Brasis
#1
abril / maio / junho 2012
Gilberto
Gil
Cultura digital,
política cultural, MST
e governo Dilma
Emir Sader
O Brasil no mundo
FUNDAÇÃO DA EPS
Nova tendência do PT
arquivo pt
Luis Inácio ‘Lula’ da Silva, maior líder popular do Brasil,
primeiro sindicalista a se tornar presidente da República
Brasis
Abril / Maio / Junho 2012
Número 1
expediente
Edição Gabriel Oliveira [email protected]
Edição de arte Jonas Santos [email protected]
Foto de capa Álvaro Villela
Ilustrações Augusto Matos e Caio Barbo
Revisão de texto Vitor Fernandes e Tatiana Lirio
Colaboradores/as desta edição Adilson Fonseca, Alex Maia, Alvaro Vilela, Ana Rita de Castro, André Actis, Angélica Fernandes, Aparecida Gonçalves,
Arlete Sampaio, Augusto Matos, Caio Barbo, Carlos Pronzato, César Ogata, Cida Castro, Cristiana Fernandes, Daiane Editora, Emanuel Lins, Emir Sader,
Francisco Campos, Gabriel Oliveira, Gilberto Gil, Ilka Cyana, Ivan Alex, Ivana Conceição, Jeferson Lima, João Pedro Stedile, Joaquim Soriano, João Paulo
Rodrigues, Joelson Meira, Jonas Santos, Jorge Branco, Jorge Portugal, José Dirceu, José Fritsch, José Reinaldo, Julian Rodrigues, Laila Valois, Leandro
Almeida, Lídice da Mata, Louise Caroline, Luis Carlos, Manuela Nicodemus, Marcio Santos, Marcos Rogério, Meny Lopes, Misa Boito, Muniz Ferreira,
Paulo Teixeira, Renata Rossi, Roberta Sampaio, Robson Costa, Rogerio Correa, Rui Falcão, Tiago Nogueira, Toni Reis, Victor Oliveira, Vinicius Alves.
Direção Nacional da EPS Allan Alcantara, Altemir Gregolim, Altemir Viana, Ana Rita Guedes, Angélica Fernandes, Anísio Maia, Cleberson Zavaski
(Binho), Cristiano Lima,Elida Miranda, Erika Gomes, Fabiana Caramez, Fernanda Rodrigues, Francisco de Assis Filho, Guilherme Guimarães, Isabel Cristina, Israel Martins, Ivan Alex Lima, Ivana da Conceição, João Daniel, Jose Fritsch, Julia Feitosa, Julian Rodrigues, Larissa Campos, Luciana Mandelli,
Luis Carlos, Marcelino Galo, Marcos Resende, Maria de Fátima, Mauro Rubem, Mirande Costa, Mirian Budal, Naiara Santos, Neila Batista, Professor
Pinheiro, Renata Rossi, Rídina Mota, Rogério Correia, Shakespeare Martins, Sheila Oliveira, Simone Girão, Solange Dias, Tania Slongo, Tássio Brito,
Tiago Nogueira, Valdineia Santos Cruz, Valmir Assunção, Vera Lúcia Barbosa, Vicente Almeida, Watusi Santiago 2 | @revistabrasis
editorial
O mundo caminha em direções distintas.
Sob os efeitos da atual crise capitalista, a Europa varia
entre soluções conservadoras com governos tecnocratas de direita e as recentes conquistas da esquerda na
França e Grécia. Enquanto isso, a América Latina dá
prosseguimento à sucessão de governos progressistas
no continente. No Brasil, as forças populares lutam
para aprofundar um projeto de transformação que
pela via institucional é representado nas eleições consecutivas de Lula e na eleição de Dilma para a Presidência da República. Passaremos ainda por um bom
período de turbulência política no cenário internacional, e as opções do PT e da esquerda no Brasil são
colocadas à prova a todo o momento. Sabemos que
ainda estamos muito longe da sociedade plenamente
igualitária, mas sabemos também que nunca estivemos tão perto dela. Para nós, a recente criação da
Esquerda Popular Socialista, tendência interna do PT,
não é senão um passo a mais na defesa da estratégia
socialista rumo à construção desta outra sociedade. E
é dessa forma que Revista Brasis se apresenta. Uma
nova publicação nacional que pretende ser mais um
instrumento a serviço da luta por outro mundo, livre
de toda exploração e qualquer forma de opressão.
Revista Brasis tem lado, e não quer ser veículo de
transmissão de uma opinião exclusiva. Ao contrário,
quer ser mais um canal de articulação, mais um
ponto de encontro entre todos os setores que também
têm lado. Nosso Brasil é no plural, como é plural o
desejo de muitos pela transformação. Na certeza de
que o diálogo é o melhor caminho para a necessária
integração das esquerdas, trouxemos para esta edição
uma importante entrevista com o professor Emir Sader
sobre conjuntura nacional e internacional. Além de
artigos e textos que abordam outros temas fundamentais como a questão agrária, o combate à homofobia
e à violência contra mulher, as eleições 2012 e o centenário de Carlos Marighella. Revista Brasis pretende
ainda se colocar no front como mais uma combatente
em favor da real democratização das comunicações
em nosso país. Por esse motivo, fizemos questão de
nesta edição de lançamento dar evidência ao tema
da cultura digital e das novas ferramentas de comunicação e mobilização no mundo. E fizemos isso da
melhor maneira possível: uma conversa espetacular
com um dos principais responsáveis por trazer essa
questão à tona no Brasil: o ex-Ministro da Cultura
Gilberto Gil. Desejamos boa leitura a todos e todas. E
que esta seja, então, a primeira de muitas.
EPS
Resolução política
4
Fundação da nova tendência do PT
Aspas
FEMINISMO
14
CPMI da violência contra a mulher
Artigo de Aparecida Gonçalves
QUESTÃO AGRÁRIA I
O novo Código Florestal
16
Lindberg Farias
QUESTÃO AGRÁRIA II
18
Eldorado dos Carajás
Valmir Assunção
BRASIS
20
Ocupar resistir e produzir na rede
Entrevista com Gilberto Gil
LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL
Desafios para a criminalização
da homofobia
30
Toni Reis
Conjunturas e conjecturas
Brasil no mundo
32
Entrevista com Emir Sader
ESQUERDA NA HISTÓRIA
Marighella em dois tempos
37
Entrevista com Muniz Ferreira
ELEIÇÕES 2012
BH: um retrato do Brasil
40
Rogério Correia
privataria tucana
41
Um tsunami para a oposição
Livro de Amaury Ribeiro
DEPOIMENTO
42
Os dilemas da classe trabalhadora
João Pedro Stédile
PITACOS
43
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 3
EPS
Resolução Política da
Esquerda Popular Socialista
Fórum Social Mundial, Porto Alegre, 25 janeiro de 2012
A Esquerda Popular e Socialista, tendência
petista fundada no dia 4 de dezembro
de 2011, na Escola Nacional Florestan
Fernandes em SP, nasce com a contribuição
de militantes de 18 estados de todas as
regiões do país afirmando a centralidade
da luta dos/as trabalhadores/as e a relação
orgânica com os movimentos sociais. • Tem
como princípios fundantes o feminismo,
4 | @revistabrasis
fabio rodrigues pozzebom
/ abr
o combate ao racismo, à homofobia e a
todas as formas de discriminação. • A
EPS surge com o objetivo de fortalecer o
PT como instrumento capaz de formular e
dirigir as principais frentes da luta política
no Brasil, defendendo o governo Dilma, o
aprofundamento das mudanças iniciadas no
governo Lula, as reformas estruturais e tendo
o socialismo como objetivo estratégico.
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 5
6 | @revistabrasis
mundial não afetem de manei‑
ra significativa também esses
países, inclusive a economia
brasileira.
5. É nesse contexto que as acer‑
tadas políticas dos governos
Lula e Dilma devem ser apro‑
fundadas. s Estamos desa‑
fiados a continuar crescendo
com aumento do emprego,
distribuição de renda e expan‑
são das políticas sociais. s
Cabe ao PT e aos movimentos
sociais aprofundar o debate
sobre medidas de fortaleci‑
mento das políticas públicas,
de aumento dos salários, da
garantia dos investimentos em
infraestrututura e de democra‑
tização do Estado brasileiro.
6. Radicalizar o compromis‑
so democrático e popular do
governo federal liderado pelo
PT pressupõe corrigir algu‑
mas rotas. s A começar pela
política de juros, do superávit
primário e da gestão da dívida
interna, que seguem sendo um
dreno gigantesco de recursos.
Em 2011 foram cerca de R$130
bilhões de superávit primário.
Uma fortuna que poderia estar
sendo direcionada para saúde,
educação, combate à pobreza
ou novas obras.
7. Enfrentar a crise econômica
significa fortalecer o mercado
interno e distribuir renda de
maneira efetiva. s A reforma
agrária deve voltar ao centro
da agenda do PT e do gover‑
no federal. s Democratizar a
estrutura agrária e priorizar o
apoio à agricultura familiar se
faz combatendo a pobreza e a
miséria, distribuindo renda
e poder, gerando um círculo
virtuoso de emprego e aumen‑
tando as condições de vida
de milhões de pessoas. s A
reforma agrária, ao contrário
do que pensam alguns, é ab‑
solutamente contemporânea
e sua não-realização é uma das
grandes lacunas na história do
Brasil.
8. O primeiro ano do governo
Dilma é motivo de orgulho
para todo o PT e de todos se‑
tores que apoiam o projeto
democrático-popular. s A
alta aceitação da presidenta
é resultado de sua firmeza,
de sua liderança, reflexo da
continuidade das políticas de‑
mocráticas iniciadas nos go‑
vernos de Lula e também dos
novos programas lançados,
com destaque para o "Brasil
sem Miséria", com a generosa
e ambiciosa meta de erradicar
a pobreza extrema no país até
2014.
9. Agora, é preciso avançar.
s O PT e o governo Dilma
devem retomar a agenda das
reformas estruturais que es‑
tão paralisadas, como a refor‑
ma agrária (já mencionada),
a reforma urbana, a reforma
política, bem como o debate
sobre a função social da pro‑
priedade, a democratização e
regulação dos meios de comu‑
nicação, a redução da jornada
de trabalho.
10. O PT e o governo Dilma
devem seguir discutindo os
impactos que a aprovação do
Código Florestal poderá tra‑
zer para a biodiversidade e a
capacidade produtiva do país
e para a correlação de forças
entre os grandes interesses do
agronegócio e as demandas de
pequenos agricultores fami‑
liares. s Aqui, saudamos os
deputados federais que vota‑
ram contra o Código Florestal
e o senador Lindberg Farias,
único senador que se opôs de
maneira consistente e votou
contra o Código.
11. O PT e o governo Dilma de‑
vem atuar, ainda, de maneira
enérgica no combate ao traba‑
lho em condições análogas a
escravidão. s Segundo dados
do Ministério do Trabalho, já
foram localizados 294 infra‑
tores entre pessoas físicas e
jurídicas, em geral, grupos de
usineiros, madeireiros, fazen‑
deiros e empresários do ramo
imobiliário, de supermercados
e shoppings. s O Sindicato
Nacional dos Trabalhadores
de Pesquisa e Desenvolvimen‑
to Agropecuário denunciou
a ocorrência de trabalho em
regime de escravidão em Ma‑
naus, no Distrito Agropecuá‑
rio da Suframa, na BR-174.
12. Nesse segundo ano de go‑
verno, o desafio é avançar e
melhorar a interlocução e o
diálogo com o conjunto dos
movimentos sociais, dar mais
Porto Alegre (RS) - Manifestantes Palestinos e participantes do Forum Social
Mundial fazem marcha em prol da libertação dos povos da Palestina.
peso à agenda dos direitos hu‑
manos (a Comissão da Verda‑
de é um marco), às políticas de
enfrentamento à desigualda‑
de entre mulheres e homens,
às políticas de promoção da
igualdade racial, às políticas
de combate à homofobia, en‑
tre outras.
13. É fundamental combinar‑
mos as políticas econômicas,
que ampliam a renda das fa‑
mílias e combatem a pobreza,
com iniciativas que ganhem
esses setores para posições
políticas mais avançadas, fa‑
zendo com que se compro‑
metam com nosso projeto de
transformação do Brasil. s
Afinal, muitas das propostas
que apresentamos ao governo
dependem da organização, da
luta e da correlação de forças.
s Portanto, a agenda dos mo‑
vimentos sociais, a elevação do
nível de consciência das pesso‑
as e a capacidade de conquis‑
tar mudanças são tarefas da
Esquerda Popular Socialista.
14. Reafirmamos, ainda, a ne‑
cessidade de fortalecer as po‑
líticas que enfrentam e com‑
batem a discriminação e a
violência contra as mulheres,
que desvelem o racismo e a
homofobia, e que garantam o
protagonismo das novas ge‑
rações. s É dessa pauta que
podem ser extraídas vitórias
mais contundentes do campo
socialista, inclusive no go‑
verno Dilma, e indicará mais
claramente as alianças para a
disputa eleitoral.
15. Essa agenda que retoma
o fio histórico do programa
democrático-popular dará ni‑
tidez ao PT nas disputas mu‑
nicipais. s Será o momento
de fazer a defesa do governo
Dilma, apontando para os
avanços, e fazer o contraponto
à direita sem programa e sem
discurso. s As eleições mu‑
nicipais fortalecerão o PT se
fizermos a disputa com uma
visão nacional, com amplitude
política, mas com radicalidade
para demarcar campos e con‑
frontarmos projetos.
16. É por isso que a política de
alianças do PT não pode se
transformar em algo amor‑
fo, que tire nossa identida‑
de política. s O sucesso do
partido e do governo Dilma,
a liderança de Lula, o esface‑
lamento do DEM e a divisão
do PSDB faz com que muitos
setores conservadores mudem
de tática e tentem nos dividir,
nos neutralizar. s Os afagos
da grande mídia à Dilma e a
criação do PSD de Kassab são
os fenômenos mais visíveis do
reposicionamento das forças
conservadoras na disputa po‑
lítica em curso.
17. Nesse sentido, uma aliança
com Kassab na capital pau‑
lista, por exemplo, seria um
verdadeiro tiro no pé, que
desmobilizaria nossa militân‑
cia, nossa base social e eleito‑
ral. s Nos tiraria discurso e
nitidez, nos colocaria no jogo
do adversário. s Essa cautela
com a política de alianças, so‑
bretudo com o PSD, deve nos
nortear em todas as disputas,
Brasil afora. s Candidaturas
próprias do PT em algumas
disputas, como em Belo Hori‑
zonte, farão toda a diferença e
adquirem sentido estratégico.
s O momento é de fortalecer
o Partido dos Trabalhadores:
eleger o maior número pos‑
sível de prefeitos e prefeitas,
vereadores e vereadoras.
18. Por último, reiteramos nos‑
so compromisso com o for‑
talecimento do conjunto das
lutas e movimentos sociais.
s O PT deve resgatar seu vín‑
culo orgânico com o conjunto
das entidades e movimentos
que lutam por terra, moradia,
salário, igualdade. s Nesse
sentido, reafirmamos a im‑
portância de seguirmos em
sintonia política com os/as
companheiros/as do MST, Via
Campesina e da Consulta Po‑
pular. s Quanto mais fortes as
lutas sociais, mais fortes serão
nossos governos e nossas con‑
dições para mudar a realidade
e implementar o programa
democrático-popular,
am‑
pliando seu sentido e conteú‑
do anticapitalista.
19. A conjuntura exige que o PT
aumente o tom da denúncia à
criminalização dos movimen‑
tos sociais. s Está em curso
um processo de agudização da
repressão e do uso das forças
policias estatais contra os ati‑
vistas de diversos movimen‑
tos. s O governo Alckmin é
o maior protagonista de uma
escalada conservadora e au‑
toritária, que flerta com o
fascismo em operações como
a desocupação do “Pinheiri‑
nho”, em São José dos Cam‑
pos, ou o ataque a moradores
de rua/dependentes químicos
na cracolândia. s Em Goiás,
o governo do tucano Marconi
Perillo realizou a operação de‑
socupação do Parque Oeste In‑
dustrial em Goiânia nos mes‑
mos moldes do Pinheirinho.
s São retrocessos inaceitá‑
veis, incompatíveis com a de‑
mocracia, e que representam
a diferença entre os dois pro‑
jetos: dos tucanos e do campo
democrático e popular.
Viva o Fórum Social Temático!
Viva os movimentos sociais!
Viva o PT!
•
Direção Nacional
da Esquerda Popular Socialista
(tendência interna do PT)
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 7
marcello casal jr/abr
A
Direção Nacional
da Esquerda Po‑
pular e Socialista
do PT, reunida
em 25 de janeiro
de 2012, em Porto
Alegre, sede do Fórum Social
Temático, debateu a situação
política e econômica interna‑
cional e nacional e aprovou a
seguinte resolução:
1. Saudamos a realização desse
Fórum Social em Porto Ale‑
gre, fruto do esforço dos mo‑
vimentos sociais e partidos de
esquerda, que mantêm acesa a
chama do internacionalismo e
da crítica anticapitalista.
2. Apontar alternativas globais
e fortalecer a luta contra o
capitalismo neoliberal se faz
cada dia mais necessário. s O
agravamento da crise econô‑
mica mundial, cujo epicentro
nesse momento é a Europa,
deixa nítido que vivemos em
um momento que eviden­
‑
cia a incompatibilidade estru‑
tural entre capitalismo e de‑
mocracia, entre capitalismo e
emprego, entre capitalismo e
políticas sociais.
3. Os mercados financeiros der‑
rubam governos, desestabili‑
zam economias. s O capital
internacional segue ditando
regras, chantageando Estados,
exigindo profundos cortes nas
políticas públicas para dire‑
cionar recursos a banqueiros
e especuladores. s Suas re‑
ceitas são políticas recessivas,
que aprofundarão a crise, em
um círculo vicioso sem fim.
s O desemprego, em todo o
mundo, atinge níveis recordes,
como mostram os números da
Organização Internacional do
Trabalho (200 milhões de de‑
sempregados, com tendência
a agravamento). s Cumpre
ressaltar que os níveis de de‑
semprego são, em média, três
vezes maiores entre os jovens.
4. Embora a situação seja di‑
ferente no Brasil, na América
Latina, na China e Índia, entre
outros países, que não ado‑
tam políticas neoliberais, já
sentimos a desaceleração dos
índices de crescimento econô‑
mico. s Não há garantias que
um derretimento da Europa e
um aprofundamento da crise
EPS
ESQUERDA POPULAR
EM NOSSAS BANDEIRAS TODAS AS CORES
8 | @revistabrasis
EM NOSSOS CORAÇÕES TODOS OS SONHOS
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 9
aspas
Gilney Vianna
Militância Socialista
tendência interna do PT
A EPS é uma força nova
e positiva no interior do
PT, que resgata velhos e
bons valores socialistas.
Sua emergência fortalece
o campo de forças, dentro
e fora do PT, que luta para
construir a bem aventurança da sociedade democrática, socialista e sustentável.
Misa Boito
o trabalho, tendência interna do pt
SOCIALISTA
FUNDAÇÃO DA EPS TENDÊNCIA INTERNA DO PT
10 | @revistabrasis
Nessa breve saudação à
EPS, destaco que o livre
debate entre posições é
necessário, no sentido de
ajudar a avançar a luta pela
emancipação dos trabalhadores. Mais ainda, na atual
crise capitalista mundial,
onde só o comprometimento das direções das
organizações políticas criadas pelos trabalhadores com a
política dos capitalistas pode dar sobrevida a esse sistema
que empurra a humanidade à barbárie. No PT, enfrentamos
um grave problema. No governo federal, estão por ser feitas
as tarefas que deram a base da fundação do PT, como a reforma agrária. O superávit primário, o ataque a previdência
pública dos servidores e à privatização, são políticas ditadas pelo imperialismo. Não corresponde ao PT, mas a uma
política de submissão acompanhada do aprofundamento
das alianças com partidos que representam interesses contrários aos da maioria oprimida. No PT, estaremos do lado
de todos que queiram reforçar a luta por uma política que
corresponda aos interesses dos trabalhadores!
JORGE BRANCO
Socialismo XXI, tendência
interna do PT
O PT é uma conquista
viva da classe trabalhadora brasileira. Com o
PT, o Brasil construiu
uma democracia e hoje
torna-se país de todos os
brasileiros. Os milhares
de militantes que constroem a EPS são expressão digna desta história.
História de gente que não desiste jamais, que não
desiste da democracia, da justiça e do socialismo.
Nenhum de nós, sozinho, é suficiente para esta luta,
mas somos todos imprescindíveis para ela. A EPS é
um sopro de renovação à luta que levamos.
Louise Caroline
movimento de ação e identidade
socialista , tendência interna do pt
Vivemos tempos que
exigem um novo pensar
sobre a estratégia dos
socialistas no mundo.
Para os petistas, isso
se acentua. Estamos
naquela esquina histórica em que somos
chamados a responder
se governar é suficiente ou há que fazer rupturas com
esse sistema de exploração. A reoxigenação das forças
que apostam na utopia e num outro mundo é fundamental para trazer esse debate à tona, ao cotidiano
das reflexões e decisões do PT. Por isso, a criação da
EPS anima nossos melhores sonhos. Convicta de que
nos encontraremos em muitas batalhas e bailes, desejo
vitalidade a esse brilho nos olhos que vemos em cada
um de vocês. Ao socialismo!
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 11
José Dirceu
Joaquim Soriano
Ex-ministro da Casa Civil
Democracia Socialista, tendência interna do PT
É sempre bom no PT o debate e a discussão. A EPS é uma tendência
que se propõe a retomar o debate sobre o caráter do PT. É uma
tendência que tem raízes fortes na luta pela terra e nos movimentos
sociais. O último Congresso do partido aprovou resoluções importantes
com relação à renovação do PT, à juventude, à participação das
mulheres, tanto no partido quanto nos mandatos e nos governos, e
esta tendência também tem essa característica de uma tendência de
jovens, de mulheres. A minha expectativa é que ela contribua para o
debate e para a renovação do PT
Como já manifestei em outras oportunidades, em nome da DS, saudamos da maneira mais
fraterna e companheira o surgimento da EPS. Construir uma tendência é uma tarefa árdua,
que requer atributos militantes raros nos tempos atuais. Assumir este compromisso com
disposição de remar contra a corrente, por si, já merece todo o nosso reconhecimento e
carinho. Militar juntos para contribuir na construção do PT como partido capaz de liderar a
revolução democrática em nosso país deve se colocar para nós mais do que uma intenção ou
desejo. Deve se colocar na busca constante de diálogo, na elaboração conjunta e nas ações
concretas que as lutas políticas e sociais exigem. O advento de uma publicação da EPS
seguramente contribuirá para esta busca.
Lídice da Mata
Paulo Teixeira
Senadora da República PSB-BA
Deputado Federal - PT/SP
Angélica Fernandes
Direção Nacional da EPS,
tendência interna do PT
Garantir o debate, sem
interdição e com democracia,
sempre observando as novas
questões que aparecem com
força, temas ideológicos
secundarizados pela esquerda
brasileira que atingem
diretamente a vida dos sujeitos
historicamente oprimidos:
das mulheres, da orientação
sexual, da identidade étnicoracial, do meio ambiente,
enfim, os temas do presente
e do futuro. A EPS foi criada
para, junto com as demais
forças da esquerda brasileira,
buscar respostas a estes
imensos desafios no campo
do movimento, do partido e
institucional.
12 | @revistabrasis
A EPS é uma nova tendência que nasce para
ajudar a oxigenar o PT e mantê-lo ainda mais
perto do povo. Composta de muitos militantes
políticos que vêm da fundação do PT, a EPS é uma
tendência que fortalece a orientação socialista
do nosso partido, e cujos quadros têm profunda
vinculação com os movimentos sociais no campo,
na juventude, no movimento social urbano, no
movimento LGBT, e com profundos vínculos com
as organizações da classe trabalhadora. A EPS é
composta por militantes que ajudaram a construir os
movimentos de mudanças que o Brasil está implementado desde o governo Lula,
ajudará ainda mais para darmos um salto no projeto de transformações atuais
implementadas pelo governo da presidenta Dilma.
Arlete Sampaio
Deputada Distrital PT/DF
Democracia Socialista, tendência interna do PT
O mundo vive profunda contradição entre a
falência do capitalismo e a ausência de uma
alternativa organicamente construída, que
permita novas alternativas para o progresso da
humanidade. No Brasil, as experiências dos
governos Lula e Dilma marcam a diferença.
O PT representa uma esperança para o povo
brasileiro. Debater essa experiência, renovar
nossos compromissos com a construção de uma
sociedade socialista, é sempre um exercício
e um esforço que precisam ser feitos. Nesta trajetória, refazemos caminhos,
construímos novas maneiras de caminhar, que nos pareçam mais adequadas.O
surgimento da EPS representa o desejo de um conjunto de militantes petistas
de construirem um novo marco para sua intervenção política. Saudamos os
companheiros e companheiras, desejando-lhes sucesso. Que possam abrir-se ao
diálogo, à construção de um grande campo que impulsione o nosso partido para a
esquerda, para a democracia e para o socialismo.
Quero saudar a nova tendência do
PT, Esquerda Popular Socialista, que
busca manter a ligação do seu partido
com as bases e os movimentos sociais,
reforçando uma corrente de pensamento
que engrandece a política nacional e
possibilitando a luta contra o descrédito
e a incoerência, estabelecendo relações
orgânicas com os movimentos sociais do
campo e da cidade.
José Reinaldo
Jornalista, editor do Portal
Vermelho
Uma das tarefas mais
importantes do atual
momento político no
Brasil e no mundo é
construir o sujeito político
da luta pelo socialismo,
o que compreende uma
articulação de partidos
de esquerda, movimentos
de massas e governos
progressistas que sejam
capazes de arregimentar e
organizar o povo em torno
de uma plataforma ampla
e combativa, com caráter
nacional, democrático,
popular e classista. A
Esquerda Popular Socialista
é um vetor importante desse
processo.
Jeferson Lima
Secretário Nacional da JPT
A nova tendência Esquerda Popular e Socialista
representa mais uma força interna que ajudará no
debate e vai incorporar novos atores e atrizes sociais
para avançar nas pautas prioritárias do PT e na relação
com os movimentos sociais. Como secretário nacional
de juventude, vamos construir e contar muito com a
articulação social da EPS para avançarmos na pauta
de juventude dentro do nosso partido e no debate das
políticas publicas para juventude na nossa sociedade.
RUI FALCÃO
Presidente Nacional do PT
A criação da Esquerda Popular
Socialista como mais nova
tendência do PT, ajuda a
consolidar a democracia e
pluralidade interna. Vida longa ao
Partido dos Trabalhadores.
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 13
abr
Feminismo
Dilma Rousseff, a primeira mulher presidenta do Brasil, fala para a Marcha das Margaridas em 2011
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da
Violência contra a Mulher no Brasil
divulgação
mais um instrumento no enfrentamento à violência de gênero
Aparecida Gonçalves
O
congresso nacional deu um
passo importante no enfrentamento à violência contra a mulher ao
instalar, no dia 8 de fevereiro deste
ano, a Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito (CPMI) Violência contra a Mulher no Brasil, a qual tem como objetivo
investigar e “apurar denúncias de omissão
por parte do poder público com relação à
14 | @revistabrasis
aplicação de instrumentos instituídos em
lei para proteger as mulheres em situação
de violência”.
Considerando fatos concretos, tais
como os casos de Elisa Samudio, 25 anos,
assassinada em Minas Gerais; de Maria
Islaine, 35 anos, cabeleireira que o Brasil
assistiu entre chocado e indignado o seu
assassinato gravado pela câmera instalada
por ela no seu salão de beleza, também em
Minas Gerais; de Marina Sanches, 23 anos,
assassinada pelo namorado, em São Paulo,
em frente à academia que trabalhava; e,
por fim, de Sandra Gomide, 32 anos, jornalista morta com dois tiros, em São Paulo, em recente audiência pública a CPMI
definiu por investigar também o estupro
coletivo de cinco mulheres seguido de assassinato de duas delas, crimes cometidos
em 12 de fevereiro, em Queimadas (PB).
Os fatos citados no requerimento da
CPMI são apenas ilustrativos da realidade
com que vivem as mulheres brasileiras e
evidenciam a violência diária sofrida por
elas. Traz para a cena pública, a crueldade
em que são submetidas nossas mulheres
no cotidiano da vida doméstica.
Dados da Central de Atendimento à
Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da
República, mostram que 57% das mulheres que relatam situação de violência no
180 declaram que a violência é cotidiana
e, na maioria das vezes, ganha faceta de
tortura. Ainda temos o espantoso aumento
da violência sexual nas cidades. No primeiro trimestre de 2012, o Distrito Federal
já registra 66 vítimas, segundo dados da
Secretaria de Segurança Pública.
O grande desafio da CPMI é verificar
a omissão das instituições públicas no
enfrentamento à violência contra a mulher
a começar pelo investimento público feito
por estados, municípios e poderes constituídos. Portanto, não poderá se furtar ao
fator maior que é cultura machista ainda
decorrente e presente nas instituições brasileiras e que levam para o serviço público
seu julgamento, muitas vezes, atrasado e
conservador.
É nesse contexto que não podemos
esquecer o processo de crueldade em que
nossas mulheres são mortas, com tiros nos
órgãos sexuais, rostos desfigurados e seios
"mulheres"
cortados e esfacelados; caracterizando a
misoginia no país.
Diante da complexidade que envolve a violência contra a mulher, a CPMI
estabeleceu um plano de trabalho que
envolve diversas instituições, autoridades,
movimentos sociais e feministas, por meio
de audiências públicas no Congresso Nacional e também nos estados, sendo eles:
Pernambuco, Paraíba, Paraná, São Paulo,
Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande
do Sul, Espírito Santo, Acre, Rondônia e
Amazonas. Esses estados foram definidos
por terem casos emblemáticos e pela classificação no Mapa da Violência, traçado
pelo Instituto Sangari e Ministério da Justiça. Além das audiências, a CPMI aprovou
cerca de 400 requerimentos de informação às instituições públicas brasileiras.
Também serão instalados três grupos de
trabalho técnicos para auxiliar na realização de diligências, na coleta e análise dos
dados coletados pela Comissão, sendo:
Orçamento, Legislação e Execução de
Políticas Públicas Estruturais.
É necessário salientar o papel da
CPMI nesse momento político em que o
Brasil vive desde a sanção da Lei Maria da
Penha (Lei 11.340), em 2006. Essa é uma
das leis mais populares, no país, com 94%
de popularidade. Com a institucionalização do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher, assinado
pelos 27 estados da Federação, os avanços
são inegáveis e fundamentais.
Entretanto, são imprescindíveis algumas perguntas. Como o país, que avançou
em tudo isso, de fato, investe no combate
à violência contra as mulheres? Por que
os serviços especializados de atendimento às mulheres (Centros de Referência
de Atendimento à Mulher em Situação
de Violência, Delegacias Especializadas,
serviços de abrigamento, Juizados de Violência contra a Mulher, etc...) não chegam
a 10% dos municípios brasileiros? Como
avaliar e garantir a visibilidade de um problema que as instituições públicas ainda se
omitem, frequentemente, escondendo-se
no discurso universalista, escamoteando
assim a discriminação institucional?
Se conseguir avançar nos dados e informações dos estados e instituições, analisar
o descaso com que as nossas mulheres
morrem com boletins de ocorrência e
medidas protetivas em suas mãos, a CPMI
será um grande feito ao país.
Desse modo, a CPMI cumprirá uma
missão extraordinária que é efetivamente
envolver o Brasil em uma cruzada nacional de debates, investigação, apuração e
mudança de olhar sobre as políticas públicas de enfrentamento à violência contra
a mulher. Afinal, o papel prioritário do
Congresso Nacional é também fiscalizar
de que forma o Estado Brasileiro cumpre
suas leis e defende sua população. Que seja
bem-vinda a CPMI da Violência contra a
Mulher no Brasil! •
"
57% das
mulheres
que relatam
situação de
violência no
180 declaram
que a violência
é cotidiana e,
na maioria das
vezes, ganha
faceta de
tortura".
Aparecida Gonçalves
Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra
a Mulher da Secretaria de Políticas para as Mulheres
da Presidência da República e Militante do Partido dos
Trabalhadores.
de augusto matos
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 15
Questão Agrária I
Novo Código Florestal:
divulgação
do sonho ao protesto da utopia ambiental
A
Lindbergh Farias
câmara dos deputados
votou em maio o substitutivo do
Senado ao projeto de lei que altera
o Código Florestal. Apesar de o
substitutivo do Senado ter aprimorado
a proposta, o resultado continua sendo
negativo. E não houveram novidades
promissoras na etapa que se aproxima.
O Brasil corre sério risco de retrocesso.
Infelizmente, o atual debate sobre
Código Florestal emite para o mundo
uma mensagem que frustra as melhores
expectativas internacionais decorrentes
da nossa demonstrada capacidade de
reduzir desigualdades e de crescer em
meio à tormenta internacional. Na mesma linha, o sinal que o Parlamento envia
para os brasileiros não deixa margem a
dúvidas: o desmatamento será anistiado,
as transgressões à lei serão perdoadas. As
mortes dos que se sacrificaram para proteger nosso tesouro biodiverso, e nossas
florestas, serão em vão. Rirão por último
os que apostaram na tradição brasileira
da impunidade.
16 | @revistabrasis
Com o atual texto do projeto de lei, o
país perde a oportunidade de convergir
o debate da crise econômica mundial e
as contribuições que uma nova regulação florestal poderia trazer. Em ambos,
trata-se de uma atuação mais estratégica, focada em inovação tecnológica
e institucional, buscando regulação e
planejamento de longo prazo – o que
não tivemos nos últimos trinta anos.
Em diversas oportunidades, a
presidenta Dilma foi contundente ao
afirmar que o governo brasileiro não
aceitará retrocesso ambiental. Nas
palavras da presidenta: “temos que ser
verdes produtivos”.
Lembro que, em junho, o Brasil
sediará a Rio + 20, maior conferência
sobre o meio ambiente do Planeta.
Não podemos apresentar ao mundo
uma legislação mutilada. O Brasil é
uma potência agrícola respeitada pelo
mundo inteiro exatamente porque é
uma potência ambiental. Por isso, a
bandeira eleita pelo governo brasileiro
para o encontro mundial no Rio é a
economia verde. Para que o Brasil se
torne a quinta economia do planeta,
deve articular crescimento econômico,
distribuição de renda e sustentabilidade ambiental.
A proposta de novo código não
reflete a via de desenvolvimento que
merece ser seguida: expandir a produção, estimular os produtores, valorizar
o setor mais dinâmico da economia
e, ao mesmo tempo, agregar valor aos
produtos agrícolas, associando a dinâmica produtiva à implantação de uma
linha sustentável de desenvolvimento,
cuja base é o respeito rigoroso ao meio
ambiente. O novo código não abriga esse
compromisso com o equilíbrio.
Além disso, o debate sobre o novo
Código Florestal demonstra que a impunidade nacional não se aplica a todos,
indistintamente. Não é, digamos, equânime. Trata-se de uma impunidade seletiva, que enche cadeias e penitenciárias
com transgressores pobres, mas preserva
os poderosos com postergações, privilégios, prerrogativas, perdão de dívidas,
quando não a oferta de novos créditos e
mais estímulo. Essa lastimável tradição
agride os que cumpriram a lei como um
escárnio. O novo código premia quem
apostou no Brasil velho, oligárquico e
patrimonialista. Que lição é essa que
ensinamos, como nação, a respeito de
nós mesmos?
O sinal dessa tolerância inadmissível
está na data escolhida como referência
para suspender e rever, sob moderadas
condições, multas e punições: 22 de
julho de 2008. Ironicamente, a data em
que o presidente Lula assinou um decreto que visava endurecer o jogo com os
proprietários de terra que descumpriam
as leis. Pois, agora, converteu-se em
data da alforria para os transgressores.
Não há argumento razoável capaz de
justificar a escolha dessa data. Impôs-se
o puro e simples interesse, atropelando
qualquer consideração racional. A referência histórica óbvia seria 1998, quando
se promulgou a lei contra os crimes
ambientais. Anistiar desrespeitos ao
Código Florestal anteriores a 1998 seria
compreensível, embora polêmico. Afinal,
o país ainda vivia um momento de reorganização, no rastro das transformações
determinadas pela nova Constituição
Federal, promulgada em 1988. A nova
ordem mal começava a entrar nos eixos
e a ser assimilada pela sociedade. O país
ainda se exercitava para sua longamente
ansiada experiência democrática. Era
compreensível considerar a Lei de 1998
um divisor de águas e uma repactuacão.
Portanto, o que tivesse sido perpetrado antes disso talvez merecesse um
tratamento diferenciado, dependendo do
atendimento a algumas condições. No
entanto, 2008? Devemos apagar dez anos
de vigência da lei? Tolerar dez anos de
crimes ambientais? Com que autoridade
os novos limites serão exigidos, daqui
para a frente? As vidas sacrificadas, os
anos de luta, a devastação provocada:
tudo será esquecido na geléia geral de
uma amnésia coletiva, chancelada pelos
políticos? E tudo isso em meio a um novo
texto que reduz limites e entraves ao
desmatamento?
Não se diga que, apesar da tolerância e
das flexibilizações, os transgressores terão de restaurar o que devastaram. Não
é verdade. A verdade tem de ser conhecida. Ela é dura e chocante: aplicado o
novo código, pelo menos 20 milhões de
hectares destruídos não serão recompostos. Portanto, minha indignação com a
anistia não se limita ao aspecto moral ou
relativo à cultura cívica. Tem também
um motivo eminentemente prático e
objetivo: o custo será ambiental, medido
em hectares e efeitos climáticos.
O novo código
nasce velho,
curvado sob
o peso de
arcaicos vícios
brasileiros, e
aponta para
posições
dúbias".
E mesmo quando o texto do novo código tem a oportunidade de fazer justiça,
dando tratamento diferenciado para os
agricultores familiares, ainda corre o risco de ser subvertido por brechas legislativas. O substitutivo do Senado aperfeiçoou
proposta ao criar capítulo específico para
os agricultores familiares. Contudo, objetivo tão nobre corre o risco de ser corrompido, por equiparar outros segmentos
que não demandam tratamento específico
e por não se resguardar da possível fragmentação das áreas - que também levará
a equiparação inapropriada.
Definitivamente, o projeto de novo
Código Florestal não moderniza o anterior, que, de fato, requeria atualização.
O novo código nasce velho, curvado sob
o peso de arcaicos vícios brasileiros, e
aponta para posições dúbias. Enquanto
é conivente com a depredação de nosso
patrimônio ambiental, não lida com as
verdadeiras questões estruturais - as
patologias do capitalismo, do modelo
produtivo vigente, o sentido de modernidade, o próprio conteúdo ético da relação
homem-natureza, o individualismo
exacerbado, a perda da identidade coletiva. A questão ambiental é uma questão
ideológica e, portanto, política.
Por isso, o país se mobilizou amplamente em defesa do veto da presidenta
Dilma. Sobre os ombros da presidente
repousam imensas responsabilidades e
a esperança de milhões de brasileiros.
E não apenas de brasileiros, nem só de
ambientalistas. Importantes entidades da
sociedade civil, como a cnbb e a abpc,
opuseram-se ao novo código. A opinião
pública tem se mostrado amplamente
favorável à proteção do meio ambiente
e de nossa biodiversidade, e suficientemente consciente de que defender nosso
inestimável patrimônio natural não
significa opor-se ao desenvolvimento,
mas qualificá-lo e torná-lo sustentável.
Entretanto, a maioria da representação
política, nas duas Casas do Congresso,
virou as costas para a vontade da maioria
e para o futuro do país. •
Lindbergh Farias
Senador da República (PT/RJ)
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 17
Questão Agrária II
Eldorado
dos Carajás:
símbolo da luta pela
reforma agrária no Brasil
Valmir Assunção
O
no dia 17 de abril de 1996, dezenove trabalhadores rurais sem terra
eram brutalmente assassinados em
um confronto direto com a Polícia
Militar do Estado do Pará. Dois outros
vieram a morrer no hospital e centenas de
pessoas ficaram feridas. Até hoje, temos
agricultores que sofrem as sequelas da
ação que expôs ao mundo até onde pode
chegar a violência do latifúndio contra
trabalhadores que reivindicam a reforma
agrária.
Dezesseis anos depois, o Massacre de
18 | @revistabrasis
Eldorado de Carajás, como ficou mundialmente conhecido, representa um marco na
luta dos trabalhadores sem terra no Brasil.
Mais do que isso, simboliza tudo aquilo que
o Brasil não quer ser: um país marcado pela
violência, pela pobreza, pela exclusão. A
atualidade desta luta alerta para os desafios
que, no entanto, ainda teremos de enfrentar por uma transformação profunda da
sociedade.
A América Latina em geral, e o Brasil,
em particular, tem constituído experiências importantes que sinalizam a atualidade de alternativas concretas ao modo de
produção e consumo capitalista que, em
crise profunda, repercute drasticamente
sobre a degradação ambiental e sobre a
precarização do trabalho nas mais diversas
partes do mundo. É reconhecido que o
MST constitui o gérmem dessa alternativa ao propor um completo reordenamento da estrutura fundiária que passa,
necessariamente, pela discussão sobre a
propriedade privada e sobre a apropriação privada do trabalho. As experiências
cooperativas dos sem terra, que conta
com o apoio e incentivo de países como a
Venezuela, simbolizam passos concretos
para esta alternativa. A disposição para a
luta política, para o questionamento dos
fundamentos da sociedade tão somente
voltada a produção de mercadorias e
para a crítica do confinamento político e
social, resultado da preponderância das
relações de mercado, refletem a grandeza
dos sem terra e do MST como movimento
organizado para além, inclusive, de fileiras
partidárias.
Além disso, Eldorado dos Carajás simboliza o poder de um Estado legitimado
pela força. O MST foi também decisivo na
construção de um novo período na historia, simbolizado pela eleição do presidente
Lula, em que o Estado busca se legitimar
através da força de seu povo ao construir
possibilidades de autonomia ao tirá-lo da
fome, de soberania ao estabelecer relações
globais fundamentadas nos interesses nacionais e de emancipação através do aprofundamento da democracia. O governo da
presidenta Dilma tem dado passos largos
na inclusão social, no enfrentamento à
pobreza e miséria e na garantia de direitos
aos trabalhadores, e o Brasil se apresenta
para o mundo com uma economia pujante
com plenas condições de participar da
luta política mundial contra a pobreza e
a exclusão social. Entretanto, o desafio de
abr
/
"
Eldorado
dos Carajás
simboliza tudo
aquilo que o
Brasil não quer
ser: um país
marcado pela
violência, pela
pobreza, pela
exclusão".
avançar na reforma agrária, ainda encontra-se colocado e inacabado. É preciso
completar esse ciclo de desenvolvimento
garantindo o acesso a terra e a produção
da agricultura familiar que, atualmente,
representa cerca de 70% da produção
dos alimentos que chegam na mesa dos
brasileiros e das brasileiras.
Este ano, a exemplo de anteriores,
o MST realiza a sua jornada de lutas,
ocupando terras improdutivas, na forma
de latifúndios ou áreas de monocultura
como as de eucalipto, para mostrar à
sociedade que existem milhares de famílias que permanecem acampadas, sob
a lona preta, a espera de que o governo
federal desaproprie terras para que
possam plantar e produzir. Não se trata,
como a grande imprensa conservadora
e de direita divulga, de invasões. Estas
famílias buscam o cumprimento da função social da terra e ocupam estas áreas
que, constitucionalmente, já deveriam
estar destinadas para a reforma agrária.
Lembremos que 80% dos assentamentos hoje instituídos pelo Estado, anteriormente, foram alvos de ocupações
e protestos. Estamos falando de áreas
onde a exploração do trabalhador rural
acontece, onde há desmatamento, onde
existe trabalho escravo, onde a monocultura impede a produção de alimentos, ou
simplesmente propriedades abandonadas,
sem qualquer serventia social. O chamado
Abril Vermelho, cujo simbolismo maior é
o Massacre de Eldorado de Carajás, é um
clamor daqueles que querem produzir
alimentos saudáveis para o povo brasileiro,
que querem cidadania no meio rural contra aqueles que mercantilizam a terra de
forma egoísta, sob uma forte concentração
e sem beneficiar o conjunto da sociedade.
Nesse sentido, considero que a luta pela
terra é, na verdade, uma grande contribuição que os Sem Terra oferecem a sociedade brasileira no sentido de despertar para
os enormes desafios a serem enfrentados e
para a necessidade de ampliar os laços de
solidariedade entre aqueles que trabalham
e que diariamente constroem esse pais.
A reforma agrária deve ser uma reivindicação de todos e todas que lutam por
um país cada vez menos desigual e com
justiça social.
•
Valmir Assunção
Deputado Federal (PT/BA) e militante do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 19
marcello casal jr
divulgação
Todos os anos o MST vai às ruas cobrar justiça para o massacre em Eldorado dos Carajás
Brasis
Em entrevista exclusiva concedida à Revista Brasis,
o cantor, compositor e ex-ministro Gilberto Gil
comenta sobre a importância das redes sociais, da
cultura digital na atualidade e as novas ferramentas
de mobilização política no mundo.
OCUPAR
RESISTIR
PRODUZIR
NA REDE
e
ra uma tarde de sol no rio de janeiro. A bela paisagem da Gávea parecia ser o
cenário mais propício. Estávamos acompanhados pelo professor Jorge Portugal, que
gentilmente aceitou nosso convite para participar desse encontro. Era a última sexta-feira do
mês quando fomos recebidos na sede da Gege
Produções para realizar a entrevista. Gil vestia
branco e, como de costume, compunha sereni-
20 | @revistabrasis
álvaro villela
dade e seriedade nas respostas que elaborava para
questões sobre cultura digital, redes sociais e o mundo contemporâneo. Prestes a completar setenta anos,
Gil nos falava com a genialidade de uma pessoa que
rompeu paradigmas não apenas como músico, mas
também como o homem público que fez de sua atuação no Ministério da Cultura um divisor de águas
no Brasil. Era Gil, poeta e político. Simples, afirmativo e arrebatador nas palavras que proferia.
Gil, para começarmos a entrevista, uma
curiosidade se por acaso você fosse
escrever nos dias de hoje a letra de “Pela
internet”, que outros elementos você
acha que acrescentaria a ela?
A letra já foi uma filtragem, uma lista
seletiva de muitas coisas que já eram
tópicos, temas, símbolos daquela
grande novidade que era a internet. Era
uma ideia de atualizar uma questão que
já havia sido vivida pela sociedade no
início do século XX quando foi feito
“Pelo telefone” [canção de autoria de
Eu vejo que
as redes
provocaram
uma mudança
significativa
na sociedade
os instrumentos e as formas tradicionais
de organização das esquerdas?
Olha, me deixa fazer uma observação
inicial em relação a isso. Eu não sou
um usuário das redes. E eu acho que
isso é uma questão fundamental hoje
em dia. Pessoalmente eu não sou um
usuário. Minha pequena corporação,
minha companhia tem facebook, tem
twitter etc. Mas é institucional. Ali
transitam, digamos assim, as posições
oficiais da instituição Gilberto Gil, do
compositor, do intérprete, do autor, da
figura pública. Por ali transita tudo isso,
mas a partir de uma avaliação, coletiva,
de grupo, institucional. Na verdade, o
Gilberto Gil pessoa não está nas redes
sociais. O Gilberto Gil instituição que
está. Então, pessoalmente eu não tenho
aquele traquejo, aquele manejo diário
de estar na rede, na dinâmica das redes.
Até porque esta “dinâmica” da rede
requer certa obsessão de estar o tempo
inteiro conectado.
Leandro Caldas (à esq.), Alex Maia, e Cristiana Fernandes: a Rede TV Jovem realizou a
cobertura audivisual da entrevista
Donga e Mauro de Almeida datado de
1916, considerado o primeiro samba
brasileiro]. Quando eu fiz “Pela internet” não havia ainda as redes sociais.
Talvez o Orkut ainda estivesse engatinhando, mas não havia impactos ainda,
não havia reflexos na dimensão semântica da vida da sociedade, como depois
quando vieram as redes sociais tal
como elas são hoje. Mas de certa forma
a música já antevia desdobramentos
que estavam supostamente por vir, em
relação a muitas das coisas que eram
os temas em questão. Então de certa
forma muita coisa que está aqui e agora
já estava antecipada ali na letra, mas
muitas novidades surgiram também, e
uma delas foram as redes sociais. Esta
22 | @revistabrasis
ideia de “rede”, esta ideia de um lugar
“não lugar”, onde todos os dados e aplicativos estão à disposição, e através de
qualquer dos aparelhos que você tenha
se pode acessar tudo. Isso tudo não era
ainda assim dessa forma naquela época,
há 12 a 15 anos atrás, quando fiz a letra,
mas já havia os primeiros sintomas. A
novidade tecnológica, os principais aspectos que caracterizam essa novidade,
tudo isso já estava lá na música. E na
verdade, aquilo tudo está entrando em
vigência plena hoje.
Como você percebe hoje a realidade das
redes sociais no mundo contemporâneo,
inclusive como instrumento de grandes
mobilizações sociais, até em relação com
Exatamente, pelo menos é assim que eu
vejo um pouco como as outras pessoas
estão na rede. Elas estão o tempo todo
estimuladas com esta provocação constante do número de acessos, do número
de pessoas que vem até você, do número de pessoas que obrigam você a ir
até elas. De longe eu vejo que as redes
provocaram uma mudança significativa
na sociedade. Primeiro, elas redefiniram a questão do anonimato, redefiniram a questão do “pseudonimato”, a
questão do “nome” propriamente dito.
As pessoas hoje são diferentes. Como
as redes sociais são instruídas a partir
de provedores, estes provedores têm
uma influência muito grande na definição das próprias pessoas na internet.
Porque apesar delas oferecerem opções
aparentemente “abertas”, estas opções
também são relativamente fechadas, limitadas, de modos, de tipos de pessoas
que você pode ser na internet. Quer
dizer, estas redes estão obviamente
dando espaços às individualidades e
personalidades, mas na verdade estão
ao mesmo tempo formando novas pessoas também. Estão instruindo a como
os novos perfis pessoais devem ser na
internet. Por isso eu me referi aos pseudônimos, eles aparecem em profusão, o
álvaro villela
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 23
jonas santos
jeito. No entanto, agora no caso da internet acontece de maneira um pouco
diferente. Quando os velhos resolveram
reagir, já era de certa forma um pouco
tarde para eles. De uma maneira tal
que fica difícil hoje as velhas editoras
e gravadoras, as clássicas companhias
de cinema, imporem a permanência
de seus modelos anteriores, porque
os novos modelos já entraram muito
fortemente. E com uma característica
mais grave ainda, porque são modelos
O professor
Jorge Portugal
aceitou o convite
de Revista Brasis
para conduzir a
entrevista com Gil
É realmente fascinante. Apavorante para
uns, e fascinantes para outros. Diante de
todas essas mudanças, como você acha
que fica o futuro do autor? E como fica o
autor do futuro?
Eu acho que é apavorante e fascinante
para todos nós [risos]. Sobre o autor,
fica muito a depender do que decante
de toda essa ebulição, dessa efervescência, dessa suspensão. Quer dizer, como é
que vai decantar tudo isso? A transformação do marco legal virá de uma for-
inteiro, eu tenho a impressão de que o
“autor” vai mudar. O perfil do que se
considera autoria vai mudar. E o que se
confere de direitos e deveres em relação
a esses autores, a esta “autoralidade”, às
titularidades autorais, também vai mudar. Todos os direitos relativos ao autor
vão mudar, com várias concessões aqui
e ali. Por exemplo, pode se estabelecer
o direito do autor ao uso de suas obras,
mas ele vai ter que em muitos casos flexibilizar esse direito ao uso, vai ter que
anonimato aparece disfarçado, você se
renomeia, você se permite a adesões e
afastamentos em relação a sua própria
pessoa inicial. Em segundo lugar, temos
a questão da formação dos “coletivos”.
Nesse caso já não mais com as particularidades das personalidades, e sim
das massas, das multidões, das grandes
e pequenas multidões, que hoje em dia
a gente gosta de chamar de “coletivos”,
que vão sendo formadas na internet e
na sociedade, por conta das redes. Você
mesmo citou exemplos dessas atuações.
Há exemplos em profusão hoje em dia.
Os Indignados da Espanha, a Primavera Árabe e os diversos “Occupy”, por
exemplo.
Exato. Esta é outra questão, como eu
dizia. Para além da influência e do
impacto que tem sobre as pessoas,
enquanto individualidades, tem a
questão dos coletivos que vão sendo
formados. A palavra “mob” em inglês, a
palavra “croud”. O primeiro impacto é
a agilidade ou a rapidez com que esses
coletivos podem se formar. Depois a rapidez com que eles podem se informar
e transformar informação, transformar
posições iniciais em posições seguintes,
como estes coletivos podem processar
a visão do entorno ou visão do mundo
que aquele núcleo maneja. Então, a rede
social dá a possibilidade para que esses
movimentos atuem com uma agilidade
enorme de percepção, de interpretação
da realidade, de visão epistemológica,
de visão hermenêutica. Quer dizer, dá
a possibilidade do surgimento até de
24 | @revistabrasis
muitas novidades semânticas. A dimensão semântica, de significação do novo
“coletivo” ganha contornos e matizes
extraordinários e inimagináveis. Isso
também tem impactos no próprio
significado da dimensão política, da
palavra “política”. Como atuam, para
que atuam esses coletivos, em direção
a que, com quais objetivos? Então a
própria intenção política, ela é submetida a um processo permanente de
transformação. Antigamente, o ativista
ou o militante saía de casa com seus
propósitos muito bem estabelecidos,
a partir das suas meditações, das suas
leituras, das suas reuniões, e partia para
a atuação na rua com tudo aquilo na
cabeça, e a possibilidade de que aquilo
se transformasse rapidamente em outra
coisa, de que aquilo tivesse uma fluidez
semântica era muito pequena. Hoje em
dia, não. É bem possível que alguém vá
para a rua para uma mobilização dessas
com uma visão e uma intenção, e três
horas depois saia dali completamente
transformado. Por causa da profusão
de informações e de meios por quais
estas informações transitam e circulam. Então, há impactos importantes
na dimensão política, na dimensão do
conhecimento. São muitos impactos. E
numa rapidez tão grande que ainda é
muito difícil avaliar com certa precisão
o que está acontecendo.
Mas há também setores muito assustados
com tudo isso. Queríamos que você falasse um pouco sobre o SOPA, o PIPA, ou
seja, estas novas legislações que tentam
jonas santos
"As grandes companhias que durante anos monopolizaram os negócios se sentem agora ameaçadAs"
resistir a esse processo.
É claro. Sempre há. Porque aí já é
aquela velha questão do “velho” contra
o “novo”. As velhas formas de ser e
estar no mundo estão ali definidas,
com relação à economia, com relação
à política, com relação ao que quer que
seja. De repente, as “novidades” chegam
tentando entrar no território, para
ocupar parte do espaço, para deslocar
o que não é mais “novidade”. O velho
naturalmente se incomoda, né? E lutam
pela manutenção dos seus modelos, dos
seus interesses. No caso, por exemplo,
do cinema, da literatura, da música,
as grandes companhias que durante
anos monopolizaram, ou pelo menos
hegemonizaram os negócios, e não só
os negócios, mas o próprio significado do que era a música, do que era a
literatura, se sentem agora ameaçados.
E aí ignoram, e esse é o lado mais triste
sempre, tentam ignorar a presença do
novo e o respeito que o passado tem
necessariamente que dever ao novo.
“E a mente apavora o que ainda não é
mesmo velho” [trecho da canção Sampa,
de Caetano Veloso]
O que ainda não é mesmo velho... [risos]. Ficam com medo. Lançam mão de
questões éticas, territoriais, de espaços,
questões morais. Lançam mão de uma
série de instrumentos de defesa de seus
interesses, contra os interesses do que
se caracteriza como “novidade”. Isso
também é um clássico. Esse conflito
acontece todo o tempo. É um clássico
da história da humanidade, não tem
conceder para usos livres, usos abertos,
usos gratuitos. A própria remuneração
do autor vai mudar por consequência
de todas essas transformações.
Até porque você muda também a própria
escala de produção. Uma coisa é você ter
um CD, um suporte físico, que você pode
vender pelo valor que quiser. Outra coisa
é você colocar toda a sua obra na rede
para um download, por exemplo.
Gil fala sobre os direitos autorais e as
mudanças que ocorrerão na ideia que
se tem hoje sobre "autoria"
que não estão propriamente na mão de
ninguém, não há centralização. Quando
você fala de uma Warner, RCA ou Sony,
você está falando de grandes corporações que têm seus centros de poder, de
administração e gestão, quando você
fala de Hollywood ou na 20th Century
Fox, você pensa em Los Angeles, nos
birôs, nos escritórios. Quando você fala
dos modelos fluentes da internet, você
não sabe. Quem centraliza essas pessoas, onde é que você acha elas? Onde
elas estão?
ma adequada? Ou seja, novas leis virão
contemplando a “novidade”? Terá por
algum milagre a possibilidade do velho
setor sair vitorioso com a imposição de
um retrocesso em nome dos seus interesses? Eu acho muito pouco provável.
Então, prevendo que vai haver mesmo,
como parece, uma pulverização de
poder, de riqueza, de facilidade instrumental, enfim, de meios de produção,
como isso vai de fato se horizontalizar,
se espalhar, se democratizar, pelos milhões e bilhões de indivíduos no mundo
Exatamente. Que não é nem físico
mais. O digital é abundante extremo.
Enquanto que o analógico era escasso
por natureza. Mil livros de papel eram
mil livros de papel, em prateleiras específicas, ocupando um espaço específico,
demandando que uma determinada
mão fosse ali puxá-lo, pegá-lo, repassá-lo para outra pessoa. Todo o processo de circulação no meio analógico
sempre foi marcado pela escassez. No
caso do mundo digital é o contrário.
A circulação dos bens culturais está
marcada pela abundância, pela “hiperabundância” permanente. E, portanto,
pelas implicações na distribuição que
esta abundância tem. Todo mundo tem
acesso a tudo a qualquer hora. Essa
questão, por exemplo, de criminalizar
os meninos que trocam arquivos de
música, de literatura, de cinema, ou do
que quer que seja, é uma dificuldade
enorme. Porque esta realidade é quase
um “imperativo” tecnológico. A própria
tecnologia em si traz embutida essa
liberação horizontal, essa coisa de saber
que está tudo disponível, está em sua
casa, está na nuvem [risos]. Quem é
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 25
jonas santos
Queríamos que você falasse um pouco
exatamente sobre essa relação entre a
democracia e a cultura digital. Sua gestão no minc apontou um pouco nessa direção, houve inclusive algumas parcerias
importantes na época do ministério com
o próprio mst, um movimento do campo
onde em tese o mundo digital ainda está
um pouco distante. Qual a relação entre,
digamos, “ocupar, resistir e produzir” na
terra e “ocupar, resistir e produzir” na
rede?
esta é uma das necessidades, uma das
demandas básicas da novidade que a
rede representa. É que os significados
de nossas produções se vulgarizem rapidamente. Então, essas canções todas
que eu faço, esses discursos que eu faço
são na verdade “vulgatas”. Até mesmo a
minha atuação no Ministério da Cultura, quando levei pra lá esses temas,
quando dinamizei a ação do ministério
com esses temas, era uma “vulgata”, no
sentido de tentar entender claramente
como o Estado pode e deve olhar diferentemente para estas questões.
Quem é que vai dizer
à nuvem que não
chova? disse Gil ao se
referir às tentativas
de impedir a troca de
arquivos na rede.
Ah, existem muitas semelhanças. As
demandas, a questão da luta e da ne-
mente obrigada a considerar a questão
do espaço das mulheres, o significado
das mulheres no poder. E ela tem tratado essa questão de uma maneira muito
interessante. Um elemento importante
que marca o Governo Dilma desde o
início seria exatamente a questão da
herança. Esta comparação constante
entre ela e Lula, ele como o “criador” e
ela como a “criatura”. Acho que sobre
esta comparação ela tem se dado muito
bem. Um tema bastante presente, que é
uma das luzes piscando o tempo todo
no governo, é a questão da corrupção.
"O Occupy, de certa forma, instrui o MST, da mesma forma que o MST também instruiu o Occupy"
Não tem birô que controle isso...
Não tem. Porque não tem centralidade
mais. Não está mais na Warner em Los
Angeles, nem na Sony em Tóquio. Não
está mais em lugar nenhum. Outro
impacto enorme, do ponto de vista da
distribuição também. Antigamente você
tinha uma central de televisão. Você
produzia, fosse uma televisão pública
ou privada, fosse uma Globo, uma Record, uma tve. Você produzia um programa já definindo a escolha daquilo
que vai ser produzido, através de poucas
pessoas que interpretam e definem o
que deve ser produzido, e distribuem
tudo aquilo já editado, já dizendo “É
isso o que vocês vão ver!”. Ou seja, um
único meio distribuindo para milhões
de pessoas. Na internet, essa lógica se
inverte completamente. São milhões
de pessoas através de microblogs, de
pequenos filmes e textos, através do hipertexto e da hiperimagem, distribuindo de milhões para milhões, borrando
essa fronteira entre o “um” que produzia
e os muitos que consumiam. Isso vai ter
um impacto enorme na comunicação,
na concentração do poder cultural, do
poder econômico, do poder político,
que essas organizações televisivas, de
rádios, de jornais, tiveram no passado,
e ainda tem até hoje, e tendem a perder
cada vez mais daqui para o futuro.
26 | @revistabrasis
Por exemplo, o próprio papel da televisão
muda diante desse processo.
A televisão ainda é um filtro, ela ainda
tem o poder de filtro. Antigamente ela
não precisava filtrar nada, afinal de
contas ela era exclusiva. A escolha era
dela, portanto não havia necessidade
de filtro. Hoje em dia, como tem muita
coisa circulando, ela ainda faz o papel
de agência de notícias. O velho papel
que a agência de notícias tinha no
passado, e não tem mais. Outro dia eu
estava percebendo, mesmo as televisões
principais, antigamente elas se valiam
das agências para ter as informações do
exterior. Hoje em dia eles ainda usam
esses filtros clássicos, que foram seus
aliados durante muito tempo, mas já
estão usando também os microblogs,
as pequenas e micro agências que estão
nas lan houses, nas periferias. Muitas
das notícias dos morros e favelas do
Rio de Janeiro, já chegam diretamente, não passam mais por agências de
notícias, porque a facilidade tecnológica permite. Mandam a notícia diretamente, fazem um upload direto para
as emissoras de televisão, de som, de
imagem e de texto. É uma transformação enorme que já está acontecendo e
que vai se manifestar mais plenamente
ainda nesse campo da informação, da
circulação da informação, da circulação da riqueza simbólica, e também
da circulação lá na ponta da riqueza
material, do próprio money [risos]. Não
tem jeito, não me parece que o passado
vai conseguir puxar tudo de volta. Não
conseguiram em outras épocas, quando
os meios utilizados pelo “novo” eram
muito menos ágeis, imagina agora com
essa agilidade toda, com essa cumplicidade que o “novo” denuncia. Quando o
menino da Rocinha pode mandar a sua
notícia diretamente para o jornal da
Globo, ele está dizendo à Globo “eu sou
seu cúmplice. Você é meu cúmplice.
Estamos juntos nessa” [risos]. Então aí
estão presentes interesses políticos, econômicos, interesses culturais e simbólicos. Todos se juntam. É a globalização,
num sentido mais pleno. Isso é uma
mudança sociológica, antropológica,
política e econômica de dimensões
inimagináveis. O “salto quântico”. De
repente, num minuto, aconteceu uma
mutação! Não é uma mudança, é uma
mutação! Há uma diferença semântica
entre essas duas palavras. Mudar é uma
coisa, “mutar” já é outra. Com a internet trata-se de uma mutação, hoje já dá
pra dizer isso sem muito medo de errar.
Você foi uma das pessoas responsáveis
por nos atualizar em relação a esse tema,
inclusive levando o discurso à prática,
seja disponibilizando toda sua obra na
rede, seja a partir em sua gestão no Minc.
Ah, sim. Vulgarizando, fazendo com
que minhas canções, minhas produções
passassem a ser um “verbete” possível
de se encontrar em qualquer dicionário. Fazendo com que todo mundo
possa entender, possa traduzir. Porque
jonas santos
que vai dizer à nuvem que não chova,
não despeje, não deixe despencar suas
gotas todas sobre o mundo [risos]?
Gilberto Gil foi
ministro da Cultura
durante os cinco
primeiros anos do
governo Lula
cessidade de buscar a igualdade, exigir
o respeito à diferença. Todas essas
questões são históricas e presentes em
todos os movimentos. Há o Movimento dos Sem Terra no Brasil e no mundo todo. De vez em quando eu assisto
algumas séries norteamericanas, e a
expressão “sem terra” volta e meia aparece dizendo respeito a eles próprios,
a pessoas nas Américas que tem que
lidar hoje em dia com essa questão.
Existe uma quantidade cada vez maior
de Sem Terras e Sem Tetos nos eua
e na Europa, enquanto que aqui no
mundo subdesenvolvido, essas questões sempre foram muito presentes.
Mas passam a existir outras questões
também. Digamos, os “sem tela”, por
exemplo [risos]. Os “sem banda”. São
novas demandas. Então, as lutas típicas
e clássicas do “mst's da vida” em todos
os tempos vão migrando para lutas
que têm relação com outras demandas
também. O que permanece da luta
política nestas dimensões clássicas do
ativismo também vai se nutrindo das
novas facilidades, das novas ferramentas, das novas lutas. O “Occupy”, de
certa forma, instrui o mst, da mesma
forma que o MST também instruiu o
“Occupy”.
Como você tem avaliado o governo Dilma?
O governo Dilma é o primeiro governo de uma mulher no Brasil. Só isso já
é uma diferença danada. Porque ela se
sente muito naturalmente e justificada-
E ela vem tratando isso de uma forma
muito clara. Onde tem foco, onde tem
denúncia, onde tem indício, onde tem
suspeita, ela atua. Do ponto de vista da
gestão da economia em si, e de como
é que o Brasil se coloca do ponto de
vista da economia mundial, o papel do
Itamaraty nesse contexto, eu acho que
ela também se coloca bem. Embora
o Itamaraty dela seja um pouco mais
recatado, um pouco mais recuado do
que o Itamaraty de Lula. Eu acho que
o Itamaraty de Lula era mais “ponta de
lança”. E na verdade o Brasil começa
agora a colher os benefícios dessa
política externa “ponta de lança” do
governo Lula. Quando, por exemplo, os
eua solicitam ao Brasil que mantenha
seu protagonismo à distância na questão entre os árabes e Israel, na conjuntura sulamericana, quando o governo
Obama diz que o Brasil é um mediador
importante nas Américas, e no mundo
todo, na situação do Oriente Médio.
Acho que ela está exercendo muito
bem uma continuidade deste protagonismo, mas também com algumas
características próprias dela e de seu
governo. Acho que ela precisa investir
ainda mais fortemente nos ministérios
que são responsáveis pela inovação,
como por exemplo, o da Ciência e Tecnologia e da Cultura. Sobre este último,
mais especificamente, ela precisa abrir
um pouco mais a torneira, o investimento na política cultural, que perdeu
muito, perdeu orçamento em relação ao
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 27
Se oriente, rapaz...
Durante a entrevista, o professor Jorge
Portugal pediu a Gilberto Gil que
escolhesse dois livros importantes
em sua trajetória de vida. Depois de
citar a obra “A Chave do Tamanho”
de Monteiro Lobato, que para ele teve
uma relevância enorme quando ainda
menino descobria a leitura, qual não
foi a surpresa de todos nós com o
segundo livro escolhido por Gil:
“Dentre tantos outros, eu escolheria
um em especial, por ter sido um livro
que deu um nó danado em minha
cabeça, com todas as questões da
modernidade, da sociedade, da economia, da política, retratadas de uma
forma muito singular, muito louca,
muito visionária, e veio marcar todo o
modo de estar no mundo de algumas
gerações anteriores à minha, da minha
própria geração, e acho que até hoje,
que foi O Capital de Marx”
A religiosidade da audição do vinil, Caio Barbo, março de 2012
que Lula deixou, e o principal exemplo
disso são os problemas com os Pontos
de Cultura no Brasil inteiro.
Gil, queríamos também que você desse
uma opinião sobre o tema do Código
Florestal.
Eu não acompanhei essa questão de
perto, como um especialista. Acompanhei de longe, como um cidadão. O balanço que se faz é que o que está posto
no Código Florestal não é satisfatório.
A questão, por exemplo, dos remanescentes de florestas nas áreas rurais, nas
áreas de cultivo, isso não está bem posto. A questão das propriedades rurais, a
questão florestal nas propriedades, nos
latifúndios e, especialmente nas terras
exploradas, o problema também das
margens de rios, não parece que o texto
final aprovado, contemple o melhor
equilíbrio das posições e das demandas sociais. Acho que a boa discussão,
a melhor discussão pública não foi
esgotada. Do jeito que está, não me
parece uma boa proposta de reforma
do Código Florestal.
28 | @revistabrasis
Uma última pergunta sobre o tema da
cultura digital: o que você acha que pode
continuar analógico nesta era digital?
Você acredita que o analógico persistirá?
Bem, esta questão diz respeito à própria
tecnologia. Até que ponto a tecnologia digital vai conseguir substituir o
analógico naquilo que até agora parecia
insubstituível. Mas eu não sei, a velocidade com que se desenvolve a tecnologia digital é tão grande e tão rápida, a
transposição dos usos das tecnologias
analógicas para o digital é uma transposição tão rápida também, e o digital
em si ele já é tão mais ágil, tão mais
fluídico, que eu acho improvável que
todo esse processo seja reversível. No
cinema, por exemplo, até cinco ou dez
anos atrás, ficávamos naquela discussão
sobre o quão interessante é a película, o
filme celulóide etc. Na música a mesma
coisa, os meus colegas me falavam
“vamos gravar em fita”, com certa
resistência à gravação digital. Eu já não
tinha muito isso, eu já achava há dez
ou quinze anos atrás que na imagem,
no áudio, o digital tinha vindo mesmo
Confira o vídeo da
entrevista no canal
do youtube de
Revista Brasis
para ficar, tinha vindo realmente para
substituir de alguma forma o analógico. Eu tenho a impressão que o
analógico vai ficar como nicho, como
devoção. Ou seja, o analógico será
importante para quem devota, para
quem tem certo apreço, quase uma
questão de religiosidade mesmo. De
certa forma vamos cultuar o analógico, será um culto. Porque do ponto de
vista técnico, o digital vai tomar lugar,
não tem jeito. Já tomou na verdade, o
digital já tomou lugar.
•
álvaro villela
A gestão de Gil no Minc
fez do Brasil pioneiro no
mundo em relação aos
Creative Commons
arquivo
Livre orientação sexual
Desafios
divulgação
para a Criminalização da
Homofobia no Brasil
Toni Reis
O
que seria essa coisa polêmica
chamada homofobia? Uma das definições mais abrangentes disponíveis
na literatura brasileira a descreve
como: “um conjunto de emoções negativas (tais como aversão, desprezo, ódio,
desconfiança, desconforto ou medo), que
costumam produzir ou vincular-se a preconceitos e mecanismos de discriminação
e violência contra pessoas homossexuais,
bissexuais e transgêneros (em especial,
travestis e transexuais) e, mais genericamente, contra pessoas cuja expressão
30 | @revistabrasis
A ideia é
criminalizar a
homofobia de
forma igual à
criminalização
do racismo".
de gênero não se enquadra nos modelos
hegemônicos de masculinidade e feminilidade. A homofobia, portanto, transcende
a hostilidade e a violência contra LGBT e
associa-se a pensamentos e estruturas hierarquizantes relativas a padrões relacionais
e identitários de gênero, a um só tempo
sexistas e heteronormativos” (Junqueira,
2007).
No âmbito do Legislativo Federal,
encontra-se resistência fundamentalista
em qualquer área em que se tente propor respostas concretas para enfrentar a
homofobia que vão além da retórica e da
manifestação de boas intenções. E essa
resistência vem vencendo a soberania da
democracia, além de contribuir para a
persistência do elevadíssimo número de
assassinatos de lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais (LGBT) em função
de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero – com uma média de um
assassinato a cada trinta e seis horas no
país, segundo dados do Grupo Gay da
Bahia. Os assassinatos são o aspecto mais
visível do fenômeno nocivo e insidioso da
homofobia que permeia todas as áreas da
vida cotidiana, provocando sofrimento e
exclusão social entre a população LGBT,
conforme registrado por diversas pesquisas científicas realizadas no Brasil por
instituições de renome na última década
(www.abglt.org.br/port/pesquisas.php).
A aprovação da criminalização da
homofobia em todo o território brasileiro
se encontra respaldada por vários preceitos constitucionais, em especial a igualdade, a não discriminação, a segurança
jurídica e a dignidade humana, além de
estar em consonância com diversos acordos e tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ainda diversos municípios e as principais
capitais do país já possuem legislação
1940 Segunda Guerra Mundial – beijo de dois marinheiros militares foto original em preto e branco
contra a discriminação por orientação
sexual e/ou identidade de gênero. Além
disso, sessenta e dois países já aprovaram legislação nacional congênere, de
modo que a aprovação da uma lei federal
brasileira de criminalização da homofobia
não estaria abrindo qualquer precedente, e
sim seguindo uma tendência internacional
de reconhecimento e garantia dos direitos
humanos das chamadas “minorias sexuais”
que, segundo estudos, representam pelo
menos dez por cento da população. A
aprovação da criminalização da homofobia não resultará no cerceamento da
liberdade de expressão ou de crença de
qualquer pessoa que respeitar as pessoas
LGBT, da mesma forma que acontece em
relação à população negra e o cumprimento das disposições da Lei Afonso Arinos. A
criminalização da homofobia significa que
a comunidade LGBT passaria a ter mais
proteção da violência e da discriminação e
ninguém perderia nada.
Foram feitas tratativas com todos os
setores do Congresso Nacional para se ter
um projeto de lei de consenso que criminalizasse a discriminação e a violência homofóbica, porém infelizmente não houve
acordo. A ideia é criminalizar a homofobia de forma igual à criminalização do
racismo, sem hierarquização de violências
e discriminações. Essa é uma decisão da
II Conferência Nacional LGBT. Porém, há
uma bancada pluripartidária fundamentalista no Congresso Nacional que se utiliza
de argumentos de que estaríamos ferindo
a liberdade de expressão, especialmente a
expressão religiosa, e impede que a lei seja
aprovada. Por outro lado. Há uma bancada
aliada da causa LGBT que fica acuada
e parece não ter a coragem de ir para o
enfrentamento. A Associação Brasileira
de Gays Lésbicas Travestis e Transexuais
e suas 257 organizações afiliadas respeitam o Art. 5º, inciso VI, da Constituição
Federal, que estabelece que “é inviolável
a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias”, desde que sejam respeitados os
direitos fundamentais das pessoas, inclusive das pessoas LGBT.
Ainda, na contramão dos avanços alcançados no Executivo Federal no
governo Lula, um ano e alguns meses do
governo Dilma têm sido suficientes para
demonstrar que agora de modo geral
estamos diante de um retrocesso no que
diz respeito à promoção e defesa dos
direitos humanos da população LGBT por
parte do Executivo. Apesar dos esforços da
Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a mensagem maior
que tem emanado do Palácio do Planalto
é de homofobia institucionalizada, vetos e
censuras. Exemplos claros são o veto presidencial do material didático do projeto
Escola Sem Homofobia, a declaração da
presidenta de que seu governo não fará
“propaganda de opções sexuais” e o veto
presidencial da peça específica da campanha de prevenção de aids no carnaval
voltada para a população de jovens gays.
Esse quadro se agravou pela afirmação
recente do ministro da Educação de que
materiais didáticos nas escolas “não vão
resolver a homofobia”. O que se percebe
claramente nestes acontecimentos é a concessão do governo Dilma aos interesses
dos setores fundamentalistas, a troca de
direitos humanos por acordos políticos e o
desrespeito ao princípio do Estado Laico.
A ABGLT vem fazendo parcerias
com os movimentos sociais progressistas, com os(as) trabalhadores(as), enfim,
setores da sociedade e partidos que têm
compromisso com os princípios constitucionais para superar essa situação. Não
queremos privilégios. Queremos igualdade de direitos. Nem menos, nem mais,
direitos iguais.
•
Toni Reis
Presidente da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 31
conjunturas & conjecturas
abr
O Brasil
no Mundo
Entrevista Exclusiva com o professor e
cientista político Emir Sader sobre o cenário
político no mundo atual, o governo Dilma e
os horizontes da esquerda no Brasil
C
omeçamos pelo mundo e
terminamos conversando sobre as
tarefas e desafios da esquerda brasileira no próximo período. O ambiente agradável em que fomos recebidos
pelo professor Emir Saderpara a entrevista
foi sua própria residência, cuja sala parece
ter brecha de estante preenchida por livros
e mais livros, em cima, em baixo e por
todos os lados.
Professor Emir, a partir do testemunho e da trajetória de alguém que viu de perto vários “brasis”,
nós gostaríamos de começar a entrevista falando
um pouco de como você enxerga o Brasil de hoje
no cenário internacional.
Se levarmos em conta principalmente
o período entre a ditadura e o neoliberalismo, o Brasil sempre foi um
“menino bem comportado” (sic) em
relação à política internacional. Foi o
país que melhor colocou em prática a
doutrina de segurança nacional, bandeira fundamental do imperialismo
norteamericano durante toda a Guerra
Fria. Havia em nosso continente uma
disputa entre a alternativa comunista
de Cuba, a alternativa nacionalista
peruana nos anos 60, e a alternativa
brasileira, submissa e subimperialista,
exatamente a que acabou triunfando
32 | @revistabrasis
na América Latina. Então, é muito
novo o que poderíamos entender
por política soberana no Brasil. O
primeiro grande ato de iniciativa do
governo nesse sentido foi exatamente
a decisão a partir de 2003 de inviabilizar aÁrea de Livre Comércio das
Américas (alca). Quando o governo
Lula assumiu, a alca estava já em sua
fase final de implementação. Logo,
esta decisão mudou a correlação de
forças no continente e a própria inserção do continente no mundo. Hugo
Chávez sempre se refere à reunião da
Cúpula das Américas no Canadá em
2000, quando o principal debate era a
alca apresentada por Bush, e naquela
oportunidade ele foi o único estadista
presente a rejeitar a proposta. Então,
naquele momento havia uma correlação de forças terrível para a esquerda.
Quando deu início o processo de
inviabilização da alca, protagonizada
pelo Governo Lula, houve uma virada
extremamente importante, no sentido
principalmente de contribuir para a
construção de um mundo multipolar.
Na verdade, em minha opinião uma
das características mais importantes
do Governo Lula foi exatamente essa
consciência de que o objetivo funda-
mental seria superar a hegemonia norteamericana e construir um mundo
multipolar.
Você acha que de lá pra cá os diferentes caminhos
adotados principalmente na Europa e na América
Latina, levando em conta os recentes efeitos da
crise, esse mundo multipolar tem se consolidado?
Durante um período, os eua e a Europa viveram uma lua de mel importante,
sobretudo na virada dos anos 80 e 90,
e conseguiram se reinserir em escala
internacional em condições vantajosas. E a América Latina foi a principal
vítima disso. Nós sofremos a crise da
dívida que acabou com o ciclo mais
longo do desenvolvimento econômico
no continente. Abertura do comércio,
expansão de instituições internacionais,
consolidação da modelo neoliberal,
desindustrialização dos países da periferia. Então, os eua e a Europa, tiveram
vantagens formidáveis no mercado
internacional até a crise recente. Agora
está pagando um preço caro para a
manutenção do modelo com a qual eles
constituíram a unificação europeia. No
entanto, eles foram vencedores na globalização. Nós somos perdedores. Exatamente por isso eles votam à direita,
não querem mudar nada. No caso da
América Latina, nós votamos à esquerda. Com a crise, podemos perceber
mais claramente os caminhos distintos
que cada continente seguiu. A Europa, apesar de um continente rico, não
consegue dar emprego para a metade
da população jovem. E provavelmente
teremos uma década toda com recessão. Os tipos de cortes, de ajustes que
estão sendo feitos apontam para uma
recessão profunda. Não se sabe quando
irão começar a recuperar-se. Os países
europeus estão tropeçando na mesma
pedra. O primeiro ciclo desta crise, que
surge em 2008, é a quebra dos bancos. Os governos acudiram os bancos,
achando que os bancos também acudiriam os países. No entanto, os bancos
se salvaram, e agora a crise atinge os
Estados. Então, os cortes são cada vez
maiores. Imagine o que vai acontecer
em médio prazo. Estão cortando direitos e atentando gravemente ao estado
do que se chama de "bem estar social".
Os países que não entraram no sistema
de moeda única na Europa estão em
condições um pouco mais razoáveis.
Os eua e a Inglaterra ainda têm margens de politica monetária e política
cambiária. No entanto, os outros estão
sem alternativas. E num cenário como
este quem for governo perde. Por isso
que a política é evitar eleição, colocar
tecnocratas no comando. E a chance do
Euro se tornar a moeda alternativa foi
por água a baixo. Sair do Euro significaria voltar às moedas nacionais, o que
seria um retrocesso brutal. Acho que
não há muitas alternativas. A Alemanha quer manter o Euro a todo custo.
Os países mais fracos foram os mais
privilegiados com a unificação. Portugal, Espanha e Grécia foram os que
mais cresceram relativamente, os que
mais se modernizaram. No entanto,
agora o bumerangue volta e esses países
pagam o preço da crise de forma mais
dramática. Mas sair do Euro não parece
ser a solução mais adequada. É meio
a situação de “se correr o bicho pega
e se ficar o bicho come” (sic). Porque
manter a moeda unificada também significa haver uma norma muito estrita
de controle orçamentário, de déficit
público. Nesse sentido, o contraste
entre a América Latina e a Europa fica
bastante evidente. Enquanto a América
Latina sente efeitos mais brandos da
crise, os países europeus passam por
uma recessão enorme.
Diante de todo esse quadro político, como se
posiciona o governo Dilma?
Do ponto de vista da política econômica, sobre a crise, a postura do governo
está correta. Equivocou-se aumentando
a taxa de juros no começo do governo. Não se dava conta e agora afirma
não ter imaginado que haveria uma
crise tão forte como esta. Mas foi um
erro que o governo já está corrigindo.
O grande acerto do governo Dilma
é manter um crescimento razoável
em relação à economia internacional
e estender as políticas sociais apesar
da crise. Se no Brasil houvesse uma
imprensa que realmente se preocupasse com a pauta nacional, este seria o
grande tema para o debate hoje. Como
manter o crescimento e estender as
políticas sociais apesar da recessão
internacional. Nesse sentido, eu acho
que o governo está indo bem, e precisa
resolver a taxa de juros que ainda está
elevada. Do ponto de vista da política
internacional, o governo mudou o eixo.
A presidenta Dilma e Patriota definiram que direitos humanos são o principal eixo da política internacional. É
uma posição até defensável, no entanto
esta questão não começa do zero. Existe um campo de força constituído em
escala mundial sobre este tema que faz
Uma das
características
mais importantes
do governo Lula
foi exatamente
a consciência
da necessidade
de construir
um mundo
multipolaR."
com que a prioridade sobre os direitos
humanos seja uma política de dois pesos e duas medidas. Até agora o Brasil
votou em favor do relatório de direitos
humanos para o Irã, mas não tomou
nenhuma posição clara, com exceção
das declarações de Dilma em Cuba,
sobre a base de Guantánamo, ou ainda
em relação à Palestina, para ficarmos
em dois exemplos. Essa postura é bastante discutível. O governo tem anunciado que onde houver violação dos
Direitos Humanos ele estará lá, mas
na realidade não tem sido assim. O
Brasil não tem tomado iniciativas que
atinja os eua no que tange esse tema.
Ao mesmo tempo, ao não dar o peso
que o governo Lula dava a construção
de um mundo multipolar, o Brasil não
tem se posicionado como mediador
nos cenários de conflitos internacionais. Há um risco real de enfrentamento militar no Irã, antes havíamos
tomado a iniciativa de negociar junto
à Turquia para evitar o conflito. Agora
não, o Brasil está assistindo. Por outro
lado, no essencial a política internacional se manteve igual, ou seja, a
priorização da relação com os países
do sul, da integração regional.
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 33
Como você analisa o papel do pt nesse contexto?
Depois da crise de 2005, o resultado
foi um Lula fortalecido, um governo
fortalecido e um pt enfraquecido.
A imagem que ficou foi a de que os
petistas foram os protagonistas da crise
do “mensalão” (sic), apesar de a crise
ter como uma das principais razões a
própria política de alianças do governo
Lula. Mas dito isso, qual a principal tarefa de um partido de esquerda hoje no
Brasil? Primeiramente ter consciência
de que é preciso construir um modelo
alternativo ao neoliberalismo no Brasil.
É preciso fazer uma análise do quanto
avançamos, o quanto não avançamos
e quais são os eixos fundamentais que
precisam ser superados para construir
um modelo alternativo. Acho que esta
é a grande discussão. No Brasil, existe
Lula, que é o maior líder popular das
últimas décadas, não tem discurso
para a juventude. A juventude vota em
Lula principalmente porque a condição econômica e social de sua família
está melhor. E por algumas mudanças
concretas, como no caso do ProUni.
Mas política para a juventude também
é “sexo, drogas e rock n'roll” [risos].
É uma brincadeira, mas o que seria
isso? “Sexo” seria um discurso voltado
para a própria sexualidade, para o livre
exercício da sexualidade. Temas como
aborto e diversidade sexual. “Drogas”
seria assumir um debate sério sobre
a descriminalização da maconha e
outras drogas leves no Brasil. E “rock
n’roll” seria tudo que tem a ver com a
livre expressão, a manifestação cultural
e a política de cultura no Brasil. Por
O grande acerto do governo Dilma
é manter um crescimento em
relação à economia internacional
e estender as politicas sociais
apesar da crise."
um bloco histórico que se esgotou:
dos partidos neoliberais e das políticas
econômicas neoliberais. Portanto, é
preciso construir um novo bloco histórico para substituir de fato o modelo
e o pensamento neoliberal. Já há uma
nova maioria econômica, política e
social no Brasil que vota pela esquerda, mas esta maioria ainda não esta
consolidada do ponto de vista ideológico. Por exemplo, em 2010 nós quase
perdemos a eleição quando veio à tona
o tema do aborto. E o governo não tem
avançado sobre esse tema. Um governo
que não toca no assunto do aborto, que
não é a favor da descriminalização das
drogas leves, que não tem política de
democratização dos meios de comunicação, que não enfrenta o debate da
homofobia, ou seja, é um governo que
ainda tem um diálogo muito limitado
com a juventude. Em minha opinião
34 | @revistabrasis
exemplo, a postura do governo sobre
as rádios comunitárias ainda é muito
ruim. O governo Lula não tinha discurso a essas questões, e o governo Dilma
tão pouco. São assuntos pendentes
no Brasil, que também tem a ver com
a luta por um modelo alternativo. O
papel do pt, portanto, também é o de
apontar novos horizontes. Atualmente
quem dá a agenda política é o governo,
o pt tem pouca iniciativa. Outros temas, por exemplo, como o da reforma
agrária, ou quais políticas econômicas
o pais deve adotar para caminhar rumo
à superação do capitalismo, o partido
diz muito pouco. Acho que o pt perdeu
muito de sua força própria, tem pouca
autonomia em relação ao governo.
Outro exemplo seria o debate sobre o
financiamento público de campanha,
um tema que está sumindo da pauta
política. O financiamento público é
um tema muito importante para um
partido como o pt que se pretende
representante das camadas populares.
Mudar o Brasil passa por mudar o
Congresso brasileiro, passa por eleger
bancadas populares dos movimentos
sociais. Mas como você vai convencer
um trabalhador rural a ser candidato
se o nosso sistema permite o financiamento privado de campanha? É por
esse motivo que no Congresso existem
muito mais ruralistas e empresários
do que trabalhares rurais e sindicalistas. A bancada de donos de escolas e
faculdades particulares é muito maior
que a bancada de educadores. Então,
teoricamente o Congresso deveria ser
o espelho da sociedade, inclusive no
que diz respeito às maiorias e minorias
sociais. E é exatamente o contrário. A
elite está muito bem representada, o
povo não. E um dos principais fatores
que explica essa inversão de representatividade no Congresso é o elemento
econômico, ou seja, a grana que elege
os nossos representantes. Logo o pt
tem um papel fundamental também
sobre essa questão.
Numa atividade da eps você afirmou que haveria
três grandes questões sobre as quais o nosso
governo não avançou ou avançou muito pouco: a
política econômica, a questão fundiária e a política
de comunicação. Queríamos que falasse um pouco
mais sobre essas questões.
Exatamente, ou seja, dinheiro, terra
e palavra. A hegemonia do capital
financeiro, a estrutura fundiária o
agronegócio e o monopólio das comunicações no Brasil. Sobre a primeira
questão, nós começamos a avançar
minimante com essa dimensão da
taxa de juros. A taxa ainda é muito
elevada, e o governo tem demonstrado
a consciência de que é preciso baixa-la. Sobre a questão fundiária estamos
numa batalha entre alternativas ruins
e péssimas no que tange à reforma do
Código Florestal. Então, não estamos
bem, e tudo indica que haverá retrocessos. Além disso, pensar a reforma
agrária no Brasil não é uma tarefa
simples. Hoje no Brasil uma parte das
terras que eram improdutivas está
sendo acionada para produzir, principalmente soja, e para a exportação.
A própria posição original do mst, de
ocupar as terras improdutivas, tem
mudado um pouco em virtude dessa
nova realidade. E o governo Dilma
não avança em torno desse tema.
E sobre a terceira questão, o marco
regulatório nas comunicações sequer
Queríamos que falasse um
pouco sobre uma questão
que você tem tratado muito
ultimamente que é o tema da
cultura.
Em minha opinião
houve um erro desde o
momento da escolha.
Uma coisa é a responsabilidade da presidenta,
outra coisa é que o
governo precisa dialogar com os segmentos
culturais, artísticos
que tem a ver com seu
projeto. Então foi uma
escolha que deu errado e
ela não foi feita a partir
de um debate com estes
segmentos. O processo
que resultou na escolha
de Ana de Hollanda
não girou em torno de
que políticas seriam
mantidas ou não, mas
de uma escolha individual. A ministra tomou
atitudes absolutamente
arbitrárias, já retrocedeu
em várias políticas, e o
governo não foi capaz de
Edição em miniatura do Manifesto Comunista,
brecar esse movimento.
em uma das estantes de Emir
Começou com a propriedade comum, retirar
os commons da internet, que foi uma das conquistas mais
foi para a discussão. O Ministro das
importantes e inovadoras que inclusive
Comunicações Paulo Bernardo havia
projetou o Brasil como vanguarda
prometido que iria para discussão até
nesse tema do livre acesso. Da própria
o ano passado, e não foi. A disposipágina do Ministério foram retirados
ção que se conhece do governo sobre
os commons sem nenhuma discussão,
esse tema é a de ter um modelo ainda
nem com o governo, nem com sociemuito brando no que diz respeito ao
dade e nem com as partes interessadas.
monopólio já existente. E ainda assim
Foi um ato absolutamente individual
o principal problema é que, mesmo
da ministra e a partir de argumentos
a proposta do governo, eu acho que
totalmente equivocados. As próprias
não passa no congresso. Se somarmos
relações promíscuas com e ecad,
quem é dono de meios de comunipara dizer o mínimo. Os retrocessos
cação, quem é aliado dos donos dos
que houve com relação aos Pontos de
meios de comunicação e quem tem
Cultura, a própria visão mercantilizada,
medo dos meios de comunicação, dá
tradicional e antiga sobre a política de
uma maioria muito clara no Concultura. Na verdade, o pior de tudo é
gresso. O próprio Lula afirmou que
que as políticas públicas voltadas para
enquanto houver medo dos meios de
a cultura saíram definitivamente de
comunicação e da mídia não haverá
pauta. Cultura voltou a ser sobremesa.
democracia no Brasil. Então esta
Só vai para a agenda quando há escântambém é uma questão muito difícil
dalo. Mesmo os grandes equívocos não
para o governo. Na verdade, voltando
foram temas de grandes debates.
à representatividade, não haver financiamento público de campanha praVocê acha que essa nova postura do MINC tem
ticamente estrangula a possibilidade
mais a ver com o que representa Ana de Hollanda
de nós constituímos uma maioria no
do que com o que pensa a presidenta Dilma?
Congresso.
A direita
midiática no
Brasil é forte,
mas a direita
partidária é
muito fraca."
Em minha opinião o principal erro
do governo é a tolerância com essa
postura. Foi a tolerância que fez com
que a política cultural deixasse de ser
importante. A tal ponto que ela violou
e retrocedeu em políticas importantes
do governo Lula. Mas na verdade, não
se sabe se o governo não quer criar crise, se o governo simplesmente está de
acordo ou se o governo não dá a devida
importância ao Ministério.
Sobre o recente tensionamento entre um setor de
militares do país e o governo federal, qual você
acha que é a principal motivação?
É claramente uma reação à criação da
Comissão da Verdade. Começaram
a tentar pressionar para já tentar se
defender da Comissão da Verdade. Mas
em minha opinião não tem poder real
no Brasil hoje. O Mauricio Dias fala
corretamente quando diz que é mais
perigoso esse grupo interno do pmdb
para o governo do que esses generais de
pijama insatisfeitos. A intenção desse
setor militar é claramente tentar constranger o governo desde o processo de
nomeação dos membros da Comissão,
até o próprio poder de funcionamento que ela terá. Parte do trabalho da
Comissão é de esclarecimento histórico. Só que não se sabe até onde esse
esclarecimento vai, até porque com
certeza os militares queimaram muitos
arquivos. Mas independente dos esclarecimentos necessários, nós vamos ter
um avanço importante que é a versão
oficial do Estado brasileiro sobre o que
aconteceu nesse período de nossa história. Então, os “milicos” (sic) já estão
tratando preventivamente de tentar se
defender.
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 35
jonas santos
Esquerda na história
em dois tempos
Uma conversa com o historiador Muniz Ferreira
sobre a trajetória completa e complexa de um dos
personagens mais singulares da esquerda brasileira
Emir afirma que com Ana de Hollanda à frente do Minc, cultura voltou a ser sobremesa
Para terminar, qual você acha que é a grande
tarefa dos movimentos sociais e dos partidos de
esquerda, para aprofundar as transformações no
Brasil e caminhar rumo à superação definitiva do
capitalismo?
Nós conseguimos derrotar a direita nos
últimos anos, mas ainda não conseguimos construir um bloco ideológico
na sociedade. A direita midiática no
Brasil é forte, mas a direita partidária é
muito fraca. Precisamos aproveitar esse
momento para pensar qual é o tipo de
sociedade pós-neoliberal que devemos
construir. Reorganizar o Estado em
torno da esfera pública, privilegiar a
universalização dos direitos, acentuar
o conflito com o capital financeiro,
com o agronegócio, com o monopólio
privado dos meios de comunicação, e
no apoio e na crítica ao governo, lutar
tendo como horizonte o socialismo.
Não podemos reduzir nossa atuação ao
pragmatismo da luta contingente, dos
calendários eleitorais definidos. Não
podemos perder o horizonte estratégico. Não é possível compreender o mundo hoje sem entender que a mercantilização é a principal causa das injustiças
e desigualdades. E não é possível defen-
der um outro mundo sem combater
essa mercantilização. Precisamos tirar a
política da esfera do mercado e colocar
na esfera do direito. Portanto, não há
outra saída senão a estratégia socialista.
Esse é um dos principais objetivos do
socialismo: universalizar os direitos.
Ainda sobre o governo Dilma, há uma
visão tecnocrática sobre o Estado que
entende o poder público como uma
“máquina”. Ou seja, se uma peça não
funciona, troca-se por outra peça. O
Estado deixa de ser um ente político. O
governo precisa entender melhor que
política é hegemonia, política é convencimento. Política não é simplesmente
aliança. Esta é uma parte importante
da política. Mas tão importante quanto
isso é o discurso, o argumento. Por
exemplo, a recente decisão de privatizar
os serviços dos aeroportos é defensável.
Se o Brasil precisa fazer a Copa e não
tem orçamento para construir e reformar os aeroportos, é uma alternativa
possível a concessão dos serviços para
o setor privado durante um período.
Apesar de ser um tipo de privatização,
não significa privatizar o aeroporto,
mas privatizar os serviços. E a presi-
denta, tendo argumentos e inclusive
estando muito mais convencida do que
nós sobre essa decisão, não disse uma
palavra ao povo. Há uma visão de que
a verdade vai se impor simplesmente
pela eficiência da gestão. Não é levada
em conta a argumentação, o convencimento, a busca pela hegemonia. Cristina Kirchner fala três vezes por semana
ao povo argentino. Na Argentina existe
uma maioria ideológica à esquerda. No
Brasil, não. Se houvesse um plesbicito
sobre o aborto, ou a pena de morte,
a criminalização da homofobia, ou
ainda a redução da maioridade penal,
provavelmente nós perderíamos todos
eles. Numa conjuntura como esta, é
muito importante que a nossa principal
líder discurse para a opinião pública.
Quando ela fala já é difícil, porque a
mídia escolhe o que reproduzir. E na
medida em que nossa presidenta não
fala, dificulta ainda mais a construção de um bloco ideológico. Então,
acho que esta é a principal tarefa dos
movimentos e partidos de esquerda no
Brasil, aprofundar as transformações
e conseguir constituir uma maioria
ideológica na sociedade.
•
C
arlos Marighella nasceu
em 5 de dezembro de
1911. Cem anos após seu
nascimento, é lembrado
como uma das grandes referências da esquerda brasileira.
Filho de pai italiano anarquista e mãe negra brasileira,
o guerrilheiro Marighella foi
um dos maiores lideres da luta
armada no Brasil. Por isso, a
perseguição da Ditadura contra ele foi incansável, chegando
ao fim com seu assassinato no
ano de 1969. Principalmente
em virtude de seu centenário
de nascimento, a história do
guerrilheiro Marighella tem
sido recuperada nos últimos
anos. Sua atuação pela Ação Libertadora Nacional (aln), sua
viagem a Cuba para conhecer
a experiência guerrilheira e revolucionária, seus escritos sobre a própria guerrilha, como
o mais famoso deles o “Manual
do guerrilheiro urbano”. Seria
impossível contar os caminhos
e descaminhos da luta armada
marighele-se
36 | @revistabrasis
/
em nosso país, sem reconhecer
o papel fundamental que cumpriu Marighella como dirigente e como teórico no Brasil da
chamada tática de guerrilha.
Por outro lado, muito
pouco se sabe da sua vida
política antes de aderir à luta
armada, quando dirigente
do partido de esquerda mais
importante à época no Brasil,
o pcb. Apesar de ser lembrado
como militante que fez a opção
das armas para combater a
Ditadura, a maior parte da trajetória política de Marighella
até antes do golpe militar em
1964 foi no partido comunista,
pelo qual chegou, inclusive, a
ser deputado. Sobre a história
deste Marighella partidário
e parlamentar, Revista Brasis
conversou com o historiador carioca Muniz Ferreira, professor associado do
Departamento de História da
Universidade Federal da Bahia.
Muniz Ferreira é dirigente do
PCB e atualmente está desen-
volvendo uma pesquisa sobre
a militância de Marighella nas
décadas anteriores ao advento da Ditadura Militar. Esta
pesquisa resultará num livro,
previsto para ser lançado ainda
em 2012. A pesquisa vai além
do simples conhecimento e
reconhecimento da atuação de
Marighella. Para o professor,
compreender as opções desta
importante personalidade
de nossa história nos leva
também à necessária reflexão
sobre as opções da própria
esquerda no Brasil durante
o período anterior ao golpe
militar e no próprio processo
de resistência à Ditadura.
Marighella de partido
Carlos Marighella é uma
figura especial em nossa história. Poucos foram os personagens da esquerda brasileira
que tiveram uma trajetória
política tão múltipla e variada
ao longo de sua vida, e por isso
a extrema importância dos
estudos nos últimos anos que
visam recuperar sua história.
Para Muniz, no entanto, é
necessário que este esforço de
recuperação seja pleno para
que tenhamos conhecimento
da história completa deste dirigente que cumpriu papel relevante em diferentes momentos
históricos do Brasil.
Como se sabe, a trajetória
de Marighella não se restringiu
à guerrilha. Começou sua militância muito cedo, ingressando
nas fileiras do Partido Comunista ainda jovem. Foi preso
pela primeira vez por escrever
poemas satíricos sobre Juracy
Magalhães, na época o interventor da Bahia. Logo após sair
da cadeia se desloca para o Rio
de Janeiro, e mais tarde para
São Paulo. Passa a organizar o
partido junto aos segmentos
operários em meio à resistência ao Estado Novo, quando
novamente é preso. Solto
apenas com a anistia alguns
anos mais tarde, Marighella começa a ganhar evidência como
um dos principais quadros
públicos da esquerda, e ainda
na década de 40 é eleito parlamentar pelo PCB. A representação parlamentar é marcante
em sua trajetória. Segundo as
palavras do professor Muniz,
“Marighella realiza no curso
de sua atividade parlamentar o
que alguns estudiosos caracterizam como um dos primeiros
mandatos populares no Brasil,
interagindo intensamente com
os trabalhadores”.
Além disso, o mandato do
deputado Marighella é marcado também por uma intervenção constante nos debates no
parlamento, tendo sido um dos
parlamentares comunistas que
mais interviu na tribuna da Assembleia Nacional Constituinte. Nessa mesma época, atuou
intensamente na imprensa comunista com grande produção
de artigos, sobretudo a partir
do periódico Classe Operária,
publicação nacional do PCB.
Muniz Ferreira quantifica em
caio barbo
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 37
A partir do 5°
Congresso do
PCB em 1960,
Marighella passa
ser o segundo
principal
dirigente da
hierarquia
partidária."
sua pesquisa cerca de 20 artigos entre 1946-49, abordando
temas variados de grande relevância para a esquerda naquele
momento, tais como a atuação
da bancada bolchevique no
parlamento russo antes da Revolução de 1917, a trajetória de
Prestes no Brasil, o movimento
comunismo internacional,
dentre outras questões. Para
Muniz Ferreira, o mandato de
Marighella serviu como um
importante instrumento de
formação teórica e política do
partido, da esquerda como um
todo. Tanto no parlamento,
como no partido, ele exerceu
um papel importante enquanto
teórico e pensador político. Na
década de quaenta, Marighella
passa a ser o primeiro diretor
da revista teórica Problemas,
principal veículo de comunicação e expressão sobre o
posicionamento do partido
em relação a diversos temas
da conjuntura. Sobre este
perfil múltiplo de Marighella,
o historiador conclui que “se
formos procurar na esquerda
brasileira alguém no Brasil que
tenha essa universalidade na
ação política, formação teórica,
organização partidária, exercício de um mandato, certamente teremos dificuldade de
encontrar”.
38 | @revistabrasis
O GOLPE MILITAR E A LUTA
ARMADA NO BRASIL
A década de 60 foi decisiva para Marighella e para o
conjunto das organizações de
esquerda no Brasil. A iminência da ofensiva militar não era
jonas santos
Nos anos 50, Marighella foi
destacado pelo partido para conhecer a experiência revolucionária na China, a qual exerceu
grande influência na orientação
do PCB no período de 1950 a
1954, quando o partido chega
a propor uma ação insurrecional contra o governo Dutra.
A partir de 1956, ele se engaja
decisivamente no processo
de renovação do PCB, logo
após os abalos “sísmicos” na
esquerda comunista de todo o
mundo causados pela revelação
dos crimes e erros de Stalin.
Este processo de renovação
do partido, segundo Muniz,
culmina na famosa “Declaração
de março” de 1958, quando o
PCB abandona os traços mais
dogmáticos e sectários de
suas formulações anteriores,
estabelecendo como objetivo
central a implementação de um
governo nacionalista e democrático através do processo eleitoral e da pressão de massas, e
rejeitando a via armada como
estratégia principal de luta no
país.
A “Declaração de Março”
teria sido o embrião das resoluções políticas do 5º Congresso do PCB, realizado no ano
de 1960, quando Marighella
se torna então um dos principais dirigentes do partido.
Para Muniz, “a partir do 5º
Congresso, Marighella passa a
ser o segundo dirigente mais
importante do PCB e entra no
primeiro escalão da hierarquia
partidária, abaixo apenas de
Prestes”. Até este momento,
segundo o historiador, é possível perceber claramente as
opções do PCB em priorizar o
caminho pacífico ao invés da
violência como forma de luta,
e o papel central que cumpriu Marighella não apenas
sobre esse entendimento, mas
também como dirigente fundamental do partido em todas
suas decisões e deliberações.
tão evidente. Havia leituras
conjunturais divergentes
dentro da própria esquerda,
bem como dentro do próprio
PCB, e a partir deste contexto nasce uma dissidência
dentro do partido, formada
por muitos de seus principais
quadros políticos. Muniz chega
a citar escritos de Marighella
entre 1965-67, onde é muito
frequente a crítica feita por ele
aos rumos tomados pelo PCB.
Segundo o professor Muniz, a
consolidação desta dissidência
em 1967, da qual Marighella
fez parte, teve relação direta
com a leitura segundo a qual
o partido cometeu uma série
de desvios de direita, adotando
uma postura conservadora e
não tendo preparado as massas
para o golpe.
Certamente, o divisor de
águas definitivo para Marighella no processo de desligamento o PCB foi sua ida a
Cuba, ainda no ano de 1967,
quando ele tem contato direto
com a revolução naquele país.
Daí, como defende o histo-
riador, ficou muito claro o
entendimento de Marighella
de que o partido havia confiado demais na possibilidade da
transição pacífica, enquanto a
direita usou e abusou do expediente da violência para consumar o golpe. Para Marighella,
havia ficado evidente que o
caminho pacífico não seria
mais suficiente para superar a
Ditadura Militar. Essa compreensão foi muito alimentada
pela influência da revolução
cubana no Brasil e na América
Latina como um todo, inclusive na própria dissidência que
se formou no Comitê Central
do PCB a partir do golpe.
Marighella E O FOQUISMO
Em cada texto que Marighella escreve a partir daí,
a ideia da luta a partir do
conflito militar ganha mais
importância. Segundo Muniz,
quando ele volta de Cuba,
a resistência armada não é
apenas uma ideia abstrata, mas
passa a ser um projeto concreto de atuação política, o que
resultou na criação da ALN.
Há um debate na historiografia
brasileira, ao qual Muniz faz
referência, sobre as inspirações
de Marighella na teoria revolucionária desenvolvida pelo
escritor francês Regis Debray
chamada “foquismo”. Para
Muniz, essa polêmica pode
inclusive explicar um pouco da
opção de algumas iniciativas
recentes de fazerem recuperação parcial da história de Marighella, afastando a história de
sua experiência no PCB.
O “foquismo” é uma teoria
que defende a luta armada a
partir de focos revolucionários.
Ela parte de quatro premissas
fundamentais. O professor
Muniz assim nos apresenta,
“primeiro, a premissa segundo
a qual está provado que na
América Latina o cenário privilegiado para a luta armada é
no campo. A segunda premissa
seria que a vitória da Revolução Cubana demonstrou
a possibilidade real de haver
vitória de uma força guerrilheira irregular contra um
exército regular. Em terceiro
lugar, a ideia de que mesmo
onde não existam as condições
plenamente favoráveis para
o processo revolucionário, o
foco guerrilheiro pode criar
essas condições. Ou seja, a
violência revolucionária como
fator propulsor do processo revolucionário. E a mais
problemática das premissas, a
quarta, é a ideia de que o foco
guerrilheiro substitui o partido
revolucionário”. Para Muniz,
estamos diante de uma nova
via para a esquerda, absolutamente estranha ao marxismo
e ainda mais ao leninismo.
Um entendimento segundo
o qual é possível, através da
violência, acelerar o processo
revolucionário, e não a partir
do aguçamento das contradições sociais. Muniz afirma
ainda que o fato de achar que a
guerrilha pode concentrar em
si mesma a direção política e a
direção militar foge à tradição
revolucionária do movimento
comunista internacional. E vai
ainda mais adiante: foge até à
própria realidade do processo
revolucionário cubano, onde
a verdadeira revolução não foi
feita simplesmente pelos dezessete sobreviventes da Sierra,
mas por uma ampla articulação política protagonizada por
Fidel que conseguiu unificar
toda a oposição a Fulgencio
Batista, bem como conseguiu
amplo apoio popular no país.
Marighella passa a defender a tese de que a esquerda
deveria evitar o sistema burocrático de organização dos
partidos comunistas. Ou seja,
muda completamente suas
próprias orientações políticas,
tendo em vista seu histórico
como dirigente do PCB. Não
obstante a crítica à burocracia
partidária, um elemento fundamental precisa ser colocado
em questão no que se refere às
novas opções feitas por alguns
setores da esquerda na época
e pelo próprio Marighella.
Como
parlamentar,
Marighella
exerceu o
que alguns
estudiosos
caracterizam
como um dos
primeiros
mandatos
populares do
Brasil."
As organizações de guerrilha,
principalmente por terem
atuado na clandestinidade,
passaram a dar pouca ou nenhuma relevância ao trabalho
de organização das massas, o
que Muniz caracteriza como
“militarismo vanguardista”. De
modo que o pecado essencial
do “foquismo” não seria rejeitar a participação das massas
no movimento revolucionário,
mas sim, segundo o professor,
“acreditar que mesmo por um
momento a vanguarda poderia
substituir as massas. Sendo que
a luta armada é a forma mais
elevada da luta política. Você
não começa pela luta armada,
você termina com ela”. Muniz
Ferreira se refere, dessa forma,
ao pensamento marxista que
entende revolução como obra
das massas. O “foquismo”, as
organizações guerrilheiras,
e, inserido neste contexto, o
próprio Carlos Marighella,
teriam trazido novos elementos conceituais para a esquerda
no Brasil.
DO POEMA AO FUZIL
O último Marighella, aquele
assassinado brutalmente na
Alameda Casa Branca em
São Paulo, foi o Marighella
guerrilheiro. Um tanto quanto
diferente do parlamentar e
dirigente partidário que, tal
como o guerrilheiro, foi de
extrema importância para a
esquerda no Brasil. Do poema
ao partido, do partido ao
parlamento, do parlamento ao
fuzil, a trajetória de Marighella
faz dele um personagem singular. Nesse sentido, o professor
Muniz conclui nossa entrevista alertando que a esquerda
precisa olhar para a trajetória
completa de Marighella. Ainda
que seja um debate que suscite
diferentes opiniões, sem dúvida este é um esforço válido
para que possamos conhecer
sua história de forma plena,
e assim conhecer um pouco
mais da rica trajetória da luta
das organizações de esquerda
no Brasil. Até porque, apesar
de haver diferenças no tempo,
nas ideias e na ação, Marighella
foi sempre o mesmo Marighella, o militante da liberdade.
•
Confira o
vídeo da
entrevista
no canal do
youtube de
Revista Brasis
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 39
Eleições 2012
A privataria tucana
abr
um retrato do Brasil
ROGÉRIO CORREA
A
eleição municipal na capital
mineira nunca foi tão “nacional”
como o será agora. A postura
de nossos adversários políticos
nacionais (e locais) e a busca de espaço de
nossos aliados na sustentação do governo
Dilma mostram um quadro extremamente complexo. Há de se ter referências
fortes para agir, com princípios, com as
devidas mediações políticas, mas entendendo sempre que: ou o PT vertebra
esse projeto de mudança nacional, ou o
mesmo tende a ganhar tons cada vez mais
distantes de nosso ideário.
É preciso que governos dos estados e
municípios ingressem no esforço nacional
de alinhar ações de Lula e da presidenta
Dilma, que muito tem trabalhado para
colocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento. Como temos apenas eleições
municipais neste ano, esta é uma oportunidade ímpar.
Assim, são corretas as orientações
emanadas de resolução do Diretório Na-
cional (09/02/12) no sentido de que o PT
busque ter candidatura própria nas principais cidades do país. Trata-se de uma
dupla necessidade: primeiro, garantir
mais sustentação ao projeto nacional;
segundo, evitar a depleção do PT, em
face das legítimas disputas com nossos
próprios aliados e com nossos adversários
neoliberais.
O caso de Belo Horizonte é emblemático. Em 2008, desacatando decisão do 3o
Congresso Nacional do Partido, e resoluções do Diretório Nacional, formou-se
aqui uma maioria que constituiu uma
aliança com o PSDB, via coligação com
o PSB. Naquilo que Aécio chamou de
política de convergência.
Resultado: o partido rachou e a
vitória dessa esdrúxula aliança resultou
em um desastre político, mensurável
empiricamente.
De cara o PSDB ocupa espaços estratégicos da prefeitura e o prefeito assume
seu conceito administrativo denominado
•
Rogério Correa
Deputado Estadual, líder da bancada do PTMG
e do Movimento Minas Sem Censura
O livro é
resultado de
dez anos de
trabalhos
investigativos
sobre o
processo de
privatização
levado a cabo
nos governos
de FHC
divulgação
jonas santos
BH 2012:
“choque de gestão”, como um valor; isso
foi a fracassada tentativa de impor métodos gerenciais oriundos das empresas privadas na gestão pública e que é o mote de
Aécio Neves em sua campanha de 2014.
O trato com os petistas que permaneceram na prefeitura nem sempre foi
estimulador. E não falo aqui apenas da
cordialidade na relação.
O esforço de identificação do PSB
com o governo Aécio Neves e agora com
Anastasia é substantivo; já com o governo
Lula e agora com Dilma é meramente
formal.
Isso sem falar na derrota de 2010,
quando nossa candidata, belorizontina,
perdeu nos dois turnos a eleição na capital. Fato inédito. Ah, e Aécio fez “barba,
cabelo e bigode” derrotando o aliado
Pimentel, na disputa para o senado.
Num estado que foi estratégico, para
garantir a vitória de Dilma, apesar da
derrota em Belo Horizonte, misturar
petistas com tucanos, ao molho do PSB,
só pode dar num prato indigesto!
Ou seja, se já não prestou de nada a
aliança em 2008, agora a mesma significa
consolidar os espaços de Aécio Neves no
cenário estadual, já que o mesmo anda
sem a projeção que tinha antes, sendo
apenas um, entre 81 senadores.
Aécio prega a dissolução das fronteiras
partidárias, dos programas e plataformas.
Tudo dele é dirigido para seu projeto pessoal de poder. É ele o adversário em 2014.
Por que dar a ele palanque junto ao PT?
Autor: Amaury Ribeiro Jr
Ano de Lançamento: 2011
Número de páginas: 344
Editora: Geração Editorial
privataria tucana
40 | @revistabrasis
/
P r i vat ar i a Tucana:
UM TSUNAMI
para a oposição
S
ucesso de venda, o
livro do jornalista
Amaury Ribeiro, “A Privataria Tucana” já pode
ser colocado entre os livros de
não ficção mais vendidos no
país .
Com 344 páginas, o livro é recheado de denúncias que mostram os bastidores de todo o
processo de privatizações que
foi levado a cabo durante o último governo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso.
Com farta documentação e análises, Amaury conta
o que seriam crimes de tráfico
de influência, evasão de divisas e favorecimentos ocorridos durante o processo de
privatização. Em um dos seus
depoimentos dados nos diversos lançamentos feitos Brasil
afora, o jornalista diz que “a
roubalheira foi muito maior”
do que aparece no livro, e por
isso mesmo, conforme declarou, o assunto renderia outra
publicação, caso fossem vasculhadas todas as transações
realizadas. O livro de Amaury
Ribeiro mostra indícios de
corrupção, por exemplo, com
provas cabais de "lavagem" do
dinheiro, a partir de documentos oficiais validados pela
própria justiça brasileira.
O jornalista tem aproveitado as atividades realizadas de lançamento do livro
nos estados para dar detalhes
de como foi possível realizar a
publicação, hoje considerado
um verdadeiro “tsunami” nos
meios políticos, e que desvenda uma das mais tenebrosas
operações de bastidores com o
dinheiro público. Atualmente
existe a proposição de criação
no Congresso Nacional da
CPI da Privataria, de autoria
do deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP).
Conforme consta no
próprio livro, “A Privataria
Tucana” foi resultante de dez
anos de trabalhos investigativos sobre os processos de
privatizações. Dada a repercussão que o assunto teve
junto à sociedade brasileira, a
publicação foi esgotada logo
na sua primeira edição, em
apenas 24 horas, e permaneceu, durante mais de 10
semanas entre os livros mais
vendidos no Brasil. Os fatos
narrados, foram reforçados
com farta documentação
obtida pelo jornalista junto a
órgãos oficiais, como juntas
comerciais, cartórios, Ministério Público e na Justiça.
Amaury Ribeiro tem
dito ainda que há “inúmeros aspectos estranhos” nas
privatizações, e reafirma a
necessidade da sociedade civil
se organizar para debater com
mais profundidade o assunto.
Segundo ele, “O Brasil vive
uma nova onda privatizante.
Todo lugar que você passa
se vê privatização. Estão
privatizando tudo, a saúde, a
educação, os presídios. Logo,
temos que estar atentos a essas
questões, pois suas influências
são sentidas em todos os setores da sociedade", afirma.
•
augusto matos
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 41
Pitacos
OS DILEMAS DA CLASSE TRABALHADORA BRASILEIRA
A sociedade brasileira vive profundos dilemas em relação ao seu futuro.
Há uma hegemonia econômica, política e ideológica das classes burguesas. Os setores mais empobrecidos da classe trabalhadora iludidos com
um pequeno aumento de renda e com uma visão consumista de mundo.
Os setores organizados da classe trabalhadora não conseguem projetar o
sonho socialista, como verdadeira alternativa de futuro. E não temos tido
capacidade política de articular forças em torno de um projeto popular
que represente uma transição, um caminho, para chegar ao socialismo.
As duas décadas de neoliberalismo, causaram profundas consequências
estruturais na classe e em suas organizações.
Diante disso, temos um enorme esforço pela frente dos setores organizados da classe trabalhadora, para reconstruir um caminho de esquerda.
42 | @revistabrasis
Precisamos superar muitos desafios, como articular os setores socialistas da classe, que estão dispersos em diversos partidos e correntes.
Precisamos retomar o trabalho de formação ideólogica, sistemático, em
especial com nossa juventude. E precisamos retomar o trabalho de base,
para organizar as massas trabalhadoras, para que lutem e construam
um novo projeto para o país.
Tenho certeza que a corrente Esquerda Popular Socialista, se propõe a
contribuir para enfrentar esses desafios, com humildade, generosidade,
sem sectarismos ou divisionismos.
Ajudando a articular todas as forças populares de esquerda na construção de um novo projeto para o país.
Joao Pedro Stedile, Direção Nacional do MST e da Via Campesina
divulgação
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abr
Depoimento
DOCUMENTÁRIO
LIVRO
LIVRO
Carlos Marighella: quem samba
fica, quem não samba vai embora
Lenin – um estudo sobre a unidade
de seu pensamento
Como mudar o mundo – Marx e o
marxismo, 1840-2011
O documentário Carlos Marighella,
quem samba fica, quem nao samba
vai embora foca principalmente o
período da luta armada de resistência à Ditadura Militar, de 1964 até a
morte de Marighella, em dezembro de
69 e é um resguardo e instrumento
de difusão da memória do deputado
comunista e guerrilheiro da ALN Ação Libertadora Nacional - Carlos
Marighella (1911 - 1969). O testemunho de militantes políticos que acompanharam a trajetória de Marighella,
estudiosos do tema e pesquisadores
dá o tom no documentário. O seu
filho, Carlinhos Marighella; o último
comandante do GTA da ALN, Carlos
Eugênio Clemente; os militantes da
ALN, Manoel Cyrillo, Guiomar Lopes,
Takao Amano, Carlos Fayal, José
Luiz Del Roio, Antonio Carlos Fon,
Rafhael Martinelli, Rose Nogueira; os
historiadores Muniz Ferreira, Edileuza
Pimenta; os jornalistas e escritores
Emiliano José e Alipio Freire entre
outros são alguns dos entrevistados.
Quando escreveu essa obra, György
Lukács considerava que uma exposição
digna da totalidade da obra e história de
Lenin ainda carecia de material suficientemente completo para sua realização e deveria ser situada no mínimo no
contexto histórico dos trinta ou quarenta
anos anteriores. Sem tal pretensão, sua
obra Lenin: um estudo sobre a unidade
de seu pensamento, aponta, em linhas gerais, a relação entre a teoria e a
práxis do líder revolucionário a partir do
sentimento de que tal unidade ainda não
estava clara o suficiente, nem mesmo
na consciência de muitos comunistas.
Escrito em 1924, logo após a morte
de Lenin – e publicado pela Boitempo
–, o livro é fruto do fascínio do filósofo
húngaro pela personalidade dessa figura
histórica. Lukács apresenta, com clareza
e competência, algumas das principais
conquistas teóricas do líder bolchevique,
como a teoria do partido revolucionário
e a definição da etapa imperialista do
capitalismo.
Como demonstram os prefácios, artigos,
conferências e ensaios reunidos em Como
mudar o mundo, a militância política de
Eric Hobsbawm tem convivido de modo
fecundo com sua consagrada produção
intelectual. Numa coletânea que abrange
décadas de intensa proximidade com a
obra de Karl Marx e a tradição marxista, o
historiador britânico reafirma a atualidade
das reflexões sobre o capitalismo realizadas
pelo filósofo, sociólogo e jornalista alemão
e seu colaborador, Friedrich Engels. Como
mudar o mundo é dedicado ao estudo das
condições de produção e recepção dos
textos fundadores do marxismo. Hobsbawm aponta os antecedentes históricos do
pensamento marxiano em diversos autores
e analisa também a história do marxismo
a partir da década de 1890, destacando
sua trajetória inicial entre os sindicatos operários, o crescimento dos partidos socialdemocratas, a luta antifascista e a influência do marxismo na obra de intelectuais
do pós-guerra e nos regimes comunistas.
O pensador italiano Antonio Gramsci e sua
intervenção no debate marxista são objeto
de dois capítulos.
Direção: Carlos Pronzato
Edição: Baruch Blumberg
Duração: 98 min.
Ano de produção: 2012
Título Original: Lenin: Studie über den Zusammenhang seiner Gedanken
Autor(a): György Lukács
Tradutor: Rubens Enderle
Páginas: 128
Ano de publicação: 2012
Autor: Eric Hobsbawm
Editora: Companhia das Letras
Nº de Páginas: 424
Ano de publicação: 2011
Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 43
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Gilberto