Sonhos, decepções e segredos
marcam o comércio do sexo
Reportagem da série “Prostitutas da Amazônia” mostra lado humano de
quem faz do corpo uma mercadoria
Porto Velho (RO), 23 de Fevereiro de 2010
Jornal A Crítica
Elisa atrai a atenção do público fazendo um “strip tease”. Além de garota de programa,
ela trafica drogas em Jaci Paraná.
Elisa, 24, desliza pelo “pole dance” com desenvoltura e força. Em seu um metro
e meio de altura, ela cresce quando percebe os olhos da pequena plateia sobre seu corpo
magro e bem definido. No palco da boate “Chiriquepau”, ela é soberana. Termina seu
“strip tease”, enxuga com uma toalha o suor que desce da testa e se enrola no pano para
esconder o corpo nu. Quando se vira para ir embora, seu maior segredo se revela: Elisa
está calva.
Por trás da maquiagem forte e das roupas curtas, as garotas de programa de Jaci
Paraná, distrito de Porto Velho (RO), carregam histórias de vida marcadas por
preconceito, exploração e traumas.
Elisa, por exemplo, tenta esconder a calvície precoce a todo custo. O sumiço dos
cabelos na parte posterior do couro cabeludo é um golpe duro à sua vaidade. Puxa os
cabelos da frente para trás e os prende em um rabo de cavalo precário. Não sabe o que
motivou a queda dos cabelos e nem toca no assunto. “Não sei, não. Vamos mudar o
rumo da prosa?”, desconversa quando questionada.
Elisa, que se mostra tão poderosa ao dançar no “pole dance”, se esconde como
menina nas letras desenhadas com que escreve em seu diário. Sim, Elisa tem um diário.
Longe de ser uma Raquel Pacheco Machado de Araújo, a Bruna Surfistinha, Elisa
coleciona notas típicas de uma adolescente.
“Ontem eu fiquei com o Cuelho (sic). Ele me trata bem e eu gosto. Ninguém
pode saber que isso aconteceu. Será um segredo só nosso”, anotou às vésperas do Natal
de 2009. “Não quero mais ficar com você. Você não me valoriza. Eu mereço mais que
isso. Sei que vou sofrer, mas vai ser melhor assim”, escreveu dias depois.
Rosa
Numa profissão onde a força e a frieza são suas principais armas, Elisa se
esconde em um mundo cor-de-rosa. Literalmente. Seu quarto é todo decorado nesse
tom. Do edredom às pás do ventilador, tudo é rosa em seu universo particular. Parece o
quarto de uma boneca. “Eu gosto dessa cor. Até meus ursinhos de pelúcia são rosa. Não
são lindos?”, indaga.
Mas o sorriso de canto se vai rapidamente e dá lugar aos olhos desconfiados
quando é perguntada sobre como seus mundos são diferentes. “A vida é assim, não é?
Não tem jeito pra mim. Não sei quando vou parar de fazer programa. Por enquanto, a
vida está boa assim. Vamos ver como vai ser o futuro...”, disse.
Mãe
Zenaide, 34, é de Ariquemes (a 200 quilômetros de Porto Velho). De sorriso
farto, ela cobre o corpanzil de 1,70 metros de altura com uma saia de lycra apertada e
uma blusa que lhe evidencia os seios. Chegou a Jaci Paraná seguindo o rastro dos
milhares de operários que foram para o vilarejo. Mãe de dois meninos e uma menina,
deixou os garotos com uma irmã e moça com o pai dela. E foi justamente com a mais
velha, de 15 anos, que Zenaide teve a conversa mais séria de sua vida.
“Um dia eu falei pra ela: - filha, você sabe o que é uma mulher de programa? Ela
me respondeu que sim. Então eu perguntei o que era. Ela disse que era uma mulher que
saía com homens mesmo sem conhecer eles em troca de dinheiro. Eu disse que ela
estava certa e que não gostava de mentira. Então eu disse: filha...eu não vou pra
garimpo cozinhar...”, conta Zenaide, que perambulava pelos garimpos de Rondônia
antes de parar em Jaci Paraná.
Segredo
Magna tem 32 e veio de longe. Natural de Minas Gerais, divide-se entre sua vida
de garota de programa e a de vendedora de roupas íntimas. “Tomei um calote em
Cuiabá e agora tenho que cobrir o gasto. Já tem um tempo que eu faço programa, mas
nunca em Belo Horizonte (cidade onde vive com sua filha). Quando eu ligo pra eles,
digo que estou em Goiânia trabalhando”, conta a garota de programa.
Download

Sonhos, decepções e segredos marcam o comércio do sexo