ZERO HORA DOMINGO, 8 DE MAIO DE 2011
Geral
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Caça-níqueis,
Caça-vidas
ITAMAR MELO
S
ob o disfarce da diversão inocente, um mal corrói
a sociedade brasileira. É o vício do jogo. No carteado, no páreo de cavalos ou no bilhete de loteria,
patrimônios inteiros são devorados a cada dia, abortando trajetórias pessoais e devastando famílias.
Estudos apontam que já são cerca de 4 milhões os
brasileiros que vivem essa relação doentia e descontrolada com as apostas. São pessoas incapazes de parar de jogar, movidas pela fantasia de que no lance
seguinte recuperarão todos os bens perdidos. Seguem
um roteiro que varia pouco: consomem os próprios
recursos, começam a enganar a família para poder
sustentar o vício e acabam cometendo atos ilícitos.
O grande vilão nesse universo de jogatina desenfreada são as máquinas de caça-níqueis, uma droga
potente e ilegal, que escraviza suas vítimas, exploradas até o último centavo por contraventores inescrupulosos. Elas sempre foram proibidas no Brasil, mas
podem ser encontradas por todas os lados. Em três
anos e meio, entre 2007 e o ano passado, mais de 40
mil máquinas foram apreendidas pela Polícia Civil e
pela Brigada Militar no Rio Grande do Sul – uma a
cada 45 minutos.
Os caça-níqueis já não têm nada do glamour a
que costumam ser associados. Operam hoje em salas
escuras e insalubres e são produzidas em fundos de
quintal, por algumas poucas centenas de reais, por
meio da canibalização de computadores de segunda
mão – uma estratégia para minimizar os prejuízos
em caso de batida policial. Outra mudança é que as
máquinas deixaram de receber apostas em moeda e
já não caçam níqueis. Só engolem cédulas – vertiginosamente.
– Comecei colocando nas máquinas notas de R$ 1,
de R$ 5, de R$ 10. Depois eram R$ 50. E depois eram
10 notas de R$ 50. Menti e roubei. O jogo me cus-
tou a dignidade, a perda da família, a credibilidade.
Custou praticamente a minha vida. Tentei o suicídio
e não consegui. Sou um predador, um monstro. Se
eu jogar, sei que vou mentir até tirar o dinheiro das
pessoas – relata um dependente que luta pela recuperação.
Segundo o psiquiatra Aderbal Vieira Junior, do
Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo, instituição pioneira no estudo e no tratamento do jogo
patológico no Brasil, a maioria dos pacientes que
hoje estão em acompanhamento médico começou a
apostar no período em que os bingos funcionavam
legalmente.
– Quando fechou o bingo, a maior parte do pessoal
que tinha um padrão de jogo disfuncional foi cuidar
da vida. Mas as máquinas continuam disponíveis. O
dependente grave joga de qualquer jeito. Ele procura
o bingo clandestino.
Não é só à margem da lei que se encontra a ruína.
A exploração do vício ocorre também em luxuosos
ambientes dotados de alvará: as casas de apostas em
corridas de cavalo, que se multiplicaram nos últimos
anos e onde é possível perder dinheiro da manhã
à noite em páreos transmitidos ao vivo de todas as
partes do mundo. O perigo está até dentro de casa,
na figura de qualquer computador conectado à internet, no qual o dependente do pôquer conhece a
bancarrota online e o adolescente compromete seu
futuro acorrentando-se aos jogos em rede.
De hoje a terça-feira, Zero Hora vai revelar o drama oculto desses dependentes do jogo, seja ele autorizado ou clandestino, e revelar as histórias de quem
está apostando a própria vida – e perdendo.
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O GRANDE VILÃO NESSE UNIVERSO DE JOGATINA DESENFREADA SÃO AS MÁQUINAS
DE CAÇA-NÍQUEIS, UMA DROGA POTENTE E ILEGAL, QUE ESCRAVIZA SUAS VÍTIMAS
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Caça-níqueis parte 1