PROJETO LEITURA E DIDATIZAÇÃO
A MORENINHA
JOAQUIM MANUEL DE MACEDO
Possíveis dialogismos trabalhados neste Projeto:
1. Representações dos espaços naturais brasileiros (Leitura 1)
I. A ilha idílica e paradisíaca d’A Moreninha
II. O Brasil sob o olhar dos viajantes europeus
III. A natureza brasileira na prosa regionalista do
século XX
2. Amores de infância e promessas amorosas em língua portuguesa (Leitura 2)
I. Augusto e Carolina: fidelidade e constância amorosa
II. Daniel e Margarida: o cumprimento das juras
de amor eterno
III. Juramentos de amor na música popular
1
3. O indianismo na literatura romântica brasileira: entre a emoção, o heroísmo e a natureza (Leitura 3)
I. A história de Ahy e Aoitin em A Moreninha
II. A bravura do índio Peri
LEITURA 1
REPRESENTAÇÕES DOS ESPAÇOS NATURAIS BRASILEIROS
Vicente Luís de Castro Pereira
A primeira proposta de trabalho com o romance A Moreninha, sob uma perspectiva dialógica, parte do trabalho com
textos que tratam da natureza brasileira. O ponto de partida é a
apresentação da idílica ilha de Paquetá, espaço central no qual
se desenrola a trama de A Moreninha. O segundo e o terceiro
textos consistem nos relatos informativos e documentais feitos
por viajantes europeus que estiveram no Brasil: foram selecionados excertos da Carta de Pero Vaz de Caminha e dos estudos
acerca da terra brasileira feitos por Ferdinand Denis. Em segui-
2
da, um texto emblemático da fase regionalista do Modernismo
brasileiro é apresentado, com o objetivo de expor outras possibilidades de abordagem dos espaços naturais brasileiros: foi
selecionado um fragmento do primeiro capítulo de Vidas secas,
romance de Graciliano Ramos. Leia os textos com atenção, procurando identificar as relações estabelecidas entre eles, e reflita
sobre as questões propostas no decorrer da seção.
TEXTO 1
Capítulo III
Manhã do sábado
3
[...] Augusto pagou, despediu o seu bateleiro, que se foi
remando e cantando com os seus companheiros. Leopoldo
deu-lhe o braço, e, enquanto por uma bela avenida, orlada de
coqueiros, se dirigiam à elegante casa que lhes ficava a trinta
braças do mar, o curioso estudante recém-chegado examinava o lindo quadro que a seus olhos tinha e de que, para não
ser prolixo, daremos idéia em duas palavras. A ilha de... é tão
pitoresca como pequena. A casa da avó de Filipe ocupa exatamente o centro dela. A avenida por onde iam os estudantes a
divide em duas metades, das quais a que fica à esquerda de
quem desembarca está simetricamente coberta de belos arvoredos, estimáveis, ou pelos frutos de que se carregam, ou
pelo aspecto curioso que oferecem. A que fica à mão direita
é mais notável ainda: fechada do lado do mar por uma longa
fila de rochedos e no interior da ilha por negras grades de
ferro está adornada de mil flores, sempre brilhantes e viçosas, graças à eterna primavera desta nossa boa terra de Santa
Cruz. De tudo isto se conclui que a avó de Filipe tem no lado
direito de sua casa um pomar e do esquerdo um jardim.
Capítulo VI
Augusto com seus amores
– [...] Se deseja saber o mais interessante episódio da
minha vida, entremos nesta gruta, onde praticaremos livres
de testemunhas e mais em liberdade.
Eles entraram.
Era uma gruta pouco espaçosa e cavada na base de um
rochedo que dominava o mar. Entrava-se por uma abertura
alta e larga, como qualquer porta ordinária. Ao lado direito
havia um banco de relva, em que poderiam sentar-se a gosto
três pessoas; no fundo via-se uma pequena bacia de pedra,
onde caía, gota a gota, límpida e fresca água que do alto do
rochedo se destilava; preso por uma corrente à bacia de pedra estava um copo de prata, para servir a quem quisesse
provar da boa água do rochedo.
Foi este lugar escolhido por Augusto para fazer suas
revelações à digna hóspeda.
O estudante, depois de certificar-se de que toda a companhia estava longe, veio sentar-se junto da sra. d. Ana, no
banco de relva, e começou a história dos seus amores.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha.
São Paulo: Saraiva, 2008. (Clássicos Saraiva).
I. A ilha idílica e paradisíaca d’A moreninha
1. Os excertos reproduzidos nas páginas anteriores apresentam descrições espaciais1 e permitem desenvolver reflexões a
respeito do romance de Joaquim Manuel de Macedo.
a) Que aspectos naturais são ressaltados na descrição da ilha
onde se passa a maior parte da história?
b) Qual o efeito causado pela escolha da ilha como cenário
principal de ambientação do romance?
c) Mesmo não sendo explicitamente nomeada no romance,
desde a publicação do livro sabe-se que o espaço a que o autor se refere é a ilha de Paquetá – na Baía de Guanabara –,
a única ilha da região que corresponde às indicações fornecidas pelas descrições. Por que motivo o autor não indicou
explicitamente o nome da ilha em seu romance?
1 Descrições espaciais: expressão relativa ao espaço, ao lugar no qual os fatos narrados
se desenrolam.
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d) Qual a importância da gruta no contexto do romance?
Que sugestões simbólicas estão implicadas na configuração
desse espaço?
e) De que maneira as descrições espaciais dos trechos selecionados estão vinculadas à tendência nacionalista do Romantismo brasileiro?
TEXTO 2
5
Esta terra, senhor, me parece que da ponta que mais
contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem,
de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que
haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem,
ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas
vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito
cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é tudo praiapalma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu,
vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não
podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia
muito longa. Nela, até agora, não pudemos saber que haja
ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem
lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre Doiro e Minho,
porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.
Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que,
querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas
que tem. Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me
parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal
semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que aí não
houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação
de Calicute, isso bastaria. Quanto mais disposição para se
nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber,
acrescentamento da nossa santa fé.
CORTESÃO, Jaime. A carta de Pero Vaz de Caminha.
Lisboa: Portugália, 1967.
TEXTO 3
Quando Américo Vespúcio chegou ao Brasil, ele, que já
havia visitado várias regiões da América Meridional, não hesitou, segundo as regras recebidas da cosmografia sagrada, em
crer que estava na vizinhança do paraíso terrestre. Por mais
poética que possa ser a preocupação do antigo viajante, não há
de parecer talvez exagerada aos que têm contemplado a fértil
abundância desta magnífica região. Efetivamente, a estas paisagens tão bem desenhadas, com contornos tão pitorescos;
esses grandes rios, que se lançam no mar, por entre verdejantes florestas de mangueiras; essas inumeráveis palmeiras, que
deixam entrever a grandeza respeitável das antigas florestas; a
amenidade habitual da atmosfera; a pompa da vegetação; a cor
brilhante dos pássaros e dos insetos; tudo, ao primeiro aspecto,
devia produzir a idéia religiosa e poética dos primeiros navegantes.
[...]
A Ilha de Joanes, ou de Marajó, que interrompe de maneira tão pitoresca a embocadura do Amazonas, ou, para melhor dizer, que se eleva entre o Tocantins e o Maranhão, não tem menos
de vinte e sete léguas portuguesas de norte a sul e trinta e sete de
leste a oeste. É banhada por vários rios, e o solo, em quase toda
a sua extensão, é de uma fecundidade prodigiosa. [...] O que há
de positivo é que a Ilha de Marajó é o território mais produtivo
da província, e que se podia avaliar em seiscentos ou novecentos
mil francos o imposto que dela tirava anualmente o governo;
além disso, é deste distrito que Belém extrai seus víveres. [...]
As terras banhadas pelo Amazonas e pelo Orenoco são
uma região de maravilhas; tem-se aí tudo exagerado. A Ilha
de Marajó não é exceção a esses contos fantásticos [...]
DENIS, Ferdinand. Brasil.
Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1980.
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II. O Brasil sob o olhar dos viajantes europeus
2. A imagem paradisíaca da ilha de Paquetá, apresentada
por Joaquim Manuel de Macedo em A Moreninha, permite
a visualização de um espaço natural muito próximo do lendário Jardim do Éden. A equiparação “desta nossa boa Terra
de Santa Cruz” ao paraíso das escrituras bíblicas é um lugarcomum nos relatos informativos dos viajantes europeus que
estiveram no Brasil, aparecendo em diversas crônicas e poemas produzidos no decorrer do período colonial. Tomando
por base o trecho extraído da Carta de Pero Vaz de Caminha,
documento considerado a “certidão de nascimento” do Brasil,
responda às questões propostas a seguir:
a) Qual é a principal função da Carta de Pero Vaz de Caminha? A quem ela se dirige?
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b) De que forma a terra brasileira é apresentada pelo cronista?
3. O francês Ferdinand Denis (1798-1890) viveu alguns
anos no Brasil e dedicou-se ao estudo da natureza e dos
costumes da terra brasileira. Defendendo a relação entre
a necessidade de estabelecimento de uma literatura genuinamente nacional e as especificidades naturais e sociais do Brasil, Denis realizou uma descrição minuciosa
da natureza peculiar e exótica dos trópicos. Com base na
leitura do fragmento apresentado, reflita sobre as questões a seguir:
a) Segundo Denis, o que explicaria a identificação, feita pelos
primeiros navegadores europeus, das terras brasileiras com
o paraíso terrestre?
b) Que elementos Denis ressalta na descrição da ilha de Marajó? Sob que perspectiva a descrição é feita?
4. Qual é a semelhança entre as descrições dos espaços naturais brasileiros feitas pelos viajantes europeus e as caracterizações espaciais do romance de Macedo?
TEXTO 4
Mudança
Entrava dia e saía dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidões do poente.
Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos
agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração de Fabiano bateu junto do coração de Sinha
Vitória, um abraço cansado aproximou os farrapos que os
cobriam. Resistiram à fraqueza, afastaram-se envergonhados, sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de
perder a esperança que os alentava.
Iam-se amodorrando e foram despertados por Baleia,
que trazia nos dentes um preá. Levantaram-se todos gritando. O menino mais velho esfregou as pálpebras, afastando
pedaços de sonho. Sinha Vitória beijava o focinho de Baleia,
e como o focinho estava ensangüentado, lambia o sangue e
tirava proveito do beijo.
Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria a morte
do grupo. E Fabiano queria viver. Olhou o céu com resolução. A nuvem tinha crescido, agora cobria o morro inteiro.
Fabiano pisou com segurança, esquecendo as rachaduras
que lhe estragavam os dedos e os calcanhares.
[...]
Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais
um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou
que a água marejasse e, debruçando-se no chão, bebeu
muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro,
havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no
céu. O poente cobria-se de cirros – e uma alegria doida
enchia o coração de Fabiano.
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Pensou na família, sentiu fome. Caminhando, moviase como uma coisa, para bem dizer não se diferençava muito
da bolandeira de seu Tomás. Agora, deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim teria levado a bolandeira de
seu Tomás?
Olhou o céu de novo. Os cirros acumulavam-se, a lua
surgiu, grande e branca. Certamente ia chover.
Seu Tomás fugira também, com a seca, a bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia
porque, mas era. Uma, duas, três, havia mais de cinco estrelas
no céu. A lua estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover.
Bem. A catinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao
curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta.
Chocalhos de badalos de ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras,
Sinha Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.
Lembrou-se dos filhos, da mulher e da cachorra, que
estavam lá em cima, debaixo de um juazeiro, com sede. Lembrou-se do preá morto. Encheu a cuia, ergueu-se, afastou-se,
lento, para não derramar a água salobra. Subiu a ladeira.
A aragem morna sacudia os xiquexiques e os mandacarus.
Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na catinga, uma
ressurreição de garranchos e folhas secas.
[...]
A lua crescia, a sombra leitosa crescia, as estrelas foram
esmorecendo naquela brancura que enchia a noite. Uma,
duas, três, agora havia poucas estrelas no céu. Ali perto a
nuvem escurecia o morro.
A fazenda renasceria – e ele, Fabiano, seria o vaqueiro,
para bem dizer seria dono daquele mundo.
Os troços minguados ajuntavam-se no chão: a espingarda
de pederneira, o aió, a cuia de água e o baú de folha pintada. A
fogueira estalava. O preá chiava em cima das brasas.
Uma ressurreição. As cores da saúde voltariam à cara
triste de Sinha Vitória. Os meninos se espojariam na terra
fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A catinga ficaria verde.
Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como não
podia ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a
hora de mastigar os ossos. Depois iria dormir.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas.
Rio de Janeiro: Record, 2006.
III. A natureza brasileira na prosa regionalista do século XX
5. O trecho da página anterior foi extraído do romance Vidas
secas, de Graciliano Ramos. Trata-se de uma obra representativa da produção ficcional regionalista da segunda fase do
Modernismo brasileiro (1930-1945). O espaço desempenha
papel fundamental na configuração desse romance, apresentando-se como um local hostil para a família de retirantes
nordestinos que protagoniza a história. Com base na leitura
desse fragmento e levando em consideração as discussões
acerca das representações literárias dos espaços naturais
brasileiros desenvolvidas nos itens anteriores, reflita sobre
as questões propostas a seguir:
a) Sob que perspectiva é feita a descrição do árido sertão nordestino brasileiro? De que forma o espaço influi na ação das
personagens?
b) É possível afirmar que o retirante Fabiano é capaz de interpretar os sinais do tempo? Justifique sua resposta com
exemplos que evidenciem a relação de Fabiano com o espaço
que o cerca.
c) É possível afirmar que Fabiano idealiza, em sua mente, o
espaço em que gostaria de viver e, por conseguinte, a vida
que gostaria de ter? Justifique sua resposta.
d) Que diferenças podem ser verificadas entre a caracterização do espaço natural brasileiro no romance regionalista
de Graciliano Ramos e no romance romântico de Joaquim
Manuel de Macedo?
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LEITURA 2
TEXTO 5
AMORES DE INFÂNCIA E PROMESSAS AMOROSAS EM LÍNGUA PORTUGUESA
Capítulo VII
Os dois breves, branco e verde
O percurso pelas possibilidades de leitura do romance
A Moreninha, em diálogo com outros textos, prossegue nesta seção a partir de um novo eixo orientador. Levando em
consideração a temática amorosa da obra, serão destacados
trechos relacionados ao juramento de amor eterno feito pelos protagonistas, Augusto e Carolina, quando ainda eram
crianças. É preciso observar que a fidelidade a essa promessa tornou Augusto um jovem inconstante em suas relações
amorosas, na medida em que procurava manter-se firme ao
sentimento nutrido e jurado na infância.
À mesma ordem de comprometimento está ligado o
amor de Daniel e Margarida, casal que protagoniza As pupilas
do senhor reitor, romance português de autoria de Júlio Dinis.
Novamente as peripécias romanescas giram em torno da aparente inconstância amorosa do rapaz e da fidelidade eterna
jurada ao primeiro amor. Um final feliz também aguarda esse
casal, após a superação de uma série de obstáculos que colocam à prova a força e a sinceridade de um antigo amor.
Finalmente, esta seção apresenta duas canções pertencentes ao repertório da música popular brasileira, nas quais
as juras e promessas de amor eterno são reiteradas. Em primeiro lugar, sugere-se um trabalho com o samba intitulado
Jura, composto por José Barbosa da Silva (Sinhô). Em seguida, propõe-se o estabelecimento de relações dialógicas com
Eu sei que vou te amar, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
Leia com atenção os textos selecionados e reflita sobre
eles, respondendo às questões propostas a seguir.
Ouvindo a sua voz harmoniosa e vibrante, eu não quis
saber de fluxos nem refluxos de ondas; corri para elas com
entusiasmo e, radiante de prazer e felicidade, apresentei-me
à linda menina, embora um pouco molhado mas trazendo a
concha desejada.
Este acontecimento fez-nos logo camaradas. Corremos
a brincar juntos com toda essa confiança infantil que só pode
nascer da inocência, e que ainda em parte se dava em mim,
posto que já a esse tempo fosse eu um pouco velhaquete e
sonso, como um estudante de latim que era, e que por tal já
procurava minhas blasfêmias no dicionário.
É sempre digno de observar-se esta tendência que têm
as calças para o vestido... Desde a mais nova idade e no mais
inocente brinquedo aparece o tal mútuo pendor dos sexos...
e de mistura umas vergonhas muito engraçadas...
Eu cá sempre fui assim; quando brincava o tempo-será,
por exemplo, sempre preferia esconder-me atrás das portas
com a menos bonita de minhas primas, do que com o mais
formoso de meus amigos da infância.
Mas, como ia dizendo, nós brincamos juntos, corríamos
e caíamos na areia, e depois ríamos ambos de nós mesmos.
Tínhamos esquecido todo o mundo, e pensávamos somente
em nos divertir, como os melhores amigos.
Depois de uma agradável hora passada em mil diversas
travessuras, que nossa imaginação e inconstância de meninos
modificava e inventava a cada momento, a minha interessante camarada voltou-se de repente para mim, e perguntou:
– Sou bonita, ou feia?...
Eu quis responder-lhe mil coisas... corei... e finalmente
murmurei tremendo:
– Tão bonita!...
– Pois então, tornou-me ela, quando formos grandes,
havemos de nos casar, sim?
– Oh!... pois bem!...
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– Havemos, continuou o lindo anjinho de sete anos, eu
o quero... Olhe, o meu primo Juca me queria também, mas
ainda ontem me quebrou a minha mais bonita boneca... Ora,
o marido não deve quebrar as bonecas de sua mulher!... Eu
quero, pois, me casar com o senhor, que há de apanhar bonitas conchinhas para mim... Além disso ele não tem, como o
senhor, os cabelos louros nem a cor rosada...
– Porém, eu gosto mais dos cabelos pretos...
– Melhor!... melhor!... exclamou a menina, saltando de
prazer. Olhe: os meus são pretos!
E nisto ela puxou com a sua pequena mãozinha um de
seus belos anéis de madeixa, para mostrar-mo, e largando-o
depois, eu vi cair outra vez em seu pescoço, de novo torcido
como um caracol.
Ainda corremos mais e continuamos a brincar juntos; e, sem o pensar, nós nos esquecemos de procurar
saber os nossos verdadeiros nomes, porque nos bastavam esses com que já nos tratávamos, de: meu marido,
minha mulher!
Capítulo XXIII
A esmeralda e o camafeu
I. Augusto e Carolina: fidelidade e constância amorosa
1. O romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo,
apresenta uma história de amor cuja origem remonta à infância
do casal protagonista. Quando eram crianças, Augusto e Carolina juraram que se casariam quando crescessem. Ao longo da
história, após uma série de peripécias, a promessa se cumpre
após o reencontro do casal na ilha de Paquetá. Com base nos
fragmentos citados, voltados para o episódio da jura de amor
eterno na infância e para a concretização do juramento após o
reencontro do casal, responda às questões propostas a seguir:
a) Como o primeiro amor aparece caracterizado no romance
de Macedo?
b) Qual a importância, para o desenvolvimento da narrativa, da
promessa de amor eterno feita por Augusto e Carolina?
c) Em que medida o tratamento conferido ao amor em A
Moreninha se aproxima do conceito romântico de amor?
TEXTO 6
A senhora d. Ana e o pai de Augusto entram nesse instante na gruta e encontram o feliz e fervoroso amante de joelhos e a dar mil beijos nos pés da linda menina, que também
por sua parte chorava de prazer.
– Que loucura é esta? perguntou a senhora d. Ana.
– Achei minha mulher!... bradava Augusto; encontrei
minha mulher!
– Que quer dizer isto, Carolina?...
– Ah! minha boa avó!... respondeu a travessa Moreninha
ingenuamente: nós éramos conhecidos antigos.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha.
São Paulo: Saraiva, 2008. (Clássicos Saraiva).
Capítulo IV
Dispersas por toda a extensão deste pasto, erravam as
ovelhas e cabras de um numeroso rebanho, de que eram os
únicos guardadores, um enorme e respeitável cão pastor e
uma rapariguita de, quando muito, doze anos de idade.
Até aqui nada de notável para o reverendo pároco.
Mas o que o maravilhou foi o grupo que formavam,
naquele momento, a pequena zagala, o cão e o nosso conhecido Daniel, por via de quem o bom do padre empreendera
tão trabalhosa excursão.
A pequena sentada junto de uma pedra informe e musgosa, folheava com atenção um livro, dirigindo, de tempos em
tempos, meios sorrisos para Daniel, que, deitado aos pés dela,
de bruços, com os cotovelos fincados no chão e o queixo pou-
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sado nas mãos, parecia, ao contemplar embevecido os olhos
da engraçada criança, estar divisando neles todos os dotes
mencionados na canção da Morena, que lhe ouvimos cantar.
Jaziam ao lado dos dois uma roca espiada e os livros
de Daniel.
Completava o grupo o cão, enroscado junto do pequeno
estudante com desassombrada familiaridade, e denunciando assim que o conhecimento entre eles, e por conseguinte
de Daniel com a pastora, não era já de recente data. [...]
E assim acabou a última quadra da xácara, e por algum
tempo, as duas crianças se conservaram caladas, como se
quisessem seguir ainda, até as derradeiras vibrações, as notas melodiosas daquela voz, ao desvanecerem-se no espaço.
Daniel foi o primeiro a romper o silêncio,
– Então, vês como a soubeste até o fim? E cantaste-a
tão bem!
– Ora!
– Mas é noite, Guida, repara. Olha que são horas de tu
ires juntar o gado.
E acrescentou, suspirando melancolicamente:
– Daqui a pouco estou eu de volta com o meu latim! E
que lição tamanha me marcou o padre esta manhã! [...]
– E para que é preciso que saiba estas histórias quem
quer ser padre?
– Eu sei lá! Mas que estás tu a dizer? Padre! padre! Não
me fales em ser padre, Guida. Eles cuidam que eu quero
mesmo ser padre, estou querendo.
– Então?
– Ora quando chegar a hora eu lhas cantarei. [...]
– Mas o seu pai mata-o!
– Meu pai? Deixa-te disso. Meu pai não há de querer
fazer-me padre a força.
– Mas o senhor reitor?
– O senhor reitor não é cá chamado. Que se meta com
a sua vida. Ora é muito boa!
– E por que não quer ser padre, Danielzinho?
– Olhem que pergunta! Não quero ser padre, porque
não quero, porque gosto de ti, e, porque, afinal de contas, hei
de vir a casar contigo.
– Ora!
– Hei de, sim. Verás.
E dizendo isso, passou facilmente o braço pelo pescoço
da pequena Guida, e pousou-lhe na fronte um beijo que ainda
nem sequer a fazia corar.
Capítulo XLII
[...]
Margarida estremeceu e... – vão lá agora acreditar na firmeza do coração humano, quando jura cerrar-se às branduras
do sentimento e às explosões da paixão! – e, por um desses
movimentos irresistíveis, por uma dessas soluções, com que
se dá no amor o passo tremendo e decisivo das confidências,
correspondeu a Daniel, apertando-lhe também a mão.
Neste momento passou na rua uma rapariga cantando:
De pequenina nos montes
Nunca teve outro brincar.
Nas canseiras do trabalho
Seus dias vira passar
Daniel olhou para Margarida, que desta vez não desviou também o olhar.
E agora, como que o passado inteiro, aquele passado de
ambos, lhe apareceu com o prestígio da saudade, e dourouse-lhes o futuro com o fulgor das esperanças.
Estes pensamentos trouxeram-lhe o sorriso aos lábios,
e a confiança ao coração.
Margarida, alvoroçada com as novas sensações recebidas,
voltou-se para a irmã, que sorria, porque lhe estava a ler na alma.
DINIS, Júlio. As pupilas do senhor reitor.
Porto: Civilização, s/d.
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II. Daniel e Margarida: o cumprimento das juras
de amor eterno
2. O romance português As pupilas do senhor reitor, de Júlio
Dinis, narra a história de amor de Daniel e Margarida, partindo da infância do casal e de um juramento de união eterna. A
partir da leitura dos excertos reproduzidos antes, procure responder às questões propostas a seguir, relacionando as cenas
apresentadas com a narrativa do romance A Moreninha.
a) Como o primeiro amor aparece caracterizado no romance
de Dinis?
b) Como a promessa de amor eterno, feita na infância, é retomada nas cenas finais do romance de Dinis?
c) Qual a semelhança existente entre os casais protagonistas
dos romances em questão?
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TEXTO 8
Eu sei que vou te amar
 
Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar.
E cada verso meu será
Pra te dizer
que eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida.
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou.
Eu sei que vou sofrer
a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida.
TEXTO 7
Jura
Jura, jura, jura pelo Senhor
Jura pela imagem
Da Santa Cruz do Redentor
Pra ter valor a tua...
Tom Jobim e Vinicius de Moraes (1972)
III. JURAMENTOS DE AMOR NA MÚSICA POPULAR
 
Jura, jura, jura de coração
Para que um dia
Eu possa dar-te o amor
Sem mais pensar na ilusão
 
Daí então dar-te eu irei
O beijo puro da catedral do amor
Dos sonhos meus
Bem junto aos teus
Para fugirmos das aflições da dor
José Barbosa da Silva (Sinhô), 1928
3. Para finalizar esta seção, foram selecionadas duas canções
representativas do repertório popular da música brasileira do
século XX. As letras evidenciam a permanência da temática
das juras de amor eterno e permitem estabelecer diálogos
com a ficção romântica do século XIX. Com base nos textos
lidos, responda às questões a seguir:
a) Que semelhanças podem ser verificadas entre as duas letras de música?
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b) Que relação as canções escolhidas estabelecem com a temática dos romances A Moreninha e As pupilas do senhor reitor?
c) É possível afirmar que existe uma permanência de temas românticos nas duas canções selecionadas? Justifique sua resposta.
LEITURA 3
O INDIANISMO NA LITERATURA ROMÂNTICA BRASILEIRA: ENTRE A
EMOÇÃO, O HEROÍSMO E A NATUREZA
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Os capítulos IX e X de A Moreninha inserem, no conjunto do romance, a narrativa de um episódio mítico que
espelha o amor dos protagonistas Augusto e Carolina. Desse modo, o ponto de partida da presente seção é um trecho
da história lendária de Ahy e Aoitin, o casal indígena que,
em um passado intemporal – no paraíso edênico anterior
à chegada dos colonizadores portugueses –, figura entre os
primeiros habitantes do Brasil e, portanto, entre os antepassados de toda a nação brasileira. Essa lenda introduz no romance A Moreninha – cujas personagens provêm do meio
urbano (na medida em que a obra se concentra no retrato
dos costumes da burguesia brasileira do Segundo Reinado)
– um elemento de caráter tipicamente nacionalista, valorizador da figura do indígena brasileiro.
Esse procedimento pode ser igualmente observado na
produção poética da primeira geração romântica. Para representar esse possível diálogo, foi selecionado um fragmento
do romance O guarani, de José de Alencar, no qual são destacados os valores heróicos do bravo guerreiro Peri (sempre
pronto a arriscar sua vida para salvar a jovem portuguesa
Ceci). O tema da representação do indígena na literatura romântica brasileira constitui o foco deste estudo.
TEXTO 9
As Lágrimas de Amor (capítulo ix)
– Eu lhe vou contar a história das lágrimas de amor, tal
qual a ouvi a minha avó, que em pequena a aprendeu de um
velho gentio que nesta ilha habitava.
Era no tempo em que ainda os portugueses não haviam sido
por uma tempestade empurrados para a terra de Santa Cruz. Esta
pequena ilha abundava de belas aves e em derredor pescava-se excelente peixe. Uma jovem tamoia, cujo rosto moreno parecia tostado
pelo fogo em que ardia-lhe o coração, uma jovem tamoia linda e
sensível, tinha por habitação esta rude gruta, onde ainda então não
se via a fonte que hoje vemos. Ora, ela, que até aos quinze anos era
inocente como a flor, e por isso alegre e folgazona como uma cabritinha nova, começou a fazer-se tímida e depois triste, como o gemido
da rola; a causa estava no agradável parecer de um mancebo da sua
tribo, que diariamente vinha caçar ou pescar na ilha, e vinte vezes
já o havia feito, sem que uma só desse fé dos olhares ardentes que lhe
dardejava a moça. O nome dele era Aoitin; o nome dela era Ahy. A
pobre Ahy, que sempre o seguia, ora lhe apanhava as aves que ele
matava, ora lhe buscava as flechas disparadas, e nunca um só sinal
de reconhecimento obtinha; quando no fim de seus trabalhos, Aoitin
ia adormecer na gruta, ela entrava de manso e com um ramo de
palmeira procurava, movendo o ar, refrescar a fronte do guerreiro
adormecido. Mas tantos extremos eram tão mal pagos que Ahy, de
cansada, procurou fugir do insensível moço e fazer por esquecê-lo;
porém, como era de esperar, nem fugiu-lhe, e nem o esqueceu.
Desde então tomou outro partido: chorou. Ou porque sua dor
era tão grande que lhe podia espremer o amor em lágrimas desde o
coração até aos olhos, ou porque, selvagem mesmo, ela já tinha compreendido que a grande arma da mulher está no pranto, Ahy chorou.
E também porque nas lágrimas de amor há, como na saudade, uma doce amargura, que é veneno que não mata, por vir sempre
temperado com o reativo da esperança, a moça julgou dever separar
da dor, que a fazia chorar amargores, a esperança que no pranto lhe
adicionava a doçura, e, tendo de exprimir a doçura, Ahy cantou.
[...]
Então ele não mais buscou sua piroga. Saindo da gruta, fez
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um rodeio e foi, de manso, trepando pelo rochedo, até chegar junto
de Ahy, que, com os olhos na praia do lado oposto, esperava ver
partir o seu amante e ouvir o seu belo grito:
– Sinto amar-te!
Mas de repente ela estremeceu, porque uma mão estava sobre seu ombro: e quando olhou, viu Aoitin, que sorrindo-se, lhe
disse num tom seguro e terno:
– Tu me amas!?
Ahy não respondeu, mas também não fugiu dos braços de Aoitin, nem ficou devendo o beijo que nesse instante lhe estalou na face.
Desde então foram felizes ambos na vida, e foi numa mesma hora que morreram ambos.
A fonte nunca mais deixou de existir e há ainda quem acredite
que por desconhecido encanto conserva duas grandes virtudes...
Dizem, pois, que quem bebe desta água não sai da nossa ilha
sem amar alguém dela e volta, por força, em demanda do objeto amado. E em segundo lugar, querem também alguns que algumas gotas
bastam para fazer a quem as bebe adivinhar os segredos de amor.
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MACEDO, Joaquim Manuel de. A Moreninha.
São Paulo: Saraiva, 2008. (Clássicos Saraiva).
I. A história de Ahy e Aoitin em A moreninha
1. Com base na leitura do episódio mítico de Ahy e Aoitin
(que pode ser lido na íntegra das páginas 71 a 74 desta obra),
responda às questões propostas a seguir:
a) Qual a relação existente entre a história do casal indígena
e a história de amor de Augusto e Carolina?
b) Quais são os significados implícitos na configuração do
espaço simbólico da gruta?
c) De que forma é caracterizado o amor do casal indígena
Ahy e Aoitin?
d) Qual é a importância do mito de Ahy e Aoitin no contexto
do romance romântico brasileiro?
TEXTO 10
Dois dias depois da cena do pouso, por uma bela tarde
de verão, a família de D. Antônio de Mariz estava reunida na
margem do Paquequer.
O lugar em que se achava era uma pequena baixa cavada entre dois outeiros pedregosos que se elevavam naquelas
paragens. A relva que tapeçava essas fráguas, as árvores que
haviam nascido nas fendas das pedras, e reclinando sobre o
vale, teciam um lindo dossel de verdura, tornavam aquele
retiro pitoresco.
Não podia haver sítio mais agradável para se passar
uma sesta de estio, do que esse caramanchão cheio de sombra e de frescura, onde o canto das aves concertava com o
trépido murmúrio das águas.
Por isso, apesar de ficar ele a alguma distância da casa,
a família vinha às vezes quando o tempo estava sereno, gozar algumas horas da frescura deliciosa que ali se respirava.
D. Antônio de Mariz, sentado junto de sua mulher,
contemplava por entre uma abertura das folhas o céu azul
e aveludado de nossa terra, que os filhos da Europa não se
cansam de admirar. Isabel, encostada a uma palmeira nova,
olhava a correnteza do rio, murmurando baixinho uma trova
de Bernardim Ribeiro.
Cecília corria pelo vale perseguindo um lindo colibri, que
no vôo rápido iriava-se de mil cores, cintilando como o prisma
de um raio solar. A linda menina, com o rosto animado, rindose dos volteios que a avezinha lhe fazia dar, como se brincasse
com ela, achava nesse folguedo um vivo prazer.
Mas afinal, sentindo-se fatigada, foi recostar-se em um
cômoro de relva, que elevando-se no sopé do rochedo formava uma espécie de divã natural. Descansou a cabeça no
declive, e assim ficou com os pezinhos estendidos sobre a
grama que os escondia como a lã de um rico tapete; e o seio
mimoso a arfar com o anélito da respiração.
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Algum tempo se passou sem que o menor incidente perturbasse o suave painel que formava esse grupo de família.
De repente, entre o dossel de verdura que cobria esta cena,
ouviu-se um grito vibrante e uma palavra de língua estranha:
– Iara!
É um vocábulo guarani: significa a senhora.
D. Antônio levantou-se; volvendo olhos rápidos, viu
sobre a eminência que ficava sobranceira ao lagar em que
estava Cecília, um quadro original.
De pé, fortemente apoiado sobre a base estreita que formava a rocha, um selvagem coberto com um ligeiro saio de
algodão metia o ombro a uma lasca de pedra que se desencravara do seu alvéolo e ia rolar pela encosta.
O índio fazia um esforço supremo para suster o peso da
laje prestes a esmagá-lo; e com o braço estendido de encontro a um galho de árvore mantinha por uma tensão violenta
dos músculos o equilíbrio do corpo.
A árvore tremia; por momentos parecia que pedra e
homem se enrolavam numa mesma volta, e precipitavam
sobre a menina sentada na aba da colina.
Cecília ouvindo o grito erguera a cabeça, e olhava seu pai
com alguma surpresa, sem adivinhar o perigo que a ameaçava.
Ver, lançar-se para sua filha, tomá-la nos braços, arrancá-la à morte, foi para D. Antônio de Mariz uma só idéia e
um só movimento, que realizou com a força e a impetuosidade do sublime amor de pai, que era toda a sua vida.
No momento em que o fidalgo deitava Cecília quase
desmaiada sobre o regaço materno, o índio saltava no meio
do vale; a pedra girando sobre si, precipitada do alto da colina, enterrava-se profundamente no chão.
Foi então que os outros espectadores desta cena, paralisados pelo choque que haviam sofrido, lançaram um grito
de terror, pensando no perigo que já estava passado.
Uma larga esteira que descia da eminência até o lugar
onde Cecília estivera recostada, mostrava a linha que descrevera a pedra na passagem, arrancando a relva e ferindo
o chão. D. Antônio, ainda pálido e trêmulo do perigo que
correra Cecília, volvia os olhos daquela terra que se lhe afigurava uma campa, para o selvagem que surgira, como um
gênio benfazejo das florestas do Brasil.
O fidalgo não sabia o que mais admirar, se a força e
heroísmo com que ele salvara sua filha, se o milagre de agilidade com que se livrara a si próprio da morte.
ALENCAR, José de. O guarani.
São Paulo: Melhoramentos, 1962.
II. A bravura do índio Peri
2. No conjunto das obras indianistas do Romantismo brasileiro, o romance O guarani, de José de Alencar, merece lugar
de destaque. Nessa obra, a configuração do índio como símbolo do herói nacional, bravo e guerreiro, é emblemática. As
questões abaixo permitem refletir sobre a representação do
índio como herói brasileiro, em diálogo com o mito indígena
presente em A Moreninha.
a) De acordo com o trecho reproduzido antes, quais são as principais características que permitem definir Peri como herói?
b) Qual é a semelhança existente entre as caracterizações de
personagens indígenas nos romances de Alencar e Macedo?
c) Em que medida ambos os autores colaboram para o projeto
romântico de constituição de uma literatura nacional?
PESQUISE E POSICIONE-SE
O romance A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, permite levantar questionamentos acerca da permanência de valores românticos nos dias atuais. Com base no
estudo realizado a respeito da obra, reflita sobre as questões
propostas a seguir.
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• Que mudanças podem ser observadas no comportamento dos adolescentes em relação às primeiras experiências amorosas?
• Ainda existe a crença em um amor ideal e eterno? As
pessoas ainda sonham encontrar a sua alma gêmea?
• Que visões a sociedade atual tem a respeito do amor?
Em que medida a concepção atual de amor se aproxima e/ou
se afasta do conceito romântico de amor?
• As atitudes da protagonista Carolina estão próximas
ou distantes do comportamento atual das mulheres brasileiras? Justifique sua resposta.
• O romance A Moreninha apresenta um retrato dos
saraus e das festas de salão do século XIX, característicos
da vida da burguesia brasileira no Segundo Reinado. Esses
eventos eram muito freqüentados pelos adolescentes do período. Em que medida essas festas se aproximam e/ou se
afastam dos eventos freqüentados pelos jovens de hoje?
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