ZERO HORA DOMINGO, 8 DE MAIO DE 2011 Geral Editor executivo: Diego Araujo - 3218-4727 Editor: Marcelo Ermel - 3218-4732 Coordenadora de produção: Bianka Nieckel - 3218-4728 [email protected] Caça-níqueis, Caça-vidas ITAMAR MELO S ob o disfarce da diversão inocente, um mal corrói a sociedade brasileira. É o vício do jogo. No carteado, no páreo de cavalos ou no bilhete de loteria, patrimônios inteiros são devorados a cada dia, abortando trajetórias pessoais e devastando famílias. Estudos apontam que já são cerca de 4 milhões os brasileiros que vivem essa relação doentia e descontrolada com as apostas. São pessoas incapazes de parar de jogar, movidas pela fantasia de que no lance seguinte recuperarão todos os bens perdidos. Seguem um roteiro que varia pouco: consomem os próprios recursos, começam a enganar a família para poder sustentar o vício e acabam cometendo atos ilícitos. O grande vilão nesse universo de jogatina desenfreada são as máquinas de caça-níqueis, uma droga potente e ilegal, que escraviza suas vítimas, exploradas até o último centavo por contraventores inescrupulosos. Elas sempre foram proibidas no Brasil, mas podem ser encontradas por todas os lados. Em três anos e meio, entre 2007 e o ano passado, mais de 40 mil máquinas foram apreendidas pela Polícia Civil e pela Brigada Militar no Rio Grande do Sul – uma a cada 45 minutos. Os caça-níqueis já não têm nada do glamour a que costumam ser associados. Operam hoje em salas escuras e insalubres e são produzidas em fundos de quintal, por algumas poucas centenas de reais, por meio da canibalização de computadores de segunda mão – uma estratégia para minimizar os prejuízos em caso de batida policial. Outra mudança é que as máquinas deixaram de receber apostas em moeda e já não caçam níqueis. Só engolem cédulas – vertiginosamente. – Comecei colocando nas máquinas notas de R$ 1, de R$ 5, de R$ 10. Depois eram R$ 50. E depois eram 10 notas de R$ 50. Menti e roubei. O jogo me cus- tou a dignidade, a perda da família, a credibilidade. Custou praticamente a minha vida. Tentei o suicídio e não consegui. Sou um predador, um monstro. Se eu jogar, sei que vou mentir até tirar o dinheiro das pessoas – relata um dependente que luta pela recuperação. Segundo o psiquiatra Aderbal Vieira Junior, do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo, instituição pioneira no estudo e no tratamento do jogo patológico no Brasil, a maioria dos pacientes que hoje estão em acompanhamento médico começou a apostar no período em que os bingos funcionavam legalmente. – Quando fechou o bingo, a maior parte do pessoal que tinha um padrão de jogo disfuncional foi cuidar da vida. Mas as máquinas continuam disponíveis. O dependente grave joga de qualquer jeito. Ele procura o bingo clandestino. Não é só à margem da lei que se encontra a ruína. A exploração do vício ocorre também em luxuosos ambientes dotados de alvará: as casas de apostas em corridas de cavalo, que se multiplicaram nos últimos anos e onde é possível perder dinheiro da manhã à noite em páreos transmitidos ao vivo de todas as partes do mundo. O perigo está até dentro de casa, na figura de qualquer computador conectado à internet, no qual o dependente do pôquer conhece a bancarrota online e o adolescente compromete seu futuro acorrentando-se aos jogos em rede. De hoje a terça-feira, Zero Hora vai revelar o drama oculto desses dependentes do jogo, seja ele autorizado ou clandestino, e revelar as histórias de quem está apostando a própria vida – e perdendo. [email protected] O GRANDE VILÃO NESSE UNIVERSO DE JOGATINA DESENFREADA SÃO AS MÁQUINAS DE CAÇA-NÍQUEIS, UMA DROGA POTENTE E ILEGAL, QUE ESCRAVIZA SUAS VÍTIMAS Segue 19