O Serviço de Saúde Militar no Princípio do Século XXI em Portugal “Um Exército que não sofra de muitas doenças, será vitorioso em combate”. Sun Tzu 1. Introdução As pessoas, no seu lufa-lufa diário, tendem a pensar na maioria das coisas, quando estas se atravessam na sua vida. É assim que só nos lembramos de S. Bárbara quando troveja; que existem muitos milhares de pessoas com trissomia 33, quando nos surge um caso na família ou em amigos chegados; se pensa na Defesa quando surge uma ameaça que não esperávamos ou teimámos em ignorar; quando nos lembramos de pôr trancas na porta, depois de roubados, etc. Os exemplos podiam-se multiplicar pelas dezenas. Do mesmo modo só damos verdadeiro valor à saúde, quando … a perdemos! Mas se temos que considerar com maior ou menor crítica, os casos que se passam a nível individual, por ignorância, desleixo, falta de prudência, ou quaisquer outros atributos, como fazendo parte da natureza humana, já teremos que ter outro grau de apreciação relativamente a instituições, empresas ou estruturas do Estado. É que nestas, pelos meios que empregam, pelas responsabilidades que lhe são próprias, pelo âmbito alargado sobre que actuam e pelas missões que as justificam, necessitam cuidar de se prepararem, permanentemente, para que os objectivos que lhe estão fixados, sejam atingidos com um sempre melhor grau de eficácia e de eficiência. E quanto mais cedo anteciparmos reformas necessárias; avanços tecnológicos; mudanças de estratégia, adaptações aos tempos, que são sempre novos e sempre permanentes, mais fácil e adequado será o fluir das transformações e o exercício da liderança. Quando se fala em Forças Armadas (FAs) a questão da Saúde Militar (S.S.) não é, certamente, das primeiras que ocorrem ao nosso pensamento. No entanto, ela representa uma fatia fundamental da logística militar, pilar da selecção e recrutamento; elemento preponderante no moral das tropas; mais valia permanente na prontidão do pessoal; ferramenta importante na recuperação do potencial humano de combate e estrutura insubstituível no tratamento de deficiências adquiridas. É uma mais valia preciosa em caso de catástrofes. Finalmente, sobretudo em tempo de paz, o S.S.M. transformou-se contemporaneamente, numa estrutura de apoio na assistência à doença, de toda a família militar. Este trabalho incidirá sobre o apoio do SS à componente militar do sistema de forças nacional e, de algum modo, sobre as valências específicas de cada ramo, que se tornam necessário preservar. Acreditamos que estes são os aspectos fundamentais a salvaguardar apesar da discussão que corre há alguns anos na sociedade portuguesa, estar mais vocacionada para outros âmbitos, dando até, por vezes, mais importância a formas do que a substâncias. 1 Deste modo iremos situar historicamente o S.S.Militar (SSM), em termos muito sucintos, faremos um levantamento da estrutura dos meios existentes; equacioná-los face à missão e perspectivas futuras. Terminando com uma conclusão. 2. Síntese Histórica “… até este momento e durante longos anos, os cuidados médicos no campo de batalha inicial, reduziam-se a gestos simples acabando os feridos por ficar entregues a si mesmos, ou aos seus camaradas prestando-lhes a primeira ajuda”. Cor Médico Bargão dos Santos (Anteprojecto do Sistema de Saúde Militar, TILD, IAEM, 1994/5) Se exceptuarmos a razoável sofisticação (para a época), que a organização do S.S. atingiu no auge do Exército Romano, a situação descrita pelo Cor Bargão dos Santos foi a que imperou durante séculos. E essa era a situação na Península Ibérica quando Afonso Henriques liderou a individualidade política do Condado Portucalense. Restava aos feridos em combate, aguardar a morte após mais ou menos prolongado sofrimento, ou serem feitos prisioneiros. Muitos pediam aos seus companheiros para lhes porem termo à vida. Os três dias que, por norma, o exército vencedor ficava no campo de batalha (para não deixar dúvidas que a vitória era sua), eram aproveitados para enterrar os mortos e tratar dos feridos, acções normalmente desempenhadas por frades caridosos, que distribuíam indulgências, prestavam sacramentos e consolavam os moribundos. A medicina do tempo de Hipócrates (ou galénica), a que os árabes deram a sua contribuição, era praticada sem orgânica profissional ou corporativa. E o modo algo aleatório como eram organizados os Exércitos não permitia qualquer orgânica sanitária. Apenas os grandes senhores dispunham do seu físico privativo que os acompanhavam em campanha. Como excepção conhece-se apenas o caso de Florença, onde Dante era o “Prior” (presidente) da corporação de cirúrgicos e boticários, em 1300; e em Salerno onde a Escola Médica fiscalizava o exercício da medicina 1 Foi necessário chegarmos à longa Guerra da Restauração – e já ela ia avançada – para que durante a permanência entre nós do notável Conde de Shomberg (1660-68), o mesmo criasse o primeiro embrião permanente do Serviço de Saúde. Talvez porque também a partir dessa altura, passámos a ter um Exército permanente. Porém, já em 1580 tinham sido reservadas no Castelo de S. Jorge, instalações para tratar da guarnição espanhola em Portugal e que vieram, em 1587, a serem transformados em hospital. Neste âmbito tiveram acção relevante os irmãos hospitaleiros de S. João de 1 Ver António de A. Meyrelles do Souto, “Subsídios para o Esboço Histórico do Serviço e Saúde Militar em Portugal”, Revista Militar, Maio de 1972. 2 Deus, que fundaram Ordem em Portugal, em 1606, estando a comemorar, neste ano, os 400 anos de presença no nosso País. Ainda durante a ocupação Filipina – que desenvolveu na Península uma notável actividade em prol da assistência de saúde aos combatentes -, foi criado no dealbar do século XVII, em Angra do Heroísmo, o primeiro hospital construído de raiz para o fim específico de servir os enfermos que pertenciam ao Exército e Armada Reais. Dada a fama e a experiência que a Ordem de S. João ganhou no campo do tratamento de doentes, o Conselho de Guerra criado após a Restauração, logo encarregou os irmãos hospitaleiros de administrarem e exercerem funções clínicas e assistenciais nos Reais Hospitais Militares da fronteira e retaguarda 2 . Esta prática veio a perdurar por 240 anos, entre 1645 e 1835, terminando tanto, no Continente como no Ultramar, por via da extinção das Ordens Religiosas, em 1834. Alguns dos hospitais militares criados pelos hospitaleiros (todos à imagem do Hospital de Angra), foram os de Elvas, Olivença, Campo Maior, Monção e Vila Viçosa. Expandiram-se ainda pelo Brasil, Índia e Moçambique. A partir de 1660, ampliaram-se as instalações hospitalares no Castelo de S. Jorge, cuja administração também foi entregue à Ordem de S. João de Deus. Estudava-se medicina na Universidade de Coimbra, mas a Ordem de S. João dispunha de escola própria em Elvas. Durante o século XVIII os irmãos hospitaleiros administravam cerca de 20 hospitais só na parte europeia de Portugal. A Ordem voltou a implantar-se no nosso país em 1891, por acção de Bento Menni, através do hospital de Santa Marta, em Lisboa, irradiando daí para o Sabugal e mais tarde, em 1893, para o Telhal, que veio a ser a casa mãe. 3 Apesar de maltratados pela República, os hospitaleiros, através das instalações do Telhal, ainda deram assistência a feridos da I Grande Guerra. Mas, apesar da sua expansão até aos nossos dias, a Ordem de S. João de Deus perdeu qualquer vínculo à saúde militar. O panorama na Armada era idêntico. Durante a I Dinastia nada há a assinalar de notável e mesmo depois de se terem iniciadas as Descobertas e de se ter criado o Império do Oriente e numerosas praças e feitorias em África e no Brasil, que eram servidas de muito extensas linhas de comunicação marítima, nunca se desenvolveu um verdadeiro serviço de saúde naval, que apoiasse tão grande expansão. Mesmo tendo em conta os atrasos da medicina e da cirurgia da época 4. Este estado de coisas prolongou-se pelos séculos XVIII e XIX. A falta de físicos e cirurgiões, aliadas às más condições a bordo e os fracos vencimentos (soldada) decerto não convidavam ao alistamento dos poucos disponíveis. E a agravar as coisas, deve ter-se em conta, a perseguição que a Inquisição fez aos Judeus e Cristãos Novos, estrato da população de onde provinham grande número dos “profissionais” da saúde daquele tempo, bem como a apreensão e, ou, destruição de 2 Borges, Augusto Moutinho, “Irmãos de São João de Deus, 229 anos de hospitalidade no Império Português”. Pg. 11, Revista Hospitalidade, número especial, ano 70. 3 Gameiro, Aires, “Caminhos de 115 anos de Hospitalidade”, Revista Hospitalidade, número especial, ano 70. 4 Latino, Rui Terenas, “A Medicina Naval e os Médicos da Armada dos últimos cem anos”, pg. 507; Anais do Clube Militar Naval, número especial, 1966. 3 numerosas obras científicas relacionadas com a Medicina por não estarem de acordo com os cânones dos defensores da pureza da Fé. Os navios que se deslocavam entre as possessões portuguesas não levavam médico nem cirurgião, como o regimento da Casa da Mina e da Índia, de 1509, por exemplo, atesta. A falta de gente habilitada era suprida pelos religiosos e pelos mestres dos navios que exerciam a sua acção com os ensinamentos colhidos nos conventos e na aplicação do que então se apelidava de “cadernos de receitas”. Existiam ainda barbeiros que se especializavam em “sangradores”. A bordo existiam umas poucas boticas e escassíssimos instrumentos de uso médico. Em contrapartida havia muita Fé … Esta prática tornou-se de tal modo comum e criou tais raízes que se manteve até ao princípio do século XIX, publicando-se “manuais terapêuticos” destinados a quem governava embarcações, que encontravam paralelo naqueles destinados aos administradores de roças e fazendas . 5 Para compensar a falta de assistência no mar foram-se constituindo infra estruturas em terra, em portos que pudessem albergar os membros das tripulações doentes ou feridos como é o caso do Hospital de Angra, já referido e muitos outros. A 1ª notícia de um embrião de Serviço de Saúde Naval, encontra-se na Organização da Armada Invencível, em 1588, (que excedia os 20000 h), em que fazia parte desta, uma “Repartição de Saúde” 6. O primeiro cirurgião-mor da Armada foi Manuel de Oliveira, natural de Sesimbra, tendo servido na Marinha, de 1624 a 1646. Toda esta situação manteve-se até 1753, ano em que é criado, por alvará de 29 de Dezembro, o cargo de Físico-Mor da Marinha com o vencimento mensal de 24000 reis. Em 1758 é criado um corpo permanente de dez cirurgiões da Armada. 7 Em 1757 o enciclopedista Ribeiro Sanches publicou em Portugal o “Tratado de Conservação da Saúde dos Povos” em que parte do mesmo é reservada ao estudo das causas da morbilidade a bordo dos navios e o modo de evitar e combater as doenças. A qualidade da obra não teve infelizmente quase nenhuma repercussão na melhoria da higiene dos nossos navios. Em 1773 aparece a primeira referência à presença de boticários a bordo de navios da coroa portuguesa 8. A partir de 1790 começam a aparecer disposições mais concretas sobre a organização do Serviço de Saúde Naval 9. 5 Latino, Rui Terenas, obra citada, pag. 508. Composta por um sub inspector, quatro curas, cinco médicos, um cirurgião mor, quatro cirurgiões, cinco ajudantes de cirurgião e 64 empregados menores. 7 Venciam 12000 reis por mês, quando embarcados e metade quando em terra. O serviço a bordo era regulado pelo Regimento das Fragatas de 1754, e em terra, pelo Regimento dos Armazéns. Latino, Rui Terenas, obra citada, pag. 509. 8 Conhece-se o Regimento do Régio Arsenal da Ribeira das Naus de Goa que discrimina as responsabilidades, que passavam pela receita e despesa das boticas, instrumentos cirúrgicos e o trato e curativo de doentes. Cada nau venceria dois cirurgiões que deveriam passar visita às 0800 horas da manhã e 0400 da tarde, devendo redigir a dieta, curativos e medicamentos. 9 Por exemplo, em Abril desse ano num diploma real pode ler-se: “sendo-me presente a necessidade indispensável de haver cirurgiões hábeis que embarquem nas naus e fragatas da minha Real Armada, hei por bem criar seis lugares extraordinários para os ditos cirurgiões além dos do número que já se acham estabelecidos; os que forem providos dos ditos lugares se denominaram primeiros cirurgiões da Armada 6 4 Em 26 de Outubro de 1796 é criado o Hospital Real de Marinha (também conhecido por “Hospital do Tronco” e “Hospital Militar da Corte”), o que marca um novo capítulo na História da Medicina Naval. No Exército, e por via das necessidades prementes da Guerra da Restauração, aparecem, em 1643, as Ordenações Militares, que determinam a existência em cada Exército de um Físico e um Cirurgião-Mor. Em 1714 aparece o cargo de Físico-Mor com o vencimento de 50000 reis anuais, estando em praça e de 30000 ao mês, estando em campanha. Mas logo no ano seguinte, a Junta dos Três Estados extinguiu o cargo bem como o de Cirurgião-Mor e Capelães dos Regimentos enquanto durasse a Paz. Pelos vistos não eram precisos para nada. Só na guerra de 1762 se renovaram os cargos! Dantes como hoje, o pensamento é o mesmo. E não se aprende nada … As campanhas da Restauração fizeram aparecer numerosos hospitais, como já se referiu. Eis a lista extensiva: 10 Província do Minho: Caminha, Vila Nova de Cerveira, Monção e Melgaço; Província de Trás-os-Montes: Chaves; Província da Beira: Almeida, Idanha e Penamacor; Província da Estremadura: Lisboa, Cascais e Peniche; Província do Alentejo: Elvas, Olivença, Campo Maior, Évora, Vila Viçosa, Estremoz e Castelo de Vide; Reino do Algarve: Castro Marim; Açores: Angra do Heroísmo (Boa Nova). Instalaram-se ainda serviços de saúde em praças espanholas tomadas. De notar que os “visitadores” do Exército do Alentejo elaboraram logo, em 1642, um Regimento dos Hospitais Reais, substituído 17 anos depois (7/9/1762), pelo “Regimento dos Hospitais Reais da Província do Alentejo”. E quanto as tropas no terreno, cada Terço de Infantaria dispunha de um CirurgiãoMor e um ajudante, por companhia; a Cavalaria apenas dispunha de um soldado escolhido que fazia as vezes de ajudante de cirurgião; a Artilharia emparelhava com a cavalaria. Sofreu-se de grande influência francesa em termos de organização e métodos. Os métodos curativos essenciais em voga eram sangrar e purgar tentando eliminar a causa da doença através da expulsão do organismo daquilo que a podia originar. Em 18 de Junho de 1792 deu-se o início da construção do Asilo de Veteranos Militares em Runa, notável instituição que a Princesa D. Maria Francisca Benedita, irmã da rainha D. Maria I, fundou, destinado a albergar os inválidos das campanhas militares e que ainda hoje existe. A Força Expedicionária Portuguesa destinada a combater na Campanha do Roussilhão, em 1793-95, marcou um tipo de intervenção militar inédito em Portugal. Para esta força foram organizados hospitais fixos e volantes com os cirurgiões das diferentes unidades. 11 A existência de serviços de saúde militares, lentos na sua implementação tiveram nas campanhas napoleónicas um notável e acelerado incremento. A organização base Real e terão a graduação de segundos tenentes. E nesta conformidade a junta do Proto-Medicato me consulte logo sujeitos hábeis e de conhecido préstimo e inteligência para ocuparem os ditos lugares”. 10 Gião, Manuel, “Os Hospitais Reais Militares”, Revista Militar nº 4, Abr 1969. 11 Esta força sofreu 18% de baixas. 5 tinha, sem embargo, sido estabelecida no reinado de Luís XV percursor dos serviços de saúde modernos. Baseava-se na existência de hospitais móveis destinados a receber directamente os feridos do campo de batalha e posteriormente enviados para hospitais fixos situados na retaguarda, embora perto do Comando do Exército. Os Exércitos de Napoleão desenvolveram extraordinariamente a evacuação dos feridos da linha da frente e seu tratamento subsequente, com vista à recuperação futura e melhoria do moral das tropas. 12 Antes da Revolução Francesa as ambulâncias eram constituídas por viaturas pesadas, carregadas com material e puxadas por 40 cavalos. O módulo de pessoal calculado para apoiar um Exército de 20000 h (1 ambulância), era de 134 “empregados”, 42 cirurgiões ou alunos da mesma arte e 31 enfermeiros. Calculava-se que cada ambulância poderia socorrer até 2000 feridos (10% do efectivo). Mais tarde veio a juntarse a este conjunto uma galera de quatro rodas capaz de acomodar três doentes em cada fila. Constituía “o” meio de evacuação e atribuía-se uma por cada 1000 h de efectivo. No fim da batalha a ambulância, que se devia encontrar a uma légua de distância, dirigia-se rapidamente para um local de reunião para onde convergiriam também os feridos, que seriam então tratados. 13 Larry, um dos maiores cirurgiões militares de então, concebeu a ideia que pôs logo em prática, de ir socorrer directamente os feridos no campo de batalha, mesmo em situações de risco. Para isso criou uma “ambulância volante”, semelhante às batarias de artilharia volantes e que se compunha de três cirurgiões e um enfermeiro a cavalo e de outros cavalos destinados a transportar feridos a baste. Posteriormente os cavalos foram substituídos por viaturas ligeiras. As ambulâncias reuniram-se em “Divisões” conforme os efectivos do Exército. Na Campanha de Itália, por ex., cada divisão de ambulâncias, da Guarda Imperial, dispunha de um Cirurgião-Mor, dois ajudantes e restante pessoal administrativo e militar, que somava 340 homens. Possuía 12 viaturas ligeiras e 4 pesadas. As viaturas ligeiras, puxadas por dois cavalos, podiam transportar dois a quatro doentes deitados sobre palha. Estes podiam subir e descer na posição horizontal devido à adaptação de uma escada móvel na parte posterior da viatura que dispunha ainda de janelas circulares para arejamento. O material sanitário era transportado em bolsas. Larry explorou todos os recursos existentes nas diferentes regiões adaptando-os ao transporte de feridos. Foi assim que utilizou o camelo, no Egipto; o barco em Aboukir; o trenó, na campanha da Rússia; a mula, nos Pirinéus e o carro de mão, no Saxe. Organizou ainda os outros escalões sanitários que abrangiam os Hospitais de Campanha e os Hospitais de Evacuação. Outro grande contemporâneo e colaborador de Larry, foi Percy que, todavia tinha uma concepção diferente daquele, quanto à técnica do Serviço de Saúde e que se pode resumir nisto: enquanto que Percy pretendia levar os socorros aos feridos, Larry tinha como objectivo trazer os feridos aos socorros. Percy organizou quatro instituições sanitárias: - Corpos Móveis de Cirurgia 12 Salientaram-se nesta acção alguns chefes de serviço de saúde: Larry, Percy e Heurteloup. Ver Nicolau de Bettencourt, “Apontamentos para a História do Serviço de Saúde Militar”, Revista Militar, nº 1, Janeiro de 1961. 13 6 - Corpo de Enfermeiros Militares - Organização de Maqueiros - Corpo de Cirurgia de Batalha Concebeu ainda outras viaturas de apoio. Percy pode ainda ser considerado como o percursor do ideal que levou à criação da Cruz Vermelha já que concebeu um projecto de convenção que tornasse inviolável as instalações e pessoal que estivessem a prestar assistência aos feridos e que tornasse esta assistência, extensiva ao inimigo. 14 A seguir à criação do Hospital de Marinha apareceu, em 1801, o primeiro Regulamento de Saúde Naval, digno desse nome. 15 Estes eventos decorrem da grande reforma da Marinha levada a cabo pelo Conde de Linhares, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, nomeado Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, em 13 de Setembro de 1796. O Hospital, por dificuldades financeiras e lentidão das obras, só foi inaugurado em 1806. 16 A título de curiosidade refere-se que o Hospital de Marinha foi o único construído de raiz em Portugal continental até que, já na década de 50 do século XX, se construiu o Hospital de S. Maria, todos os outros resultaram de obras de adaptação em antigos conventos … De realçar ainda a importância e a fama que a ordem de S. João de Deus ainda gozava nesta altura, como se deduz de uma recomendação do Intendente Pina Manique ao Físico-Mor da Armada. 17 Nesta época existiram dois notáveis médicos navais que merecem referência. O primeiro é Teodoro Ferreira de Aguiar que foi Cirurgião-Mor da Armada e que merece destaque, por depois de estagiar em França e na Holanda, veio a propor o primeiro projecto de uma escola de cirurgia, em 1798, mas que apenas seria concretizado através da sua perseverança, em 1825, com a Criação das Escolas Régias de Lisboa e Porto, que se podem considerar os antecessores das actuais faculdades de medicina, destas cidades. 18 Bernardino António Gomes (pai), foi médico da Armada a partir de 1797, tendo embarcado numa esquadra de cinco naus que partiu para o Rio de Janeiro, nesse ano, e só regressou passados quatro anos. Durante este período dedicou-se a estudos sobre a flora 14 Ao projecto apelidou de “Neutralização de feridos”. António, CALM Joaquim Félix “Hospital de Marinha – Bosquejo Histórico”, Ciclo de conferências Comemorativo do Bicentenário do Hospital da Marinha, Academia da Marinha, Lisboa, 1997. 16 O empréstimo público que financiou aquela construção nunca foi pago pelo Estado, tendo sido classificado 60 anos mais tarde com a designação de “dívida mansa”, incluída numa proposta que o Ministério da Fazenda, apresentou às Cortes, em 1861. António, CALM Joaquim F., obra citada, pág. 17. 17 “… para servir a bordo das naus de guerra os irmãos religiosos de S. João de Deus habilitados em Medicina e Cirurgia num colégio fundado em Coimbra, com o que passariam os doentes a ser mais bem assistidos porque os irmãos serviriam além de médicos, de capelães, boticários e muitas vezes ainda de pilotos, pois S. Exª bem devia saber que antes de entrar no curso médico aprendiam história natural e princípios matemáticos”. Não existe, porém, quaisquer referências no S.S. Naval aos irmãos de S. João de Deus, pelo que se pode concluir que a sugestão não foi aceite … 18 Deve-se ter em conta, neste âmbito o nome do ilustre cirurgião Manuel Constâncio, mais velho 3 anos que Ferreira do Aguiar e falecido em 1817, que também pugnara em vão, pela criação daquelas Escolas. 15 7 brasileira e as patologias tropicais, vindo a publicar mais tarde, importantes trabalhos e a realizar algumas descobertas. 19 Em 1802 ajudou a debelar uma epidemia de tifo na esquadra portuguesa que se encontrava em Gibraltar, tendo gizado o plano de transformar uma fragata em navio hospital e enviá-la para aquele porto. Membro da Academia Real das Ciências, propôs a administração da vacina contra a varíola, de que resultou a criação do primeiro instituto vacínico em Portugal. Entre muitas outras actividades veio ainda a elaborar estudos avançados sobre lepra e outras doenças de pele e foi médico da Real Câmara, vindo a falecer em 1823. Seu filho veio a ser também um notável médico naval. Batalhando do lado dos Liberais veio a ser nomeado, em Outubro de 1833, Director do Hospital de Marinha, tendo reformado por completo o funcionamento deste estabelecimento e influenciado decisivamente a reorganização do S.S. da Armada, a partir da criação do Conselho Superior de Saúde Naval, de que foi mentor. Esta organização estendeu-se ao Ultramar tendo sido proposta a criação de Escola Prática de Medicinas, nas capitais dos territórios ultramarinos, o que apenas se concretizou em Goa, em 1847e mais tarde no Funchal. Foi ainda pioneiro da Psiquiatria em Portugal, membro da Real Câmara e notável pedagogo e cientista, até à sua morte, em 1877. Em 1856 o Hospital da Marinha sofre nova reorganização por impulso do seu novo Director Manuel Maria Rodrigues Bastos, donde se destaca a criação de um quadro de enfermeiros. Sem embargo, só em 1890 se iniciaria o ensino da enfermagem, no hospital, o que foi oficializado, seis anos mais tarde, com a criação da Escola de Enfermagem da Armada. É dessa época (cerca de 1860), que é feita a instalação de água potável, quente e fria, no Hospital da Marinha e são instituídas as inspecções médicas e vacinações obrigatórias. Em 1867 o Hospital da Marinha foi considerado o melhor hospital da capital. O serviço a bordo melhorou bastante, sendo instalado em cada navio uma enfermaria e botica e aumentado a autoridade dos médicos quanto ao tratamento de doentes e higiene naval. Novo Regulamento de Serviço de Saúde Naval é aprovado em 1860, sendo reorganizado o S.S. do Ultramar, a partir do ano seguinte (aumento do quadro dos médicos e melhoria do vencimento do pessoal). O Serviço de Saúde Naval foi renovado após a entrada em funções do novo Director do Hospital da Marinha, Carlos Guilherme de Faria e Silva, em Dezembro de 1868. A estrutura do S.S. Naval passou a dispor dos seguintes órgãos: Corpo de Saúde Naval; Repartição de Saúde Naval e do Ultramar; Junta de Saúde Naval; Junta Consultiva de Saúde Naval; Hospital da Marinha; Serviço de Saúde do Corpo de Marinheiros da Armada e Inspector de Saúde Naval. 20 Seria fastidioso relatar o muito que se passou ao longo dos anos e os muitos notáveis clínicos que serviram o País na Armada, sendo sem embargo, de referir que 19 De que se destaca o isolamento, em 1810, dos principais alcalóides da casca da quina, o que constituiu pioneirismo no campo da química. 20 António, CALM Joaquim F., obra citada, pág. 27. 8 novo Regulamento de Saúde Naval foi instituído, em 1908, cujas medidas relevantes se prendem com o estabelecimento de especialidades médicas; se instituiu um gabinete de análises clínicas e bacteriológicas e um gabinete de física médica. São ainda instituídas provas de concurso de admissão a médico naval. Salientam-se os nomes de Morais Sarmento e Júlio Gonçalves que antes de se notabilizarem em diferentes cargos, tinham sido condecorados com a Ordem da Torre e Espada por acções valorosas em campanha, em África. Ainda os de Emílio Tovar de Faro, especialista de Urologia e doenças venéreas e Telmo Correia, especialista em radiologia, e que criou e desenvolveu a Medicina Tropical portuguesa em termos modernos a qual pode encontrar os seus primórdios na acção da notável figura de médico do século XVI que foi Garcia da Orta. 21 A acção deste médico e de seus discípulos foi determinante para a criação e funcionamento da Escola de Medicina Tropical a qual, em 1972, passaria a ter a designação actual de Instituto de Higiene e Medicina Tropical. 22 Nos anos 30 quando a Armada começou a sair do “zero” naval, efectuaram-se obras de ampliação no Hospital. Nasceu então o mais moderno bloco operatório dos hospitais de Lisboa e, em 1948 foi criado o primeiro serviço de anestesia do País. Em 1956 dá-se início aos cursos de Oficiais da Reserva Naval, que durariam mais de 30 anos. Neles participam numerosas gerações de médicos que cumpriram o serviço militar na Armada. A partir de 1975, através da Direcção do Serviço de Saúde Naval começa-se a assumir a especialização dos médicos navais. Até aos nossos dias parece justo realçar ainda o início, na década de 70 do século XX, do alargamento de assistência hospitalar aos familiares dos militares da Armada e inauguração da Casa de Saúde do Alfeite 23 e a abertura, em 1980, de uma enfermaria para mulheres no próprio hospital o encerramento da escola de enfermagem da Marinha, que passou em 1980, para a então criada Escola do Serviço de Saúde Militar, comum aos três Ramos das FAs., a criação, em 1979, do Laboratório de análises FármacoToxicológicas da Marinha, que é hoje referência nacional no campo da Toxicologia Analítica a que se juntou depois a Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependentes e Alcoólicos, que foi um projecto pioneiro também a nível nacional; a publicação em 1985 de um moderno formulário dietético para uso hospitalar, que veio a ser adoptado por todos os hospitais portugueses e a entrada em funcionamento, em 1989, do Centro de Medicina Hiperbárica, único no País. 24 A partir dos anos 90 dá-se início à última reestruturação do Hospital da Marinha e da Saúde Naval, cujo impulsionador foi Matthioli Mateus. 25 21 O qual publicou em Goa, em 1563, o célebre livro “Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia”. Faleceu em Goa em 1570. 22 Outros nomes que foram importantes na vida desta instituição foram os de João Cesário de Lacerda, António José Rodrigues Braga, José Pereira do Nascimento, António Maria de Lencastre, Francisco Xavier da Silva Teles, Aires Kopke, José António de Magalhães, Manuel Máximo Prates e João Fraga de Azevedo. 23 Iniciativa do então Ministro da Marinha Manuel Pereira Crespo. 24 Onde se deve destacar pela sua acção o médico naval Maldonado Simões. 25 Outros médicos e farmacêuticos navais se distinguiram nos anos 50, 60, 70 e 80 (lista muito incompleta): Máximo Prates, Fraga de Azevedo, Tito Serras Simões, Larvão Gomes, Félix António, Feroz de Abreu, 9 A organização francesa, relativamente ao SSM repercutiu-se no Exército português durante as três invasões que Napoleão ordenou sobre Portugal. Esta influência foi mitigada por via do peso algo sufocante que os nossos aliados ingleses impuseram por via do comandamento quase total a que sujeitaram as forças portuguesas, o que foi devidamente caucionado pelo governo português, que se encontrava no Rio de Janeiro. No final das campanhas napoleónicas, em 1814, o Exército Português contava cerca de 40000 h e 5600 cavalos, já previstos para tempo de paz. Cada Regimento de Infantaria e Artilharia vencia um Cirurgião-Mor e dois ajudantes. Quanto às Companhias de Caçadores e Regimentos de Cavalaria o número descia para um Cirurgião-Mor e um ajudante. Feitas as contas o número total de cirurgiões-mores crescia a 52, sendo de 80 o número de ajudantes de cirurgião. Após a Revolução de 1820, foram extintos, em tempo de paz, os cargos de Físico e Cirurgião-Mor do Exército e seus deputados. Com a Guerra Civil D. Miguel torna tudo à antiga e, mais tarde, D. Pedro IV manda construir de raiz o hospital D. Pedro V para ser hospital militar. Em 13 de Janeiro de 1837 reorganiza-se o S.S. em novos moldes, publicando-se em 10 de Novembro de 1847 o Regulamento Geral do Serviço de Saúde do Exército e que abrangia tanto as situações de paz como as de guerra. Uma nova reforma do Serviço de Saúde é publicada em 6 de Outubro de 1851, que cria o lugar de cirurgião em Chefe do Exército e extinto o Conselho de Saúde do Exército. E muitas outras reorganizações se sucederam mais na forma do que no conteúdo, ou tocando apenas aspectos menores do Serviço. Estas reformas prolongaramse pela República. A Direcção do S.S.M. passou a ter alguma autonomia despachando o respectivo director directamente com o Ajudante General, passando a estar instalada no Palácio da Quinta da Alfarrobeira a partir de 10 de Outubro de 1943. As notáveis campanhas ultramarinas do fim do século XIX exigiram também um grande esforço por parte do S.S.M.. Um médico participou inclusive directamente na acção sobre Chaimite. De realçar ainda que a esposa de Mouzinho de Albuquerque, juntamente com duas freiras de Cluny, montou um Hospital de Sangue, no Chibuto. Os médicos navais tiveram, um pouco por todo o lado não só acção directa na prevenção e tratamento de doenças nas tropas, como ainda estendiam a sua acção às populações gentílicas. A IGG obrigou Portugal a bater-se em quatro frentes: a Flandres, Angola, Moçambique e o Atlântico. As necessidades e mobilização foram enormes só acompanhas pela carência de recursos. Também aqui muitos elementos do SSM, do quadro e milicianos, um esforço cuja história – como tantas outras -, está ainda por fazer. Durante o segundo conflito mundial as forças expedicionárias aos Açores, Madeira e Cabo Verde incluiram subunidades de saúde, o mesmo se verificando para as duas expedições preparadas para reocupar Timor, a partir de Moçambique. Com as reivindicações da União Indiana, sobre o Estado Português da Índia, a partir de 1947, foi preciso preparar os quadros orgânicos e as sub unidades do Serviço de Vasconcelos e Menezes, Granja Brandão, Orlando Gouveia Pereira, Carlos da Silveira Amaral Alegria. Ver Abreu, CALM Rui de “Hospital de Marinha”, Revista da Armada, Fev a Abr de 2006. 10 Saúde para apoiarem os reforços enviados durante toda a década de 50 para o território, cujas forças eram praticamente simbólicas. Uma palavra para o Serviço de Saúde da Força Aérea (FA). O Serviço de Aeronáutica Militar, criado em 1914, foi incluído no Exército. Dele se destacou, em 28 de Setembro de 1917, a Aviação Naval. Ambos os serviços eram pois apoiados em termos de saúde pelos respectivos Ramos. O Serviço de Aeronáutica Militar evoluiu, em 1924, para a Aeronáutica Militar constituída então como a 5ª Arma. Em 1952, uma profunda reorganização da Defesa Nacional integrou, através do DL 38805 de 18/6/52, as componentes aéreas do Exército e Armada, criando a FA como ramo independente com efeitos a partir de 1 de Julho. 26 O Serviço de Saúde da FA só é criado, contudo, apenas em 1956, através do DL 40949 de 28/12. Os quatro anos que intermediaram podem ser considerados como de transição em que parte dos meios humanos e materiais, assegurados pelo Exército e Armada passaram paulatinamente para a nóvel FA. 27 A primeira especificidade que se deparou ao novo serviço foi o cuidado especial a ter numa selecção médica do pessoal navegante e exames periódicos de revisão, facto que o primeiro director Cor médico José Maria Fernando Lopes teve o cuidado de equacionar devidamente. Deste modo foi criado o Centro Médico-Psicológico, chefiado pelo Maj Med João José Varela (com o curso de medicina aeronáutica), que se pode considerar o antecessor do actual Centro de Medicina Aeronáutica. A DSS, que inicialmente fora instalada no edifício do EMFA, na Avenida da Liberdade, passou para o Depósito de Adidos da FA no Lumiar, em 1974, daqui para o novo EMFA, em Alfragide, em 1985 e novamente para o Lumiar, em 1995, a fim de potenciar os meios humanos existentes, dada a sua escassez. Um órgão que marcou positivamente a DSS da FA, foi o Hospital da Terra Chã, na Ilha Terceira que funcionou entre 1946 e 1975, e onde marcou presença indelével, durante décadas o TCor Med Viriato Garrett. Este hospital recebeu numerosos feridos da FA, durante as operações de soberania efectuadas em África, entre 1961 e 1974. A FA foi, aliás, o único ramo das FAs que, na previsão de eclosão de terrorismo e acções de guerrilha nos territórios portugueses em África, começou a treinar as suas forças, a projectá-las e a criar infra-estruturas e organização, em Angola, Moçambique e Guiné que pudessem fazer frente à subversão, como de resto veio a acontecer. 28 Desde o início da subversão em Angola que foram criadas delegações de Serviço de Saúde, secções de saúde nas Unidades e reforçados os meios humanos. Mais tarde criaram-se quadros orgânicos. 26 É curioso notar que quase dois anos antes da criação da FA já o governo nomeia, em 1 de Agosto de 1950, o TCor Kaulza de Arriaga, como sub Secretário de Estado da Aeronáutica, cargo inexistente até então. 27 De início o DL que instituía a FA atribuía a esta 15 médicos, 1 farmacêutico e 46 enfermeiros oriundos dos outros ramos, por ex. 28 Durante os 14 anos de guerra a FA construiu um teatro de operações ultramarinas cerca de 700! infraestruturas aeronáuticas desde pistas de terra batida a modernas bases aéreas. 11 A necessidade de médicos veio obrigar a mudar as regras de recrutamento e ingresso no quadro permanente, de modo a mais facilmente permitir o seu aumento 29. Como complemento aumentou extraordinariamente o recrutamento de médicos milicianos. A questão dos enfermeiros foi resolvida através do voluntariado e da possibilidade de, após três anos, poderem ingressar no quadro. Durante toda a guerra notaram-se discrepâncias na formação dos enfermeiros do Exército e da FA – cujo curriculum não correspondia as cursos homólogos civis -, e os da marinha estes sim formados na mais antiga escola de enfermagem do país, e que pertencia àquele Ramo. A situação só veio a resolver-se com a criação da Escola do Serviço de Saúde Militar comum aos três Ramos, em 1980 (sendo extintas todas as outras). 30 Caso notável, a todos os títulos, e como tal deve ser referido, trata-se da criação do núcleo de enfermeiras pára-quedistas, ainda em 1961, a fim de poderem prestar os primeiros socorros junto às tropas em operações e a providenciar as melhores condições para a evacuação sanitária 31. Entre 1961 e 1974 realizaram-se nove cursos de enfermeiras pára-quedistas sendo brevetadas 47 das 126 que se candidataram. Os Serviços de Saúde dos outros Ramos acompanharam também de um modo excelente as operações em África, multiplicaram os seus esforços, criaram infra— estruturas e até “escola de saber” e constituíram-se vasto campo de experiência prática onde tirocinaram várias gerações de médicos portugueses. 32 Os hospitais militares da Metrópole adaptaram-se para receber e tratar os feridos evacuados do Ultramar e a Marinha mantinha ainda, em Cabo Verde, um Serviço de Saúde, no Comando Naval. Os navios que transportavam tropas para o Ultramar também levavam médico a bordo. Os médicos e enfermeiros militares não se limitavam a apoiar os seus camaradas de armas, ultrapassaram-se em “mil” acções de apoio sanitário às populações indígenas cuja importância jamais será possível contabilizar. E contam-se muitos casos de abnegação e heroicidade em combate. Em 1974 todos os teatros de operações africanas dispunham de modernas unidades hospitalares, tendo-se criado a fama de que ferido que lá conseguisse chegar, sobreviveria! O fim das Campanhas Ultramarinas em 1975, que culminou com a Descolonização e o fim do projecto político multissecular do “Minho a Timor”, marca o ponto de partida para a história contemporânea do S.S.M. tal como o temos hoje. 29 Obrigou também à expansão dos quadros. Na FA criou-se o posto de Brigadeiro para Director do S.S. o primeiro oficial a ser promovido a este posto foi o já citado médico João José Varela. 30 Esta Escola forma ainda os enfermeiros para a GNR e ainda alguns civis, mediante protocolo. 31 Despacho 418/61. O primeiro curso iniciado em Junho de 1961, foi concluído em 8 de Agosto, por 6 das 11 candidatas. 32 Só pelo Exército foram mobilizados para o Ultramar cerca de 1100 médicos milicianos. Ver Carlos Vieira Reis, “História da Medicina Militar Portuguesa”, Vol II, pág. 113. 12 3. Missão “... doença crua e fera A mais fera eu nunca vi; ... Que tam disformemente ali lhe incharam As gengivas da boca, que crescia A carne e juntamente apodrecia? Apodrecia com fétido e bruto Cheiro, que o ar vizinho inficionava. ... Mas qualquer Pela carne já podre assim cortava Como se fora morta Pois que morto ficava quem a tinha” Lusíadas, V, 81-82 (sobre o escorbuto) Podemos subdividir a missão do Serviço de Saúde Militar (SSM) em duas: a genérica e a específica. Genérica: apoiar os efectivos militares e civis por todas as forças e acções que concorram, a nível individual e colectivo, para a promoção e manutenção do mais elevado estado sanitário, capaz de garantir o melhor potencial de combate; Específica: assegurar a prontidão física e psicológica dos efectivos militares, através da selecção, preparação e acompanhamento, visando a operacionalidade nos teatros de operações previsíveis. Dentro da missão genérica deve ainda incluir-se o apoio sanitário e hospitalar (que a lei determinar), aos familiares dos servidores da Instituição Militar (IM). No âmbito específico, deve também fazer parte o tratamento e recuperação das deficiências físicas e psicológicas, contraídas em serviço e a capacidade de actuação no âmbito da coordenação com o Serviço Nacional de Protecção Civil (SNPC) e a Comissão Nacional de Planeamento Civil de Emergência (CNPCE), que esteja instituída. 33 Na implementação prática da missão do Serviço de Saúde Militar, tem que se ter em conta o Conceito Estratégico Militar (CEM), que deriva, como se sabe, do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e donde decorrem o Dispositivo e Sistema de Forças e ainda o que se passa nas Organizações de Defesa e Segurança de que Portugal é membro nomeadamente, a NATO, sobretudo naquilo que o nosso país acorda em implementar. Como se sabe e a título de lembrança, refere-se que o CEM leva em conta a situação geopolítica, as capacidades e vulnerabilidades do país, as ameaças, os cenários de possível actuação das forças nacionais e o conceito militar de acção. 33 De realçar ainda que nas “Missões” atribuídas às FAs constaram “tarefas relacionadas com a satisfação básica e a melhoria da qualidade de vida das populações”. 13 Noutro âmbito a estrutura do SSM deve levar em conta as ligações e complementaridades que se pretendam estabelecer com organismos civis, donde se destacam aqueles ligados ao SNPC. Finalmente, como nenhuma estrutura pode funcionar sem pessoas é necessário prever o recrutamento, selecção e formação dos meios humanos que vão integrar e dar vida ao SSM e proporcionar-lhes uma carreira. Estaremos então aptos a contabilizar os custos e elaborar um orçamento. Ou a ser condicionado por este. 4. Actualidade Meios Existentes “Que todas as praças sejam obrigadas a tomar banho geral cada mês pelo menos, como medida higiénica e altamente vantajosa, pois algumas declararam, perante a Junta de Saúde, nunca terem tomado banho geral em toda a sua vida …” Rodrigues Bastos In “Recomendação ao Cmd. do Corpo de Marinheiros”, Década de 1860 Para cumprir, na actualidade, a missão que lhe foi confiada o SSM conta com os seguintes meios/estruturas: A. Ministério da Defesa Nacional MDN DGP DSSAS DSM DAS 14 MDN – Ministério da Defesa Nacional DGP – Direcção Geral de Pessoal DSM – Divisão de Saúde Militar DAS – Divisão de Assuntos Sociais A DSM tem como missão: (1) Estudo e acompanhamento das políticas de Saúde Militar a) promoção da medicina preventiva e do trabalho e acompanhamento da sua execução; b) acordos de normalização ao nível dos Stanag’s. c) relações com organizações internacionais e estrangeiras; d) coordenação da execução das medidas de combate às toxicodependências e infecciologia nas FA; (2) Estudo e acompanhamento das políticas de Segurança Social dos militares – promoção da harmonização do sistema de assistência na doença aos militares; O CEMGFA não dispõe em tempo de paz de nenhum órgão no âmbito da saúde militar. Em tempo de guerra tem o Comando Operacional através dos Comandantes Operacionais. B. Armada A Armada possui a seguinte estrutura: CEMA OCAD SSP DSS RRH RLOS HM CMN UTITA CEMA – Chefe do Estado-Maior da Armada OCAD – Órgãos Centrais de Administração e Direcção SSP – Superintendência do Serviço de Pessoal DSS – Direcção do Serviço de Saúde 15 CAS RSF RRH – Repartição dos Recursos Humanos RLOS – Repartição de Logística e Operações Sanitárias HM– Hospital da Marinha CMN – Centro de Medicina Naval UTITA- Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependentes e Alcoolismo CAS – Centro de Abastecimento Sanitário As infraestruturas/meios na dependência da Armada são: (1) Hospital da Marinha Com as seguintes capacidades: * três serviços de internamento - Medicina/especialidades médicas (30 camas) - Cirurgia/Ortopedia (30 camas) - Enfermaria para familiares (30 camas) * um serviço de atendimento permanente * uma unidade de cuidados especiais (5 camas) * um serviço de consultas * um serviço de imagiologia * um serviço de patologia clínica * um bloco operatório * uma farmácia Total de camas : 99 (2) Centro de Medicina Hiperbárica Tem como missões principais: - Apoiar no treino dos mergulhadores da Armada, com simulação de mergulhos em seco até às 10 bar abs (90 metros). Treino de adaptação a pressões elevadas de mergulhadores assim como treino com equipamentos de mergulho profundo, utilizando várias misturas respiráveis (incluindo misturas de Heliox) - Atestar a aptidão médica dos Mergulhadores da Armada para a actividade subaquática e a realização de testes em câmara hiperbárica: Teste de Pressão Teste de Tolerância ao Azoto Teste de Sensibilidade ao Oxigénio - Apoiar as operações dos Mergulhadores e Submarinos da Armada, na eventualidade de acidentados no tratamento em câmara hiperbárica. - Apoiar as operações dos Mergulhadores e Submarinos, envolvidos em operações militares ou de segurança do âmbito de forças Natos, na 16 eventualidade de acidentados no tratamento em câmara hiperbárica. (ver Anexo A) (3) Centro de Medicina Naval O Centro de Medicina Naval é responsável pela coordenação e controlo da actividade médico-sanitária de apoio às unidades, designadamente nas suas vertentes de saúde pública e medicina preventiva, saúde ocupacional e assistência médica e apoio às operações, incumbe em especial: - - Coordenar os cuidados de saúde primários na Marinha, em conformidade com os objectivos superiormente definidos; Coordenar os serviços de saúde ocupacional e de medicina preventiva, bem como propor normas e princípios orientadores nestas áreas; Propor os princípios orientadores e as normas para a execução da saúde ocupacional; Apoiar os comandos e unidades do ponto de vista operacional, propondo as estruturas de saúde adequadas e promovendo a sua posterior utilização, nas tarefas operacionais que lhe sejam solicitadas. (4) Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo (UTITA) À UTITA incumbe assegurar o tratamento de alcoolismo e toxicodependências na área da reabilitação psico-social. A UTITA é um serviço de utilização comum para os três ramos das Forças Armadas, cuja actividade inclui, designadamente: A reabilitação psico-social após desintoxicação médica; O apoio na reinserção sócio-laboral; A formação de operadores de prevenção para actuação no meio laboral; O ensino pós-graduado a médicos, psicólogos e psicoterapeutas, enfermeiros, técnicos de serviço social e outros técnicos nas diferenciações de adição e de técnicos de aconselhamento em adição. (5) A nível das unidades operacionais (navios), existe uma secção de saúde permanente com um sargento enfermeiro nos navios tipo fragata e navio de apoio logístico. Em determinadas missões/exercícios embarca um oficial médico. (6) Neste ponto torna-se necessário introduzir o conceito de Serviço de Utilização Comum (SUC): são órgãos/serviços médicos especializados que têm a seu cargo a prestação de cuidados relativos ao seu foro a todos 17 os militares dos três ramos das FAs e a outros eventuais utentes na sua capacidade sobrante, em moldes a determinar. Cada SUC funciona num órgão de um dos ramos ao qual é cometida a responsabilidade da sua organização, gestão e funcionamento. À Armada cabe a responsabilidade dos seguintes SUC: - Serviço de Medicina Hiperbárica; - UTITA. - Laboratório de Hemodinâmica (ainda não imnplementado) (7) Meios humanos (dados de 2006) Os meios humanos da Armada, ligados à saúde são os seguintes: Médicos militares – 81 Médicos civis – 22 Médicos dentistas - 14 Farmacêuticos militares – 10 Farmacêuticos civis – 2 Enfermeiros militares – 171 Enfermeiros civis – 7 Técnicos diagnóstico militares – 22 Técnicos diagnóstico civis – 18 Auxiliares de acção médica – 51 Total: 298 militares 100 civis C. Exército O Exército possui a seguinte estrutura: CEME OCAD Cmd Logistica Órgãos apoio a mais de um ramo ESSM DSS Subdirector Inspecção Rep. Saúde Rep. Ap. Geral 18 CMMV Rep. Mat. Equip. CEME – Chefe do Estado-Maior do Exército OCAD – órgãos de Comando Administração e Direcção DSS – Direcção do Serviço de Saúde ESSM – Escola do Serviço de Saúde Militar CMMV – Centro Militar de Medicina Veterinária Infraestruturas/meios na dependência do Exército: (1) Hospital Militar Principal (HMP) * Oito serviços de internamento - Cardiologia (20 camas) - Cirurgia Geral (70 camas) - Ginecologia (15 camas) - Medicina Física/Reabilitação (18 camas) - Medicina Interna (70 camas) - Ortopedia (40 camas) - Psiquiatria (35 camas) - Urologia (8 camas) * Serviço de Assistência Permanente (8 camas) * Uma Unidade de Cuidados Intensivos (5 camas) * Um Serviço de Consultas * Um Serviço de Imagiologia (clássica/ecográfica/TAC) * Um serviço de Patologia clínica ( + Imuno Hemoterapia e Anatomia Patológica) * Um bloco operatório * Uma Farmácia * Investigação e desenvolvimento * Total de camas : 299 + 14 de reserva = 313 (2) Hospital Militar de Belém (HMB) É constituído por. * três serviços de internamento: - Infecciologia (doenças infecto-contagiosas), 50 camas - Oncologia médica (50 camas) - Pneumologia (120 camas) * Reabilitação * Laboratório /análises clínicas, técnicas, cardiológicas e pneumólicas, imagiologia); * Serviço de consultas * Farmácia Hospitalar e delegação do LMPQF * Centro Militar de Medicina Preventiva (apoia os militares destacados em missões externas) * Actividades de Investigação e Desenvolvimento Total 220 camas (3) Hospital Militar Regional (HMR-1) 19 Situado no Porto, é constituído por: * Quatro serviços de internamento - cirurgia geral (28 camas) - medicina interna (25 camas) - ortopedia (65 camas) - psiquiatria (13 camas) * Serviço de Assistência Permanente (10 camas) * Unidade de Recobro (2 camas) * Unidade de cirurgia ambulatória (4 camas) * Unidade de cuidados especiais ( 10 camas) * Unidade de hemodiálise * Serviço de consultas * Serviço de Imagiologia * Serviço de Patologia clínica * Bloco operatório * Farmácia Total de 200 camas (4) Hospital Militar Regional (HMR-2) Situa-se em Coimbra, e é constituído por: * Quatro serviços de internamento: - cirurgia geral - ortopedia - medicina I e II - pavilhão da família militar * Serviço de Assistência Permanente (3 camas) * Serviço de consultas * Serviço de imagiologia * Serviço de patologia clínica * Bloco operatório * Farmácia Total de 104 camas (5) Centro de Saúde de S. Margarida Constituído por: * Serviço de internamento de medicina interna (17 camas) * Serviço de assistência permanente (4 camas) * Serviço de consultas * Serviço de imagiologia *Serviço de patologia clínica * Farmácia Total de 21 camas Existem ainda mais dois centros de saúde em Tancos e S. Jacinto (BAI) (6) Centro de saúde de Évora 20 * Serviço de internamento * Cirurgia geral * Medicina interna * Ortopedia * Serviço de consultas * Serviço de imagiologia * Serviço de patologia clínica * Bloco operatório * Farmácia Total de 30 camas (7) Laboratório de Produtos Químicos e Farmacêuticos (Lisboa) (8) Cada Unidade do Exército (tipo regimento) possui uma sessão de saúde com enfermeiro e socorrista e, por vezes, médico, não em permanência. (9) Os SUC a cargo do Exército são: * Serviço de infecciologia (HMB) * Serviço de Imuno-Hemoterapia (HMP) * Serviço de Hemodiálise (HMP) (10) Para apoio das Unidades em campanha o Exército possui um Hospital Cirúrgico Móvel estacionado na guarnição militar de Coimbra, cuja missão, organização e meios constam do Anexo B. (11) Meios Humanos (dados de 2006) Os meios humanos do Exército, ligados ao Serviço de Saúde são os seguintes: - médicos militares - 88 - médicos civis contratados e avençados - 225 - farmacêuticos militares - 34 - médicos dentistas militares - 11 - enfermeiros militares - 153 - enfermeiros civis - 102 - técnicos sup. saúde civis - 13 - médicos veterinários militares - 27 - técnicos diag. ter. militares - 68 - técnicos diag. ter. civis - 75 - farmacêuticos civis -4 - socorristas - 629 - auxiliares acção med. (civis) - 127 Total 1008 militares 564 civis 21 D. Força Aérea A Força Aérea possui a seguinte estrutura: CEMFA CPESFA DS ISFA CPSIFA CMA HFA CEMFA – Chefe de Estado-Maior da Força Aérea CPESFA – Comando de Pessoal da Força Aérea DS – Direcção de Saúde ISFA – Instituto de Saúde da Força Aérea CPSIFA – Centro de Psicologia da Força Aérea CMA – Centro de Medicina Aeronáutica HFA – Hospital da Força Aérea O CMA procede à avaliação de aptidões aeromédicas com o objectivo de seleccionar e controlar todo o pessoal empenhado em operações aéreas. Infraestruturas/meios, na dependência da Força Aérea (1) Hospital da Força Aérea (HFA) Situado em Lisboa é constituído por: * Três serviços de internamento - cirurgia (30 a 35 camas) - medicina ( “ ) - ortopedia ( “ ) * Serviços de quartos particulares (23 camas) * Serviço de consultas * Serviço de Imagiologia (clássica, ecográfica eTAC) * Serviço de patologia clínica e serviço de anatomia patológica * Serviço de medicina nuclear * Bloco operatório 22 * Farmácia Total de 90/100 camas especialidades médicas e 22 (2) Centro de Medicina Aeronáutica (CMA) Compreende as especialidades médicas de cardiologia, neurologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, pneumologia e psiquiatria. (ver Anexo C) (3) Centro de Psicologia Aplicada (CPSIFA) (4) Seis Centros de Saúde e seis postos médicos nas unidades. Dum modo genérico os órgãos de saúde são constituídos por uma rede de cuidados de saúde distribuída pelas unidades da FA e que têm uma expressão de Centro de Saúde nas unidades operacionais e no Centro de Formação da Ota e uma menor capacidade de resposta nas restantes unidades, designadas por Postos Médicos. (5) Os SUC a cargo da FA são: * Serviço de Medicina Nuclear * Centro de Medicina Aeronáutica * Fisioterapia * Queimados (6) Meios humanos (dados de 2005) - médicos militares - 90 - médicos civis - 41 - médicos veterinários militares -3 - médicos veterinários civis -4 - farmacêuticos militares -2 - farmacêuticos civis -1 - médicos dentistas militares -6 - médicos dentistas civis -4 - sargentos enfermeiros - 85 - socorristas - 130 - enfermeiros militares - 97 - enfermeiros civis - 44 - técnicos de diagnóstico e terapêutica - 28 - auxiliares de acção médica - 40 total - 328 militares - 162 civis E. Pessoal O tratamento dos assuntos referentes a pessoal merecia , por si só, um estudo alargado. De facto, entre todas as especialidades existentes nas Forças Armadas, aquelas relacionadas com a saúde são talvez as que encerram mais especificidades. Por isso levantam-se especiais problemas quanto ao 23 recrutamento, selecção, instrução, exercício de funções e carreira e ainda de retenção nas fileiras. O manancial de questões podem ser englobadas em dois âmbitos: a postura decorrente da condição militar, e a necessidade de compatibilizar a carreira dentro das FAs com as necessárias equiparações e actualizações, com aquilo que se passa no meio civil. A IM sempre lidou mal com estas especificidades e as tentativas para resolver os problemas em termos globais e complementares, têm na maioria dos casos saído goradas. A norma tem sido atender a questões pontuais para o que se encontrem soluções desgarradas do conjunto e atrasadas no tempo. A recente tentativa de uniformização para a selecção e formação dos futuros médicos militares e que teve início no ano lectivo de 1998/99 com a abertura da licenciatura em saúde militar, através das Escolas Superiores dos Ramos, é uma boa iniciativa para contrariar o atrás apontado, mas já começou a abrir brechas. De há vários anos a esta parte que as FAs lutam com uma terrível falta de médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal auxiliar. A questão é desde sempre latente e tende a piorar quando a dinâmica da sociedade civil está em alta e a IM não a consegue acompanhar nos diferentes aspectos em que se possa fazer comparações. A desconstitucionalização do serviço militar como obrigatório e universal, levou a que os mancebos com as especialidades de saúde, deixassem de poder ser convocados, perdendo-se deste modo uma ferramenta importante que permitia colmatar as lacunas dos quadros permanentes e flexibilizar a gestão de pessoal. Outra consequência foi deixar de ser possível continuar a efectuar cuidados de saúde primários em muitas unidades, nomeadamente do Exército, o que trouxe também problemas quanto à triagem e evacuação de militares para hospitais ou centros de saúde em caso de necessidade; não é possível fazer medicina preventiva e controle fisiológico do esforço relativamente a treino. Por outro lado, o regime de contrato agora vigente, não é atractivo para médicos e enfermeiros e difícil de rentabilizar a nível da gestão de pessoal. As existências de pessoal nas especialidades relacionadas com a saúde militar já foram apresentadas totalizando : 34 34 Maj Gen José C. Marques, « Organização dos Serviços de Saúde Militares: uma versão actual”, Revista Militar nº 2455/2456 – Agosto/Setembro de 2006. 24 CATEGORIA MILITARES CIVIS SUBTOTAIS OBSERVAÇÕES MAR EXE FA MAR EXE FA MÉDICOS 81 88 90 22 225 41 547 FARMACÊUTICOS 10 34 2 2 4 1 53 25 3 4 32 11 6 4 35 MÉD. VETERINÁRIOS MÉD. DENTISTAS 14 TÉCN. SUP. SAÚDE 13 ENFERMEIROS 171 153 TÉCN. DIAGN. TER. 22 68 97 7 102 44 574 18 75 28 211 ENFº VET. 18 SOCORRISTAS 629 298 1008 20 EM RC; 4 EM AVENÇA 7 EM AVENÇA 12 EM AVENÇA 18 130 759 AUX.ACÇÃO MÉD. SUBTOTAIS 13 161 EM AVENÇA; 2 EM CAP; 6 EM RC 328 51 127 40 218 100 564 162 2460 Porém para se ter uma visão completa da situação relativa ao pessoal é necessário comparar estes dados com os quadros orgânicos aprovados e por postos, especialidades, etc. Um trabalho para especialistas! Com o decorrer do tempo as condições no mercado civil estabilizaram, as carreiras diferenciaram-se e a possibilidade de garantir proventos materiais, aumentou e diversificou-se. Tudo somado resultou para as FAs, que passaram a ser sujeitas a constrangimentos financeiros, em meios e burocráticos cada vez maiores, terem cada vez mais dificuldade em recrutar pessoas em quantidade e qualidade suficiente; em mantê-las nas fileiras e em contar com elas com um moral aceitável. Vários concursos para médicos, por exemplo, ficaram desertos. Algumas especialidades médicas como anestesistas e cirurgiões ficaram abaixo do mínimo aceitável. Ocorreram situações de pré ruptura e símbolos de impossibilidade. O Sub Agrupamento da GNR, destacado neste momento em Timor, só dispõe de um pequeno módulo de saúde. Não tem médico por a GNR não ter nenhum disponível e o Exército (e os outros ramos) também não terem nenhum médico para destacar. É uma equipa médica do INEM enviada pelo MAI a pedido da ONU, que cumulativamente apoia o pessoal da Guarda. O Cmd desta não tem, obviamente, qualquer competência sobre aqueles. A política de recrutamento e instrução não foi até 1998, uniforme entre os Ramos. A partir deste ano o recrutamento fez-se a partir dos alunos do 2º ano dos cursos de medicina, farmácia e veterinária que, após admitidos, passam a ser alunos das três Academias Militares. O sistema foi extensivo à GNR. Mas só a partir de 2005 se poude contar com os primeiros licenciados. A Lei prevê 25 ainda que em caso de necessidade se possam fazer contratos à semelhança das outras especialidades. Para algumas lacunas recorre-se à contratação de pessoal civil. A situação quanto à formação do pessoal de enfermagem e outros técnicos de saúde parece estabilizada desde a criação da Escola Superior de Saúde Militar, sem embargo da necessidade de ajustamentos de algumas matérias. As necessidades sentidas com a participação nas Operações de Paz e Humanitárias levaram já à criação de um curso de pós graduação em Saúde Militar. E começou também a desenvolver-se a Telemedicina que permite potenciar os meios existentes e exercer acções de saúde à distância. 35 Porém os cursos de promoção, sua duração, “curricula” e harmonização com as carreiras médicas civis, estão longe de merecer um entendimento e aceitação pacíficas. F. Doutrina NATO (1) A Doutrina NATO da qual Portugal (é sempre bom lembrar), é membro fundador (1949), estabelece que o Serviço de Saúde se insere no âmbito do apoio logístico às operações de combate e cujo conceito deve obedecer aos seguintes princípios: - Primazia das operações - Responsabilidade - Autoridade - Cooperação - Abastecimento e Suficiência - Flexibilidade - Simplicidade - Oportunidade - Economia - Coordenação - Visibilidade - Sinergia (2) Capacidades das Unidades Médicas Terrestres, Aéreas e Navais. Um aspecto que interessa focar são as diferentes capacidades das unidades atribuídas à NATO. Estas capacidades estão divididas por quatro “Roles”/escalão. Resumidamente: - forças terrestres e aéreas 36 Role 1: As unidades Role 1 fornecem primeiros socorros, triagem, ressuscitação, estabilização e reunião de feridos e doentes para ulterior evacuação. 35 Telemedicina: “uso de modernas tecnologias de informação e comunicação para a troca de informação sanitária e prestação de cuidados de saúde através de barreiras geográficas, de tempo, sociais e culturais”. Definição estabelecida pela NATO, em 2005. 36 Cor Med Jorge D. M. Cardoso, “A Doutrina de Apoio Sanitário em Ops Conjuntas e Combinadas, em missões NATO. Medidas a implementar no Serviço de Saúde Militar” (pág. 11 e seguintes) 26 Prestam consultas médicas de rotina e procedem ao tratamento de pequenos ferimentos, que permitam ao indisponível o regresso de imediato ao serviço. São um elemento essencial em todos os contingentes nacionais, e deve estar disponível para apoiar todo o pessoal da Força. De acordo com a missão pode ser aumentada (Role 1+) com uma ou mais das seguintes capacidades: Pequena capacidade de internamento (holding); tratamento dentário primário; testes laboratoriais simples; medicina preventiva; controlo do stress operacional. Role 2: São estruturas médicas intermediárias, aptas a receber maior número de indisponíveis, efectuar triagem e estabilização para posterior evacuação; dispõem de uma pequena capacidade de internamento e tratamento, até que aqueles possam regressar ao serviço ou ser evacuados. Compete-lhes ainda: Reabastecer o Role 1 em material sanitário; evacuar a partir do Role 1; reforçar o Role 1 em pessoal; manter um registo de doentes e fazer seguimento dos evacuados; executar controle do stress operacional. A projecção de Unidades role 2 está muito condicionada ao tipo de missão, à existência de um grande número de efectivos da Força, quando são previsíveis muitas baixas e sempre que os factores geográficos, topográficos e climatéricos possam de algum modo limitar a capacidade de evacuação. As Unidades Role 2 podem, de acordo com a missão, ser aumentadas com as seguintes capacidades: Cirurgia de emergência; cuidados intensivos; cuidados pós-operatórios essenciais; transfusão de sangue; capacidade laboratorial; capacidade imagiológica básica (radiologia, ecografia). O aumento de capacidades, implicando aumento de pessoal e equipamentos, reduzem necessariamente a mobilidade da Unidade, pelo que o aumento de capacidades deverá ser ponderado tendo em conta as circunstâncias operacionais. Role 3 As capacidades destas Unidades incluem as das Unidades Role 2, acrescidas em cirurgia geral, cuidados intensivos e pós-operatórios, cuidados médicos, dentários, e meios complementares de diagnóstico relevantes. Pode reforçar em pessoal os níveis inferiores e reabastece as unidades role 2. Dispõe de significativa capacidade de internamento, para permitir diagnóstico e tratamento de doentes e o seu regresso ao serviço, no quadro do regime de evacuação do Teatro de Operações (TO). São unidades “pesadas”, pouco aptas a ser deslocadas dentro do TO, pelo que a sua localização deve ser ponderada de modo a minimizar a probabilidade de uma reprojecção. As unidades Role 3 podem ser aumentadas das seguintes capacidades: Cirurgia especializada (neuro-cirurgia, cirurgia torácica, maxilo-facial, plástica, etc.); capacidades de diagnóstico avançadas (TAC, endoscopia, 27 testes laboratoriais sofisticados, etc.); especialidades médicas diversas, estomatologia e apoio de enfermagem especializado); medicina preventiva e meios de saúde ambiental. Role 4 São unidades médicas do tipo Hospital Geral, aptas a prestar tratamento definitivo, reconstrutivo e de reabilitação aos doentes e feridos evacuados dos Role 3, por falta de capacidades destes ou por exigência do regime de evacuação do TO. Em regra, são cuidados altamente especializados e demorados, prestados no país de origem do indisponível. Excepcionalmente o Role 4 pode estar localizado no TO. Capacidades das Unidades Médicas Navais Escalão 1 Presta apoio básico a unidades navais individuais, em condições semelhantes ao descrito para o Role 1. Contudo, nem todas as unidades navais, nomeadamente pequenos navios, dispõem de oficial médico no respectivo Escalão, sendo então operadas por pessoal de saúde treinado para tratamentos de emergência e reanimação, e preparar se necessário uma posterior evacuação. Escalão 2 Localiza-se a bordo de alguns grandes navios de combate ou logísticos, ou em terra nas Bases Logísticas Avançadas (FLS). As suas capacidades são basicamente equivalentes às do Role 2, provendo igualmente cirurgia de emergência, com pequena capacidade de internamento. Escalão 3 Possui capacidades cirúrgicas especializadas, apoio médico avançado, apoio dentário e de enfermagem especializada. Pode localizar-se a bordo nos PCRS que podem ser navios-hospital ou outros grandes navios anfíbios, ou em terra nas FLS e ALSS. Escalão 4 Baseado em terra, com capacidades semelhantes ao Role 4. (3) Existem compromissos com sub unidades de saúde para com a NATO, que por serem classificados não são presentes neste trabalho. (4) Finalmente existem um número elevado de acordos de uniformização (Stanag’s) que cobrem todas as áreas de operação das forças militares dos países que pertencem à OTAN. Estes acordos depois de promulgados podem ser ou não (ou apenas em parte) ratificados pelos diferentes países. Em anexo D, apresentam-se os Stanag’s existentes para as áreas médicas, aeromédicas e NBQ. 28 Portugal está longe de ter uma situação satisfatória neste âmbito. Assim e por exemplo e relativamente à Força Aérea (Air Operations Support Working Group) a situação é a seguinte: Ratificação com implementação -5 Ratificação sem implementação -3 Não ratificados -2 Sem resposta - 12 Sem informação -1 Total - 23 G. Operações de Paz, Humanitárias e Cooperação Técnico-Militar Desde 1989 que as FAs portuguesas começaram a participar em acções de cooperação técnico-militar com os novos países que outrora, fizeram parte da grande Pátria Lusitana. Do mesmo modo, a partir de 1986, os militares lusos foram chamados a intervir em diversas operações de Paz e Humanitárias, no âmbito nacional, NATO (IFOR, UFOR, KFOR, etc.), ONU (UNPROFOR, UNOMOZ, UNAVEM, MONUA, UNTAET), UEO e EU. E já o fizeram em mais de 30 países. Segue-se uma súmula das intervenções que envolveram meios do S.S.M.. (1) Missões de Paz Angola Nov92 BósniaHerzegovina “ Jan92-Jun94 Nov92-Jun94 Dez95-Dez96 Sarajevo Kosovo 1994 Desde Jul99 Angola Fev95-Jun97 Abr95-Fev99 37 Eq. Médica (3 médicos enfermeiros da Armada 1 equipa de saúde no QG 2 Antena cirúrgica em Bihac (três equipas de 9 elementos cada, dos três ramos) Módulo sanitário Role 1 com apoio médico e enfermagem às unidades destacadas (IFOR/SFOR) 1 médico da Armada Módulo sanitário Role1, com apoio médico e de enfermagem às forças destacadas (KFor) Dois módulos sanitários (nível 1) em apoio da companhia de transmissões (CTons) e da Companhia Logística (CLog6) (UNAVEMIII) Destacamento Sanitário (DS7) 37 (MONUA) Chegou a incluir um hospital cirúrgico móvel (nível 2+), durante mais de um ano (97-98) e operado de forma conjunta pelos três ramos. 29 e Afeganistão Timor “ 28Fev-23Abr02 Fev00-Jan04 1999-2003 1 equipa médica (8 militares) (ISAF) 1 módulo sanitário que incluía 2 médicos e enfermagem em apoio às unidades do exército destacadas no âmbito da UNTAET. 9 enfermeiros (dest. de Fuzileiros) (2) Missões Humanitárias Moçambique Dez92 a Dez94 Angola Angola/Cuito Angola/Cuito Guiné-Bissau Congo Guiné-Bissau “ Paquistão 30Out-30Nov92 22-26Out93 Nov 8Jun-21Jul98 11Ago-17Set98 2000 2004 Dez 2005 Pelotão sanitário que integrou o Batalhão de Transmissões (BTm4) Equipa médica Equipa médica Equipa médica Equipa médica Equipa médica 3 médicos (embarcados) 1 médico e 3 enfermeiros (embarcados) 1 médico e 1 enfermeiro (Armada) (3) Cooperação Técnico-Militar (a) Armada Nil (b) Exército - Montagem do laboratório de análises clínicas do Hospital Militar do Maputo – 1998-2002. A execução técnica foi atribuída ao HM de Belém, que fez deslocar a Maputo equipas médicas, 1997-1999. - Programa de reabilitação de crianças deficientes motores (próteses) com Angola, 1999-2001. Este programa foi atribuído do HMR2(Coimbra), que fez deslocar a Angola uma equipa médica para fazer a triagem dos doentes. (c) Força Aérea - Apoio médico ao Hospital Central de S. Tomé, feito por um médico em permanência entre Janeiro de 1991 e Março de 1996. - Ministrados cursos de Medicina Aeronáutica em Portugal a 5 formandos de Angola, 2 de Moçambique e 1 de Cabo Verde. - Efectuados estágios em medicina (1) e psicologia (4), angolanos e um em psicologia de Moçambique. - Curso de formação de técnico auxiliar de fisioterapia, 3 formandos de S. Tomé; - Uma equipa de cinco militares, deslocou-se a Angola, Moçambique e Cabo Verde em apoio às provas de admissão. - Foram assistidos em Portugal um total de 70 formandos. 30 (d) Nos hospitais militares nacionais têm sido assistidos nos últimos anos um número elevado de nacionais dos PALOPS. Para se ter uma ideia, do período de 1991 a 2002, foram assistidos em termos sanitários 659 indivíduos. 5. Análise “O médico militar deve conhecer perfeitamente a missão da unidade e os indivíduos que a integram e estar preparado para enfrentar os diferentes meios em que deve desenvolver-se, trabalhar em condições extremas de frio ou calor, assim como tratar as condições de stress de combate. A única forma de o conseguir é, além de ter prática hospitalar, estar integrado nessas unidades. A sua integração íntima nessas unidades dá um grande espírito de corpo e eleva o moral das tropas”. Llewelyn C. Revista Salud Milit, Mex, 2003 Não é verdade quando se diz que não houve mudanças na reestruturação dos Serviços de Saúde Militares nas últimas décadas. Desde 1974, e lembramos que foi necessário retroceder e reduzir umas Forças Armadas que contavam cerca de 200.000 h espalhados por quatro continentes e outros tantos oceanos e mares, combatendo em três teatros de operações distintos, para uns escassos 70.000 h (na altura) confinados à parte europeia que nos resta, podemos identificar as acções seguintes: Logo em Outubro de 1976, através da Directiva nº 4, o CEMGFA determinava que as FAs, deveriam dispor de um SS único, resultante da integração dos três SS existentes; Em 1978, o Conselho da Revolução, propunha a criação no EMGFA, da Direcção Geral do Serviço de Saúde Militar, com o objectivo de promover a integração funcional dos SS dos três ramos; Em Outubro de 1981, a CPISFA (Comissão Permanente Inter Serviços de Saúde das FAs), entretanto constituída, afirmava que o espírito da Directiva 4/76, se mantinha válida e se deveria ter acompanhado os progressos tecnológicos e organizativos nos países da NATO. 38 Relativamente ao Exército: - em 1979, a integração da sua Escola dos Serviços de Saúde com a Escola de enfermagem da Armada num único estabelecimento, a Escola do Serviço de Saúde Militar que ficou na dependência do CEMGFA, até 1993; - em 1980, a criação do Batalhão do Serviço de Saúde, em Setúbal em substituição do Regimento do Serviço de Saúde, localizado em Coimbra e extinto em 1975; 38 Ver Maj. Nuno Gonçalo Victória Duarte, “O Serviço de Saúde das FAs, uma visão prospectiva”, trabalho individual de longa duração do Curso de Estado Maior, IAEM, 1999, 2001, Anexo A 31 - a partir de 1989 a desactivação do Anexo de Campolide do Hospital Militar Principal, o qual passou a fazer parte dos imóveis a alienar; - em 1993, a extinção do Hospital Militar Regional nº 3, em Tomar, e a transformação do Hospital Militar nº 4 de Évora, em Centro de Saúde da Região Militar Sul; - em 1993, foi extinta a Escola Prática do Serviço Veterinário Militar e Depósito Geral do Serviço de Veterinária e, o Hospital Militar de Belém, que passou a ser considerado Anexo do Hospital Militar Principal; - a partir de 1995, com a criação do Depósito Geral de Material do Exército, em Benavente, desactivou-se o Depósito Geral de Material Sanitário do Exército, localizado na Quinta da Alfarrobeira, em Benfica; - em 2005, a desactivação do Batalhão do Serviço de Saúde, em Coimbra. Na Marinha, criou-se: - em 1993, a Unidade de Tratamento Intensivo de Toxicodependências e Alcoolismo; - em 1999, o Centro de Medicina Naval; - em 1999, o Centro de Abastecimento Sanitário, responsável pela logística operacional e sanitária dos medicamentos. Na Força Aérea: - deu-se início, em 1974 a actividade do seu novo Hospital (então designado Núcleo Hospitalar Especializado nº 1), no Paço do Lumiar; - o encerramento, em 1975, do Núcleo Hospitalar Especializado nº 2, localizado na Terra Chã, na Ilha Terceira. Relativamente aos três Ramos: - a criação de um órgão central, no MDN de coordenação e definição de políticas; 39 - a criação de serviços de utilização comum (SUC). A implementação de um serviço de urgência de utilização comum, não foi por diante após um grupo de trabalhado ter chegado à conclusão da sua inviabilidade por falta de pessoal. De salientar que entre 1995 e 1998 foram feitos esforços para se equacionar novamente a reestruturação do S.S.M., com a criação do Conselho Consultivo da Saúde Militar 40; realizou-se um encontro de Saúde Militar, no Vimeiro, e outro de Reflexão sobre a Reestruturação da Saúde Militar, no IDN, em 2 e 3 de Julho de 1997. Em 2001 pensou-se a nível ministerial na criação de uma Direcção de Saúde Militar que sofreu contestação (e bem) por parte dos Ramos por ir ferir o princípio da unidade de Comando Realização do I Encontro Luso-Brasileiro de Medicina Militar, no Rio de Janeiro, em 1992, que acabou por contar com delegações de Espanha, Uruguai e Argentina. Seguiram-se mais quatro encontros alternadamente em Portugal e Brasil 41. No sexto encontro, em 1999, este passou a ter a designação de “Luso39 Despacho nº 182/MDN/94 de 29/12 e nº 188/MDN/95, de 31/7. Despacho 15/MDN/93 41 O II Encontro ocorreu em Lisboa, em Março de 1993; o II Encontro, em 1994, no Brasil; o IV Encontro, em 96 em Portugal; o V Encontro em 97, no Brasil. 40 32 Brasileiro de Medicina Militar e I Encontro de Medicina Militar da CPLP”. 42 O X Encontro viria a realizar-se em Luanda em Novembro de 2004. Acordou-se que os encontros passassem a ser anuais. Em 2005 realizou-se no Porto, voltando em 2006 ao Rio de Janeiro. E dezenas de estudos oficiais e trabalhos académicos foram produzidos, esperando que sobre eles incida a reflexão, a síntese e finalmente a decisão, que não seja apenas fazê-los jazer esquecidos numa gaveta. Além disso em termos de infraestruturas, melhorou-se em muito todas as unidades existentes, alienou-se o anexo hospitalar de Campolide, fechou-se o hospital militar de Tomar e transformou-se o de Évora em Centro de Saúde. Criou-se a ESSM e centralizaram-se os órgãos. Não se pode pois, como ainda se ouve dizer, que nada se fez para reestruturar a S.M.. Pode-se é questionar métodos, prazos e sinergias. E, sobretudo, tentar perceber o porquê das coisas, sem o que dificilmente se melhorará os procedimentos futuros. (ver Anexo E, Legislação Enquadrante do S.S.) A. História Quanto ao que foi dito relativamente à História do S.S.M., ela mostra-nos que este acompanhou ao longo das épocas as vicissitudes do País e das suas FAs e os desenvolvimentos tecnológicos e científicos. Não desmereceu do todo, e foi cumprindo a sua missão. A História é um elemento essencial de integração social e de ensinamentos para o futuro. É assim essencial que a história dos SSM e da Medicina Militar, sejam individualizados na História da Medicina Portuguesa e da Saúde em Portugal. Por outro lado é necessário que marquem presença e se afirmem na História da Medicina Internacional. Deve ainda ser estudada de modo a obterem-se “sínteses de conhecimento”. Os seus aspectos mais relevantes e os seus servidores mais notáveis devem ser dados a conhecer às gerações futuras. É preciso lembrar os feitos e as descobertas científicas que começaram no século XV/XVI; a importância de Garcia da Orta e Tomé Pires na farmacologia e terapêutica; a dessiminação do conhecimento a nível mundial da flora, seu transporte e modificações; a introdução da medicina ocidental na Ásia, nomeadamente no Japão, onde se fundou o que ficou conhecido pela “Escola de Cirurgia dos Bárbaros do Sul”; o notável hospital que fundámos em Goa, ainda nos fins dos século XVI; os desenvolvimentos na medicina tropical, etc. É um legado riquissimo que se estende até aos nossos dias que deve ser afirmado nacional e internacionalmente e que tem especial interesse, contemporaneamente, no âmbito da relações da CPLP e da Comunidade Ibero-Americana. B. Missão 42 Posteriormente, realizaram-se os VII Encontro, no Brasil, em 2000; o VIII, em 2002, em Portugal e o IX, no Brasil no ano seguinte, passando a denominar-se “Encontro de Medicina Militar da CPLP”. 33 Da análise das missões – cometidas ao SSM o que se pode dizer, em síntese, é que aumentaram enquanto que os meios disponíveis diminuiram. De facto com as alterações sucessivas do CEDN e com o alargamento cada vez maior da participação do Estado Português em Organizações de Defesa e Segurança Internacionais, o número, diversidade e complexidade de missões têm aumentado. A agregar a tal evidência deverá acrescentar-se os cenários muito diversificados em termos geográficos, de clima, sociais, etc., em que as missões têm vindo a ser cumpridas, bem como o âmbito diversificado (NATO, ONU, UEO 43, UE, CPLP, nacionais, etc.), em que ocorrem. As principais missões são aquelas englobadas nas designações genéricas de Operações de Paz e Humanitárias. Desde 1989 que passou a haver projectos na área da Cooperação Técnico-Militar onde os SSM têm participado. Mas também ganharam relevo as missões de segurança e evacuação de cidadãos nacionais estacionados em áreas de crise e conflito e ultimamente têm aumentado as acções no âmbito da CPLP. Como pano de fundo a tudo isto, acresce o facto dos governos e das FAs estarem muito pressionados a nível de opinião pública no sentido de cumprirem as missões sem baixas, o que impõe uma maior acuidade sobre o apoio sanitário às forças destacadas. C. Quanto à estrutura e meios materiais (1) Numa análise sumária à estrutura orgânica dos SSM pode verificar-se que não existe na estrutura superior de comando e direcção, nenhum órgão supra ramos que permita definir uma Política de Saúde Militar. A Divisão de Saúde Militar existente a nível de Direcção Geral de Pessoal (DGP) do MDN, tem, fundamentalmente, servido como órgão de conselho do ministro não possuindo as competências nem a autoridade para impor seja que medida for aos Ramos. Não é ainda linear se um órgão deste tipo deve ficar na dependência do MDN ou do CEMGFA, tudo depende da estrutura e linhas hierárquicas e funcionais que se queiram estabelecer. Também não parece claro que tal órgão dependa da DGP, já que se a principal função for a definição de políticas, então caberá melhor na DGPDN; se a vertente a privilegiar for a logística então a DIREC aparenta ser o órgão mais bem posicionado para a receber. A alternativa será a de haver responsabilidades repartidas ou um órgão que se poderá chamar “Direcção Geral de Saúde”, que reuna a responsabilidade de todas as valências, dada a especificidade da saúde militar. Neste caso a dependência deve ser directa do MDN ou CEMGFA. Esta última hipótese parece ser a mais realista. De qualquer modo será avisado que apenas disponha de competência técnica sobre os ramos e não tenha sob a sua dependência nenhuma sub unidade que cumpra o elo final da missão, as quais devem estar dependentes dos ramos, a fim de não pôr em causa o primeiro da unidade de comando. 43 Entretanto extinta. 34 (2) Quanto à estrutura dos Ramos verifica-se uma dicotomia entre a FA e a Marinha, por um lado e o Exército por outro, no sentido em que os respectivos S.S. dependem, quanto aos primeiros do Comando de Pessoal e no segundo, do Comando da Logística. Também aqui o assunto não é líquido, embora fosse útil, em termos de unidade de doutrina, que a estrutura fosse idêntica. Sem embargo, tendo em conta que o SS faz parte, em termos conceptuais, do apoio logístico às tropas quer em tempo de paz quer em situações de campanha, e este apoio não ter propriamente a ver com gestão de pessoal, inclinamo-nos para que as Direcções de Saúde dependam dos “Comandos Logísticos” e não dos “Comandos de Pessoal”. Até porque, havendo um órgão superior este definiria as políticas relativas a pessoal. (3) Outro aspecto importante seria o de separar águas entre as competências técnicas que devem ser espaço privilegiado dos órgãos tipo “Direcção” e a dependência das unidades que têm funções “operacionais” e “executivas”, que devem estar dependentes directa, ou por um comando intermédio, dos respectivos “Comandos”. Assim, hospitais, escolas, laboratórios, centros, etc., devem deixar de depender directamente dos Directores de Saúde que teriam apenas competência técnica, e passar a depender dos Comandos funcionais. Os órgãos de inspecção devem ser reduzidos ao mínimo indispensável. (4) Quanto às infraestruturas hospitalares existe grande controvérsia relativamente à sua manutenção quadripartida ou à sua junção numa única, isto na área de Lisboa. O assunto não é pacífico. Porém, tendo em conta: -a especificidade dos ramos; - a relativa implicidade de gestão e bom cumprimento da missão, dos quatro hospitais existentes; - a impossibilidade prática de encontrar financiamento bastante para a construção de uma unidade hospitalar moderna comum aos três Ramos; -as dificuldades de ordem técnica, de gestão de pessoal, financeira, de organização, controle, disciplina, segurança e atendimento não aconselham, hoje em dia, a construção de grandes unidades hospitalares 44 , parece mais curial manter o sistema actual melhorando-o pese embora os custos acrescidos de manutenção derivados da antiguidade que a maioria das instalações do Exército e da Armada, possuem. Há no entanto que aumentar o número de SUC’s ; deixar de duplicar ou triplicar valências, concentrar especialidades e tornar mais flexível a gestão de pessoal, permitindo a sua mobilidade entre órgãos dos diferentes ramos. É certo que a relação cama/utente a nível das FAs, 6,3/1000 é superior à média nacional que é de 2,4/1000, mas tal pode ser atenuado através de protocolos com o serviço nacional de saúde, e/ou melhorado a assistência 44 Modernamente, defende-se que um hospital não deve ter mais do que 150 a 200 camas. 35 aos membros e familiares das Forças de Segurança. 45 Não se deve alienar nada sem garantias de melhor substituição futura ... (5) Outro aspecto importante trata-se da existência de uma urgência militar. Actualmente existe um serviço de urgência no HMP, na Estrela, que funciona com muitas limitações, sobretudo no âmbito de pessoal. Este aspecto deve ser ultrapassado rapidamente e a urgência deve ser garantida por pessoal dos três Ramos e não só do Exército como acontece hoje em dia. Além disso parece avisado transferir a urgência para o Hospital da Força Aérea, que tem instalações modernas, melhores acessos, heliporto e terreno para expansão. Para evitar o anormal afluxo de utentes à urgência, seria de equacionar a criação de um Centro de Saúde Militar, em Lisboa, que pudesse fazer a triagem dos doentes, à semelhança do que acontece com o Serviço Nacional de Saúde. (6) As outras unidades hospitalares militares não parecem desproporcionadas relativamente à população que têm que apoiar, cerca de 250000 pessoas (inclui parte das forças de segurança). São necessários ainda para garantir o treino e o tirocínio do pessoal em formação. Além disso, deve-se ter em conta que, em termos militares deve haver sempre capacidade supletiva a fim de fazer face a crises ou catástrofes naturais. Deverá ser equacionado a mudança do Hospital Militar Regional 2 de Coimbra, dada a antiguidade das suas instalações e localização, para a área de Tancos/S.Margarida, dada a grande aglomeração de unidades aí existentes e à localização do Hospital Móvel Cirúrgico. (7) À existência de gestão de um banco de sangue, devia ser dado também alguma atenção. (8) Ao tipo de equipamentos existente e a sua adequabilidade tecnológica é bastante razoável, embora seja um aspecto em que seja necessário investir continuadamente. Já aparece como negativo, não haver ainda quem centralize e racionalize a compra do material para os três Ramos e que por vezes algum equipamento, por inadequado planeamento, falta de verbas e, ou técnicos para o montar e ou, operar leve demasiado tempo a ficar operacional. (9) Existe um número alargado de ambulâncias para evacuação normal e até todo o terreno, mas existe falta de viaturas desse tipo, medicalizadas. (10)A falta de helicópteros medicalizados para evacuação sanitária, é uma falha grave. A capacidade dos helis da Marinha para evacuações é muito limitada e a do Exército ainda não existe. Só a FA dispõe de um heli de alerta H24, no Montijo, Beja, Porto Santo e Lages, embora vocacionados para a busca e salvamento. Existem kits de evacuação sanitária para equipar as aeronaves C130 e Aviocar, mas a capacidade é reduzida.A Marinha não dispõe de nenhum navio hospital. (11)Uma palavra sobre o Laboratório de Produtos Químicos e Farmacêuticos. O seu custo/eficácia, nos moldes actuais, parece-nos de pouca valia. É 45 Maj. Nuno C. Victoria Duarte, Obra citada, anexo K. 36 apenas um intermediário na compra e distribuição de medicamentos, processo que os encarece. Mantêm ainda uma estrutura pesada, herança ainda da notável acção que teve durante a guerra do Ultramar entre 1961 e 1974. O laboratório de investigação de biologia, de recente criação ainda está a dar os primeiros passos e pode ter outra dependência. Deste modo deve ser equacionado a viabilidade do LMPQF, proceder à fabricação de medicamentos, promover investigação científica de utilidade para as FAs ou outra mais valia qualquer ou, em caso negativo, proceder ao seu encerramento gradual. (12)Dentro da logística da saúde – que deveria ter um tratamento mais alargado -, torna-se fundamental proceder à constituição de “reservas de guerra”, relativamente a material de saúde, medicamentos, etc. e à gestão dos seus stocks. (13)O HCM, recentemente reorganizado, está longe de estar completo em termos de pessoal e material; capacidade de transporte e sobretudo em treino, por ser muito difícil reunir todas as suas sub-unidades. Este âmbito é muito crítico, pois trata-se da unidade mais capaz e sofisticada para apoiar forças em operações e garantir compromissos internacionais. (14)Finalmente a falta de meios e a desarticulação existente impede também a existência de planos de contingência e um entrosamento com o Serviço Nacional de Protecção Civil. D. Pessoal (1) As questões relacionadas com o pessoal que preenche as estruturas de saúde das FAs, são aquelas mais delicadas e, porventura, de mais difícil solução. Devem pois ser aquelas que devem merecer dos responsáveis a primazia correspondente. (2) Os SSM chegaram ao fim da Descolonização com um conjunto de saber e experiência acumulado notável. Os médicos militares granjearam, na altura, uma merecida consideração e prestígio, derivados da prática continuada de actuação em campanha e o que isso representava em maturidade, desembaraço, capacidade de decisão, diagnóstico rápido, sangue frio, improvisação e capacidade de actuar debaixo de stress. Os hospitais militares tanto no Ultramar como na Metrópole aumentaram imenso as suas capacidades e melhoraram os seus níveis técnicos e num ambiente que não tinha paralelo nos congéneres civis motivando, assim, os médicos militares e civis para neles prestarem serviço. (3) Nos anos após a Revolução a atracção dos jovens médicos pela IM manteve-se de molde a não criar problemas no recrutamento. De facto a carreira militar oferecia as seguintes vantagens sobre os hospitais civis: - acesso a tecnologia avançada 37 - acesso a formação de pós graduação - ambiente onde imperava a organização e a disciplina - acesso ao internato das especialidades médicas - vencimentos relativamente equiparados ao meio civil A falta de previsibilidade de conflitos próximos ou futuros, era também de molde a não afastar os jovens profissionais dos quadros do SSM. Além disso o serviço militar obrigatório (SMO) permitia fazer chegar às fileiras o número de médicos e enfermeiros tidos por necessários, onde permaneciam 18 meses, e eram empregues basicamente em acções de medicina de cuidados primários nos hospitais e unidades. A redução nos anos 90 do SMO para quatro meses e posterior extinção, veio afectar as faltas já existentes e prejudicar a quantidade de candidatos a permanecerem ou a concorrerem à IM. (4) A atracção dos jovens para ingressar nos QP na área da saúde veio a degradar-se com os tempos, pela: - melhoria das condições no mercado de trabalho civil; - melhoria das carreiras civis que não foram acompanhadas por idêntica evolução na IM; - redução da base de recrutamento por via da imposição de quotas nas Escolas de Saúde, civis; - cada vez maior fosso existente entre as remunerações e outras condições materiais auferidas no meio civil e aquelas existentes nas FAs; - degradação das condições de trabalho; - perda acelerada de estatuto social dos militares; - consequências derivadas da condição militar, nomeadamente tempo de imobilização em cursos de formação, mudanças de unidade (nomadismo) e nomeações para acções fora do território nacional; - dificuldade no acesso a algumas especialidades; - perda ou inexistência de idoneidade médica nalgumas valências (em termos de reconhecimento civil) por parte dos hospitais militares; - desagrado pelo facto de algumas funções desempenhadas em comum por pessoal civil contratado, estes auferirem maiores proventos. A dificuldade no recrutamento e a saída de muitos médicos a meio da carreira, tem provocado uma sobrecarga no trabalho dos hospitais e um continuado envelhecimento dos quadros. Tal tem obrigado à contratação de médicos civis através de avenças o que além de onerar o orçamento, descaracteriza todo o sistema. (5) Após muitos anos de falta de critério uniforme quanto a recrutamento, formação e treino entre os Ramos, acordou-se no sistema actual que parece ser adequado. Haverá ainda que limar arestas quanto à legislação a fim de não permitir fugas fraudulentas ou menos aceitáveis, relativamente aos compromissos assumidos. (6) Parece haver também vantagem para as FAs e o País, que a carreira dos médicos e enfermeiros militares tenha equivalência nas carreiras civis. As especialidades, por exemplo, são tiradas em hospital que tenha idoneidade de formação que é concedida pela Ordem dos Médicos. O assunto tem 38 alguma complexidade tornando-se necessário alguma agilização de procedimentos, convénios com as entidades civis e adaptação de “curricula”. Existem três carreiras médicas civis: - carreira médica de clínica geral; - carreira médica hospitalar; - carreira médica de saúde pública A carreira médica hospitalar compreende a categoria de: - assistente - assistente graduado - assistente chefe de serviço A carreira de médico militar está ligada à promoção, deste modo: - para capitão ou 1º tenente – obtenção do grau de clínico geral - para major ou cap.ten. – obtenção do grau de assistente - para coronel ou cap-mar e guerra, obtenção do grau de chefe de serviço 46 (7) Finalmente, e como acção de comando, parece pertinente referir que as secções de saúde das unidades/órgãos devem integrar-se o melhor possível no dia a dia das mesmas e sentirem que fazem parte da sua missão primária. Os respectivos chefes devem passar a ser utilizados mais frequentemente como elementos do “Estado-Maior” do respectivo comandante. Em termos de valências específicas, há que valorizar e especializar pessoal em áreas como: Medicina tropical Medicina Preventiva Medicina Aeronaútica Medicina Hiperbárica Medicina NRBQ Medicina Ambiental Medicina de Catástrofe Medicina de Emergência e Trauma Cirurgia Plástica Cirurgia de Queimados Cirurgia de Politraumatizados Psiquiatria (stress de guerra) Suporte avançado de vida Que são as áreas de maior acuidade no âmbito dos SSM. A melhoria do conhecimento e especialização com os aspectos específicos da medicina militar merece também uma atenção urgente. (8) Um último aspecto merece ainda referência: a Escola do Serviço de Saúde Militar, formou nos anos de 2001/2, 60 socorristas com uma preparação especial, para actuarem em situações de grande risco. O curso tinha 12 semanas e os instruendos frequentaram cursos de paraquedismo, suporte básico de vida, trauma, tripulantes de ambulância, etc. Eram chamados os 46 Em Anexo F apresenta-se a proposta do Maj Nuno Gonçalo Victoria Duarte, obra citada, anexo AF, com o qual se concorda. 39 “rangers da saúde”, e estavam voltados para missões eminentemente militares. Ao fim do 2º curso a actividade foi cancelada. Parece-nos que foi uma mais valia que se perdeu e uma machadada nalgumas motivações. E. Assuntos NATO Parece haver um acompanhamento e um conhecimento adequado do que se passa na NATO a nível da Saúde Militar. Assim deve continuar a ser, em virtude dos nossos compromissos que envolvem forças atribuídas e possibilidade de integrar operações em qualquer parte do mundo (desde que se modificou o artigo V do tratado). O acompanhamento do que se passa a este nível é fundamental para nos mantermos actualizados com o que mais avançado se faz e para garantir a interoperacionalidade em exercícios e operações combinadas. Seria importante neste particular, ter especial cuidado na aquisição de equipamentos e materiais. Pena seja que não haja disponibilidade e, ou, vontade político/militar, para uma maior participação nas actividades e estrutura da Organização. Neste aspecto poder-se-ia fazer um melhor aproveitamento de pessoal na situação de reserva ou reforma. O número de Acordos de Standardização (Stanag’s), não ratificados/implementados por Portugal também parece exagerado revelando as limitações e vulnerabilidades dadas que temos neste campo. F. Missões de Paz, Humanitárias e de Cooperação Técnico-Militar Estas missões foram aumentado gradualmente nos últimos 15 anos e o mesmo sucede com a dificuldade em encontrar voluntários e mesmo nomeados, sobretudo médicos, para as apoiar, no âmbito da S.M.. E tem existido também alguma dificuldade de coordenação entre os Ramos e maior dificuldade ainda, em fazer as rotações necessárias em pessoal. É uma questão delicada, que pode inviabilizar algumas acções, que não se resolve de um dia para o outro nem com recurso a avenças de pessoal civil... Relativamente à C.T.M., a falta de recursos tem limitado muito a acção dos S.S.M.. É um campo que deve ser potenciado por ter inegável interesse para o País e boa visibilidade para a I.M.. O seu entrosamento com a CPLP é uma necessidade evidente que já começou a dar os primeiros passos. Para a participação nesta panóplia de missões torna-se fundamental a Medicina Preventiva. A análise da participação de forças de países da NATO em cenários exteriores revelou a existência de baixas e a perda de operacionalidade devido a má adaptação a condições físicas do ambiente, inadaptação alimentar, stress, etc.. Torna-se pois prioritário que o S.S.M. tome especial atenção a: - treino físico; - optimização das condições de trabalho - definição e execução de normas de higiene e medicina preventiva - preparação para situações de grande stress, catástrofes, etc. 40 - manutenção dos níveis de treino e de preparação psicológica do pessoal - apoio à linha da frente - triagem e evacuação sanitária - tratamento dos feridos - recuperação de indisponíveis no mais curto espaço de tempo - acompanhamento na retaguarda do pessoal com lesões definitivas e incapacitantes A experiência já colhida pelas forças portuguesas, revelou a necessidade de se dar preparação especial ao pessoal do S.S. envolvido ou a envolver nestas missões, tendo já sido preparado um curso de pós graduação em saúde militar. O curso está dividido em três níveis: - nível 1 – a ser ministrado após os cursos de licenciatura - nível 2 – a ser ministrado durante a permanência nos postos de capitão/1º tenente - nível 3 – a ser ministrado na transição de capitão/1º tenente para oficial superior O primeiro curso de nível 1 ministrado na ESSM e concluído em 20 de Dezembro de 2005, foi frequentado por 26 oficiais alunos oriundos das três Academias Militares. Em anexo G pode ser consultado o “curricula” deste curso,que certamente terá que ser actualizado com a experiência addquirida. 6. Conclusão “A Justiça Militar é para a Justiça o que a música militar é para a música” Georges Clemenceau (político francês 1841-1929) O mesmo se pode dizer da Saúde Militar relativamente à Saúde Civil ... As vicissitudes porque passou o SSM estão bem patentes na sua evolução histórica desde a Guerra da Restauração, altura em que Shomberg a organizou em termos permanentes. A ignorância científica, por vezes o obscurantismo, a quase premente crise financeira, a falta de pessoal habilitado, falta de previsão, erros na gestão de pessoal e de organização, são detectáveis amiúde. Por outro lado, tudo isto corre paredes meias com muito estoicismo, basta competência, descobertas científicas, invulgar adaptabilidade às circunstâncias e dedicação vária. Nada que não possa ser extrapolado para as restantes áreas de actividade da Nação... O saldo não parece ser negativo. O SSM, foi acompanhando a evolução dos tempos, dispôr sempre em maior ou menor grau, de chefes e técnicos à altura das suas responsabilidades e foi cumprindo as suas tarefas e missões sem embargo de se poderem divisar, por vezes, lacunas organizativas, falta de meios e hiatos temporais nas medidas a implementar. O Absoluto deve ser um objectivo 41 intemporal que nos guia e anima, mas o que se consegue é a realidade com que vivemos e que só tem significado se aferida também, em termos relativos. A necessidade de existência de um SSM é, neste início do século XXI, uma realidade insofismável. Partindo do princípio, obviamente, de que Portugal vai continuar a ter FAs ...Não podem diluir-se de modo a serem substituídos por um qualquer Sistema Nacional de Saúde, ou por um organismo, tipo INEM, Cruz Vermelha,médicos sem froteiras, ou até, quem sabe, uma qualquer ONG. Isto poderá ser evidente para muitos, mas devemos reter que a “evidência”, está sempre refém da ignorância atrevida, de ingenuidades várias e dos preconceitos adquiridos. Também se pensava que a Justiça Militar, ferramenta indispensável para o exercício do comando e pilar da ordem e da equidade, estava suficientemente escorada e de uma penada acabaram com os tribunais militares e, neste momento, qualquer polícia já prende militares na praça pública! De facto nenhum SS “civil”, poderá prover eficazmente: - o recenseamento da população e a selecção e o acompanhamento clínico, daqueles que optarem por servir nas fileiras; - o funcionamento das Juntas de Saúde Militar; - a especialização em áreas e valências especificamente militares (ex NBQ, medicina hiperbárica, medicina aeronáutica, etc.); - o apoio específico às tripulações de aeronaves militares e às restantes especialidades relacionadas com o voo; - o apoio médico embarcado em unidades navais; - o apoio de saúde às forças terrestres em manobras ou em campanha. O exercício civil de uma profissão é incompatível com as imposições decorrentes da Condição Militar, como sejam a disponibilidade permanente, o nomadismo, a possibilidade de actuar em cenários de risco de vida, os vínculos de autoridade e disciplina, etc. Além disso iria tropeçar numa barreira cultural e na falta de sociabilização com o meio em que interagia. O pessoal que serve na área da S.M. tem que “ser um dos nossos” e os restantes, têm que ser “um dos deles”. Há que ter, sem dúvida, uma visão de conjunto e integrada relativa à Saúde Militar. Mas tal não justifica, quanto a nós, a criação de um quarto Ramo das FAs. O peso da “História” assim o aconselha; nenhuma necessidade estratégica ou táctica o determina e o bom senso intui; que se devem simplificar estruturas e não complicá-las. Já aparece, outrossim como imperativo a necessidade de racionalizar todos os aspectos referidos na análise que atrás fizemos e, ainda, parar a “civilização” do sistema, voltando-o para as suas missões primárias que, na sua vertente última envolve: o combate. É preciso não esquecer que qualquer unidade do Exército até ao escalão companhia, às vezes pelotão, que sai para operações carece de uma valência/módulo de saúde, sendo necessário prever a evacuação de feridos para a retaguarda; Que as tripulações da FA operam num meio adverso e peculiar, em que a segurança de voo é omnipresente e que necessita de médicos aeronáuticos, que 42 para serem eficazes têm que estar familiarizados com o voo e a vida nas unidades aéreas; A Marinha cumpre a sua missão através da acção dos navios no mar e do desembarque de meios, do mar para a terra: o apoio de saúde tem que estar conforme com isto. De tudo o que se possa dizer, um aspecto se destaca de todos os outros pela sua gravidade: a falta de pessoal e a desmotivação dos que estão ao serviço. O pessoal é o Nó Górdio do SSM (como de qualquer outro, aliás), e é imperioso quebrar o ciclo vicioso em que se caíu e que leva a que, quem está, queira sair e muitos poucos parecem interessados em querer entrar! Não é verdade que não tenha havido vontade em reestruturar o SSM, de que tanto se tem falado nos últimos 30 anos. O que não tem havido é confluência de esforços e uma liderança capaz de conseguir resultantes. A constante mudança de responsáveis pela Defesa Nacional e outro pessoal por elas induzido, tem efeitos de paralisia no sistema, de pára arranca, de mudanças constantes nas ideias e na repetição, que já agonia, dos estudos e debates sobre os mesmos assuntos. Vontade política para fazer investimentos também não há, o que inviabiliza à partida, qualquer remodelação que não seja fechar unidades e órgãos, alienar património e reduzir pessoal. O Conselho de Chefes de Estado Maior (CCEMs) por sua vez, reflecte um conjunto de opiniões diversificadas e divergentes, o que resulta quase sempre numa falta de entendimento e base de actuação comum. O assunto é complexo, mas têm que se dar passos seguros, aprovando-se objectivos adequados, exequíveis e faseados no tempo e que não andem ao sabor das contingências. É preciso pois, acabar com esta situação, em que parece estarmos em mutação permanente, em que se reclama constantemente a necessidade de reorganizar e de nacionalizar, onde nada é claro e num cenário em que, aparentemente, ninguém se entende e ninguém tem autoridade ou querer, para mandar. Enfim, chegou-se ao cúmulo do senhor ministro ter criado um grupo de trabalho – mais um -, que institucionalizou por Decreto-Lei, constituído por representantes dos Ramos e por oficiais médicos (alguns deles oficiais generais) que reunem sob a orientação de uma médica civil (?!) sem qualquer ligação à IM e que deverá, prestes, apresentar as suas conclusões e propostas. É nisto, em que ora, estamos! 7. Recomendações “Nenhuma coisa desta vida é tão aproveitável aos viventes que a lembrança e memória dos bens e males passados para do mal guardarmos, regendo a vida para nele não cairmos segundo os bons fizeram” Gaspar Correira (in “Lendas da Índia”) 43 Face aos desafios actuais é recomendável: a. Que o Conselho de Chefes de Estado Maior procure andar à frente dos acontecimentos, antecipando as reformas organizativas, em meios e em carreiras, de modo a elaborar as propostas tidas por mais consentâneas com os objectivos decorrentes do Conceito Estratégico Militar. Estas propostas, depois de assumidas por todos os Ramos deverão ser presentes atempadamente ao Poder Político devidamente escorados no âmbito doutrinário e de sustentação financeira. b. A criação de um órgão, uma estrutura superior de defesa, que defina a politica global para a SM, mas que não tenha interferências na cadeia de Comando Operacional. c. A harmonização doutrinária das estruturas dos SSM. d. Que se ponha o acento tónico na preparação do SSM para actuar em cenários de crise e guerra, em vez de se privilegiar estruturas e comportamentos adequados sim, mas a organizações civis. e. Que os serviços de saúde dos ramos devam progressivamente, proceder à conjugação de esforços, criação de estruturas comuns e complementares, sem embargo da manutenção de especificidades próprias para as quais estejam inequivocamente vocacionados. f. A optimização das unidades hospitalares militares em alternativa a um hospital central em Lisboa, comum aos três ramos de que não se vislumbra viabilidade financeira ao passo que suscita dúvidas de âmbito técnico, operacional e até afectivo. g. A passagem dos serviços de urgência militar do HMP para o Hospital da Força Aérea, obrigando à sinergia dos três Ramos. h. Que sejam adquiridas algumas ambulâncias (incluindo todo o terreno), medicalizadas e treinados o pessoal que as vai operar. i. Que seja equacionado a medicalização de alguns meios aéreos , nomeadamente helicópteros, e optimizado o emprego das capacidades de evacuação aeromédica a nível dos três Ramos. j. Que seja equacionado a aquisição de um pequeno navio hospital que, sem embargo de ser operado pela Marinha, serviria de apoio a todas as actividades do País, que dele carecessem. k. Que sejam preparados com o Serviço Nacional de Protecção Civil, planos de contingência e protocolos de cooperação, que sejam tidos por necessários e exequíveis. l. Que sejam preparados alguns planos de contingência para crises previsíveis (ex., apoio a dar a uma evacuação de 10.000 nacionais da Venezuela). m. Que exista uma reserva de guerra relativa a materiais e equipamentos de saúde conforme preconizado a nível NATO. n. Não se criar dicotomias entre medicina operacional e medicina hospitalar, mas promover uma harmoniosa integração das duas ao longo da carreira, pois ambas são importantes para o bom funcionamento dos SSM. o. Os quadros orgânicos do pessoal ligado aos SSM, sobretudo médicos e enfermeiros, devem prever um “volante”, que permita a frequência de cursos, 44 p. q. r. s. t. u. exercício de cargos fora da estrutura dos ramos e nas organizações internacionais de defesa de que Portugal é membro; a participação em forças destacadas para Operações de Paz e Humanitárias, acções de Cooperação Técnico-Militar e recompletamento por eventuais baixas e abatimentos ao quadro. Que se criem condições para evitar saídas extemporâneas do serviço activo, sobretudo aquele com qualificações mais complexas e onerosos, o que passa pela criação de incentivos pecuniários, ou outros e actualização e equiparação profissional adequada. Disciplinar a, forma, de trabalho extra serviço que, oficiosamente, ocorrem em larga escala. Optimizar o aproveitamento do pessoal na reserva. Introduzir a especialidade de médico de clínica geral. Sejam equacionadas quais as áreas em que é pertinente promover acções de investigação e criar condições para as tornar possíveis. Seja desenvolvida a Telemedicina. Finalmente, defendemos que os estudos e a reestruturação a serem feitos não devam ser guiados apenas por critérios tecnocráticos e economicistas. Muito menos, atenderem a razões “maquiavélicas” de jogos de poder, sem embargo de se corrigirem, com senso, eventuais posturas corporativistas ou de interesses instalados, que se identifiquem como perniciosos. Devem, outrosim, atender a aspectos de carácter “afectivo”, difíceis de quantificar é certo, mas essenciais ao Moral das tropas, à essência da profissão das armas, ao espírito de corpo e à manutenção dos laços da família militar. E deve-se exigir dos órgãos e serviços existentes, que cumpram as suas tarefas de modo a acabar de vez, com a proliferação de órgãos paralelos, grupos de trabalho espúrios e consultadorias diversas, que são um sumidouro de dinheiros públicos, fonte de quezílias intermináveis e uma desconsideração pública pelas estruturas existentes. Nota Final “Estimo ter podido concluir o hospital que mandei construir para descansardes dos vossos honrosos trabalhos. Em recompensa só vos peço a paz e o temor de Deus” D. Maria Francisca Benedita (a propósito da fundação do Hospital Real de Inválidos Militares, em 1827) 45 Numa altura em que a Condição Militar está debaixo de fogo, todos os esforços devem ser feitos para preservar os fundamentos das FAs sem os quais a IM será destruída. As eventuais reestruturações dos SSM têm de ser também equacionados a esta luz. O SSM trata cada militar através de uma ficha sanitária de saúde que o acompanha desde que é incorporado até se desligar do serviço - caso dos que não pertencem ao quadro permanente , ou até à sua morte no caso destes últimos. É um vínculo vitalício. Não existe paralelo no mundo civil. E não se passa de Paz para a Guerra de um momento para o outro, sem estar de antemão preparado para isso e sem ter “cultura” disso. Quanto à assistência aos militares e seus familiares – de que não falámos para não estender demasiado o âmbito da escrita -, queremos dizer apenas isto: os actuais políticos com responsabilidades sobre a IM e as chefias militares, ponham os olhos no exemplo da Princesa Maria Francisca Benedita, quanto ao desiderato que teve em fundar Runa. Estou certo que encontrarão inspiração bastante, para fazerem o que devem, no tempo presente. Post Scriptum. Já depois de termos escrito este texto.o grupo de trabalho acima refererido apresentou o resultado do seu labor,por alturas de Fevereiro de 2007.O trabalho que apenas visava parte do Sistema de Saúde Militar e não a sua globalidade,foi conduzido,aparentemente,de modo a que os resultados coincidissem com os desejos de quem o nomeou.E sem ter havido qualquer interacção com os Ramos...As conclusões que não tiveram divulgação alargada,foram publicamente recusadas liminarmente pelo Gen.CEMGFA,em nome do Concelho de Chefes. Nunca mais se falou no assunto,até que em janeiro de 2008,apareceu novamente a vontade politica de “reformar” o SSM.Aparentemente,também,nos moldes prescritos pelo tal GT. João José Brandão Ferreira Tcor Pilav (Ref) Cmd Linha Aérea 46