste modo, permite que os incisivos continuem a irromper até alcançarem uma relação de trespasse vertical adequado1,3. Como a grade palatina age passivamente, o tratamento conta com o próprio crescimento facial, e removido os fatores etiológicos, garante-se a estabilidade da correção da má oclusão. A experiência clínica nos assegura a asserção de que o tratamento precoce das mordidas abertas anteriores apresenta um ótimo prognóstico. Na dentadura permanente, não é mais possível a correção da mordida aberta com o emprego da placa com grade palatina, uma vez que o potencial de crescimento e desenvolvimento vertical dentoalveolar apresenta-se muito reduzido. Nesta fase, a mecânica corretiva com o uso de elásticos intermaxilares, B E ou a cirurgia ortognática, constituem as únicas alternativas para o fechamento da mordida, apresentando uma menor estabilidade quando comparadas à intervenção precoce. - Mordida Cruzada Posterior A mordida cruzada posterior, má oclusão caracterizada por uma deficiência nas dimensões transversas do arco dentário superior, desenvolve-se precocemente, principalmente em decorrência de hábitos bucais deletérios, e não se auto-corrige durante o crescimento15, mesmo diante do abandono do hábito. A mordida cruzada posterior unilateral funcional (MCPUF) constitui o padrão mais freqüente, encontrada em aproximadamente 90% dos casos23. O paciente com MCPUF apresenta um desvio lateral da mandíbula, o que determina diferenças no aspecto intrabucal quando em máxima intercuspidação habitual (MIH) e quando em relação cêntrica (RC). Em MIH, observase a mordida cruzada posterior unilateral, com a linha média inferior desviada para o lado alterado e conseqüentemente, uma relação molar assimétrica entre o lado normal e o lado da mordida cruzada (FIG. 20A, B e C). No entanto, ao posicionar a mandíbula em RC, nota-se que a deficiência transversa do arco superior é si- Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 C FIGURA 20 - Mordida cruzada posterior unilateral funcional e o tratamento empregando-se a expansão lenta com a placa removível com parafuso. métrica, pois visualiza-se uma mordida de topo bilateralmente, responsável pela instabilidade oclusal e pelo desvio funcional da mandíbula para uma posição mais estável (MIH). Com o desvio lateral da mandíbula, os côndilos não ficam concentricamente posicionados nas respectivas fossas articulares, exigindo um funcionamento assimétrico da musculatura mastigatória23. Este diagnóstico aclara a necessidade de tratamento precoce das mordidas cruzadas, pois a persistência do desvio funcional, além de poder ocasionar dores musculares, culmina, após a fase de crescimento, numa assimetria estrutural, cujo tratamento torna-se bem mais complexo15. SILVA FILHO, VALLADARES NETO, ALMEIDA23 preconizam a intervenção precoce nas mordidas cruzadas posteriores, valendo-se das seguintes justificativas: 1) Aproveita a maior bioplasticidade óssea da criança, obtendo-se respostas mais favoráveis com mecânicas mais simplificadas; 2) Redireciona os germes dos dentes permanentes para uma posição normal sem interferir na odontogênese; 3) Proporciona um melhor relacionamento entre as bases ósseas apicais, em casos de mordida cruzada posterior esquelética; 4) Elimina as posições desfavoráveis 95 A B C D E F G H I J da articulação temporomandibular, estabelecendo uma relação simétrica da posição do côndilo na fossa articular; 5) Proporciona uma trajetória de fechamento mandibular normal, sem desvios da relação cêntrica; 6) Contribui para uma auto-imagem mais favorável da criança, nos casos com comprometimento estético. Portanto, a correção das mordidas cruzadas posteriores deve ser realizada em idades precoces, assim que diagnosticada, contanto que a criança possua maturidade suficiente para receber o tratamento. O tratamento consiste no aumento das dimensões trans- FIGURA 21 - Mordida cruzada posterior bilateral e o tratamento empregando-se a expansão lenta com o aparelho fixo bihélice. versas do arco dentário superior, empregando aparelhos expansores que liberam forças laterais e promovem a inclinação vestibular dos dentes posteriores, a abertura da sutura palatina mediana, ou ambas. De um modo geral, os aparelhos de expansão lenta produzem essencialmente o efeito ortodôntico (FIG. 20 e 21), enquanto os aparelhos de expansão rápida causam maior efeito ortopédico23. - Mordida Cruzada Anterior Dentoalveolar A mordida cruzada anterior caracteriza-se por um relacionamento ves- Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 tibulolingual anormal entre os incisivos superiores e inferiores, onde os primeiros apresentam-se posicionados por lingual em relação aos últimos (FIG. 22 e 23). Esta relação de trespasse negativo espelha alterações dentoalveolares ou esqueléticas21. A mordida cruzada anterior dentoalveolar origina-se quando os incisivos superiores apresentam-se retroinclinados e/ou os incisivos inferiores inclinados para vestibular, em pacientes com padrão basal de Classe I. A mordida cruzada anterior esquelética, presente nos pacientes com padrão basal de Classe III , advém do retrognatismo 96 A B C D E F G A FIGURA 22 - Mordida cruzada anterior dentoalveolar: A, B, C- Mordida cruzada anterior envolvendo os incisivos centrais superiores, que apresentavam-se inclinados para lingual; D- Instalação da placa removível com mola dupla; E, F, G- Ao final do tratamento, o estabelecimento do trespasse horizontal positivo. B C FIGURA 23 - Mordida cruzada anterior dentoalveolar envolvendo um único dente, e o tratamento empregando-se um aparelho fixo com mola simples. maxilar, do prognatismo mandibular, ou de ambos29. Parece coerente a indicação de tratamento precoce nestes casos, uma vez que as mordidas cruzadas anteriores podem causar desgastes da face vestibular dos dentes superiores envolvidos, recessões gengivais nos incisivos inferiores, e ainda podem alterar o crescimento normal dos maxilares no sentido ântero-posterior, causando principalmente um hipodesenvolvimento maxilar15. A mordida cruzada anterior dentoalveolar deve ser corrigida empre- gando-se a placa removível ou o arco palatino com molas digitais, que exercem forças sobre a superfície lingual dos incisivos superiores, inclinandoos para vestibular (FIG. 22 e 23). Antes da correção, o profissional deve certificar-se que existe espaço suficiente no arco dentário para reposicionar os dentes em mordida cruzada, assim como da presença de sobremordida adequada para a estabilidade da correção. A mordida cruzada anterior esquelética será discutida mais adiante, pois constitui característica integrante das más oclusões de Classe III. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 Ressalta-se ainda que a anquilose dos dentes decíduos, a irrupção ectópica dos primeiros molares permanentes, e a presença de odontomas ou de dentes supranumerários que interferem na irrupção dos dentes permanentes, também constituem casos que devem ser tratados precocemente. CASOS QUE PODEM SER TRATADOS PRECOCEMENTE - Discrepância Dente-Osso Negativa Denomina-se discrepância denteosso negativa a anormalidade em que as dimensões do arco dentário são insuficientes para o alinhamen97 to de todos os dentes permanentes. O apinhamento dentário, uma das má oclusões mais comuns, expressa clinicamente a diferença negativa entre o espaço disponível no perímetro do arco alveolar e o somatório da dimensão mesiodistal de todos os dentes permanentes por mesial dos primeiros molares. Na dentadura permanente completa, o apinhamento dentário pode ser tratado, mediante uma mecânica corretiva, com a expansão dos arcos dentários, com desgastes interproximais nos dentes permanentes, ou por meio de extrações dentárias. A última opção requer um longo período de tratamento e contenção, devido à grande quantidade de movimentação dentária realizada. No entanto, os profissionais podem interceptar os problemas relacionados à falta de espaço para os dentes permanentes, durante o desenvolvimento da oclusão. No início da dentadura mista, com a esfoliação dos incisivos decíduos e irrupção dos incisivos permanentes, aproximadamente 50% das crianças desenvolvem o apinhamento primário24. O desafio do profissional nesta fase consiste em identificar os casos com deficiências de espaço verdadeiras, que necessitam de interceptação, daqueles casos em que o apinhamento possui caráter temporário e faz parte do desenvolvimento normal da oclusão21,24. Os incisivos laterais inferiores podem irromper suavemente deslocados para lingual ou rotados, mas acomodam-se no arco dentário à medida que se processam os mecanismos de compensação da oclusão, principalmente o aumento da distância intercaninos. Deste modo, discrepâncias pequenas, de 2 a 3 milímetros, corrigem-se espontaneamente e não merecem intervenção profissional21,24. Os casos com discrepâncias maiores podem ser tratados precocemente, mas exigem um rico conhecimento acerca dos eventos biológicos que ocorrem durante todo o processo de crescimento e desenvolvimento da oclusão. Destaca-se no arsenal inter- A B C D E F G H ceptor, o programa de extrações seriadas, que permite-nos direcionar a irrupção dos dentes permanentes para posições mais favoráveis no arco dentário, evitando o estabelecimento de uma má oclusão mais grave. Por meio de extrações programadas de dentes decíduos e permanentes, selecionados em determinada sequência e em perí- Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 odos estratégicos, os dentes permanentes podem irromper e alinharemse no arco dentário espontaneamente, sem a aplicação de forças19 (FIG. 24). Muitos casos, mesmo subseqüentemente às extrações seriadas, requerem o tratamento com aparelhos fixos na dentadura permanente, para fechar espaços remanescentes, corrigir a 98 - Classe II Esquelética I J L M N O FIGURA 24A-O - Programa de extração seriada: a extração dos caninos decíduos durante o primeiro período transitório da dentadura mista concedeu espaço para o alinhamento dos quatro incisivos, tanto no arco superior quanto no inferior; a extração dos primeiros molares inferiores decíduos acelerou a irrupção dos pré-molares sucessores, permitindo que fossem extraídos antes da irrupção dos caninos; os caninos permanentes irromperam alinhados no arco dentário, e o tratamento com aparelho fixo foi implementado apenas para realizar o ajuste final da oclusão. subremordida e as angulações dentárias. Na realidade, o tratamento precoce das discrepâncias dente-osso negativa não substitui o tratamento corretivo. As vantagens de um programa de extrações seriadas consistem sim na simplificação do tratamento corretivo; no favorecimento da estética, desde uma idade precoce; na redução das se- quelas periodontais determinadas pelo mau posicionamento dentário, como as recessões gengivais; e na maior estabilidade dos casos tratados. Segundo DALE5, parece lógico que se a formação radicular dos dentes permanentes já se completar numa posição mais favorável, o tratamento apresentará estabilidade superior. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 A má oclusão de Classe II esquelética caracteriza-se por uma posição distal do arco inferior em relação ao superior, resultante de um deficiente relacionamento ântero-posterior entre as bases apicais. Esta discrepância esquelética reflete as seguintes alterações estruturais: a deficiência ou retrognatismo mandibular, o prognatismo maxilar, ou uma associação de ambas16,20. O componente vertical, representado pela altura facial ânteroinferior, pode encontrar-se aumentado ou diminuído, evidenciando ou mascarando a desarmonia sagital, respectivamente16. Diante de uma discrepância esquelética, o tratamento mais coerente e ideal resume-se na modificação do crescimento das estruturas ósseas envolvidas, ou seja, busca-se a correção do fator primário que está determinando a má oclusão. Deste modo, os aparelhos ortopédicos devem ser empregados durante a fase de crescimento no intuito de reduzir ou eliminar o problema esquelético, para que em uma segunda fase do tratamento, na dentadura permanente, a mecânica corretiva realize apenas pequenos movimentos dentários, alcançando-se uma oclusão favorável e uma estética facial agradável. Na realidade, a primeira fase do tratamento, essencialmente ortopédica, não deve ser realizada muito precocemente, pois até o jovem alcançar a maturidade esquelética, a continuidade do crescimento dentro dos padrões originais ocasionará grandes recidivas morfológicas. As opiniões dos autores são diversificadas quanto à época mais adequada para o tratamento ortopédico da Classe II7,16,18,20,34. Em geral, advoga-se que o tratamento da Classe II suave ou moderada deve ser postergado para a fase tardia ou segundo período transitório da dentadura mista. Desta maneira, imediatamente após o tratamento ortopédico segue-se a mecânica com aparelhos fixos, quando todos os dentes permanentes apresentarem-se irrompidos na 99 A C B D E F G H I Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 100 J L M N O P Q R FIGURA 25A, B, C, D, E - Má oclusão de Classe II com prognatismo maxilar e mordida aberta anterior; F, G - Instalação do AEB conjugado com grade palatina para interceptação da má oclusão; H, I, J, L - Ao término da 1ª fase do tratamento, observa-se uma melhora na estética facial assim como na relação sagital interarcos; M, N, O, P, Q, R - A 2ª fase do tratamento com aparelhos fixos permitiu a obtenção de uma oclusão estável. cavidade bucal, não obstante os aparelhos ortopédicos sejam mantidos como contenção durante esta segunda fase do tratamento. A indicação do tratamento ortopédico durante o segundo período transitório da dentadura mista alicerça-se em três justificativas importantes16,18,20,34: 1) Constitui um período ativo de irrupção dentária, podendo o profissional tirar proveito do grande potencial de crescimento Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 e desenvolvimento vertical dentoalveolar; 2) Muitas vezes, esta fase coincide com o período de maior aceleração na velocidade de crescimento corporal e facial, ou seja, a porção ascendente e o pico da curva de crescimento da adolescência; 3) O tratamento ortopédico-ortodôntico, principalmente nas meninas, se completará aproximadamente no final do período de crescimento, garantindo a estabilidade dos resultados obtidos. PROFFIT 20 ; VAN DER LINDEN, BOERSMA34; McNAMARA16 defendem o início do tratamento mais precocemente apenas em casos de discrepâncias muito graves, com relação de Classe II completa entre os arcos dentários e grandes desequilíbrios funcionais. A seleção do aparelho ortopédico mais adequado depende do diagnóstico estrutural individual, realizado por meio da análise facial, do exame clínico, dos modelos de gesso, e complementado pela avaliação cefalométrica. Os aparelhos extrabucais são indicados nos casos de protrusão maxilar, pois a força por eles geradas, influencia a atividade nas suturas da face média, restringindo o deslocamento anterior da maxila durante o período de tratamento. Como a mandíbula continua a crescer normalmente, a relação de Classe II corrige-se gradualmente8,16,20 (FIG. 25). Na interceptação da deficiência mandibular, componente mais comum nas más oclusões de Classe II16, utiliza-se os aparelhos ortopédicos funcionais, como o Ativador, o Bionator, ou o regulador funcional de Fränkel, que apresentam a característica comum de manter a mandíbula em uma posição protruída, normalizando a função da musculatura intra e extrabucal 7,9,16 (FIG. 26). A possibilidade destes aparelhos estimularem o crescimento mandibular constitui assunto controverso e muito discutido na literatura atual. Aceita-se que os efeitos esqueléticos e dentoalveolares, ocasionados 101 A B C D E F tanto na mandíbula como também na maxila pelos aparelhos ortopédicos funcionais, contribuam conjuntamente para a correção da má oclusão de Classe II36. Ressalta-se ainda que, não só a época de tratamento, mas também o padrão de crescimento facial desempenha um importante papel no êxito do tratamento. O padrão braqui e mesofacial apresentam melhores resultados que o padrão dolicofacial. Indica-se a associação dos aparelhos funcionais com forças extrabucais no tratamento da Classe II, em pacientes que apresentam tanto uma protrusão maxilar e/ou uma protrusão do arco dentário superior, como um retrognatismo mandibular9. Alguns profissionais podem questionar as vantagens do tratamento interceptor da má oclusão de Classe II, uma vez que muitos casos exigem a mecanoterapia com aparelhos fixos na dentadura permanente de qualquer forma. A maior estética e estabilidade a longo-prazo, assim como a redução do número de extrações, a simplificação da movimentação ortodôntica exigida e a menor necessidade de cirurgias ortognáticas, nos casos tratados ortopedicamente, fundamentam a opção de tratamento precoce. - Falsa Classe III G I H A má oclusão denominada falsa Classe III caracteriza-se pela presença de uma relação de topo entre os incisivos superiores e inferiores, que provoca o deslizamento da mandíbula para anterior, determinando uma mordida cruzada anterior funcional15. Desta maneira, em máxima intercuspidação habitual (MIH), o paciente apresenta uma relação dentária de classe III com mordida cruzada anterior, enquanto J FIGURA 26 - Classe II, 1ª divisão com notável deficiência mandibular e o tratamento ortopédico funcional empregando-se o aparelho Bionator. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 102 A B D E F G H que, em relação cêntrica, evidencia-se uma relação interarcos de classe I, com relação de topo entre os incisivos superiores e inferiores (FIG. 27). A inclinação dos incisivos superiores para lingual e/ou dos incisivos inferiores para vestibular são as principais responsáveis pela interferência oclusal que levam o paciente a ocluir com a mandíbula projetada para anterior. A persistência deste desvio fun- I cional durante todo o período de crescimento e desenvolvimento pode imprimir alterações estruturais permanentes, uma vez que inibe o crescimento anterior da maxila e consolida o deslocamento anterior da mandíbula devido à adaptação condilar. O aparelho de Eschler é indicado no tratamento precoce da pseudoclasse III, pois possibilita a correção das inclinações dentárias, e ao mesmo Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 C FIGURA 27 - Falsa Classe III caracterizada pelo desvio anterior da mandíbula de RC (G) para MIH (D, E, F). O aparelho progênico (H, I) mantém a mandíbula em uma posição retruída por meio do arco vestibular de Eschler. (continua na próxima página). tempo, um correto posicionamento dos côndilos, normalizando a postura mandibular (FIG. 27). Bimler desenvolveu este aparelho para a correção da Classe III incipiente, consistindo numa placa de acrílico com um arco vestibular, apresentado pela primeira vez por Eschler2,31. Trata-se de um arco vestibular que mantém contato com os incisivos inferiores, impedindo a protrusão mandibular, e quando 103 J L M N O P FIGURA 27 - (Continuação) Após o tratamento, observa-se a melhora no perfil facial (J, L, M) e o estabelecimento de uma oclusão estável (N, O, P). ativado, ainda inclina os incisivos para lingual. Se os incisivos superiores apresentam-se inclinados para lingual, pode-se utilizar as molas digitais para vestibularizá-los. O efeito ortodôntico do uso desse aparelho resume-se na inclinação lingual dos incisivos inferiores e inclinação vestibular dos incisivos superiores. Os efeitos esqueléticos demonstram um reposicionamento mandibular (de MIH para RC), com diminuição do ângulo SNB; e o deslocamento anterior do ponto A, devido à liberação do crescimento maxilar após a correção da mordida cruzada anterior2. A normalização precoce do trespasse horizontal entre os incisivos possibilita que a face continue a crescer normalmente, sustentando os resultados da correção precoce. - Classe III por Deficiência Maxilar Inúmeros estudos sobre as características morfológicas da Classe III apontam que esta má oclusão com- põe-se pelo prognatismo mandibular, retrognatismo maxilar ou uma associação de ambos29. O crescimento mandibular, grandemente controlado por fatores genéticos, pouco pode ser alterado por meio de aparelhos ortopédicos, o que conduz ao pobre prognóstico de tratamento precoce da Classe III determinada essencialmente pelo prognatismo mandibular. Felizmente, o componente esquelético maxilar responde melhor aos fatores extrínsecos como a aplicação de forças ortopédicas12,14, 16,20,28. Neste contexto, ressalta-se o imprescindível valor de um diagnóstico exato, associando-se a análise clínica do perfil facial com a interpretação das grandezas cefalométricas, no intento de distinguir os componentes esqueléticos principais que delineiam a má oclusão de Classe III. Quando evidencia-se uma retrusão maxilar, o tratamento precoce deve ser indicado. A expansão rápida da maxila, juntamente com o uso de máscaras de protração maxilar, constitui a terapia Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 mais indicada nestes casos12,14, 16,20,28 (FIG. 28). Os efeitos deste tratamento incluem o avanço anterior da maxila, a protrusão do arco dentário superior, e a rotação mandibular para baixo e para trás, imprimindo alterações positivas na estética facial e na relação sagital entre os arcos dentários12,28. Quanto menor a idade, mais efetivo os resultados desta intervenção ortopédica para a retrusão maxilar12. Após a correção ortopédica, a contenção (uso norturno da máscara de protração, da mentoneira, do aparelho de Fränkel para Classe III, ou do aparelho progênico) e o acompanhamento clínico são imprescindíveis para a manutenção dos resultados obtidos. Os pais devem estar cientes de que a resposta individual, neste tipo de má oclusão, não nos permite garantir que tratamentos futuros serão desnecessários. No entanto, sem dúvida alguma, a intervenção precoce, no mínimo, ameniza a complexidade da má oclusão estabelecida na dentadura permanente. 104 CASOS QUE NÃO DEVEM SER TRATADOS PRECOCEMENTE E IRREGULARIDADES TEMPORÁRIAS A B C D Finalmente, deve ficar claro que, em alguns casos, tratamentos precoces não são necessários ou apropriados. O bom senso profissional deve excluir casos em que a ortodontia preventiva e interceptora apenas aumentaria o tempo e o custo do tratamento, desgastando o paciente, em troca de um benefício mínimo. MOYERS 17 contra-indica a intervenção precoce quando não existe segurança de que os resultados serão mantidos; quando um melhor resultado pode ser conseguido, com menor esforço, numa outra época; ou quando a imaturidade da criança torna o tratamento impraticável. - Fase do “Patinho Feio” E F G H I J FIGURA 28A - J - Tratamento precoce da Classe III por deficiência maxilar empregando-se a expansão rápida da maxila seguida pela protração maxilar com a máscara facial. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 Na dentadura mista, o diastema interincisivos centrais e a inclinação distal das coroas dos incisivos laterais permanentes, no arco superior, são condições transitórias, pertencentes ao quadro de desenvolvimento normal da oclusão 10. Com a irrupção dos caninos superiores permanentes, durante o segundo período transitório da dentadura mista, fecha-se o diastema e normaliza-se a angulação dos incisivos laterais (FIG. 29 e 30). Portanto, a intervenção precoce, nesse caso, além de desnecessária, pode ocasionar a reabsorção radicular dos incisivos laterais, quando são pressionadas contra o folículo pericoronário dos caninos permanentes em processo de irrupção. Como toda regra apresenta suas exceções, o diastema interincisivos centrais pode ser fechado precocemente quando um ou ambos os incisivos laterais superiores permanecem retidos por falta de espaço 10. Neste caso, o movimento mesial dos incisivos centrais proporciona espaço e possibilita a irrupção espontânea dos incisivos laterais. 105 A B C D E F FIGURA 29 - A, B, C) fase do patinho feio caracterizada pela inclinação distal dos incisivos laterais superiores devido ao posicionamento dos germes dos caninos permanentes em irrupção; D, E, F) com a irrupção dos caninos permanentes no arco dentário, a inclinação dos incisivos normaliza-se e os diastemas fecham-se. FIGURA 30 - Esquema representativo dos processos de desenvolvimento ocorridos durante a fase do patinho feio. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial - v.4, n.6, p.87-108 - nov./dez. - 1999 106 - Classe III por prognatismo mandibular A Classe III caracterizada por um prognatismo mandibular apresenta um pobre prognóstico de tratamento precoce. O emprego da mentoneira altera o vetor de crescimento mandibular, diminuindo a expressão horizontal do mento às custas do aumento da altura facial ântero-inferior 16,20 . Além disso, seus efeitos se limitam ao período de tratamento, sem alterações definitivas no padrão de crescimento mandibular. Aliado ao limitado controle que os aparelhos podem exercer sobre o crescimento mandibular, o fato da má oclusão de Classe III agravar-se ao longo do crescimento 29, compromete ainda mais os resultados de um tratamento precoce. O surto de crescimento puberal, dado ao aumento da velocidade de crescimento mandibular, pode condenar o êxito de uma intervenção ortodôntica prévia. Portanto, em casos mais severos, a correção do prognatismo mandibular deve ser postergada para a fase final da adolescência, quando a maior parte do crescimento já se manifestou. A mecanoterapia com aparelhos fixos associada à cirurgia ortognática constituem a forma de tratamento mais adequada para estes casos, principalmente sob o ponto de vista estético e funcional. dentária, alcança-se uma melhora na estética facial por meio da retração dos incisivos superiores e inferiores, mediante a mecânica corretiva com extrações de quatro primeiros pré-molares. Desta maneira, contra-indica-se a abordagem precoce nestes casos. CONCLUSÕES Nos pacientes que apresentam má oclusão de Classe I com biprotrusão A presente discussão sobre o tratamento precoce confirma a citação de CHARLES TWEED 33, nos idos de 1960, de que “o conhecimento irá, gradualmente, substituir a mecânica severa, e em um futuro muito próximo, a grande maioria dos tratamentos ortodônticos será executada durante o período da dentição mista, do crescimento e desenvolvimento craniofacial, antes da difícil idade da adolescência”. A abordagem preventiva e interceptora das más oclusões tem demonstrado vantagens indiscutíveis, e apenas o comodismo ou o desconhecimento são capazes de ignorá-la. preventive and interceptive treatment advantages and disadvantages were shown, as long as the cases that should, that may and that shouldn’t be early treated. Uniterms: Orthodontics; Malocclusion; Primary dentition; Mixed dentition; Early treatment; Preventive and interceptive treatment; Treatment time. 05 - DALE, J.G. Direcionamento interceptativo da oclusão com ênfase no diagnóstico. In: GRABER, T.M.; VANARSDALL, R.L. Ortodontia: princípios e técnicas atuais. 2.ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1996 . Cap.6, p.264-346. 06 - DUGONI, S.A. Comprehensive mixed dentition treatment. Am J Orthod Dentofacial Orthop, v.113, n.1, p.75-84, Jan. 1998. 07 - HENRIQUES, J.F.C. et al. 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Estes casos demonstram resultados mais satisfatórios, principalmente em relação à estética, quando tratados cirurgicamente. - Classe I com Biprotrusão Abstract This article aimed to discuss the aspects related to malocclusions early treatment, for guiding the dentist actions concerning the primary and mixed dentition irregularities. Thus the Referências Bibliográficas 01 - ALMEIDA, R.R. et al. Mordida aberta anterior - considerações e apresentação de um caso clínico. Rev Dental Press Ortodon Ortop Facial., v.3, n.2, p.17-29, mar./abr. 1998. 02 - ALMEIDA, R. R. et al. Mordidas cruzadas anterior e posterior. Parte II Aparelho de Eschler. Relato de um caso clínico. Odonto Master: Ortodontia, v.1, n.2, p.21-33, 1994. 03 - ALMEIDA, R.R.; URSI, W.J.S. Anterior open bite. Etiology and treatment. Oral Health, v.80, n.1, Jan. 1990. 04 - ARVYSTAS, M.G. The rationale for early orthodontic treatment /Editorial/. Am J Orthod Dentofacial Orthop, v.113, n.1, p.15-8, Jan. 1998. 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