CLASSE E CULTURA NO ALTO IMPÉRIO ROMANO:
OS LIBERTOS DE PAUL VEYNE*
Claudiomar dos Reis Gonçalves**
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite feito pelo Prof.
Pedro Paulo, o qual possibilitou, hoje, estar aqui falando a vocês. Em segundo lugar, torna-se necessário ressaltar a importância de continuação de
nossos debates1 referentes à Antigüidade, agora possível também no CPA,
*
Conferência apresentada no IFCH, UNICAMP, a convite do CPA, em 05/06/98. Gostaria de
agradecer aos professores que, além de propiciarem-me várias leituras de seus artigos (publicados ou inéditos), proporcionando-me, em muitos momentos, a oportunidade de discussão,
influenciaram assim, direta e indiretamente, as reflexões aqui desenvolvidas: Ana Teresa Marques Gonçalves, Andrea Lúcia Dorini de Oliveira, Carlos Augusto Ribeiro Machado, Cláudio
Aquati, Fábio Faversani, Gilvan Ventura da Silva, José Miguel Arias Neto, Luciane Munhoz de
Omona, Luiz Otávio Magalhães, Marcos Breno Torri, Margarida Maria de Carvalho, Marisa
Correa Silva, Nelson Schapochnik, Norberto Guarinello, Pedro Paulo Abreu Funari, Regina
Maria da Cunha Bustamante, Renata Lopes Biazotto Venturini, Renata Senna Garraffoni, Sônia
Regina Rebel de Araújo. A responsabilidade pelas idéias limita-se a seu autor.
**
Professor de História Antiga. Departamento de História – Universidade Estadual de Londrina
– UEL – Londrina – PR – 86.051-970 – E-mail: [email protected]
1
O debate com outros pesquisadores iniciou-se em 1996 na UNESP de Franca/ SP, na XI
Semana de História, onde tive a oportunidade de confrontar minhas idéias com as dos professores Norberto Luiz Guarinello (USP) e Fábio Faversani (UFOP) em uma comunicação coordenada (“Um debate Brasileiro sobre o Satyricon”), e, posteriormente, com os professores Pedro
Paulo Abreu Funari (UNICAMP) e Norberto Luiz Guarinello em uma mesa-redonda no XIX
Simpósio Nacional de História “História e Cidadania” realizado na UFMG em 1997, intitulada:
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no intuito de que este se consolide como um espaço de discussão de idéias
e de troca de experiências entre diversos pesquisadores.
Minha análise estará diretamente relacionada ao texto de Paul
Veyne, Vie de Trimalcion, publicado na década de 60, pela revista Annales,
o qual, imagino, vocês tenham tido acesso anteriormente. Espero, por um
lado, convencer os alunos da importância da reflexão sobre a produção dos
textos e sobre a atividade da escrita e do diálogo, pois como já havia ressaltado Moses Finley a respeito da perspectiva historiográfica de Paul
Veyne, “Os historiadores, (...) mostram-se relutantes em analisar a si próprios e à sua atividade; deixam isso para os filósofos, cujos esforços, então,
desprezam como desconhecedores ou irrelevantes (ou ambos)” (Finley,1994:04). Por outro lado, espero demonstrar, finalmente, como a análise
deste autor está relacionada profundamente com nossa sociedade. Antes
disso, porém, é necessário fazer uma exposição sumária do texto em
questão.
O Texto
O texto de Paul Veyne2 inicia-se com a seguinte frase: “Apesar de
imaginária, esta vida merece ser levada a sério”. A partir daí, o autor vai
tomar o personagem do Satyricon, Trimalquião, como real e o próprio romance como um documento histórico. O texto tem o objetivo de contraporse a teoria de Mikhail Rostovtzeff, em sua História Social e Econômica do
“Os caminhos, problemas e desafios do ensino e pesquisa em História Antiga no Brasil”, cujos
textos foram publicados parcialmente no Boletim do CPA, ano II, n. 3, janeiro/junho de 1997.
2
Utilizarei a versão portuguesa, à qual o público teve acesso (Veyne, 1993).
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Classe e cultura no alto império romano: os libertos de Paul Veyne
Império Romano3, na qual Rostovtzeff propõe que os libertos fariam parte
de uma classe “burguesa” em ascensão. O personagem do Satyricon seria,
portanto, tomado como o contraponto dessa teoria.
É nessa perspectiva que o autor vai iniciar sua análise da trajetória do
liberto afirmando que Trimalquião não é nem um parvenu, nem capitalista e
muito menos burguês. Ele seria uma dessas almas cheias de energia, assim como Baudellaire define os heróis de Balzac, ou seja, seria aquele que
nunca chegou a lugar algum. A única coisa que tal liberto possui é sua arte
de ganhar dinheiro, ou seja, vê nos negócios sua razão de ser. O liberto
seria um ser sem memória, assim como também o seriam os negros americanos da época da colonização. Não teríamos como saber como Trimalquião se tornou escravo (o texto do Satyricon não nos informa). O autor, então,
levanta três hipóteses a este respeito: prisioneiro de guerra, escravo por
nascença ou pela miséria. Neste último caso, a escravidão seria uma válvula de escape para o excedente da sociedade, um lenitivo para aplacar a
miserabilidade.
Comprado por um Caio Pompeu, não foi conduzido aos trabalhos
agrícolas mas à familia urbana, onde entrou em íntima relação com seu patrão e com a patroa. Assim, a partir desse “servilismo patético”, se faz notar
pelos patrões aprendendo a ler e contar. Sobe na hierarquia da escravaria
chegando a dispensator, tesoureiro, visto a estrutura hierárquica romana
possibilitar aos escravos ambiciosos a conquista de melhores lugares. Segundo o autor, esta seria mais uma história vulgar, comum, pois o ideal dos
nobres coincidiria com o papel do pater : tudo fazer pelos seus seria uma
questão de honra. O interesse do patrão em dar instrução aos escravos, em
3
Encontrada no Brasil, geralmente, em sua tradução espanhola: ROSTOVTZEFF, M. História
Social y Económica del Imperio Romano. Madrid: Espasa-Calpe, 1937, Tomos I e II.
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ajudar os mais aplicados, encorajá-los, bastaria para explicar esta história.
Isto é o que Veyne denomina “ascensão por ‘curto circuito’”: não se procurariam talentos entre os homens livres e pobres mas entre os escravos; paradoxo próprio das sociedades nas quais predominariam as relações de
clientela e de dependência. Trimalquião teria atingido, pois, o auge de sua
“carreira” como escravo, tornando-se tesoureiro do imperador: continuar
sua ascensão, só saindo da escravidão.
Mas, para Veyne, como se definiria, na prática, a escravidão? A escravidão seria, segundo o autor, um estatuto jurídico e não uma condição
social: a barreira do nascimento dividiria homens livres e escravos e/ou libertos. Portanto, não haveria uma pirâmide de classes, mas realidades jurídicas e hierárquicas diferentes. No caso específico de Roma, haveria uma
diferença entre a liberdade real e a jurídica/formal, pois os libertos teriam
mais liberdade que os homens livres e pobres: por exemplo, no caso de
mercadores que tinham libertos como intendentes. Um outro fator que explicaria essa relação é que, como os negros na sociedade americana, os escravos na sociedade romana também seriam em maior número.
Assim, o liberto Trimalquião tomaria sua estrada lateral, tornando-se
livre através dos laços de dependência que estabeleceu com seus patrões.
Este “meteorito artificial”, fundado na tara do nascimento servil, se aproveitando da ausência de racismo se relaciona intimamente com o seus patrões, assim como na sociedade japonesa, onde o sexo faria parte das coisas menores e jocosas, longe das relações familiares, conjugais e sérias.
Além disso, possuir um puer delicatus faria parte do costume aristocrático (o
que mais tarde será imitado por Trimalquião). Na verdade seria de uso comum a adoção e criação de escravos como filhos, como prediletos a quem
se dava proteção e se legava certos bens. Em troca, o liberto deveria a
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obrigação, entre outras, de usar o “nome” do patrão para que este não se
extinguisse. Ao contrário de nossa sociedade, onde pensaríamos “sangue”
a Antigüidade pensaria “nome”.
De acordo com Veyne, quando o patrão morria e não deixava herdeiros, herdava o liberto. Além disso, muitos senhores libertavam seus escravos após a morte e lhes legavam certos bens como prova de amor e de
amor à ostentação. A liberdade dada ao escravo, em vida, geralmente se
dava por distinção e méritos de trabalho, e a forma do reembolso se dava
pela cobrança de certas funções econômicas. O Alto-Império seria o momento das chamadas “libertações em massa”, que tinham conseqüências
éticas, mas não econômicas. Neste caso, os libertos deixariam a família do
senhor e entrariam para a familia libertinorum, onde passariam a dever
certas obrigações, garantidas por lei, ao antigo senhor ou aos seus descendentes. É nesta situação que os libertos adquiriam um novo estatuto entre
os escravos: funções de comando entre os próprios escravos; ou seja, ascendiam dentro da “carreira”.
Seria este, portanto, o estrato social amante dos negócios, que teria
sido qualificado justa e injustamente, por Rostovtzeff, como “burguesia em
ascensão”. Esta seria a “lenda” criada pelo Satyricon.
Trimalquião não seria um liberto, mas um libertinus, ou seja, um liberto sem senhor, um liberto independente. Nesta sociedade, permeada de
valores, concepções, modos de vida e hierarquias estáticas, a promoção
não seria democrática. O liberto independente não poderia bater às portas
da boa sociedade, visto existirem vias específicas de mobilidade controladas pelos laços de dependência e clientela. Falar, então, em ascensão de
libertos como se fossem uma “burguesia” seria uma falácia, pois a liberdade
não significaria absolutamente nada já que, de forma geral, os libertos não
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seriam senhores de seus destinos. Libertos sem senhores seriam um acidente, um “buraco” na rede capilar de dependências, ao não possuírem raízes econômicas; era o patrão quem “criava” os homens livres, dependentes.
De acordo com Veyne, homens livres e escravos viviam na mesma
“mediocridade”, sendo a escravidão uma possível etapa para se atingir a
fortuna. Além disso, os libertos eram necessários por causa da diversificação da economia. Um exemplo disso é, que nos casos de tentativa de brusca ruptura das obrigações de clientela, se verificava a importância dos libertos. No tempo de Nero, o assunto foi tratado pelo Senado segundo o
direito romano, mas não se chegou a nenhuma conclusão, visto que estes
haviam se tornado uma peça importante na engrenagem social. O liberto
independente é, assim, um elemento da própria lógica da sociedade romana e os “libertos ingratos” constituem uma exceção. Isto teria gerado problemas em finais da República e no Alto Império.
Existiria um “espírito nobiliarquico” entre as elites, de “criar” libertos
no intuito de estes se tornarem os satélites da casa do senhor como clientes
dependentes. Entretanto, a freqüência de libertações em massa, multiplicou
o número de escravos independentes nas cidades mais importantes. O resultado disso era que o senhor libertava o escravo e depois se assustava
com a importância que este ganhava junto aos homens livres. Seria um escândalo a existência de ex-escravos demasiadamente ricos, pois a situação
real contradizia sua inferioridade teórica estatutária. Em vários textos da
época, os libertos seriam acusados de todos os males sociais, sendo o Satyricon um desses textos em particular. De acordo com Paul Veyne, estes
“buracos” acidentais nas redes de dependência, só seriam corrigidos a partir do século II, mais atento às barreiras sociais.
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Classe e cultura no alto império romano: os libertos de Paul Veyne
No Banquete de Trimalquião4, todos os libertos seriam ricos e dedicar-se-iam aos negócios. Seriam jogados na vida e obrigados a praticar um
ofício: visto não possuírem família, não podiam seguir um ofício “paterno”, o
que aconteceria entre os pobres. Aos ricos, era facultado o privilégio da escolha de um ofício. Portanto, essa seria uma “moral social” baseada na hereditariedade de condições da nobreza e na consciência popular. Os libertos seriam como os imigrantes russos que chegam à França e são colocados à margem, ficando rapidamente ricos. Da mesma forma, os libertos, por
não possuírem “raízes” não se inseriam no contexto, visto que esta hereditariedade de condições existia “desde sempre”.
A vida política seria dominada pela nobreza citadina, pelos seus libertos e dependentes. Os libertos eram, portanto, recrutados por possuírem
determinadas vocações: não possuírem ligações com a terra e possuírem
uma “forma mentis capitalista”, que se resumia em correr riscos, visando
unicamente o enriquecimento.
Esta categoria social de libertos, seria reprimida socialmente e, por
este motivo, necessitava remediar (substituir) a “tara de seu nascimento” e
livrar-se dos complexos sociais. Sua tipologia comportamental era baseada
em uma moral e ética próprias: esperteza, trabalho, crédito e lucro, chegando mesmo a arruinarem-se na busca pelo enriquecimento.
A nobreza, ao contrário, poria sua dignidade no governo citadino;
eram os homens políticos: os cives. Já a categoria dos libertos, seria como
um corpo estranho no meio social, podendo, no máximo, ser considerada
uma classe social em embrião que foi abortada5, desaparecendo obscura4
A chamada Cena Trimalchionis.
Note-se o vocabulário “orgânico”, com claras analogias ao organismo e seu funcionamento
biológico, como se a Sociedade fosse um “ser vivo”.
5
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mente no decurso do século III d. C. Não conquistaram coisa alguma. Não
fundaram dinastias. Fizeram parte de um “momento” da vida social, vivendo
na precariedade entre a plebe e a nobreza: nunca possuíram “consciência
de si”. O filho de um liberto seria livre: se fosse pobre seu destino era engrossar as fileiras da plebe; se possuísse protetores e fosse rico, iria se
fundir à nobreza adotando seu gênero de vida e seus ideais. Isso é o que
Veyne chama de “transformismo”, ou seja, a renovação das classes superiores sem alterar sua estabilidade. Os libertos não subiriam “da economia”:
iriam em direção a ela, seriam um prolongamento obscuro da elite e, como
tal, acabariam sobrevivendo e se extinguindo por desejo desta. Viveriam,
pois, um destino sem horizontes.
Segundo Veyne, Trimalquião seria apenas mais um destes libertos:
herdou terras e as vendeu, na tentativa de ganhar mais dinheiro via comércio: tradição própria dos libertos. É um aventureiro que enriquece por sorte
ou por astúcia. Possui, assim, um aspecto particular de ordem moral: a cobiça. Vive para falsear a ordem natural, jogando com os preços e se aproveitando da carestia. Petrônio, neste aspecto, embora pouco informado sobre esta categoria social (conseguindo apenas inserir generalizações de
caráter proverbial), teria conseguido apreender suas implicações morais.
Quando Trimalquião enriquece, deixa os negócios e passa a emprestar dinheiro aos libertos e, o que é mais importante, compra terras justamente
porque a terra é a única coisa que nobilitava, e ele tinha pressa de viver
como um nobre. Portanto, a marca do êxito social não seria o dinheiro: o
que daria valor social seria a terra. Como diria Cícero6, só a riqueza fundiária torna um homem digno.
6
No De Oficiis 1.150-1. Interpretação compartilhada, inclusive, por Moses Finley (Finley, 1986:
53 e sgs)
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Classe e cultura no alto império romano: os libertos de Paul Veyne
Seria, assim, que Trimalquião passaria a não ter profissão, pois não
ter ofício seria viver nobremente – e a própria nobreza seria o objetivo final
da vida humana. Até mesmo o censo seria baseado na riqueza fundiária: a
usura não tinha nada de desonroso e o comércio desclassificaria. Portanto,
este liberto “suscita magicamente” uma condição que não é real: está preso
a sua condição de nascimento e, por este motivo, não faria parte da “boa
sociedade dos homens livres”.
Assim, pode-se adotar o gênero de vida de uma classe sem pertencer a ela, até mesmo sem pretensão alguma: isso era apenas uma questão
de dinheiro. Contudo, o que separaria Trimalquião da boa sociedade não
seria o dinheiro, nem sua vulgaridade, mas seu estatuto: não era um cidadão, e isto o separava da nobreza municipal e eqüestre. Ele não chegou a
lugar algum e muito menos possuía filhos que, algum dia, pudessem chegar. Teria sido um Princeps Libertinorum, ou seja, o primeiro entre os libertos. Imitava os ricos da época, mas também adquiriu os gostos de sua própria categoria como, por exemplo, os jogos de circo. Seus valores (mérito
pessoal, dinheiro, riqueza, lucro, etc.), definiriam suas relações com as
classes inferiores e trairiam sua inferioridade, pois proclamavam seu destino de sorte: o “berço”, o nascimento, não contava.
Petrônio teria captado a situação sócio-psicológica, demonstrando o
medo do desprezo e a interiorização do juízo dos outros. Assim, estes libertos cairiam em desgraça, pois se julgariam a partir dos princípios sociais
dos homens livres. Segundo o autor, longe de provocar rebeldia ou uma
“luta de classes” (coisa impensável na época), a consciência de inferioridade por parte dos dos libertos, supõem sua aceitação da ordem existente:
humilhados não se rebelam, mas se conformam. Não se sentiriam privados
e nem frustrados, pois a frustração é um sentimento típico dos que se conBoletim do CPA, Campinas, nº 5/6, jan./dez. 1998
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sideram privados de algo sobre o qual se julga possuir direitos. Os libertos,
não procurariam nenhum lugar pois estariam bem neste, visto que ninguém
punha em discussão as barreiras de classe: todos tinham o seu lugar.
Trimalquião, portanto, só poderia pensar em um futuro “imaginário”:
uma “boa sociedade ilusória” adaptada ao mundo dos libertos. Sua categoria social seria comparável àquela formada entre os negros nos Estados
Unidos (separados dos brancos pela segregação racial), ou seja, um extrato
social de “milionários de cor” que a “boa sociedade burguesa e branca”
mantêm à distância. Apenas na imitação encontrariam uma compensação
que substituísse o sentimento de inferioridade de nascimento. Sua existência
seria um “reino de ilusões”, um perene carnaval que esconderia uma angústia
secreta. Trimalquião seria, assim, a nobreza dos libertos. Colocaria o sentido
de sua vida na imitação dos homens livres; não teria consciência autônoma;
viveria em um universo “resplandecente e ilusório” no qual se esforçaria por
acreditar, visto não encontrar lugar nos papéis que lhe ofereciam a sociedade.
Portanto, e finalmente, o Satyricon desmentiria, segundo Veyne, a teoria de Rostovtzeff. A Sociedade Romana não teria estruturas capitalistas,
pois não existiria mentalidade capitalista. O mundo descrito por Rostovtzeff,
quando comparado com o Satyricon, pareceria irreal como os corpos daqueles que não têm sombra7.
A Análise
7
Abordagem que retoma vários argumentos de Veyne, pode ser encontrada em Andreau (Andreau, 1992)
244
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Classe e cultura no alto império romano: os libertos de Paul Veyne
Após esta exposição do texto de Paul Veyne, é necessário ressaltar a
infelicidade das comparações que deixam transparecer um certo “racismo”,
no que se refere aos negros americanos e aos russos que emigraram para
a França. Pelo menos é possível visualizar o que o autor entende por “boa
sociedade” em Roma, nos Estados Unidos e na França: branca, com raízes, que fundam dinastias, uma sociedade baseada na hereditariedade do
“sangue”. Quando o autor diz, “onde pensamos ‘sangue’ a Antigüidade pensava ‘nome’”, comete um pequeno equívoco interno, visto que, como ele
mesmo afirma, o grande fosso que torna os libertos impossibilitados de participarem da boa sociedade, de não conseguirem sair de seu estatuto jurídico, no final, resume-se tão somente a sua condição de nascimento. Ou
seja, ainda seria o sangue o elemento de distinção entre os homens: aquilo
que se estabeleceria como fundador/mantenedor das hierarquias.
Do meu ponto de vista, um primeiro elemento que devemos abordar
com rigor, é a utilização e caracterização da fonte utilizada por Paul Veyne.
O Satyricon não é um “documento” nem no sentido que assim o entendiam
os positivistas8, ou seja, não possui a qualidade de, por seu próprio conteúdo, “mostrar as coisas tal como, realmente, aconteceram”9: é um romance.
Quero dizer com isto que este possui uma lógica interna própria, um motivo
pelo qual as coisas apareçam colocadas desta ou daquela forma: resumindo, ele é como qualquer “fonte” ou “evidência”, não se explica simplesmente
pela crítica interna e externa ao documento (muito embora essas sejam necessárias!). Mais que isto, se faz necessário utilizar de abordagens desen-
8
Os historiadores da “Escola Metódica” (Reis, 1995).
Veja-se Funari : “Documentos: análise tradicional e hermenêutica contemporânea” (Funari,
1995: 14-22).
9
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volvidas pela crítica literária10, sociologia da literatura, semiótica, antropologia, e mesmo pelas abordagens dentro do próprio campo historiográfico que
vêm se desenvolvendo a algumas décadas. Mesmo assim, o Satyricon
permanece uma obra sui generis, visto que a complexidade de se estabelecer a usual tríade autor-obra-público, acarreta uma série de dificuldades aos
estudiosos no que se refere à aplicação de qualquer abordagem hermética11.
Assim, não é unânime que o autor da obra seja Titus Petronius Niger,
sufragado em 62, e identificado em uma tabuinha encontrada em Herculano, em 1946. Ao contrário, o número dos prováveis autores da obra, gira em
torno de dezesseis possíveis Petrônios, sendo que alguns estudiosos resolveram trabalhar com a hipótese de que fariam a análise de uma obra cujo
autor se tornou conhecido pelo nome de Petrônio (Gonçalves, 1995). Sabese que o autor, seja lá quem for, ao contrário do que afirma Veyne, possuía
um grande conhecimento das influências populares e orientais (Hadas,1929; Perrochat,1961) na linguagem utilizada pelos libertos (Aquati,1991, 1994, 1995 e 1997). Outro importante dado, é que não temos idéia
a que público se dirigia o texto ou mesmo suas funções. Alguns identificaram o público a que se destinava o livro como a “Corte de Nero” ou a nobreza em geral, tendo por função o puro divertimento das elites, o que é
impossível de verificar, visto que esta fonte só é mencionada pela tradição
textual apenas em finais do século III e inícios do IV.
10
Existe uma ampla bibliografia sobre o assunto em termos nacionais e internacionais. Apenas
em território nacional, entre as produções recentes, cabe destacar os trabalhos de Paulo Roberto Guapiaçú, Salvatore D’Onófrio, José Guimarães Mello, Edson Lourenço Molinari, Ariovaldo Augusto Peterlini e Cláudio Aquati, entre outros. Em termos internacionais, não caberia,
aqui, a exposição de autores que se dedicam ao tema de um ponto de vista literário (o número
desses autores é enorme!). Ademais, nos autores brasileiros citados encontram-se as referências internacionais básicas sobre o tema.
11
A não ser que se aceite umas das tradições que, “tradicionalmente”, se remetam a obra.
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Classe e cultura no alto império romano: os libertos de Paul Veyne
Quanto ao tratamento dado a seus personagens, é importante ressaltar que se trata de um romance que possui um personagem principal, e
que este faz o papel de narrador12 na obra: Encôlpios, um homem livre, um
estudante das “belas letras” (História, Filosofia, Literatura, etc.). Nesta condição, de aluno, este personagem é convidado ao Banquete na casa do liberto-rico Trimalquião13, e é nesta condição que Encôlpios é humilhado e
desprezado pelos libertos presentes. Quero dizer com isto que os chamados “sentimentos de inferioridade” tão ressaltados por Paul Veyne, são os
sentimentos do narrador. É o narrador que não encontra um “lugar” naquela
realidade social14.
Além da própria fonte não ser analisada em sua lógica interna, existe
um certo recorte bem operado entre outras fontes. Por exemplo, na passagem citada como “tentativas de bruscas rupturas nas obrigações devidas
aos patronos pelos libertos”, a fonte deveria ser citada em sua parte importante: Tácito, nos informa, nos Anais XIII, 26-27, que a discussão se travou
no Senado entre os que eram a favor de reduzir os libertos novamente à
escravidão e os contrários a essa idéia. A solução foi que se tratasse do
assunto caso-a-caso e que não se deveria promulgar uma lei geral pois “era
muito grande a classe dos libertos, e dela se constituíam as tribos, as decúrias, e toda a categoria dos empregados, magistrados e sacerdotes, assim
como as coortes recrutadas nas cidades, e muitos cavaleiros e senadores
não tinham outra origem (...)”15. Além disso, na época do Imperador Cláudio
12
Veja-se Cândido et alii ( Cândido, 1987).
Uma análise comparativa possível é aquela que estuda as inscrições de época romana (Quiroga, 1991; D’Arms, 1981) ou com relevos funerários (Gonçalves, 1996). Assim, torna-se também possível verificar a verossimilhança da obra com um suposto real.
14
Cf. Keith Hopkins (Hopkins, 1965 e 1993).
15
Um outro recorte está relacionado com a tomada do termo “cicaro” (“menino querido”) por
“puer delicatus” (“menino gostoso, delicado”). Veja-se Veyne, p. 17: “É o que faz pelo seu puer
13
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já havia surgido um problema com os libertos ingratos (Suetônio, XXV, 3) e,
antes disso, a lei Aelia Gentia, do ano 4 d. C., permitia ao senhor desterrar
seus libertos até cem milhas de distância ou mesmo condená-los a trabalhos forçados. Assim, é possível visualizar um processo no qual os libertos
vão, paulatinamente, forçando a transformação de suas relações reais junto
aos seus patroni16.
Eis uma diferença marcante em relação à abordagem de Paul Veyne:
para este, onde existe a lei, existe a ordem17. A lei não reflete uma “demanda por mais ordem”, não é tomada como uma forma de “controle e disciplinamento das coisas, das idéias e dos cidadãos” (Alves, 1996:36): ela é o
delicatus um dos libertos do Satyricon...” (cf. ERNOUT, Alfred. Pétrone. Le Satiricon. Paris: Les
Belles Lettres, 1962, XLVI, 3 , (“Et iam tibi discipulus crescit cicaro meus”).
16
Autores como Nicholas Horsfall discordam radicalmente da abordagem que visa reforçar os
ideais das elites romanas, ideais reforçados em quase toda a literatura sobre o Satyricon. De
acordo com Funari (Funari, 1998), Horsfall, “denuncia o “coro uníssono de desprezo” pela cultura popular romana (pp. 33-34). Segundo o modelo dominante, a grande maioria, vítima das
necessidades econômicas, da prepotência aristocrática e da instrumentalização política, estaria
condenada ao analfabetismo e à ignorância, depauperada intelectual e culturalmente. Horsfall
discorda radicalmente deste esquema e prefere propor um modelo bipolar (pace Ginsburg): “há
bons motivos para aceitar a existência de uma outra cultura ‘paralela’, popular, também essa
rica e vigorosa, à sua maneira, fundada não sobre os textos literários, mas sobre a música, as
canções, o teatro, a memória, os jogos” (p.34). Ainda contra a corrente, característica, aliás,
marcante do livro, o autor não concorda com a interpretação canônica (e.g. Walsh), segundo a
qual Petrônio, no Satyricon, apresenta os libertos como dignos de desprezo, mas, ao contrário,
os libertos aparentam amar seu modo de falar, assim como demonstram usar com entusiasmo
e com criatividade sua língua. Não se consideravam ignorantes, no plano lingüístico, mas criativos (p.38)”.
17
Andrea Carandini já apontava algumas contradições nas abordagens de Veyne: “Non è quindi facile inquadrare Veyne in modo preciso nella storia del suo tempo. Nelle grandi linee – senza scendere nella tipologia di diversi gruppi intellettuale – mi sembra ch’egli sai uno dei risuscitatori del soggettivismo neopositivista di R. Aron (...) – ma i precedenti risalgno a Weber, Rickert e Dilthey (...). Per altro verso il nostro Autore, che si definisce antistrutturalista, há una
visione dualistica della realtà non lontana da quella di Lévi-Strauss: da una parte l’essenziale,
l’ordine, il necessario, lo strutturale (la scienza di Veyne); dall’altra il superficiale, il disordine,
l’acidentale, l’eventuale (la storia di Veyne)” (Carandini,1979: 351). Além destes problemas, de
seu “conservadorismo” e “bizantinismo”, “Alla visione limitata della storia di Veyne non poteva
non seguire una idea limitata della figura dello storico (...). Lo storico neutrale di Veyne non
deve distinguere figure e movimenti che abbiano reppresentato validamente una situazione
reale da figure e movimenti che abbiano espresso la realtà com coscienza deformata. Nel racconto di un itinerario, che è la storia, tutte le tappe sarebbero uguali ”. (idem, 352)
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Classe e cultura no alto império romano: os libertos de Paul Veyne
reflexo de uma “verdade” social que existe “desde sempre”. Assim, não
existe luta de interesses, nem de classes, nem de categorias sociais, nem
de ordens18. Existe ordem19! Esta seria a única utopia possível entre a imitação e a compulsão20. É por este motivo que este “embrião de classe social”, que teria aspectos do capitalismo comercial, atinge apenas uma pequena fase de, mais ou menos, uns 300 anos dentro do império: ressalte-se,
metade da História do Brasil!
Neste sentido, é impossível existir qualquer “classe”21, visto que para
Paul Veyne não existe “consciência de classe”22, revolucionária, não existe
utopia imaginável além daquela proporcionada pelas regras ditadas pelas
elites aristocráticas23. Os libertos são seres “sem memória”, iguais a nós.
Existe o simulacro, a imitação, a imagem; não existe um processo históri-
18
Contra esta interpretação, veja-se Hopkins (Hopkins, 1965) e Weawer (Weawer, 1967).
Atualmente alguns historiadores propõe a utilização do termo “desordem” para explicar a
mobilidade social que possuiu como efeito o antagonismo entre as classes sociais romanas
(Mouritsen, 1996).
20
Cláudio Aquati considera que “ o fato de Trimalquião e outros libertos revelarem seu passado
de escravo não seja escolha sua, mas um hábito, uma compulsão que não conseguem esconder ou de que não se podem livrar, ou melhor, é uma atitude da qual eles nem se dão conta,
pois do contrário seguramente fariam questão de negar para assim agir de outra forma, segundo sugere sua psicologia mostrada (ou recriada) por Petrônio” (Aquati, 1997:211 – nota n. 291).
Todavia, o autor não se arrisca a “estender para os libertos de maneira geral o retrato criado
por Petrônio” (Idem, Ibidem).
21
Mario Mazza propõe uma outra forma de se entender o conceito de classe social, a partir do
redimensionamento de elementos teóricos marxistas (Mazza, 1978).
22
Quanto a utilização mecânica do conceito de classe social, veja-se Annequin (Annequin,
1978).
23
Weawer demonstra que os critérios de competência profissional exigidos aos libertos na
administração do Império é a causa de um constante conflito entre libertos e aristocracia: “The
secret of administrations’s success is revealead as a kind of class struggle: the true Roman
equestrians against the upstart oriental freedmen, with virtue and superior breeding, but not
necessarily superior intellect or education, inevitably winning the day” (Weawer, idem, p. 18).
Neste sentido, Carandini já apontava que a interpretação de Veyne torna os valores da classe
dominante, o bem comum de toda a sociedade: “Per altro verso, il dotto non ha alcuna missione da svolgere: deve pertanto guardarsi dal conservare i valori di una civiltà trasformandoli da
monopolio delle classi dominanti in bene comune di tutta una società”. (Carandini,1979:352).
19
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co24, visto não existir sujeitos históricos. A sociedade é perpassada por micropoderes25 os quais criam múltiplos espaços demarcados: são os espaços, de acordo com Marilena Chauí, “incopossíveis” (Chauí,1992: 31-32).
Estes espaços “colidem, se excluem e, no entanto, coexistem”.
O texto de Veyne, e aqui podemos considerar também aquele existente na História da Vida Privada26, nos coloca espaços existindo simultaneamente, sem nenhuma comunicação possível além daquela estabelecida
pela lei. A única relação possível, com estes vários espaços, é a de espectador. “Cada espaço com sua lógica própria”. Entretanto, na falta da existência de um referencial comum que consiga dar lógica e sentido à abordagem, utiliza-se de referenciais pessoais: como diria Hobsbawm (1998:211),
“Há somente uma voz e uma concepção: a do autor”. Os libertos são, assim, um dos elementos dessa “pós-modernidade romana”, “vivendo no tempo do Espírito Santo: tudo é imaterial... tudo flui... nada bate em nada...
voa... voa... imaterialmente, como se fosse o espírito que paira sobre as
águas” (Chauí, idem, p. 32). A História não é, nesse sentido, uma “resposta
(elaborada evidentemente por meio dos documentos) a uma pergunta que
se faz ao passado” (Marrou,s/d:53), ela é a tentativa de descrição da facticidade do fato, criado pela ficção e, sendo assim, não se pode “evitar a (...)
acusação de ‘positivismo’” (Hobsbawm, idem:210).
Não é por acaso que o texto de Veyne, na História da Vida Privada,
retome a análise do Vida de Trimalquião: a coleção dirige-se ao consumo
24
Crítica que já era dirigida, também, por Mario Mazza, à obra de Moses Finley (Mazza,
1978:506).
Talvez, uma versão melhor elaborada deste conceitual, sejam as chamadas “relações diretas
de poder” de Fábio Faversani em sua dissertação de Mestrado, inspirada na Escola de Cambridge (Faversani, 1995). Veja-se, também, a crítica elaborada por Faversani à Paul Veyne:
págs. 158-163.
26
VEYNE, Paul. (org.) História da Vida Privada 1. Do Império Romano ao Ano Mil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991.
25
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da sociedade pós-moderna, criando a “imagem” de uma sociedade romana
baseada em uma concepção weberiana de “sociedade administrada” (Jameson,1996:225). A análise de Veyne é o simulacro de nossa sociedade;
demonstra as “maneiras pelas quais as ideologias conscientes de revolta,
revolução e até de crítica negativa são – mais do que meramente cooptadas
pelo sistema – parte funcional das estratégias internas do próprio sistema”
(idem, 216). Teríamos, assim, uma sociedade romana que por “mágica”
(MacMullen apud Funari, 1998:2-3), pela superioridade cultural, dominaria a
todos: algo parecido com a mundialização da cultura americana.
Cultura, aqui, seria como uma certa doença que se contrai e corrói o
cérebro: talvez uma espécie de arte pós-moderna: a arte não imitaria a vida,
mas qualquer coisa ditada pelas elites (talvez a moda!). Mais que isso, cultura não seria mais “as estruturas de significado através das quais os homens dão forma à sua experiência”27 (Geertz, 1989:207), e muito menos
práticas que definem um certo habitus28, como o entendia Pierre Bourdieu
(Bourdieu,1983: 83-121), mas o simulacro de uma idéia a ser conformada e
consumida como legítima e única.
Esta é uma das formas que assume o discurso histórico atualmente29:
um “instrumento de poder” de efeito “normativo” (Guarinello, 1994:185) que
se torna, cada vez mais, um produto de consumo e do habitus científico.
Quanto mais se consome, mais se produz, mais se acumula capital científico, mais se adquiri prestígio e status. Assim, como na velha e boa tradição
27
Portanto, “esperteza, trabalho, mérito pessoal, crédito e desejo de lucro e de enriquecimento”, na análise de Veyne, perdem sua dimensão de “significados culturais” que poderiam determinar uma classe social (Mazza, 1978), para se tornarem determinantes de um “vício social”,
contraposto à “virtude” das elites Antigas e dos intelectuais contemporâneos.
28
Veja-se o emprego do termo aplicado à sociedade etrusca em Guarinello (Guarinello,
1986/87:49-62).
29
Alguns preferem designá-la “pseudo história” (Calhoun, 1993).
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positivista, agora sobre a roupagem neo-liberal, assumimos candidamente a
realização desse ideal oligárquico como verdadeiro, e jamais colocamos em
questão as condições sociais de sua realização30.
Finalizando, gostaria de fazer minhas as reflexões do professor José
Miguel Arias Neto31: “William Blake possui uma fórmula lapidar: a oposição
é a verdadeira amizade. Neste sentido não há amizade entre os membros
de uma oligarquia, apenas temor e companheirismo nas horas de fortuna.
Diz Étienne: ‘ (...) há uma espécie de boa-fé entre os ladrões durante a partilha do roubo – pois todos são pares e companheiros (...) e não querem,
desunindo-se, diminuir sua força.’
A amizade, na academia, é oposição, fundada na liberdade e no trabalho, conforme observa Marilena Chauí: ‘Trabalho da reflexão sobre a
matéria da experiência, trabalho da escrita sobre a reflexão e trabalho da
leitura sobre a escrita (...) O texto (...) engendra os textos de seus leitores
(...) O pensamento compartilhado. Outrora a filosofia o nomeava: diálogo’.
Iniciemos, pois este diálogo amigo e livre”.
Referências Bibliográficas
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UNESP/ Programa de Pós-Graduação em História, 1996.
30
Não se trata aqui da crítica moral, inútil e cristã, à sociedade de consumo: isto é uma constatação. Como já havia ressaltado Jean Baudrillard: “O discurso negativo constitui a residência
secundária do intelectual. Assim como a sociedade da Idade Média se equilibrava em Deus e
no Diabo, assim a nossa se baseia no consumo E (sic!) na sua denúncia” (Baudrillard,
1995:210).
31
Debate sobre o livro “O Eldorado”, em 01 de abril de 1998. Apresentação, p. 07 (manuscrito
inédito).
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