Final de análise
com crianças
Cora Vieira
E
sta produção surge a partir das discussões do Seminário de Psicanálise
com Crianças, sobre as questões do objeto, do fantasma e do final de
análise; assim como também das pontuações de Nilza Ericson sobre o
Seminário O Ato Analítico, das pontuações de Benita Lopes sobre topologia e
finalmente causado por questões que se colocam em minha própria clínica.
M. tem 7 anos e vem trazida pela mãe, que relata nas entrevistas dificuldades
na escola da ordem da escrita e dores de estômago. Diz achar que estes sintomas
se iniciam após a "viagem de volta" para o Rio, pois estavam morando em outro
país, e pensa que M. sofreu muito com esta mudança.
O pai é chamado a comparecer, ao que responde que não quer vir por não
concordar que M. precise de tratamento, embora aceite que a mãe a traga.
Começa então, o período das entrevistas preliminares, M. fala de seus sintomas,
de sua vida cotidiana, faz desenhos e colagens, mas ainda não há trabalho de
análise.
Um dia chega na sessão acompanhada da mãe, que comunica que irão viajar em
férias, porém na "volta da viagem", M. não vai encontrar a analista, que também
estará viajando de férias. M. viaja. A analista viaja. A partir de então M. não quer
vir mais, a analista insiste e a mãe sustenta, quer que a filha continue o tratamento.
M. insiste em não vir mais, chora muito e traz sonhos que se repetem, segundo
ela, pesadelos, que são mais angustiantes e terríveis nos dias em que vem à análise.
A partir do trabalho desses sonhos, onde aparecem figuras que a olham e aterrorizam, começa a falar que não consegue mais ir sozinha ao play, à piscina e ao terreno
baldio perto de sua casa, lugares onde se passam as cenas de seus sonhos. Surge
então um comportamento fóbico, demarca lugares em que não vai só. É um período
bastante difícil, de muita angústia e a analista reafirma a cada fim de sessão que a
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está esperando na próxima, ao que ela retruca chorando que não quer vir mais; mas
vem. Surge um sujeito dividido, com uma demanda própria em que o sintoma se
constitui e que ao dirigir-se ao campo do Outro, retorna a ela, como pergunta sobre
o seu desejo.
M. vem a análise então pela primeira vez, acompanhada do pai, traz novamente
os dois sonhos, só que desta vez com uma diferença, um homem surge para
defendê-la das figuras ameaçadoras. Depois diz que o pai veio para falar com a
analista, e num só depois fica-se sabendo que ela chama o pai, dizendo que a
analista queria falar com ele. Após esta entrevista, fica acordado com o pai, que
pelo menos por um período ele trará a filha à análise.
M., sujeito do inconsciente, sintomático, 6 o sujeito que inicia um trabalho em
análise, sendo este o campo do manejo da transferência. M. se angustia com a falta
da falta, precisa constituir uma significação para a falta do Outro. Eis o sintoma
fóbico, na tentativa de colocar uma lei, uma interdição, um corte no gozo sem
limites. Faz uma chamada ao pai para que este encarne a lei, deixando de ser
extremamente simbólico e compareça também como real e imaginário. MO pai deve
entrar no jogo" é o que diz Lacan no Seminário As Relações de Objeto e as
Estruturas Freudianas.
O sintoma como metáfora permite operar a interpretação, possibilitando a
articulação de significantes onde vigora a história do Outro.
Prossegue o trabalho de análise, os sintomas vfto deslizando, assim como
também os significantes, algo vai sendo construído em análise, construção de um
mito particular, sempre articulado neste caso, ao objeto-olhar.
Numa sessão, M. conta que está escrevendo bem agora, e que quando uma letra
sai errada ela não se importa mais tanto, diz: "perco um ponto e pronto". Posição
bastante diferente diante da escrita e da perda.
Depois relata que está bem, refere-se a sintomas que não tem mais e a outros
pelos quais já não sofre tanto e diz: "não preciso mais". Corte da sessão.
Na sessão seguinte, após reafirmar que não precisa mais da análise nem da
analista e marcar o término para o fim do mês, diz: "tenho uma coisa importante
para falar, vi no Fantástico o nome da doença que tinha: fobia". Corte da sessão.
Na seguinte, diz: "Não venho mais, mas vou deixar marcado até o final do mês,
quero faltar".
Término? Final de análise? Estas são questões que se colocam para a analista
neste momento.
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No Seminário A Angústia, Lacan nos fala sobre duas faltas: a falta no simbólico,
ligada à castração, e a falta no real onde o sujeito tem que se defrontar com o seu
ser. Esta falta no real o simbólico não pode remediar, esta falta não se esgota na
castração, trata-se do gozo do Outro.
Lacan faz um retorno a Freud, e a partir do rochedo da castração, a questão do
final de análise ganha outras significações.
Freud marca o final de análise em função da maneira singular do sujeito se
posicionar frente ao rochedo da castração, definindo as diferentes relações ao falo,
trata-se do gozo fálico. Com a teorização do objeto "a", Lacan acompanha o
desenvolvimento freudiano, mas vai além.
Podemos pensar o objeto a e o falo simbólico não só em sua distinção, mas
principalmente em sua articulação na direção de uma cura. É a partir de um
não-todo do gozo fálico, que temos uma outra relação à falta, desvelando então o
fantasma de suas roupagens e apontando para o não há relação sexual.
No final de uma análise o sujeito encontra sua verdade, à medida em que se
desnuda das vestimentas imaginárias, ficando apenas o objeto a destinado a cair
após a construção e travessia fantasmática.
Isto se evidencia na mostração topológica pela via do verdadeiro ato analítico,
na produção do oito interior. Banda de Moebius e disco enquanto sujeito e objeto
a, que pela sutura articulavam no cross-cap, o fantasma $ Q a e pelo corte de dupla
volta faz surgir um sujeito novo deixando cair um resto.
A análise de M. não estaria justamente aí no ponto anterior a esta passagem? A
este corte? Não seria este o final de análise possível para uma criança marcado pelo
particular de cada uma? Ponto este que evidencia que algo da separação operou,
onde caem as identificações imaginárias e algo do real se contorna, apontando para
uma barra no Outro.
Penso que este término estaria apontando como um vetor para um outro fim,
vetor que tem como direção a direção da cura e como sentido o final de análise.
Uma torção produziu uma mudança de posição radical, mas aponta para um tempo
ainda a vir a ser percorrido num qualquer tempo. Trata-se de um ponto anterior ao
cross-cap, mostração da estrutura do fantasma. Neste caso, apesar de algo do
movimento da separação ter operado e de algo fantasmático que toca o objeto olhar
ter sido enunciado, creio que não podemos chamar de uma construção e travessia
fantasmáticas.
É pela via do corte que se dá a análise de M. O corte toca a dimensão simbólica
e imaginária do significante, na medida em que produz novos efeitos de sentido,
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mas, no mesmo movimento aponta para a dimensão irredutível do real, do para
além do sentido, barrando a satisfação de completude. O real leva o sujeito a um
trabalho de reconstrução que, pelos cortes, atos e escanções no discurso da
paciente, possibilitaram uma mudança de posição a partir de uma barra no Outro,
que remete a própria falta enquanto sujeito também barrado.
Lacan em O Equívoco do Sujeito Suposto Saber (1967): "Uma teoria que inclui
uma falta que se deve tornar a encontrar em todos os níveis; increver-se aqui como
indeterminação, ali com certeza e formar o nó do não interpretável; nela me esforço,
sem deixar de experimentar sua atopia sem precedentes. A pergunta aqui é: quem
sou eu para ousar uma tal elaboração? A resposta é simples: um psicanalista. A
resposta é suficiente, se limita seu alcance ao que tenho de um psicanalista: a
prática".
BIBLIOGRAFIA E CITAÇÕES
FREUD, S.
—Análise de uma fobia em um menino de cinco anos, Edição Standart
Brasileira, vol. X, Rio de Janeiro, Imago, 1970.
—Análise terminável e interminável, Edição Standart Brasileira, vol.
XXIII, Rio de Janeiro, Imago, 1970.
LACAN, J.
— Seminário IV — As Relações de Objeto e as Estruturas Freudianas
(inédito).
— Seminário X —Angustia (inédito).
— Seminário XV — O Ato Psicanaltüco (inédito).
— El atolondrado, ei atolondradicho o Ias vueltas dichas, in Escansion,
Buenos Aires, Editorial Paidos, 1984.
— La Equivocación dei sujeito supuesto ai saber, in Momentos cruciales de
Ia experiência analítica, Buenos Aires, Manantial, 1987.
VIDAL,E.eRUIZ,C.
— Psicanálise e Topologia, publicação da Letra Freudiana.
DARMON, M.
— Essais sur Ia Topologie Lacanienne, Editions de 1'Association
Freudienne, 1990.
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