Brasis #1 abril / maio / junho 2012 Gilberto Gil Cultura digital, política cultural, MST e governo Dilma Emir Sader O Brasil no mundo FUNDAÇÃO DA EPS Nova tendência do PT arquivo pt Luis Inácio ‘Lula’ da Silva, maior líder popular do Brasil, primeiro sindicalista a se tornar presidente da República Brasis Abril / Maio / Junho 2012 Número 1 expediente Edição Gabriel Oliveira [email protected] Edição de arte Jonas Santos [email protected] Foto de capa Álvaro Villela Ilustrações Augusto Matos e Caio Barbo Revisão de texto Vitor Fernandes e Tatiana Lirio Colaboradores/as desta edição Adilson Fonseca, Alex Maia, Alvaro Vilela, Ana Rita de Castro, André Actis, Angélica Fernandes, Aparecida Gonçalves, Arlete Sampaio, Augusto Matos, Caio Barbo, Carlos Pronzato, César Ogata, Cida Castro, Cristiana Fernandes, Daiane Editora, Emanuel Lins, Emir Sader, Francisco Campos, Gabriel Oliveira, Gilberto Gil, Ilka Cyana, Ivan Alex, Ivana Conceição, Jeferson Lima, João Pedro Stedile, Joaquim Soriano, João Paulo Rodrigues, Joelson Meira, Jonas Santos, Jorge Branco, Jorge Portugal, José Dirceu, José Fritsch, José Reinaldo, Julian Rodrigues, Laila Valois, Leandro Almeida, Lídice da Mata, Louise Caroline, Luis Carlos, Manuela Nicodemus, Marcio Santos, Marcos Rogério, Meny Lopes, Misa Boito, Muniz Ferreira, Paulo Teixeira, Renata Rossi, Roberta Sampaio, Robson Costa, Rogerio Correa, Rui Falcão, Tiago Nogueira, Toni Reis, Victor Oliveira, Vinicius Alves. Direção Nacional da EPS Allan Alcantara, Altemir Gregolim, Altemir Viana, Ana Rita Guedes, Angélica Fernandes, Anísio Maia, Cleberson Zavaski (Binho), Cristiano Lima,Elida Miranda, Erika Gomes, Fabiana Caramez, Fernanda Rodrigues, Francisco de Assis Filho, Guilherme Guimarães, Isabel Cristina, Israel Martins, Ivan Alex Lima, Ivana da Conceição, João Daniel, Jose Fritsch, Julia Feitosa, Julian Rodrigues, Larissa Campos, Luciana Mandelli, Luis Carlos, Marcelino Galo, Marcos Resende, Maria de Fátima, Mauro Rubem, Mirande Costa, Mirian Budal, Naiara Santos, Neila Batista, Professor Pinheiro, Renata Rossi, Rídina Mota, Rogério Correia, Shakespeare Martins, Sheila Oliveira, Simone Girão, Solange Dias, Tania Slongo, Tássio Brito, Tiago Nogueira, Valdineia Santos Cruz, Valmir Assunção, Vera Lúcia Barbosa, Vicente Almeida, Watusi Santiago 2 | @revistabrasis editorial O mundo caminha em direções distintas. Sob os efeitos da atual crise capitalista, a Europa varia entre soluções conservadoras com governos tecnocratas de direita e as recentes conquistas da esquerda na França e Grécia. Enquanto isso, a América Latina dá prosseguimento à sucessão de governos progressistas no continente. No Brasil, as forças populares lutam para aprofundar um projeto de transformação que pela via institucional é representado nas eleições consecutivas de Lula e na eleição de Dilma para a Presidência da República. Passaremos ainda por um bom período de turbulência política no cenário internacional, e as opções do PT e da esquerda no Brasil são colocadas à prova a todo o momento. Sabemos que ainda estamos muito longe da sociedade plenamente igualitária, mas sabemos também que nunca estivemos tão perto dela. Para nós, a recente criação da Esquerda Popular Socialista, tendência interna do PT, não é senão um passo a mais na defesa da estratégia socialista rumo à construção desta outra sociedade. E é dessa forma que Revista Brasis se apresenta. Uma nova publicação nacional que pretende ser mais um instrumento a serviço da luta por outro mundo, livre de toda exploração e qualquer forma de opressão. Revista Brasis tem lado, e não quer ser veículo de transmissão de uma opinião exclusiva. Ao contrário, quer ser mais um canal de articulação, mais um ponto de encontro entre todos os setores que também têm lado. Nosso Brasil é no plural, como é plural o desejo de muitos pela transformação. Na certeza de que o diálogo é o melhor caminho para a necessária integração das esquerdas, trouxemos para esta edição uma importante entrevista com o professor Emir Sader sobre conjuntura nacional e internacional. Além de artigos e textos que abordam outros temas fundamentais como a questão agrária, o combate à homofobia e à violência contra mulher, as eleições 2012 e o centenário de Carlos Marighella. Revista Brasis pretende ainda se colocar no front como mais uma combatente em favor da real democratização das comunicações em nosso país. Por esse motivo, fizemos questão de nesta edição de lançamento dar evidência ao tema da cultura digital e das novas ferramentas de comunicação e mobilização no mundo. E fizemos isso da melhor maneira possível: uma conversa espetacular com um dos principais responsáveis por trazer essa questão à tona no Brasil: o ex-Ministro da Cultura Gilberto Gil. Desejamos boa leitura a todos e todas. E que esta seja, então, a primeira de muitas. EPS Resolução política 4 Fundação da nova tendência do PT Aspas FEMINISMO 14 CPMI da violência contra a mulher Artigo de Aparecida Gonçalves QUESTÃO AGRÁRIA I O novo Código Florestal 16 Lindberg Farias QUESTÃO AGRÁRIA II 18 Eldorado dos Carajás Valmir Assunção BRASIS 20 Ocupar resistir e produzir na rede Entrevista com Gilberto Gil LIVRE ORIENTAÇÃO SEXUAL Desafios para a criminalização da homofobia 30 Toni Reis Conjunturas e conjecturas Brasil no mundo 32 Entrevista com Emir Sader ESQUERDA NA HISTÓRIA Marighella em dois tempos 37 Entrevista com Muniz Ferreira ELEIÇÕES 2012 BH: um retrato do Brasil 40 Rogério Correia privataria tucana 41 Um tsunami para a oposição Livro de Amaury Ribeiro DEPOIMENTO 42 Os dilemas da classe trabalhadora João Pedro Stédile PITACOS 43 Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 3 EPS Resolução Política da Esquerda Popular Socialista Fórum Social Mundial, Porto Alegre, 25 janeiro de 2012 A Esquerda Popular e Socialista, tendência petista fundada no dia 4 de dezembro de 2011, na Escola Nacional Florestan Fernandes em SP, nasce com a contribuição de militantes de 18 estados de todas as regiões do país afirmando a centralidade da luta dos/as trabalhadores/as e a relação orgânica com os movimentos sociais. • Tem como princípios fundantes o feminismo, 4 | @revistabrasis fabio rodrigues pozzebom / abr o combate ao racismo, à homofobia e a todas as formas de discriminação. • A EPS surge com o objetivo de fortalecer o PT como instrumento capaz de formular e dirigir as principais frentes da luta política no Brasil, defendendo o governo Dilma, o aprofundamento das mudanças iniciadas no governo Lula, as reformas estruturais e tendo o socialismo como objetivo estratégico. Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 5 6 | @revistabrasis mundial não afetem de manei‑ ra significativa também esses países, inclusive a economia brasileira. 5. É nesse contexto que as acer‑ tadas políticas dos governos Lula e Dilma devem ser apro‑ fundadas. s Estamos desa‑ fiados a continuar crescendo com aumento do emprego, distribuição de renda e expan‑ são das políticas sociais. s Cabe ao PT e aos movimentos sociais aprofundar o debate sobre medidas de fortaleci‑ mento das políticas públicas, de aumento dos salários, da garantia dos investimentos em infraestrututura e de democra‑ tização do Estado brasileiro. 6. Radicalizar o compromis‑ so democrático e popular do governo federal liderado pelo PT pressupõe corrigir algu‑ mas rotas. s A começar pela política de juros, do superávit primário e da gestão da dívida interna, que seguem sendo um dreno gigantesco de recursos. Em 2011 foram cerca de R$130 bilhões de superávit primário. Uma fortuna que poderia estar sendo direcionada para saúde, educação, combate à pobreza ou novas obras. 7. Enfrentar a crise econômica significa fortalecer o mercado interno e distribuir renda de maneira efetiva. s A reforma agrária deve voltar ao centro da agenda do PT e do gover‑ no federal. s Democratizar a estrutura agrária e priorizar o apoio à agricultura familiar se faz combatendo a pobreza e a miséria, distribuindo renda e poder, gerando um círculo virtuoso de emprego e aumen‑ tando as condições de vida de milhões de pessoas. s A reforma agrária, ao contrário do que pensam alguns, é ab‑ solutamente contemporânea e sua não-realização é uma das grandes lacunas na história do Brasil. 8. O primeiro ano do governo Dilma é motivo de orgulho para todo o PT e de todos se‑ tores que apoiam o projeto democrático-popular. s A alta aceitação da presidenta é resultado de sua firmeza, de sua liderança, reflexo da continuidade das políticas de‑ mocráticas iniciadas nos go‑ vernos de Lula e também dos novos programas lançados, com destaque para o "Brasil sem Miséria", com a generosa e ambiciosa meta de erradicar a pobreza extrema no país até 2014. 9. Agora, é preciso avançar. s O PT e o governo Dilma devem retomar a agenda das reformas estruturais que es‑ tão paralisadas, como a refor‑ ma agrária (já mencionada), a reforma urbana, a reforma política, bem como o debate sobre a função social da pro‑ priedade, a democratização e regulação dos meios de comu‑ nicação, a redução da jornada de trabalho. 10. O PT e o governo Dilma devem seguir discutindo os impactos que a aprovação do Código Florestal poderá tra‑ zer para a biodiversidade e a capacidade produtiva do país e para a correlação de forças entre os grandes interesses do agronegócio e as demandas de pequenos agricultores fami‑ liares. s Aqui, saudamos os deputados federais que vota‑ ram contra o Código Florestal e o senador Lindberg Farias, único senador que se opôs de maneira consistente e votou contra o Código. 11. O PT e o governo Dilma de‑ vem atuar, ainda, de maneira enérgica no combate ao traba‑ lho em condições análogas a escravidão. s Segundo dados do Ministério do Trabalho, já foram localizados 294 infra‑ tores entre pessoas físicas e jurídicas, em geral, grupos de usineiros, madeireiros, fazen‑ deiros e empresários do ramo imobiliário, de supermercados e shoppings. s O Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimen‑ to Agropecuário denunciou a ocorrência de trabalho em regime de escravidão em Ma‑ naus, no Distrito Agropecuá‑ rio da Suframa, na BR-174. 12. Nesse segundo ano de go‑ verno, o desafio é avançar e melhorar a interlocução e o diálogo com o conjunto dos movimentos sociais, dar mais Porto Alegre (RS) - Manifestantes Palestinos e participantes do Forum Social Mundial fazem marcha em prol da libertação dos povos da Palestina. peso à agenda dos direitos hu‑ manos (a Comissão da Verda‑ de é um marco), às políticas de enfrentamento à desigualda‑ de entre mulheres e homens, às políticas de promoção da igualdade racial, às políticas de combate à homofobia, en‑ tre outras. 13. É fundamental combinar‑ mos as políticas econômicas, que ampliam a renda das fa‑ mílias e combatem a pobreza, com iniciativas que ganhem esses setores para posições políticas mais avançadas, fa‑ zendo com que se compro‑ metam com nosso projeto de transformação do Brasil. s Afinal, muitas das propostas que apresentamos ao governo dependem da organização, da luta e da correlação de forças. s Portanto, a agenda dos mo‑ vimentos sociais, a elevação do nível de consciência das pesso‑ as e a capacidade de conquis‑ tar mudanças são tarefas da Esquerda Popular Socialista. 14. Reafirmamos, ainda, a ne‑ cessidade de fortalecer as po‑ líticas que enfrentam e com‑ batem a discriminação e a violência contra as mulheres, que desvelem o racismo e a homofobia, e que garantam o protagonismo das novas ge‑ rações. s É dessa pauta que podem ser extraídas vitórias mais contundentes do campo socialista, inclusive no go‑ verno Dilma, e indicará mais claramente as alianças para a disputa eleitoral. 15. Essa agenda que retoma o fio histórico do programa democrático-popular dará ni‑ tidez ao PT nas disputas mu‑ nicipais. s Será o momento de fazer a defesa do governo Dilma, apontando para os avanços, e fazer o contraponto à direita sem programa e sem discurso. s As eleições mu‑ nicipais fortalecerão o PT se fizermos a disputa com uma visão nacional, com amplitude política, mas com radicalidade para demarcar campos e con‑ frontarmos projetos. 16. É por isso que a política de alianças do PT não pode se transformar em algo amor‑ fo, que tire nossa identida‑ de política. s O sucesso do partido e do governo Dilma, a liderança de Lula, o esface‑ lamento do DEM e a divisão do PSDB faz com que muitos setores conservadores mudem de tática e tentem nos dividir, nos neutralizar. s Os afagos da grande mídia à Dilma e a criação do PSD de Kassab são os fenômenos mais visíveis do reposicionamento das forças conservadoras na disputa po‑ lítica em curso. 17. Nesse sentido, uma aliança com Kassab na capital pau‑ lista, por exemplo, seria um verdadeiro tiro no pé, que desmobilizaria nossa militân‑ cia, nossa base social e eleito‑ ral. s Nos tiraria discurso e nitidez, nos colocaria no jogo do adversário. s Essa cautela com a política de alianças, so‑ bretudo com o PSD, deve nos nortear em todas as disputas, Brasil afora. s Candidaturas próprias do PT em algumas disputas, como em Belo Hori‑ zonte, farão toda a diferença e adquirem sentido estratégico. s O momento é de fortalecer o Partido dos Trabalhadores: eleger o maior número pos‑ sível de prefeitos e prefeitas, vereadores e vereadoras. 18. Por último, reiteramos nos‑ so compromisso com o for‑ talecimento do conjunto das lutas e movimentos sociais. s O PT deve resgatar seu vín‑ culo orgânico com o conjunto das entidades e movimentos que lutam por terra, moradia, salário, igualdade. s Nesse sentido, reafirmamos a im‑ portância de seguirmos em sintonia política com os/as companheiros/as do MST, Via Campesina e da Consulta Po‑ pular. s Quanto mais fortes as lutas sociais, mais fortes serão nossos governos e nossas con‑ dições para mudar a realidade e implementar o programa democrático-popular, am‑ pliando seu sentido e conteú‑ do anticapitalista. 19. A conjuntura exige que o PT aumente o tom da denúncia à criminalização dos movimen‑ tos sociais. s Está em curso um processo de agudização da repressão e do uso das forças policias estatais contra os ati‑ vistas de diversos movimen‑ tos. s O governo Alckmin é o maior protagonista de uma escalada conservadora e au‑ toritária, que flerta com o fascismo em operações como a desocupação do “Pinheiri‑ nho”, em São José dos Cam‑ pos, ou o ataque a moradores de rua/dependentes químicos na cracolândia. s Em Goiás, o governo do tucano Marconi Perillo realizou a operação de‑ socupação do Parque Oeste In‑ dustrial em Goiânia nos mes‑ mos moldes do Pinheirinho. s São retrocessos inaceitá‑ veis, incompatíveis com a de‑ mocracia, e que representam a diferença entre os dois pro‑ jetos: dos tucanos e do campo democrático e popular. Viva o Fórum Social Temático! Viva os movimentos sociais! Viva o PT! • Direção Nacional da Esquerda Popular Socialista (tendência interna do PT) Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 7 marcello casal jr/abr A Direção Nacional da Esquerda Po‑ pular e Socialista do PT, reunida em 25 de janeiro de 2012, em Porto Alegre, sede do Fórum Social Temático, debateu a situação política e econômica interna‑ cional e nacional e aprovou a seguinte resolução: 1. Saudamos a realização desse Fórum Social em Porto Ale‑ gre, fruto do esforço dos mo‑ vimentos sociais e partidos de esquerda, que mantêm acesa a chama do internacionalismo e da crítica anticapitalista. 2. Apontar alternativas globais e fortalecer a luta contra o capitalismo neoliberal se faz cada dia mais necessário. s O agravamento da crise econô‑ mica mundial, cujo epicentro nesse momento é a Europa, deixa nítido que vivemos em um momento que eviden ‑ cia a incompatibilidade estru‑ tural entre capitalismo e de‑ mocracia, entre capitalismo e emprego, entre capitalismo e políticas sociais. 3. Os mercados financeiros der‑ rubam governos, desestabili‑ zam economias. s O capital internacional segue ditando regras, chantageando Estados, exigindo profundos cortes nas políticas públicas para dire‑ cionar recursos a banqueiros e especuladores. s Suas re‑ ceitas são políticas recessivas, que aprofundarão a crise, em um círculo vicioso sem fim. s O desemprego, em todo o mundo, atinge níveis recordes, como mostram os números da Organização Internacional do Trabalho (200 milhões de de‑ sempregados, com tendência a agravamento). s Cumpre ressaltar que os níveis de de‑ semprego são, em média, três vezes maiores entre os jovens. 4. Embora a situação seja di‑ ferente no Brasil, na América Latina, na China e Índia, entre outros países, que não ado‑ tam políticas neoliberais, já sentimos a desaceleração dos índices de crescimento econô‑ mico. s Não há garantias que um derretimento da Europa e um aprofundamento da crise EPS ESQUERDA POPULAR EM NOSSAS BANDEIRAS TODAS AS CORES 8 | @revistabrasis EM NOSSOS CORAÇÕES TODOS OS SONHOS Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 9 aspas Gilney Vianna Militância Socialista tendência interna do PT A EPS é uma força nova e positiva no interior do PT, que resgata velhos e bons valores socialistas. Sua emergência fortalece o campo de forças, dentro e fora do PT, que luta para construir a bem aventurança da sociedade democrática, socialista e sustentável. Misa Boito o trabalho, tendência interna do pt SOCIALISTA FUNDAÇÃO DA EPS TENDÊNCIA INTERNA DO PT 10 | @revistabrasis Nessa breve saudação à EPS, destaco que o livre debate entre posições é necessário, no sentido de ajudar a avançar a luta pela emancipação dos trabalhadores. Mais ainda, na atual crise capitalista mundial, onde só o comprometimento das direções das organizações políticas criadas pelos trabalhadores com a política dos capitalistas pode dar sobrevida a esse sistema que empurra a humanidade à barbárie. No PT, enfrentamos um grave problema. No governo federal, estão por ser feitas as tarefas que deram a base da fundação do PT, como a reforma agrária. O superávit primário, o ataque a previdência pública dos servidores e à privatização, são políticas ditadas pelo imperialismo. Não corresponde ao PT, mas a uma política de submissão acompanhada do aprofundamento das alianças com partidos que representam interesses contrários aos da maioria oprimida. No PT, estaremos do lado de todos que queiram reforçar a luta por uma política que corresponda aos interesses dos trabalhadores! JORGE BRANCO Socialismo XXI, tendência interna do PT O PT é uma conquista viva da classe trabalhadora brasileira. Com o PT, o Brasil construiu uma democracia e hoje torna-se país de todos os brasileiros. Os milhares de militantes que constroem a EPS são expressão digna desta história. História de gente que não desiste jamais, que não desiste da democracia, da justiça e do socialismo. Nenhum de nós, sozinho, é suficiente para esta luta, mas somos todos imprescindíveis para ela. A EPS é um sopro de renovação à luta que levamos. Louise Caroline movimento de ação e identidade socialista , tendência interna do pt Vivemos tempos que exigem um novo pensar sobre a estratégia dos socialistas no mundo. Para os petistas, isso se acentua. Estamos naquela esquina histórica em que somos chamados a responder se governar é suficiente ou há que fazer rupturas com esse sistema de exploração. A reoxigenação das forças que apostam na utopia e num outro mundo é fundamental para trazer esse debate à tona, ao cotidiano das reflexões e decisões do PT. Por isso, a criação da EPS anima nossos melhores sonhos. Convicta de que nos encontraremos em muitas batalhas e bailes, desejo vitalidade a esse brilho nos olhos que vemos em cada um de vocês. Ao socialismo! Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 11 José Dirceu Joaquim Soriano Ex-ministro da Casa Civil Democracia Socialista, tendência interna do PT É sempre bom no PT o debate e a discussão. A EPS é uma tendência que se propõe a retomar o debate sobre o caráter do PT. É uma tendência que tem raízes fortes na luta pela terra e nos movimentos sociais. O último Congresso do partido aprovou resoluções importantes com relação à renovação do PT, à juventude, à participação das mulheres, tanto no partido quanto nos mandatos e nos governos, e esta tendência também tem essa característica de uma tendência de jovens, de mulheres. A minha expectativa é que ela contribua para o debate e para a renovação do PT Como já manifestei em outras oportunidades, em nome da DS, saudamos da maneira mais fraterna e companheira o surgimento da EPS. Construir uma tendência é uma tarefa árdua, que requer atributos militantes raros nos tempos atuais. Assumir este compromisso com disposição de remar contra a corrente, por si, já merece todo o nosso reconhecimento e carinho. Militar juntos para contribuir na construção do PT como partido capaz de liderar a revolução democrática em nosso país deve se colocar para nós mais do que uma intenção ou desejo. Deve se colocar na busca constante de diálogo, na elaboração conjunta e nas ações concretas que as lutas políticas e sociais exigem. O advento de uma publicação da EPS seguramente contribuirá para esta busca. Lídice da Mata Paulo Teixeira Senadora da República PSB-BA Deputado Federal - PT/SP Angélica Fernandes Direção Nacional da EPS, tendência interna do PT Garantir o debate, sem interdição e com democracia, sempre observando as novas questões que aparecem com força, temas ideológicos secundarizados pela esquerda brasileira que atingem diretamente a vida dos sujeitos historicamente oprimidos: das mulheres, da orientação sexual, da identidade étnicoracial, do meio ambiente, enfim, os temas do presente e do futuro. A EPS foi criada para, junto com as demais forças da esquerda brasileira, buscar respostas a estes imensos desafios no campo do movimento, do partido e institucional. 12 | @revistabrasis A EPS é uma nova tendência que nasce para ajudar a oxigenar o PT e mantê-lo ainda mais perto do povo. Composta de muitos militantes políticos que vêm da fundação do PT, a EPS é uma tendência que fortalece a orientação socialista do nosso partido, e cujos quadros têm profunda vinculação com os movimentos sociais no campo, na juventude, no movimento social urbano, no movimento LGBT, e com profundos vínculos com as organizações da classe trabalhadora. A EPS é composta por militantes que ajudaram a construir os movimentos de mudanças que o Brasil está implementado desde o governo Lula, ajudará ainda mais para darmos um salto no projeto de transformações atuais implementadas pelo governo da presidenta Dilma. Arlete Sampaio Deputada Distrital PT/DF Democracia Socialista, tendência interna do PT O mundo vive profunda contradição entre a falência do capitalismo e a ausência de uma alternativa organicamente construída, que permita novas alternativas para o progresso da humanidade. No Brasil, as experiências dos governos Lula e Dilma marcam a diferença. O PT representa uma esperança para o povo brasileiro. Debater essa experiência, renovar nossos compromissos com a construção de uma sociedade socialista, é sempre um exercício e um esforço que precisam ser feitos. Nesta trajetória, refazemos caminhos, construímos novas maneiras de caminhar, que nos pareçam mais adequadas.O surgimento da EPS representa o desejo de um conjunto de militantes petistas de construirem um novo marco para sua intervenção política. Saudamos os companheiros e companheiras, desejando-lhes sucesso. Que possam abrir-se ao diálogo, à construção de um grande campo que impulsione o nosso partido para a esquerda, para a democracia e para o socialismo. Quero saudar a nova tendência do PT, Esquerda Popular Socialista, que busca manter a ligação do seu partido com as bases e os movimentos sociais, reforçando uma corrente de pensamento que engrandece a política nacional e possibilitando a luta contra o descrédito e a incoerência, estabelecendo relações orgânicas com os movimentos sociais do campo e da cidade. José Reinaldo Jornalista, editor do Portal Vermelho Uma das tarefas mais importantes do atual momento político no Brasil e no mundo é construir o sujeito político da luta pelo socialismo, o que compreende uma articulação de partidos de esquerda, movimentos de massas e governos progressistas que sejam capazes de arregimentar e organizar o povo em torno de uma plataforma ampla e combativa, com caráter nacional, democrático, popular e classista. A Esquerda Popular Socialista é um vetor importante desse processo. Jeferson Lima Secretário Nacional da JPT A nova tendência Esquerda Popular e Socialista representa mais uma força interna que ajudará no debate e vai incorporar novos atores e atrizes sociais para avançar nas pautas prioritárias do PT e na relação com os movimentos sociais. Como secretário nacional de juventude, vamos construir e contar muito com a articulação social da EPS para avançarmos na pauta de juventude dentro do nosso partido e no debate das políticas publicas para juventude na nossa sociedade. RUI FALCÃO Presidente Nacional do PT A criação da Esquerda Popular Socialista como mais nova tendência do PT, ajuda a consolidar a democracia e pluralidade interna. Vida longa ao Partido dos Trabalhadores. Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 13 abr Feminismo Dilma Rousseff, a primeira mulher presidenta do Brasil, fala para a Marcha das Margaridas em 2011 Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher no Brasil divulgação mais um instrumento no enfrentamento à violência de gênero Aparecida Gonçalves O congresso nacional deu um passo importante no enfrentamento à violência contra a mulher ao instalar, no dia 8 de fevereiro deste ano, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) Violência contra a Mulher no Brasil, a qual tem como objetivo investigar e “apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à 14 | @revistabrasis aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência”. Considerando fatos concretos, tais como os casos de Elisa Samudio, 25 anos, assassinada em Minas Gerais; de Maria Islaine, 35 anos, cabeleireira que o Brasil assistiu entre chocado e indignado o seu assassinato gravado pela câmera instalada por ela no seu salão de beleza, também em Minas Gerais; de Marina Sanches, 23 anos, assassinada pelo namorado, em São Paulo, em frente à academia que trabalhava; e, por fim, de Sandra Gomide, 32 anos, jornalista morta com dois tiros, em São Paulo, em recente audiência pública a CPMI definiu por investigar também o estupro coletivo de cinco mulheres seguido de assassinato de duas delas, crimes cometidos em 12 de fevereiro, em Queimadas (PB). Os fatos citados no requerimento da CPMI são apenas ilustrativos da realidade com que vivem as mulheres brasileiras e evidenciam a violência diária sofrida por elas. Traz para a cena pública, a crueldade em que são submetidas nossas mulheres no cotidiano da vida doméstica. Dados da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, mostram que 57% das mulheres que relatam situação de violência no 180 declaram que a violência é cotidiana e, na maioria das vezes, ganha faceta de tortura. Ainda temos o espantoso aumento da violência sexual nas cidades. No primeiro trimestre de 2012, o Distrito Federal já registra 66 vítimas, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. O grande desafio da CPMI é verificar a omissão das instituições públicas no enfrentamento à violência contra a mulher a começar pelo investimento público feito por estados, municípios e poderes constituídos. Portanto, não poderá se furtar ao fator maior que é cultura machista ainda decorrente e presente nas instituições brasileiras e que levam para o serviço público seu julgamento, muitas vezes, atrasado e conservador. É nesse contexto que não podemos esquecer o processo de crueldade em que nossas mulheres são mortas, com tiros nos órgãos sexuais, rostos desfigurados e seios "mulheres" cortados e esfacelados; caracterizando a misoginia no país. Diante da complexidade que envolve a violência contra a mulher, a CPMI estabeleceu um plano de trabalho que envolve diversas instituições, autoridades, movimentos sociais e feministas, por meio de audiências públicas no Congresso Nacional e também nos estados, sendo eles: Pernambuco, Paraíba, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Acre, Rondônia e Amazonas. Esses estados foram definidos por terem casos emblemáticos e pela classificação no Mapa da Violência, traçado pelo Instituto Sangari e Ministério da Justiça. Além das audiências, a CPMI aprovou cerca de 400 requerimentos de informação às instituições públicas brasileiras. Também serão instalados três grupos de trabalho técnicos para auxiliar na realização de diligências, na coleta e análise dos dados coletados pela Comissão, sendo: Orçamento, Legislação e Execução de Políticas Públicas Estruturais. É necessário salientar o papel da CPMI nesse momento político em que o Brasil vive desde a sanção da Lei Maria da Penha (Lei 11.340), em 2006. Essa é uma das leis mais populares, no país, com 94% de popularidade. Com a institucionalização do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher, assinado pelos 27 estados da Federação, os avanços são inegáveis e fundamentais. Entretanto, são imprescindíveis algumas perguntas. Como o país, que avançou em tudo isso, de fato, investe no combate à violência contra as mulheres? Por que os serviços especializados de atendimento às mulheres (Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, Delegacias Especializadas, serviços de abrigamento, Juizados de Violência contra a Mulher, etc...) não chegam a 10% dos municípios brasileiros? Como avaliar e garantir a visibilidade de um problema que as instituições públicas ainda se omitem, frequentemente, escondendo-se no discurso universalista, escamoteando assim a discriminação institucional? Se conseguir avançar nos dados e informações dos estados e instituições, analisar o descaso com que as nossas mulheres morrem com boletins de ocorrência e medidas protetivas em suas mãos, a CPMI será um grande feito ao país. Desse modo, a CPMI cumprirá uma missão extraordinária que é efetivamente envolver o Brasil em uma cruzada nacional de debates, investigação, apuração e mudança de olhar sobre as políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher. Afinal, o papel prioritário do Congresso Nacional é também fiscalizar de que forma o Estado Brasileiro cumpre suas leis e defende sua população. Que seja bem-vinda a CPMI da Violência contra a Mulher no Brasil! • " 57% das mulheres que relatam situação de violência no 180 declaram que a violência é cotidiana e, na maioria das vezes, ganha faceta de tortura". Aparecida Gonçalves Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e Militante do Partido dos Trabalhadores. de augusto matos Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 15 Questão Agrária I Novo Código Florestal: divulgação do sonho ao protesto da utopia ambiental A Lindbergh Farias câmara dos deputados votou em maio o substitutivo do Senado ao projeto de lei que altera o Código Florestal. Apesar de o substitutivo do Senado ter aprimorado a proposta, o resultado continua sendo negativo. E não houveram novidades promissoras na etapa que se aproxima. O Brasil corre sério risco de retrocesso. Infelizmente, o atual debate sobre Código Florestal emite para o mundo uma mensagem que frustra as melhores expectativas internacionais decorrentes da nossa demonstrada capacidade de reduzir desigualdades e de crescer em meio à tormenta internacional. Na mesma linha, o sinal que o Parlamento envia para os brasileiros não deixa margem a dúvidas: o desmatamento será anistiado, as transgressões à lei serão perdoadas. As mortes dos que se sacrificaram para proteger nosso tesouro biodiverso, e nossas florestas, serão em vão. Rirão por último os que apostaram na tradição brasileira da impunidade. 16 | @revistabrasis Com o atual texto do projeto de lei, o país perde a oportunidade de convergir o debate da crise econômica mundial e as contribuições que uma nova regulação florestal poderia trazer. Em ambos, trata-se de uma atuação mais estratégica, focada em inovação tecnológica e institucional, buscando regulação e planejamento de longo prazo – o que não tivemos nos últimos trinta anos. Em diversas oportunidades, a presidenta Dilma foi contundente ao afirmar que o governo brasileiro não aceitará retrocesso ambiental. Nas palavras da presidenta: “temos que ser verdes produtivos”. Lembro que, em junho, o Brasil sediará a Rio + 20, maior conferência sobre o meio ambiente do Planeta. Não podemos apresentar ao mundo uma legislação mutilada. O Brasil é uma potência agrícola respeitada pelo mundo inteiro exatamente porque é uma potência ambiental. Por isso, a bandeira eleita pelo governo brasileiro para o encontro mundial no Rio é a economia verde. Para que o Brasil se torne a quinta economia do planeta, deve articular crescimento econômico, distribuição de renda e sustentabilidade ambiental. A proposta de novo código não reflete a via de desenvolvimento que merece ser seguida: expandir a produção, estimular os produtores, valorizar o setor mais dinâmico da economia e, ao mesmo tempo, agregar valor aos produtos agrícolas, associando a dinâmica produtiva à implantação de uma linha sustentável de desenvolvimento, cuja base é o respeito rigoroso ao meio ambiente. O novo código não abriga esse compromisso com o equilíbrio. Além disso, o debate sobre o novo Código Florestal demonstra que a impunidade nacional não se aplica a todos, indistintamente. Não é, digamos, equânime. Trata-se de uma impunidade seletiva, que enche cadeias e penitenciárias com transgressores pobres, mas preserva os poderosos com postergações, privilégios, prerrogativas, perdão de dívidas, quando não a oferta de novos créditos e mais estímulo. Essa lastimável tradição agride os que cumpriram a lei como um escárnio. O novo código premia quem apostou no Brasil velho, oligárquico e patrimonialista. Que lição é essa que ensinamos, como nação, a respeito de nós mesmos? O sinal dessa tolerância inadmissível está na data escolhida como referência para suspender e rever, sob moderadas condições, multas e punições: 22 de julho de 2008. Ironicamente, a data em que o presidente Lula assinou um decreto que visava endurecer o jogo com os proprietários de terra que descumpriam as leis. Pois, agora, converteu-se em data da alforria para os transgressores. Não há argumento razoável capaz de justificar a escolha dessa data. Impôs-se o puro e simples interesse, atropelando qualquer consideração racional. A referência histórica óbvia seria 1998, quando se promulgou a lei contra os crimes ambientais. Anistiar desrespeitos ao Código Florestal anteriores a 1998 seria compreensível, embora polêmico. Afinal, o país ainda vivia um momento de reorganização, no rastro das transformações determinadas pela nova Constituição Federal, promulgada em 1988. A nova ordem mal começava a entrar nos eixos e a ser assimilada pela sociedade. O país ainda se exercitava para sua longamente ansiada experiência democrática. Era compreensível considerar a Lei de 1998 um divisor de águas e uma repactuacão. Portanto, o que tivesse sido perpetrado antes disso talvez merecesse um tratamento diferenciado, dependendo do atendimento a algumas condições. No entanto, 2008? Devemos apagar dez anos de vigência da lei? Tolerar dez anos de crimes ambientais? Com que autoridade os novos limites serão exigidos, daqui para a frente? As vidas sacrificadas, os anos de luta, a devastação provocada: tudo será esquecido na geléia geral de uma amnésia coletiva, chancelada pelos políticos? E tudo isso em meio a um novo texto que reduz limites e entraves ao desmatamento? Não se diga que, apesar da tolerância e das flexibilizações, os transgressores terão de restaurar o que devastaram. Não é verdade. A verdade tem de ser conhecida. Ela é dura e chocante: aplicado o novo código, pelo menos 20 milhões de hectares destruídos não serão recompostos. Portanto, minha indignação com a anistia não se limita ao aspecto moral ou relativo à cultura cívica. Tem também um motivo eminentemente prático e objetivo: o custo será ambiental, medido em hectares e efeitos climáticos. O novo código nasce velho, curvado sob o peso de arcaicos vícios brasileiros, e aponta para posições dúbias". E mesmo quando o texto do novo código tem a oportunidade de fazer justiça, dando tratamento diferenciado para os agricultores familiares, ainda corre o risco de ser subvertido por brechas legislativas. O substitutivo do Senado aperfeiçoou proposta ao criar capítulo específico para os agricultores familiares. Contudo, objetivo tão nobre corre o risco de ser corrompido, por equiparar outros segmentos que não demandam tratamento específico e por não se resguardar da possível fragmentação das áreas - que também levará a equiparação inapropriada. Definitivamente, o projeto de novo Código Florestal não moderniza o anterior, que, de fato, requeria atualização. O novo código nasce velho, curvado sob o peso de arcaicos vícios brasileiros, e aponta para posições dúbias. Enquanto é conivente com a depredação de nosso patrimônio ambiental, não lida com as verdadeiras questões estruturais - as patologias do capitalismo, do modelo produtivo vigente, o sentido de modernidade, o próprio conteúdo ético da relação homem-natureza, o individualismo exacerbado, a perda da identidade coletiva. A questão ambiental é uma questão ideológica e, portanto, política. Por isso, o país se mobilizou amplamente em defesa do veto da presidenta Dilma. Sobre os ombros da presidente repousam imensas responsabilidades e a esperança de milhões de brasileiros. E não apenas de brasileiros, nem só de ambientalistas. Importantes entidades da sociedade civil, como a cnbb e a abpc, opuseram-se ao novo código. A opinião pública tem se mostrado amplamente favorável à proteção do meio ambiente e de nossa biodiversidade, e suficientemente consciente de que defender nosso inestimável patrimônio natural não significa opor-se ao desenvolvimento, mas qualificá-lo e torná-lo sustentável. Entretanto, a maioria da representação política, nas duas Casas do Congresso, virou as costas para a vontade da maioria e para o futuro do país. • Lindbergh Farias Senador da República (PT/RJ) Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 17 Questão Agrária II Eldorado dos Carajás: símbolo da luta pela reforma agrária no Brasil Valmir Assunção O no dia 17 de abril de 1996, dezenove trabalhadores rurais sem terra eram brutalmente assassinados em um confronto direto com a Polícia Militar do Estado do Pará. Dois outros vieram a morrer no hospital e centenas de pessoas ficaram feridas. Até hoje, temos agricultores que sofrem as sequelas da ação que expôs ao mundo até onde pode chegar a violência do latifúndio contra trabalhadores que reivindicam a reforma agrária. Dezesseis anos depois, o Massacre de 18 | @revistabrasis Eldorado de Carajás, como ficou mundialmente conhecido, representa um marco na luta dos trabalhadores sem terra no Brasil. Mais do que isso, simboliza tudo aquilo que o Brasil não quer ser: um país marcado pela violência, pela pobreza, pela exclusão. A atualidade desta luta alerta para os desafios que, no entanto, ainda teremos de enfrentar por uma transformação profunda da sociedade. A América Latina em geral, e o Brasil, em particular, tem constituído experiências importantes que sinalizam a atualidade de alternativas concretas ao modo de produção e consumo capitalista que, em crise profunda, repercute drasticamente sobre a degradação ambiental e sobre a precarização do trabalho nas mais diversas partes do mundo. É reconhecido que o MST constitui o gérmem dessa alternativa ao propor um completo reordenamento da estrutura fundiária que passa, necessariamente, pela discussão sobre a propriedade privada e sobre a apropriação privada do trabalho. As experiências cooperativas dos sem terra, que conta com o apoio e incentivo de países como a Venezuela, simbolizam passos concretos para esta alternativa. A disposição para a luta política, para o questionamento dos fundamentos da sociedade tão somente voltada a produção de mercadorias e para a crítica do confinamento político e social, resultado da preponderância das relações de mercado, refletem a grandeza dos sem terra e do MST como movimento organizado para além, inclusive, de fileiras partidárias. Além disso, Eldorado dos Carajás simboliza o poder de um Estado legitimado pela força. O MST foi também decisivo na construção de um novo período na historia, simbolizado pela eleição do presidente Lula, em que o Estado busca se legitimar através da força de seu povo ao construir possibilidades de autonomia ao tirá-lo da fome, de soberania ao estabelecer relações globais fundamentadas nos interesses nacionais e de emancipação através do aprofundamento da democracia. O governo da presidenta Dilma tem dado passos largos na inclusão social, no enfrentamento à pobreza e miséria e na garantia de direitos aos trabalhadores, e o Brasil se apresenta para o mundo com uma economia pujante com plenas condições de participar da luta política mundial contra a pobreza e a exclusão social. Entretanto, o desafio de abr / " Eldorado dos Carajás simboliza tudo aquilo que o Brasil não quer ser: um país marcado pela violência, pela pobreza, pela exclusão". avançar na reforma agrária, ainda encontra-se colocado e inacabado. É preciso completar esse ciclo de desenvolvimento garantindo o acesso a terra e a produção da agricultura familiar que, atualmente, representa cerca de 70% da produção dos alimentos que chegam na mesa dos brasileiros e das brasileiras. Este ano, a exemplo de anteriores, o MST realiza a sua jornada de lutas, ocupando terras improdutivas, na forma de latifúndios ou áreas de monocultura como as de eucalipto, para mostrar à sociedade que existem milhares de famílias que permanecem acampadas, sob a lona preta, a espera de que o governo federal desaproprie terras para que possam plantar e produzir. Não se trata, como a grande imprensa conservadora e de direita divulga, de invasões. Estas famílias buscam o cumprimento da função social da terra e ocupam estas áreas que, constitucionalmente, já deveriam estar destinadas para a reforma agrária. Lembremos que 80% dos assentamentos hoje instituídos pelo Estado, anteriormente, foram alvos de ocupações e protestos. Estamos falando de áreas onde a exploração do trabalhador rural acontece, onde há desmatamento, onde existe trabalho escravo, onde a monocultura impede a produção de alimentos, ou simplesmente propriedades abandonadas, sem qualquer serventia social. O chamado Abril Vermelho, cujo simbolismo maior é o Massacre de Eldorado de Carajás, é um clamor daqueles que querem produzir alimentos saudáveis para o povo brasileiro, que querem cidadania no meio rural contra aqueles que mercantilizam a terra de forma egoísta, sob uma forte concentração e sem beneficiar o conjunto da sociedade. Nesse sentido, considero que a luta pela terra é, na verdade, uma grande contribuição que os Sem Terra oferecem a sociedade brasileira no sentido de despertar para os enormes desafios a serem enfrentados e para a necessidade de ampliar os laços de solidariedade entre aqueles que trabalham e que diariamente constroem esse pais. A reforma agrária deve ser uma reivindicação de todos e todas que lutam por um país cada vez menos desigual e com justiça social. • Valmir Assunção Deputado Federal (PT/BA) e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 19 marcello casal jr divulgação Todos os anos o MST vai às ruas cobrar justiça para o massacre em Eldorado dos Carajás Brasis Em entrevista exclusiva concedida à Revista Brasis, o cantor, compositor e ex-ministro Gilberto Gil comenta sobre a importância das redes sociais, da cultura digital na atualidade e as novas ferramentas de mobilização política no mundo. OCUPAR RESISTIR PRODUZIR NA REDE e ra uma tarde de sol no rio de janeiro. A bela paisagem da Gávea parecia ser o cenário mais propício. Estávamos acompanhados pelo professor Jorge Portugal, que gentilmente aceitou nosso convite para participar desse encontro. Era a última sexta-feira do mês quando fomos recebidos na sede da Gege Produções para realizar a entrevista. Gil vestia branco e, como de costume, compunha sereni- 20 | @revistabrasis álvaro villela dade e seriedade nas respostas que elaborava para questões sobre cultura digital, redes sociais e o mundo contemporâneo. Prestes a completar setenta anos, Gil nos falava com a genialidade de uma pessoa que rompeu paradigmas não apenas como músico, mas também como o homem público que fez de sua atuação no Ministério da Cultura um divisor de águas no Brasil. Era Gil, poeta e político. Simples, afirmativo e arrebatador nas palavras que proferia. Gil, para começarmos a entrevista, uma curiosidade se por acaso você fosse escrever nos dias de hoje a letra de “Pela internet”, que outros elementos você acha que acrescentaria a ela? A letra já foi uma filtragem, uma lista seletiva de muitas coisas que já eram tópicos, temas, símbolos daquela grande novidade que era a internet. Era uma ideia de atualizar uma questão que já havia sido vivida pela sociedade no início do século XX quando foi feito “Pelo telefone” [canção de autoria de Eu vejo que as redes provocaram uma mudança significativa na sociedade os instrumentos e as formas tradicionais de organização das esquerdas? Olha, me deixa fazer uma observação inicial em relação a isso. Eu não sou um usuário das redes. E eu acho que isso é uma questão fundamental hoje em dia. Pessoalmente eu não sou um usuário. Minha pequena corporação, minha companhia tem facebook, tem twitter etc. Mas é institucional. Ali transitam, digamos assim, as posições oficiais da instituição Gilberto Gil, do compositor, do intérprete, do autor, da figura pública. Por ali transita tudo isso, mas a partir de uma avaliação, coletiva, de grupo, institucional. Na verdade, o Gilberto Gil pessoa não está nas redes sociais. O Gilberto Gil instituição que está. Então, pessoalmente eu não tenho aquele traquejo, aquele manejo diário de estar na rede, na dinâmica das redes. Até porque esta “dinâmica” da rede requer certa obsessão de estar o tempo inteiro conectado. Leandro Caldas (à esq.), Alex Maia, e Cristiana Fernandes: a Rede TV Jovem realizou a cobertura audivisual da entrevista Donga e Mauro de Almeida datado de 1916, considerado o primeiro samba brasileiro]. Quando eu fiz “Pela internet” não havia ainda as redes sociais. Talvez o Orkut ainda estivesse engatinhando, mas não havia impactos ainda, não havia reflexos na dimensão semântica da vida da sociedade, como depois quando vieram as redes sociais tal como elas são hoje. Mas de certa forma a música já antevia desdobramentos que estavam supostamente por vir, em relação a muitas das coisas que eram os temas em questão. Então de certa forma muita coisa que está aqui e agora já estava antecipada ali na letra, mas muitas novidades surgiram também, e uma delas foram as redes sociais. Esta 22 | @revistabrasis ideia de “rede”, esta ideia de um lugar “não lugar”, onde todos os dados e aplicativos estão à disposição, e através de qualquer dos aparelhos que você tenha se pode acessar tudo. Isso tudo não era ainda assim dessa forma naquela época, há 12 a 15 anos atrás, quando fiz a letra, mas já havia os primeiros sintomas. A novidade tecnológica, os principais aspectos que caracterizam essa novidade, tudo isso já estava lá na música. E na verdade, aquilo tudo está entrando em vigência plena hoje. Como você percebe hoje a realidade das redes sociais no mundo contemporâneo, inclusive como instrumento de grandes mobilizações sociais, até em relação com Exatamente, pelo menos é assim que eu vejo um pouco como as outras pessoas estão na rede. Elas estão o tempo todo estimuladas com esta provocação constante do número de acessos, do número de pessoas que vem até você, do número de pessoas que obrigam você a ir até elas. De longe eu vejo que as redes provocaram uma mudança significativa na sociedade. Primeiro, elas redefiniram a questão do anonimato, redefiniram a questão do “pseudonimato”, a questão do “nome” propriamente dito. As pessoas hoje são diferentes. Como as redes sociais são instruídas a partir de provedores, estes provedores têm uma influência muito grande na definição das próprias pessoas na internet. Porque apesar delas oferecerem opções aparentemente “abertas”, estas opções também são relativamente fechadas, limitadas, de modos, de tipos de pessoas que você pode ser na internet. Quer dizer, estas redes estão obviamente dando espaços às individualidades e personalidades, mas na verdade estão ao mesmo tempo formando novas pessoas também. Estão instruindo a como os novos perfis pessoais devem ser na internet. Por isso eu me referi aos pseudônimos, eles aparecem em profusão, o álvaro villela Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 23 jonas santos jeito. No entanto, agora no caso da internet acontece de maneira um pouco diferente. Quando os velhos resolveram reagir, já era de certa forma um pouco tarde para eles. De uma maneira tal que fica difícil hoje as velhas editoras e gravadoras, as clássicas companhias de cinema, imporem a permanência de seus modelos anteriores, porque os novos modelos já entraram muito fortemente. E com uma característica mais grave ainda, porque são modelos O professor Jorge Portugal aceitou o convite de Revista Brasis para conduzir a entrevista com Gil É realmente fascinante. Apavorante para uns, e fascinantes para outros. Diante de todas essas mudanças, como você acha que fica o futuro do autor? E como fica o autor do futuro? Eu acho que é apavorante e fascinante para todos nós [risos]. Sobre o autor, fica muito a depender do que decante de toda essa ebulição, dessa efervescência, dessa suspensão. Quer dizer, como é que vai decantar tudo isso? A transformação do marco legal virá de uma for- inteiro, eu tenho a impressão de que o “autor” vai mudar. O perfil do que se considera autoria vai mudar. E o que se confere de direitos e deveres em relação a esses autores, a esta “autoralidade”, às titularidades autorais, também vai mudar. Todos os direitos relativos ao autor vão mudar, com várias concessões aqui e ali. Por exemplo, pode se estabelecer o direito do autor ao uso de suas obras, mas ele vai ter que em muitos casos flexibilizar esse direito ao uso, vai ter que anonimato aparece disfarçado, você se renomeia, você se permite a adesões e afastamentos em relação a sua própria pessoa inicial. Em segundo lugar, temos a questão da formação dos “coletivos”. Nesse caso já não mais com as particularidades das personalidades, e sim das massas, das multidões, das grandes e pequenas multidões, que hoje em dia a gente gosta de chamar de “coletivos”, que vão sendo formadas na internet e na sociedade, por conta das redes. Você mesmo citou exemplos dessas atuações. Há exemplos em profusão hoje em dia. Os Indignados da Espanha, a Primavera Árabe e os diversos “Occupy”, por exemplo. Exato. Esta é outra questão, como eu dizia. Para além da influência e do impacto que tem sobre as pessoas, enquanto individualidades, tem a questão dos coletivos que vão sendo formados. A palavra “mob” em inglês, a palavra “croud”. O primeiro impacto é a agilidade ou a rapidez com que esses coletivos podem se formar. Depois a rapidez com que eles podem se informar e transformar informação, transformar posições iniciais em posições seguintes, como estes coletivos podem processar a visão do entorno ou visão do mundo que aquele núcleo maneja. Então, a rede social dá a possibilidade para que esses movimentos atuem com uma agilidade enorme de percepção, de interpretação da realidade, de visão epistemológica, de visão hermenêutica. Quer dizer, dá a possibilidade do surgimento até de 24 | @revistabrasis muitas novidades semânticas. A dimensão semântica, de significação do novo “coletivo” ganha contornos e matizes extraordinários e inimagináveis. Isso também tem impactos no próprio significado da dimensão política, da palavra “política”. Como atuam, para que atuam esses coletivos, em direção a que, com quais objetivos? Então a própria intenção política, ela é submetida a um processo permanente de transformação. Antigamente, o ativista ou o militante saía de casa com seus propósitos muito bem estabelecidos, a partir das suas meditações, das suas leituras, das suas reuniões, e partia para a atuação na rua com tudo aquilo na cabeça, e a possibilidade de que aquilo se transformasse rapidamente em outra coisa, de que aquilo tivesse uma fluidez semântica era muito pequena. Hoje em dia, não. É bem possível que alguém vá para a rua para uma mobilização dessas com uma visão e uma intenção, e três horas depois saia dali completamente transformado. Por causa da profusão de informações e de meios por quais estas informações transitam e circulam. Então, há impactos importantes na dimensão política, na dimensão do conhecimento. São muitos impactos. E numa rapidez tão grande que ainda é muito difícil avaliar com certa precisão o que está acontecendo. Mas há também setores muito assustados com tudo isso. Queríamos que você falasse um pouco sobre o SOPA, o PIPA, ou seja, estas novas legislações que tentam jonas santos "As grandes companhias que durante anos monopolizaram os negócios se sentem agora ameaçadAs" resistir a esse processo. É claro. Sempre há. Porque aí já é aquela velha questão do “velho” contra o “novo”. As velhas formas de ser e estar no mundo estão ali definidas, com relação à economia, com relação à política, com relação ao que quer que seja. De repente, as “novidades” chegam tentando entrar no território, para ocupar parte do espaço, para deslocar o que não é mais “novidade”. O velho naturalmente se incomoda, né? E lutam pela manutenção dos seus modelos, dos seus interesses. No caso, por exemplo, do cinema, da literatura, da música, as grandes companhias que durante anos monopolizaram, ou pelo menos hegemonizaram os negócios, e não só os negócios, mas o próprio significado do que era a música, do que era a literatura, se sentem agora ameaçados. E aí ignoram, e esse é o lado mais triste sempre, tentam ignorar a presença do novo e o respeito que o passado tem necessariamente que dever ao novo. “E a mente apavora o que ainda não é mesmo velho” [trecho da canção Sampa, de Caetano Veloso] O que ainda não é mesmo velho... [risos]. Ficam com medo. Lançam mão de questões éticas, territoriais, de espaços, questões morais. Lançam mão de uma série de instrumentos de defesa de seus interesses, contra os interesses do que se caracteriza como “novidade”. Isso também é um clássico. Esse conflito acontece todo o tempo. É um clássico da história da humanidade, não tem conceder para usos livres, usos abertos, usos gratuitos. A própria remuneração do autor vai mudar por consequência de todas essas transformações. Até porque você muda também a própria escala de produção. Uma coisa é você ter um CD, um suporte físico, que você pode vender pelo valor que quiser. Outra coisa é você colocar toda a sua obra na rede para um download, por exemplo. Gil fala sobre os direitos autorais e as mudanças que ocorrerão na ideia que se tem hoje sobre "autoria" que não estão propriamente na mão de ninguém, não há centralização. Quando você fala de uma Warner, RCA ou Sony, você está falando de grandes corporações que têm seus centros de poder, de administração e gestão, quando você fala de Hollywood ou na 20th Century Fox, você pensa em Los Angeles, nos birôs, nos escritórios. Quando você fala dos modelos fluentes da internet, você não sabe. Quem centraliza essas pessoas, onde é que você acha elas? Onde elas estão? ma adequada? Ou seja, novas leis virão contemplando a “novidade”? Terá por algum milagre a possibilidade do velho setor sair vitorioso com a imposição de um retrocesso em nome dos seus interesses? Eu acho muito pouco provável. Então, prevendo que vai haver mesmo, como parece, uma pulverização de poder, de riqueza, de facilidade instrumental, enfim, de meios de produção, como isso vai de fato se horizontalizar, se espalhar, se democratizar, pelos milhões e bilhões de indivíduos no mundo Exatamente. Que não é nem físico mais. O digital é abundante extremo. Enquanto que o analógico era escasso por natureza. Mil livros de papel eram mil livros de papel, em prateleiras específicas, ocupando um espaço específico, demandando que uma determinada mão fosse ali puxá-lo, pegá-lo, repassá-lo para outra pessoa. Todo o processo de circulação no meio analógico sempre foi marcado pela escassez. No caso do mundo digital é o contrário. A circulação dos bens culturais está marcada pela abundância, pela “hiperabundância” permanente. E, portanto, pelas implicações na distribuição que esta abundância tem. Todo mundo tem acesso a tudo a qualquer hora. Essa questão, por exemplo, de criminalizar os meninos que trocam arquivos de música, de literatura, de cinema, ou do que quer que seja, é uma dificuldade enorme. Porque esta realidade é quase um “imperativo” tecnológico. A própria tecnologia em si traz embutida essa liberação horizontal, essa coisa de saber que está tudo disponível, está em sua casa, está na nuvem [risos]. Quem é Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 25 jonas santos Queríamos que você falasse um pouco exatamente sobre essa relação entre a democracia e a cultura digital. Sua gestão no minc apontou um pouco nessa direção, houve inclusive algumas parcerias importantes na época do ministério com o próprio mst, um movimento do campo onde em tese o mundo digital ainda está um pouco distante. Qual a relação entre, digamos, “ocupar, resistir e produzir” na terra e “ocupar, resistir e produzir” na rede? esta é uma das necessidades, uma das demandas básicas da novidade que a rede representa. É que os significados de nossas produções se vulgarizem rapidamente. Então, essas canções todas que eu faço, esses discursos que eu faço são na verdade “vulgatas”. Até mesmo a minha atuação no Ministério da Cultura, quando levei pra lá esses temas, quando dinamizei a ação do ministério com esses temas, era uma “vulgata”, no sentido de tentar entender claramente como o Estado pode e deve olhar diferentemente para estas questões. Quem é que vai dizer à nuvem que não chova? disse Gil ao se referir às tentativas de impedir a troca de arquivos na rede. Ah, existem muitas semelhanças. As demandas, a questão da luta e da ne- mente obrigada a considerar a questão do espaço das mulheres, o significado das mulheres no poder. E ela tem tratado essa questão de uma maneira muito interessante. Um elemento importante que marca o Governo Dilma desde o início seria exatamente a questão da herança. Esta comparação constante entre ela e Lula, ele como o “criador” e ela como a “criatura”. Acho que sobre esta comparação ela tem se dado muito bem. Um tema bastante presente, que é uma das luzes piscando o tempo todo no governo, é a questão da corrupção. "O Occupy, de certa forma, instrui o MST, da mesma forma que o MST também instruiu o Occupy" Não tem birô que controle isso... Não tem. Porque não tem centralidade mais. Não está mais na Warner em Los Angeles, nem na Sony em Tóquio. Não está mais em lugar nenhum. Outro impacto enorme, do ponto de vista da distribuição também. Antigamente você tinha uma central de televisão. Você produzia, fosse uma televisão pública ou privada, fosse uma Globo, uma Record, uma tve. Você produzia um programa já definindo a escolha daquilo que vai ser produzido, através de poucas pessoas que interpretam e definem o que deve ser produzido, e distribuem tudo aquilo já editado, já dizendo “É isso o que vocês vão ver!”. Ou seja, um único meio distribuindo para milhões de pessoas. Na internet, essa lógica se inverte completamente. São milhões de pessoas através de microblogs, de pequenos filmes e textos, através do hipertexto e da hiperimagem, distribuindo de milhões para milhões, borrando essa fronteira entre o “um” que produzia e os muitos que consumiam. Isso vai ter um impacto enorme na comunicação, na concentração do poder cultural, do poder econômico, do poder político, que essas organizações televisivas, de rádios, de jornais, tiveram no passado, e ainda tem até hoje, e tendem a perder cada vez mais daqui para o futuro. 26 | @revistabrasis Por exemplo, o próprio papel da televisão muda diante desse processo. A televisão ainda é um filtro, ela ainda tem o poder de filtro. Antigamente ela não precisava filtrar nada, afinal de contas ela era exclusiva. A escolha era dela, portanto não havia necessidade de filtro. Hoje em dia, como tem muita coisa circulando, ela ainda faz o papel de agência de notícias. O velho papel que a agência de notícias tinha no passado, e não tem mais. Outro dia eu estava percebendo, mesmo as televisões principais, antigamente elas se valiam das agências para ter as informações do exterior. Hoje em dia eles ainda usam esses filtros clássicos, que foram seus aliados durante muito tempo, mas já estão usando também os microblogs, as pequenas e micro agências que estão nas lan houses, nas periferias. Muitas das notícias dos morros e favelas do Rio de Janeiro, já chegam diretamente, não passam mais por agências de notícias, porque a facilidade tecnológica permite. Mandam a notícia diretamente, fazem um upload direto para as emissoras de televisão, de som, de imagem e de texto. É uma transformação enorme que já está acontecendo e que vai se manifestar mais plenamente ainda nesse campo da informação, da circulação da informação, da circulação da riqueza simbólica, e também da circulação lá na ponta da riqueza material, do próprio money [risos]. Não tem jeito, não me parece que o passado vai conseguir puxar tudo de volta. Não conseguiram em outras épocas, quando os meios utilizados pelo “novo” eram muito menos ágeis, imagina agora com essa agilidade toda, com essa cumplicidade que o “novo” denuncia. Quando o menino da Rocinha pode mandar a sua notícia diretamente para o jornal da Globo, ele está dizendo à Globo “eu sou seu cúmplice. Você é meu cúmplice. Estamos juntos nessa” [risos]. Então aí estão presentes interesses políticos, econômicos, interesses culturais e simbólicos. Todos se juntam. É a globalização, num sentido mais pleno. Isso é uma mudança sociológica, antropológica, política e econômica de dimensões inimagináveis. O “salto quântico”. De repente, num minuto, aconteceu uma mutação! Não é uma mudança, é uma mutação! Há uma diferença semântica entre essas duas palavras. Mudar é uma coisa, “mutar” já é outra. Com a internet trata-se de uma mutação, hoje já dá pra dizer isso sem muito medo de errar. Você foi uma das pessoas responsáveis por nos atualizar em relação a esse tema, inclusive levando o discurso à prática, seja disponibilizando toda sua obra na rede, seja a partir em sua gestão no Minc. Ah, sim. Vulgarizando, fazendo com que minhas canções, minhas produções passassem a ser um “verbete” possível de se encontrar em qualquer dicionário. Fazendo com que todo mundo possa entender, possa traduzir. Porque jonas santos que vai dizer à nuvem que não chova, não despeje, não deixe despencar suas gotas todas sobre o mundo [risos]? Gilberto Gil foi ministro da Cultura durante os cinco primeiros anos do governo Lula cessidade de buscar a igualdade, exigir o respeito à diferença. Todas essas questões são históricas e presentes em todos os movimentos. Há o Movimento dos Sem Terra no Brasil e no mundo todo. De vez em quando eu assisto algumas séries norteamericanas, e a expressão “sem terra” volta e meia aparece dizendo respeito a eles próprios, a pessoas nas Américas que tem que lidar hoje em dia com essa questão. Existe uma quantidade cada vez maior de Sem Terras e Sem Tetos nos eua e na Europa, enquanto que aqui no mundo subdesenvolvido, essas questões sempre foram muito presentes. Mas passam a existir outras questões também. Digamos, os “sem tela”, por exemplo [risos]. Os “sem banda”. São novas demandas. Então, as lutas típicas e clássicas do “mst's da vida” em todos os tempos vão migrando para lutas que têm relação com outras demandas também. O que permanece da luta política nestas dimensões clássicas do ativismo também vai se nutrindo das novas facilidades, das novas ferramentas, das novas lutas. O “Occupy”, de certa forma, instrui o mst, da mesma forma que o MST também instruiu o “Occupy”. Como você tem avaliado o governo Dilma? O governo Dilma é o primeiro governo de uma mulher no Brasil. Só isso já é uma diferença danada. Porque ela se sente muito naturalmente e justificada- E ela vem tratando isso de uma forma muito clara. Onde tem foco, onde tem denúncia, onde tem indício, onde tem suspeita, ela atua. Do ponto de vista da gestão da economia em si, e de como é que o Brasil se coloca do ponto de vista da economia mundial, o papel do Itamaraty nesse contexto, eu acho que ela também se coloca bem. Embora o Itamaraty dela seja um pouco mais recatado, um pouco mais recuado do que o Itamaraty de Lula. Eu acho que o Itamaraty de Lula era mais “ponta de lança”. E na verdade o Brasil começa agora a colher os benefícios dessa política externa “ponta de lança” do governo Lula. Quando, por exemplo, os eua solicitam ao Brasil que mantenha seu protagonismo à distância na questão entre os árabes e Israel, na conjuntura sulamericana, quando o governo Obama diz que o Brasil é um mediador importante nas Américas, e no mundo todo, na situação do Oriente Médio. Acho que ela está exercendo muito bem uma continuidade deste protagonismo, mas também com algumas características próprias dela e de seu governo. Acho que ela precisa investir ainda mais fortemente nos ministérios que são responsáveis pela inovação, como por exemplo, o da Ciência e Tecnologia e da Cultura. Sobre este último, mais especificamente, ela precisa abrir um pouco mais a torneira, o investimento na política cultural, que perdeu muito, perdeu orçamento em relação ao Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 27 Se oriente, rapaz... Durante a entrevista, o professor Jorge Portugal pediu a Gilberto Gil que escolhesse dois livros importantes em sua trajetória de vida. Depois de citar a obra “A Chave do Tamanho” de Monteiro Lobato, que para ele teve uma relevância enorme quando ainda menino descobria a leitura, qual não foi a surpresa de todos nós com o segundo livro escolhido por Gil: “Dentre tantos outros, eu escolheria um em especial, por ter sido um livro que deu um nó danado em minha cabeça, com todas as questões da modernidade, da sociedade, da economia, da política, retratadas de uma forma muito singular, muito louca, muito visionária, e veio marcar todo o modo de estar no mundo de algumas gerações anteriores à minha, da minha própria geração, e acho que até hoje, que foi O Capital de Marx” A religiosidade da audição do vinil, Caio Barbo, março de 2012 que Lula deixou, e o principal exemplo disso são os problemas com os Pontos de Cultura no Brasil inteiro. Gil, queríamos também que você desse uma opinião sobre o tema do Código Florestal. Eu não acompanhei essa questão de perto, como um especialista. Acompanhei de longe, como um cidadão. O balanço que se faz é que o que está posto no Código Florestal não é satisfatório. A questão, por exemplo, dos remanescentes de florestas nas áreas rurais, nas áreas de cultivo, isso não está bem posto. A questão das propriedades rurais, a questão florestal nas propriedades, nos latifúndios e, especialmente nas terras exploradas, o problema também das margens de rios, não parece que o texto final aprovado, contemple o melhor equilíbrio das posições e das demandas sociais. Acho que a boa discussão, a melhor discussão pública não foi esgotada. Do jeito que está, não me parece uma boa proposta de reforma do Código Florestal. 28 | @revistabrasis Uma última pergunta sobre o tema da cultura digital: o que você acha que pode continuar analógico nesta era digital? Você acredita que o analógico persistirá? Bem, esta questão diz respeito à própria tecnologia. Até que ponto a tecnologia digital vai conseguir substituir o analógico naquilo que até agora parecia insubstituível. Mas eu não sei, a velocidade com que se desenvolve a tecnologia digital é tão grande e tão rápida, a transposição dos usos das tecnologias analógicas para o digital é uma transposição tão rápida também, e o digital em si ele já é tão mais ágil, tão mais fluídico, que eu acho improvável que todo esse processo seja reversível. No cinema, por exemplo, até cinco ou dez anos atrás, ficávamos naquela discussão sobre o quão interessante é a película, o filme celulóide etc. Na música a mesma coisa, os meus colegas me falavam “vamos gravar em fita”, com certa resistência à gravação digital. Eu já não tinha muito isso, eu já achava há dez ou quinze anos atrás que na imagem, no áudio, o digital tinha vindo mesmo Confira o vídeo da entrevista no canal do youtube de Revista Brasis para ficar, tinha vindo realmente para substituir de alguma forma o analógico. Eu tenho a impressão que o analógico vai ficar como nicho, como devoção. Ou seja, o analógico será importante para quem devota, para quem tem certo apreço, quase uma questão de religiosidade mesmo. De certa forma vamos cultuar o analógico, será um culto. Porque do ponto de vista técnico, o digital vai tomar lugar, não tem jeito. Já tomou na verdade, o digital já tomou lugar. • álvaro villela A gestão de Gil no Minc fez do Brasil pioneiro no mundo em relação aos Creative Commons arquivo Livre orientação sexual Desafios divulgação para a Criminalização da Homofobia no Brasil Toni Reis O que seria essa coisa polêmica chamada homofobia? Uma das definições mais abrangentes disponíveis na literatura brasileira a descreve como: “um conjunto de emoções negativas (tais como aversão, desprezo, ódio, desconfiança, desconforto ou medo), que costumam produzir ou vincular-se a preconceitos e mecanismos de discriminação e violência contra pessoas homossexuais, bissexuais e transgêneros (em especial, travestis e transexuais) e, mais genericamente, contra pessoas cuja expressão 30 | @revistabrasis A ideia é criminalizar a homofobia de forma igual à criminalização do racismo". de gênero não se enquadra nos modelos hegemônicos de masculinidade e feminilidade. A homofobia, portanto, transcende a hostilidade e a violência contra LGBT e associa-se a pensamentos e estruturas hierarquizantes relativas a padrões relacionais e identitários de gênero, a um só tempo sexistas e heteronormativos” (Junqueira, 2007). No âmbito do Legislativo Federal, encontra-se resistência fundamentalista em qualquer área em que se tente propor respostas concretas para enfrentar a homofobia que vão além da retórica e da manifestação de boas intenções. E essa resistência vem vencendo a soberania da democracia, além de contribuir para a persistência do elevadíssimo número de assassinatos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) em função de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero – com uma média de um assassinato a cada trinta e seis horas no país, segundo dados do Grupo Gay da Bahia. Os assassinatos são o aspecto mais visível do fenômeno nocivo e insidioso da homofobia que permeia todas as áreas da vida cotidiana, provocando sofrimento e exclusão social entre a população LGBT, conforme registrado por diversas pesquisas científicas realizadas no Brasil por instituições de renome na última década (www.abglt.org.br/port/pesquisas.php). A aprovação da criminalização da homofobia em todo o território brasileiro se encontra respaldada por vários preceitos constitucionais, em especial a igualdade, a não discriminação, a segurança jurídica e a dignidade humana, além de estar em consonância com diversos acordos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ainda diversos municípios e as principais capitais do país já possuem legislação 1940 Segunda Guerra Mundial – beijo de dois marinheiros militares foto original em preto e branco contra a discriminação por orientação sexual e/ou identidade de gênero. Além disso, sessenta e dois países já aprovaram legislação nacional congênere, de modo que a aprovação da uma lei federal brasileira de criminalização da homofobia não estaria abrindo qualquer precedente, e sim seguindo uma tendência internacional de reconhecimento e garantia dos direitos humanos das chamadas “minorias sexuais” que, segundo estudos, representam pelo menos dez por cento da população. A aprovação da criminalização da homofobia não resultará no cerceamento da liberdade de expressão ou de crença de qualquer pessoa que respeitar as pessoas LGBT, da mesma forma que acontece em relação à população negra e o cumprimento das disposições da Lei Afonso Arinos. A criminalização da homofobia significa que a comunidade LGBT passaria a ter mais proteção da violência e da discriminação e ninguém perderia nada. Foram feitas tratativas com todos os setores do Congresso Nacional para se ter um projeto de lei de consenso que criminalizasse a discriminação e a violência homofóbica, porém infelizmente não houve acordo. A ideia é criminalizar a homofobia de forma igual à criminalização do racismo, sem hierarquização de violências e discriminações. Essa é uma decisão da II Conferência Nacional LGBT. Porém, há uma bancada pluripartidária fundamentalista no Congresso Nacional que se utiliza de argumentos de que estaríamos ferindo a liberdade de expressão, especialmente a expressão religiosa, e impede que a lei seja aprovada. Por outro lado. Há uma bancada aliada da causa LGBT que fica acuada e parece não ter a coragem de ir para o enfrentamento. A Associação Brasileira de Gays Lésbicas Travestis e Transexuais e suas 257 organizações afiliadas respeitam o Art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, que estabelece que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”, desde que sejam respeitados os direitos fundamentais das pessoas, inclusive das pessoas LGBT. Ainda, na contramão dos avanços alcançados no Executivo Federal no governo Lula, um ano e alguns meses do governo Dilma têm sido suficientes para demonstrar que agora de modo geral estamos diante de um retrocesso no que diz respeito à promoção e defesa dos direitos humanos da população LGBT por parte do Executivo. Apesar dos esforços da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a mensagem maior que tem emanado do Palácio do Planalto é de homofobia institucionalizada, vetos e censuras. Exemplos claros são o veto presidencial do material didático do projeto Escola Sem Homofobia, a declaração da presidenta de que seu governo não fará “propaganda de opções sexuais” e o veto presidencial da peça específica da campanha de prevenção de aids no carnaval voltada para a população de jovens gays. Esse quadro se agravou pela afirmação recente do ministro da Educação de que materiais didáticos nas escolas “não vão resolver a homofobia”. O que se percebe claramente nestes acontecimentos é a concessão do governo Dilma aos interesses dos setores fundamentalistas, a troca de direitos humanos por acordos políticos e o desrespeito ao princípio do Estado Laico. A ABGLT vem fazendo parcerias com os movimentos sociais progressistas, com os(as) trabalhadores(as), enfim, setores da sociedade e partidos que têm compromisso com os princípios constitucionais para superar essa situação. Não queremos privilégios. Queremos igualdade de direitos. Nem menos, nem mais, direitos iguais. • Toni Reis Presidente da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 31 conjunturas & conjecturas abr O Brasil no Mundo Entrevista Exclusiva com o professor e cientista político Emir Sader sobre o cenário político no mundo atual, o governo Dilma e os horizontes da esquerda no Brasil C omeçamos pelo mundo e terminamos conversando sobre as tarefas e desafios da esquerda brasileira no próximo período. O ambiente agradável em que fomos recebidos pelo professor Emir Saderpara a entrevista foi sua própria residência, cuja sala parece ter brecha de estante preenchida por livros e mais livros, em cima, em baixo e por todos os lados. Professor Emir, a partir do testemunho e da trajetória de alguém que viu de perto vários “brasis”, nós gostaríamos de começar a entrevista falando um pouco de como você enxerga o Brasil de hoje no cenário internacional. Se levarmos em conta principalmente o período entre a ditadura e o neoliberalismo, o Brasil sempre foi um “menino bem comportado” (sic) em relação à política internacional. Foi o país que melhor colocou em prática a doutrina de segurança nacional, bandeira fundamental do imperialismo norteamericano durante toda a Guerra Fria. Havia em nosso continente uma disputa entre a alternativa comunista de Cuba, a alternativa nacionalista peruana nos anos 60, e a alternativa brasileira, submissa e subimperialista, exatamente a que acabou triunfando 32 | @revistabrasis na América Latina. Então, é muito novo o que poderíamos entender por política soberana no Brasil. O primeiro grande ato de iniciativa do governo nesse sentido foi exatamente a decisão a partir de 2003 de inviabilizar aÁrea de Livre Comércio das Américas (alca). Quando o governo Lula assumiu, a alca estava já em sua fase final de implementação. Logo, esta decisão mudou a correlação de forças no continente e a própria inserção do continente no mundo. Hugo Chávez sempre se refere à reunião da Cúpula das Américas no Canadá em 2000, quando o principal debate era a alca apresentada por Bush, e naquela oportunidade ele foi o único estadista presente a rejeitar a proposta. Então, naquele momento havia uma correlação de forças terrível para a esquerda. Quando deu início o processo de inviabilização da alca, protagonizada pelo Governo Lula, houve uma virada extremamente importante, no sentido principalmente de contribuir para a construção de um mundo multipolar. Na verdade, em minha opinião uma das características mais importantes do Governo Lula foi exatamente essa consciência de que o objetivo funda- mental seria superar a hegemonia norteamericana e construir um mundo multipolar. Você acha que de lá pra cá os diferentes caminhos adotados principalmente na Europa e na América Latina, levando em conta os recentes efeitos da crise, esse mundo multipolar tem se consolidado? Durante um período, os eua e a Europa viveram uma lua de mel importante, sobretudo na virada dos anos 80 e 90, e conseguiram se reinserir em escala internacional em condições vantajosas. E a América Latina foi a principal vítima disso. Nós sofremos a crise da dívida que acabou com o ciclo mais longo do desenvolvimento econômico no continente. Abertura do comércio, expansão de instituições internacionais, consolidação da modelo neoliberal, desindustrialização dos países da periferia. Então, os eua e a Europa, tiveram vantagens formidáveis no mercado internacional até a crise recente. Agora está pagando um preço caro para a manutenção do modelo com a qual eles constituíram a unificação europeia. No entanto, eles foram vencedores na globalização. Nós somos perdedores. Exatamente por isso eles votam à direita, não querem mudar nada. No caso da América Latina, nós votamos à esquerda. Com a crise, podemos perceber mais claramente os caminhos distintos que cada continente seguiu. A Europa, apesar de um continente rico, não consegue dar emprego para a metade da população jovem. E provavelmente teremos uma década toda com recessão. Os tipos de cortes, de ajustes que estão sendo feitos apontam para uma recessão profunda. Não se sabe quando irão começar a recuperar-se. Os países europeus estão tropeçando na mesma pedra. O primeiro ciclo desta crise, que surge em 2008, é a quebra dos bancos. Os governos acudiram os bancos, achando que os bancos também acudiriam os países. No entanto, os bancos se salvaram, e agora a crise atinge os Estados. Então, os cortes são cada vez maiores. Imagine o que vai acontecer em médio prazo. Estão cortando direitos e atentando gravemente ao estado do que se chama de "bem estar social". Os países que não entraram no sistema de moeda única na Europa estão em condições um pouco mais razoáveis. Os eua e a Inglaterra ainda têm margens de politica monetária e política cambiária. No entanto, os outros estão sem alternativas. E num cenário como este quem for governo perde. Por isso que a política é evitar eleição, colocar tecnocratas no comando. E a chance do Euro se tornar a moeda alternativa foi por água a baixo. Sair do Euro significaria voltar às moedas nacionais, o que seria um retrocesso brutal. Acho que não há muitas alternativas. A Alemanha quer manter o Euro a todo custo. Os países mais fracos foram os mais privilegiados com a unificação. Portugal, Espanha e Grécia foram os que mais cresceram relativamente, os que mais se modernizaram. No entanto, agora o bumerangue volta e esses países pagam o preço da crise de forma mais dramática. Mas sair do Euro não parece ser a solução mais adequada. É meio a situação de “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come” (sic). Porque manter a moeda unificada também significa haver uma norma muito estrita de controle orçamentário, de déficit público. Nesse sentido, o contraste entre a América Latina e a Europa fica bastante evidente. Enquanto a América Latina sente efeitos mais brandos da crise, os países europeus passam por uma recessão enorme. Diante de todo esse quadro político, como se posiciona o governo Dilma? Do ponto de vista da política econômica, sobre a crise, a postura do governo está correta. Equivocou-se aumentando a taxa de juros no começo do governo. Não se dava conta e agora afirma não ter imaginado que haveria uma crise tão forte como esta. Mas foi um erro que o governo já está corrigindo. O grande acerto do governo Dilma é manter um crescimento razoável em relação à economia internacional e estender as políticas sociais apesar da crise. Se no Brasil houvesse uma imprensa que realmente se preocupasse com a pauta nacional, este seria o grande tema para o debate hoje. Como manter o crescimento e estender as políticas sociais apesar da recessão internacional. Nesse sentido, eu acho que o governo está indo bem, e precisa resolver a taxa de juros que ainda está elevada. Do ponto de vista da política internacional, o governo mudou o eixo. A presidenta Dilma e Patriota definiram que direitos humanos são o principal eixo da política internacional. É uma posição até defensável, no entanto esta questão não começa do zero. Existe um campo de força constituído em escala mundial sobre este tema que faz Uma das características mais importantes do governo Lula foi exatamente a consciência da necessidade de construir um mundo multipolaR." com que a prioridade sobre os direitos humanos seja uma política de dois pesos e duas medidas. Até agora o Brasil votou em favor do relatório de direitos humanos para o Irã, mas não tomou nenhuma posição clara, com exceção das declarações de Dilma em Cuba, sobre a base de Guantánamo, ou ainda em relação à Palestina, para ficarmos em dois exemplos. Essa postura é bastante discutível. O governo tem anunciado que onde houver violação dos Direitos Humanos ele estará lá, mas na realidade não tem sido assim. O Brasil não tem tomado iniciativas que atinja os eua no que tange esse tema. Ao mesmo tempo, ao não dar o peso que o governo Lula dava a construção de um mundo multipolar, o Brasil não tem se posicionado como mediador nos cenários de conflitos internacionais. Há um risco real de enfrentamento militar no Irã, antes havíamos tomado a iniciativa de negociar junto à Turquia para evitar o conflito. Agora não, o Brasil está assistindo. Por outro lado, no essencial a política internacional se manteve igual, ou seja, a priorização da relação com os países do sul, da integração regional. Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 33 Como você analisa o papel do pt nesse contexto? Depois da crise de 2005, o resultado foi um Lula fortalecido, um governo fortalecido e um pt enfraquecido. A imagem que ficou foi a de que os petistas foram os protagonistas da crise do “mensalão” (sic), apesar de a crise ter como uma das principais razões a própria política de alianças do governo Lula. Mas dito isso, qual a principal tarefa de um partido de esquerda hoje no Brasil? Primeiramente ter consciência de que é preciso construir um modelo alternativo ao neoliberalismo no Brasil. É preciso fazer uma análise do quanto avançamos, o quanto não avançamos e quais são os eixos fundamentais que precisam ser superados para construir um modelo alternativo. Acho que esta é a grande discussão. No Brasil, existe Lula, que é o maior líder popular das últimas décadas, não tem discurso para a juventude. A juventude vota em Lula principalmente porque a condição econômica e social de sua família está melhor. E por algumas mudanças concretas, como no caso do ProUni. Mas política para a juventude também é “sexo, drogas e rock n'roll” [risos]. É uma brincadeira, mas o que seria isso? “Sexo” seria um discurso voltado para a própria sexualidade, para o livre exercício da sexualidade. Temas como aborto e diversidade sexual. “Drogas” seria assumir um debate sério sobre a descriminalização da maconha e outras drogas leves no Brasil. E “rock n’roll” seria tudo que tem a ver com a livre expressão, a manifestação cultural e a política de cultura no Brasil. Por O grande acerto do governo Dilma é manter um crescimento em relação à economia internacional e estender as politicas sociais apesar da crise." um bloco histórico que se esgotou: dos partidos neoliberais e das políticas econômicas neoliberais. Portanto, é preciso construir um novo bloco histórico para substituir de fato o modelo e o pensamento neoliberal. Já há uma nova maioria econômica, política e social no Brasil que vota pela esquerda, mas esta maioria ainda não esta consolidada do ponto de vista ideológico. Por exemplo, em 2010 nós quase perdemos a eleição quando veio à tona o tema do aborto. E o governo não tem avançado sobre esse tema. Um governo que não toca no assunto do aborto, que não é a favor da descriminalização das drogas leves, que não tem política de democratização dos meios de comunicação, que não enfrenta o debate da homofobia, ou seja, é um governo que ainda tem um diálogo muito limitado com a juventude. Em minha opinião 34 | @revistabrasis exemplo, a postura do governo sobre as rádios comunitárias ainda é muito ruim. O governo Lula não tinha discurso a essas questões, e o governo Dilma tão pouco. São assuntos pendentes no Brasil, que também tem a ver com a luta por um modelo alternativo. O papel do pt, portanto, também é o de apontar novos horizontes. Atualmente quem dá a agenda política é o governo, o pt tem pouca iniciativa. Outros temas, por exemplo, como o da reforma agrária, ou quais políticas econômicas o pais deve adotar para caminhar rumo à superação do capitalismo, o partido diz muito pouco. Acho que o pt perdeu muito de sua força própria, tem pouca autonomia em relação ao governo. Outro exemplo seria o debate sobre o financiamento público de campanha, um tema que está sumindo da pauta política. O financiamento público é um tema muito importante para um partido como o pt que se pretende representante das camadas populares. Mudar o Brasil passa por mudar o Congresso brasileiro, passa por eleger bancadas populares dos movimentos sociais. Mas como você vai convencer um trabalhador rural a ser candidato se o nosso sistema permite o financiamento privado de campanha? É por esse motivo que no Congresso existem muito mais ruralistas e empresários do que trabalhares rurais e sindicalistas. A bancada de donos de escolas e faculdades particulares é muito maior que a bancada de educadores. Então, teoricamente o Congresso deveria ser o espelho da sociedade, inclusive no que diz respeito às maiorias e minorias sociais. E é exatamente o contrário. A elite está muito bem representada, o povo não. E um dos principais fatores que explica essa inversão de representatividade no Congresso é o elemento econômico, ou seja, a grana que elege os nossos representantes. Logo o pt tem um papel fundamental também sobre essa questão. Numa atividade da eps você afirmou que haveria três grandes questões sobre as quais o nosso governo não avançou ou avançou muito pouco: a política econômica, a questão fundiária e a política de comunicação. Queríamos que falasse um pouco mais sobre essas questões. Exatamente, ou seja, dinheiro, terra e palavra. A hegemonia do capital financeiro, a estrutura fundiária o agronegócio e o monopólio das comunicações no Brasil. Sobre a primeira questão, nós começamos a avançar minimante com essa dimensão da taxa de juros. A taxa ainda é muito elevada, e o governo tem demonstrado a consciência de que é preciso baixa-la. Sobre a questão fundiária estamos numa batalha entre alternativas ruins e péssimas no que tange à reforma do Código Florestal. Então, não estamos bem, e tudo indica que haverá retrocessos. Além disso, pensar a reforma agrária no Brasil não é uma tarefa simples. Hoje no Brasil uma parte das terras que eram improdutivas está sendo acionada para produzir, principalmente soja, e para a exportação. A própria posição original do mst, de ocupar as terras improdutivas, tem mudado um pouco em virtude dessa nova realidade. E o governo Dilma não avança em torno desse tema. E sobre a terceira questão, o marco regulatório nas comunicações sequer Queríamos que falasse um pouco sobre uma questão que você tem tratado muito ultimamente que é o tema da cultura. Em minha opinião houve um erro desde o momento da escolha. Uma coisa é a responsabilidade da presidenta, outra coisa é que o governo precisa dialogar com os segmentos culturais, artísticos que tem a ver com seu projeto. Então foi uma escolha que deu errado e ela não foi feita a partir de um debate com estes segmentos. O processo que resultou na escolha de Ana de Hollanda não girou em torno de que políticas seriam mantidas ou não, mas de uma escolha individual. A ministra tomou atitudes absolutamente arbitrárias, já retrocedeu em várias políticas, e o governo não foi capaz de Edição em miniatura do Manifesto Comunista, brecar esse movimento. em uma das estantes de Emir Começou com a propriedade comum, retirar os commons da internet, que foi uma das conquistas mais foi para a discussão. O Ministro das importantes e inovadoras que inclusive Comunicações Paulo Bernardo havia projetou o Brasil como vanguarda prometido que iria para discussão até nesse tema do livre acesso. Da própria o ano passado, e não foi. A disposipágina do Ministério foram retirados ção que se conhece do governo sobre os commons sem nenhuma discussão, esse tema é a de ter um modelo ainda nem com o governo, nem com sociemuito brando no que diz respeito ao dade e nem com as partes interessadas. monopólio já existente. E ainda assim Foi um ato absolutamente individual o principal problema é que, mesmo da ministra e a partir de argumentos a proposta do governo, eu acho que totalmente equivocados. As próprias não passa no congresso. Se somarmos relações promíscuas com e ecad, quem é dono de meios de comunipara dizer o mínimo. Os retrocessos cação, quem é aliado dos donos dos que houve com relação aos Pontos de meios de comunicação e quem tem Cultura, a própria visão mercantilizada, medo dos meios de comunicação, dá tradicional e antiga sobre a política de uma maioria muito clara no Concultura. Na verdade, o pior de tudo é gresso. O próprio Lula afirmou que que as políticas públicas voltadas para enquanto houver medo dos meios de a cultura saíram definitivamente de comunicação e da mídia não haverá pauta. Cultura voltou a ser sobremesa. democracia no Brasil. Então esta Só vai para a agenda quando há escântambém é uma questão muito difícil dalo. Mesmo os grandes equívocos não para o governo. Na verdade, voltando foram temas de grandes debates. à representatividade, não haver financiamento público de campanha praVocê acha que essa nova postura do MINC tem ticamente estrangula a possibilidade mais a ver com o que representa Ana de Hollanda de nós constituímos uma maioria no do que com o que pensa a presidenta Dilma? Congresso. A direita midiática no Brasil é forte, mas a direita partidária é muito fraca." Em minha opinião o principal erro do governo é a tolerância com essa postura. Foi a tolerância que fez com que a política cultural deixasse de ser importante. A tal ponto que ela violou e retrocedeu em políticas importantes do governo Lula. Mas na verdade, não se sabe se o governo não quer criar crise, se o governo simplesmente está de acordo ou se o governo não dá a devida importância ao Ministério. Sobre o recente tensionamento entre um setor de militares do país e o governo federal, qual você acha que é a principal motivação? É claramente uma reação à criação da Comissão da Verdade. Começaram a tentar pressionar para já tentar se defender da Comissão da Verdade. Mas em minha opinião não tem poder real no Brasil hoje. O Mauricio Dias fala corretamente quando diz que é mais perigoso esse grupo interno do pmdb para o governo do que esses generais de pijama insatisfeitos. A intenção desse setor militar é claramente tentar constranger o governo desde o processo de nomeação dos membros da Comissão, até o próprio poder de funcionamento que ela terá. Parte do trabalho da Comissão é de esclarecimento histórico. Só que não se sabe até onde esse esclarecimento vai, até porque com certeza os militares queimaram muitos arquivos. Mas independente dos esclarecimentos necessários, nós vamos ter um avanço importante que é a versão oficial do Estado brasileiro sobre o que aconteceu nesse período de nossa história. Então, os “milicos” (sic) já estão tratando preventivamente de tentar se defender. Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 35 jonas santos Esquerda na história em dois tempos Uma conversa com o historiador Muniz Ferreira sobre a trajetória completa e complexa de um dos personagens mais singulares da esquerda brasileira Emir afirma que com Ana de Hollanda à frente do Minc, cultura voltou a ser sobremesa Para terminar, qual você acha que é a grande tarefa dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda, para aprofundar as transformações no Brasil e caminhar rumo à superação definitiva do capitalismo? Nós conseguimos derrotar a direita nos últimos anos, mas ainda não conseguimos construir um bloco ideológico na sociedade. A direita midiática no Brasil é forte, mas a direita partidária é muito fraca. Precisamos aproveitar esse momento para pensar qual é o tipo de sociedade pós-neoliberal que devemos construir. Reorganizar o Estado em torno da esfera pública, privilegiar a universalização dos direitos, acentuar o conflito com o capital financeiro, com o agronegócio, com o monopólio privado dos meios de comunicação, e no apoio e na crítica ao governo, lutar tendo como horizonte o socialismo. Não podemos reduzir nossa atuação ao pragmatismo da luta contingente, dos calendários eleitorais definidos. Não podemos perder o horizonte estratégico. Não é possível compreender o mundo hoje sem entender que a mercantilização é a principal causa das injustiças e desigualdades. E não é possível defen- der um outro mundo sem combater essa mercantilização. Precisamos tirar a política da esfera do mercado e colocar na esfera do direito. Portanto, não há outra saída senão a estratégia socialista. Esse é um dos principais objetivos do socialismo: universalizar os direitos. Ainda sobre o governo Dilma, há uma visão tecnocrática sobre o Estado que entende o poder público como uma “máquina”. Ou seja, se uma peça não funciona, troca-se por outra peça. O Estado deixa de ser um ente político. O governo precisa entender melhor que política é hegemonia, política é convencimento. Política não é simplesmente aliança. Esta é uma parte importante da política. Mas tão importante quanto isso é o discurso, o argumento. Por exemplo, a recente decisão de privatizar os serviços dos aeroportos é defensável. Se o Brasil precisa fazer a Copa e não tem orçamento para construir e reformar os aeroportos, é uma alternativa possível a concessão dos serviços para o setor privado durante um período. Apesar de ser um tipo de privatização, não significa privatizar o aeroporto, mas privatizar os serviços. E a presi- denta, tendo argumentos e inclusive estando muito mais convencida do que nós sobre essa decisão, não disse uma palavra ao povo. Há uma visão de que a verdade vai se impor simplesmente pela eficiência da gestão. Não é levada em conta a argumentação, o convencimento, a busca pela hegemonia. Cristina Kirchner fala três vezes por semana ao povo argentino. Na Argentina existe uma maioria ideológica à esquerda. No Brasil, não. Se houvesse um plesbicito sobre o aborto, ou a pena de morte, a criminalização da homofobia, ou ainda a redução da maioridade penal, provavelmente nós perderíamos todos eles. Numa conjuntura como esta, é muito importante que a nossa principal líder discurse para a opinião pública. Quando ela fala já é difícil, porque a mídia escolhe o que reproduzir. E na medida em que nossa presidenta não fala, dificulta ainda mais a construção de um bloco ideológico. Então, acho que esta é a principal tarefa dos movimentos e partidos de esquerda no Brasil, aprofundar as transformações e conseguir constituir uma maioria ideológica na sociedade. • C arlos Marighella nasceu em 5 de dezembro de 1911. Cem anos após seu nascimento, é lembrado como uma das grandes referências da esquerda brasileira. Filho de pai italiano anarquista e mãe negra brasileira, o guerrilheiro Marighella foi um dos maiores lideres da luta armada no Brasil. Por isso, a perseguição da Ditadura contra ele foi incansável, chegando ao fim com seu assassinato no ano de 1969. Principalmente em virtude de seu centenário de nascimento, a história do guerrilheiro Marighella tem sido recuperada nos últimos anos. Sua atuação pela Ação Libertadora Nacional (aln), sua viagem a Cuba para conhecer a experiência guerrilheira e revolucionária, seus escritos sobre a própria guerrilha, como o mais famoso deles o “Manual do guerrilheiro urbano”. Seria impossível contar os caminhos e descaminhos da luta armada marighele-se 36 | @revistabrasis / em nosso país, sem reconhecer o papel fundamental que cumpriu Marighella como dirigente e como teórico no Brasil da chamada tática de guerrilha. Por outro lado, muito pouco se sabe da sua vida política antes de aderir à luta armada, quando dirigente do partido de esquerda mais importante à época no Brasil, o pcb. Apesar de ser lembrado como militante que fez a opção das armas para combater a Ditadura, a maior parte da trajetória política de Marighella até antes do golpe militar em 1964 foi no partido comunista, pelo qual chegou, inclusive, a ser deputado. Sobre a história deste Marighella partidário e parlamentar, Revista Brasis conversou com o historiador carioca Muniz Ferreira, professor associado do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia. Muniz Ferreira é dirigente do PCB e atualmente está desen- volvendo uma pesquisa sobre a militância de Marighella nas décadas anteriores ao advento da Ditadura Militar. Esta pesquisa resultará num livro, previsto para ser lançado ainda em 2012. A pesquisa vai além do simples conhecimento e reconhecimento da atuação de Marighella. Para o professor, compreender as opções desta importante personalidade de nossa história nos leva também à necessária reflexão sobre as opções da própria esquerda no Brasil durante o período anterior ao golpe militar e no próprio processo de resistência à Ditadura. Marighella de partido Carlos Marighella é uma figura especial em nossa história. Poucos foram os personagens da esquerda brasileira que tiveram uma trajetória política tão múltipla e variada ao longo de sua vida, e por isso a extrema importância dos estudos nos últimos anos que visam recuperar sua história. Para Muniz, no entanto, é necessário que este esforço de recuperação seja pleno para que tenhamos conhecimento da história completa deste dirigente que cumpriu papel relevante em diferentes momentos históricos do Brasil. Como se sabe, a trajetória de Marighella não se restringiu à guerrilha. Começou sua militância muito cedo, ingressando nas fileiras do Partido Comunista ainda jovem. Foi preso pela primeira vez por escrever poemas satíricos sobre Juracy Magalhães, na época o interventor da Bahia. Logo após sair da cadeia se desloca para o Rio de Janeiro, e mais tarde para São Paulo. Passa a organizar o partido junto aos segmentos operários em meio à resistência ao Estado Novo, quando novamente é preso. Solto apenas com a anistia alguns anos mais tarde, Marighella começa a ganhar evidência como um dos principais quadros públicos da esquerda, e ainda na década de 40 é eleito parlamentar pelo PCB. A representação parlamentar é marcante em sua trajetória. Segundo as palavras do professor Muniz, “Marighella realiza no curso de sua atividade parlamentar o que alguns estudiosos caracterizam como um dos primeiros mandatos populares no Brasil, interagindo intensamente com os trabalhadores”. Além disso, o mandato do deputado Marighella é marcado também por uma intervenção constante nos debates no parlamento, tendo sido um dos parlamentares comunistas que mais interviu na tribuna da Assembleia Nacional Constituinte. Nessa mesma época, atuou intensamente na imprensa comunista com grande produção de artigos, sobretudo a partir do periódico Classe Operária, publicação nacional do PCB. Muniz Ferreira quantifica em caio barbo Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 37 A partir do 5° Congresso do PCB em 1960, Marighella passa ser o segundo principal dirigente da hierarquia partidária." sua pesquisa cerca de 20 artigos entre 1946-49, abordando temas variados de grande relevância para a esquerda naquele momento, tais como a atuação da bancada bolchevique no parlamento russo antes da Revolução de 1917, a trajetória de Prestes no Brasil, o movimento comunismo internacional, dentre outras questões. Para Muniz Ferreira, o mandato de Marighella serviu como um importante instrumento de formação teórica e política do partido, da esquerda como um todo. Tanto no parlamento, como no partido, ele exerceu um papel importante enquanto teórico e pensador político. Na década de quaenta, Marighella passa a ser o primeiro diretor da revista teórica Problemas, principal veículo de comunicação e expressão sobre o posicionamento do partido em relação a diversos temas da conjuntura. Sobre este perfil múltiplo de Marighella, o historiador conclui que “se formos procurar na esquerda brasileira alguém no Brasil que tenha essa universalidade na ação política, formação teórica, organização partidária, exercício de um mandato, certamente teremos dificuldade de encontrar”. 38 | @revistabrasis O GOLPE MILITAR E A LUTA ARMADA NO BRASIL A década de 60 foi decisiva para Marighella e para o conjunto das organizações de esquerda no Brasil. A iminência da ofensiva militar não era jonas santos Nos anos 50, Marighella foi destacado pelo partido para conhecer a experiência revolucionária na China, a qual exerceu grande influência na orientação do PCB no período de 1950 a 1954, quando o partido chega a propor uma ação insurrecional contra o governo Dutra. A partir de 1956, ele se engaja decisivamente no processo de renovação do PCB, logo após os abalos “sísmicos” na esquerda comunista de todo o mundo causados pela revelação dos crimes e erros de Stalin. Este processo de renovação do partido, segundo Muniz, culmina na famosa “Declaração de março” de 1958, quando o PCB abandona os traços mais dogmáticos e sectários de suas formulações anteriores, estabelecendo como objetivo central a implementação de um governo nacionalista e democrático através do processo eleitoral e da pressão de massas, e rejeitando a via armada como estratégia principal de luta no país. A “Declaração de Março” teria sido o embrião das resoluções políticas do 5º Congresso do PCB, realizado no ano de 1960, quando Marighella se torna então um dos principais dirigentes do partido. Para Muniz, “a partir do 5º Congresso, Marighella passa a ser o segundo dirigente mais importante do PCB e entra no primeiro escalão da hierarquia partidária, abaixo apenas de Prestes”. Até este momento, segundo o historiador, é possível perceber claramente as opções do PCB em priorizar o caminho pacífico ao invés da violência como forma de luta, e o papel central que cumpriu Marighella não apenas sobre esse entendimento, mas também como dirigente fundamental do partido em todas suas decisões e deliberações. tão evidente. Havia leituras conjunturais divergentes dentro da própria esquerda, bem como dentro do próprio PCB, e a partir deste contexto nasce uma dissidência dentro do partido, formada por muitos de seus principais quadros políticos. Muniz chega a citar escritos de Marighella entre 1965-67, onde é muito frequente a crítica feita por ele aos rumos tomados pelo PCB. Segundo o professor Muniz, a consolidação desta dissidência em 1967, da qual Marighella fez parte, teve relação direta com a leitura segundo a qual o partido cometeu uma série de desvios de direita, adotando uma postura conservadora e não tendo preparado as massas para o golpe. Certamente, o divisor de águas definitivo para Marighella no processo de desligamento o PCB foi sua ida a Cuba, ainda no ano de 1967, quando ele tem contato direto com a revolução naquele país. Daí, como defende o histo- riador, ficou muito claro o entendimento de Marighella de que o partido havia confiado demais na possibilidade da transição pacífica, enquanto a direita usou e abusou do expediente da violência para consumar o golpe. Para Marighella, havia ficado evidente que o caminho pacífico não seria mais suficiente para superar a Ditadura Militar. Essa compreensão foi muito alimentada pela influência da revolução cubana no Brasil e na América Latina como um todo, inclusive na própria dissidência que se formou no Comitê Central do PCB a partir do golpe. Marighella E O FOQUISMO Em cada texto que Marighella escreve a partir daí, a ideia da luta a partir do conflito militar ganha mais importância. Segundo Muniz, quando ele volta de Cuba, a resistência armada não é apenas uma ideia abstrata, mas passa a ser um projeto concreto de atuação política, o que resultou na criação da ALN. Há um debate na historiografia brasileira, ao qual Muniz faz referência, sobre as inspirações de Marighella na teoria revolucionária desenvolvida pelo escritor francês Regis Debray chamada “foquismo”. Para Muniz, essa polêmica pode inclusive explicar um pouco da opção de algumas iniciativas recentes de fazerem recuperação parcial da história de Marighella, afastando a história de sua experiência no PCB. O “foquismo” é uma teoria que defende a luta armada a partir de focos revolucionários. Ela parte de quatro premissas fundamentais. O professor Muniz assim nos apresenta, “primeiro, a premissa segundo a qual está provado que na América Latina o cenário privilegiado para a luta armada é no campo. A segunda premissa seria que a vitória da Revolução Cubana demonstrou a possibilidade real de haver vitória de uma força guerrilheira irregular contra um exército regular. Em terceiro lugar, a ideia de que mesmo onde não existam as condições plenamente favoráveis para o processo revolucionário, o foco guerrilheiro pode criar essas condições. Ou seja, a violência revolucionária como fator propulsor do processo revolucionário. E a mais problemática das premissas, a quarta, é a ideia de que o foco guerrilheiro substitui o partido revolucionário”. Para Muniz, estamos diante de uma nova via para a esquerda, absolutamente estranha ao marxismo e ainda mais ao leninismo. Um entendimento segundo o qual é possível, através da violência, acelerar o processo revolucionário, e não a partir do aguçamento das contradições sociais. Muniz afirma ainda que o fato de achar que a guerrilha pode concentrar em si mesma a direção política e a direção militar foge à tradição revolucionária do movimento comunista internacional. E vai ainda mais adiante: foge até à própria realidade do processo revolucionário cubano, onde a verdadeira revolução não foi feita simplesmente pelos dezessete sobreviventes da Sierra, mas por uma ampla articulação política protagonizada por Fidel que conseguiu unificar toda a oposição a Fulgencio Batista, bem como conseguiu amplo apoio popular no país. Marighella passa a defender a tese de que a esquerda deveria evitar o sistema burocrático de organização dos partidos comunistas. Ou seja, muda completamente suas próprias orientações políticas, tendo em vista seu histórico como dirigente do PCB. Não obstante a crítica à burocracia partidária, um elemento fundamental precisa ser colocado em questão no que se refere às novas opções feitas por alguns setores da esquerda na época e pelo próprio Marighella. Como parlamentar, Marighella exerceu o que alguns estudiosos caracterizam como um dos primeiros mandatos populares do Brasil." As organizações de guerrilha, principalmente por terem atuado na clandestinidade, passaram a dar pouca ou nenhuma relevância ao trabalho de organização das massas, o que Muniz caracteriza como “militarismo vanguardista”. De modo que o pecado essencial do “foquismo” não seria rejeitar a participação das massas no movimento revolucionário, mas sim, segundo o professor, “acreditar que mesmo por um momento a vanguarda poderia substituir as massas. Sendo que a luta armada é a forma mais elevada da luta política. Você não começa pela luta armada, você termina com ela”. Muniz Ferreira se refere, dessa forma, ao pensamento marxista que entende revolução como obra das massas. O “foquismo”, as organizações guerrilheiras, e, inserido neste contexto, o próprio Carlos Marighella, teriam trazido novos elementos conceituais para a esquerda no Brasil. DO POEMA AO FUZIL O último Marighella, aquele assassinado brutalmente na Alameda Casa Branca em São Paulo, foi o Marighella guerrilheiro. Um tanto quanto diferente do parlamentar e dirigente partidário que, tal como o guerrilheiro, foi de extrema importância para a esquerda no Brasil. Do poema ao partido, do partido ao parlamento, do parlamento ao fuzil, a trajetória de Marighella faz dele um personagem singular. Nesse sentido, o professor Muniz conclui nossa entrevista alertando que a esquerda precisa olhar para a trajetória completa de Marighella. Ainda que seja um debate que suscite diferentes opiniões, sem dúvida este é um esforço válido para que possamos conhecer sua história de forma plena, e assim conhecer um pouco mais da rica trajetória da luta das organizações de esquerda no Brasil. Até porque, apesar de haver diferenças no tempo, nas ideias e na ação, Marighella foi sempre o mesmo Marighella, o militante da liberdade. • Confira o vídeo da entrevista no canal do youtube de Revista Brasis Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 39 Eleições 2012 A privataria tucana abr um retrato do Brasil ROGÉRIO CORREA A eleição municipal na capital mineira nunca foi tão “nacional” como o será agora. A postura de nossos adversários políticos nacionais (e locais) e a busca de espaço de nossos aliados na sustentação do governo Dilma mostram um quadro extremamente complexo. Há de se ter referências fortes para agir, com princípios, com as devidas mediações políticas, mas entendendo sempre que: ou o PT vertebra esse projeto de mudança nacional, ou o mesmo tende a ganhar tons cada vez mais distantes de nosso ideário. É preciso que governos dos estados e municípios ingressem no esforço nacional de alinhar ações de Lula e da presidenta Dilma, que muito tem trabalhado para colocar o Brasil nos trilhos do desenvolvimento. Como temos apenas eleições municipais neste ano, esta é uma oportunidade ímpar. Assim, são corretas as orientações emanadas de resolução do Diretório Na- cional (09/02/12) no sentido de que o PT busque ter candidatura própria nas principais cidades do país. Trata-se de uma dupla necessidade: primeiro, garantir mais sustentação ao projeto nacional; segundo, evitar a depleção do PT, em face das legítimas disputas com nossos próprios aliados e com nossos adversários neoliberais. O caso de Belo Horizonte é emblemático. Em 2008, desacatando decisão do 3o Congresso Nacional do Partido, e resoluções do Diretório Nacional, formou-se aqui uma maioria que constituiu uma aliança com o PSDB, via coligação com o PSB. Naquilo que Aécio chamou de política de convergência. Resultado: o partido rachou e a vitória dessa esdrúxula aliança resultou em um desastre político, mensurável empiricamente. De cara o PSDB ocupa espaços estratégicos da prefeitura e o prefeito assume seu conceito administrativo denominado • Rogério Correa Deputado Estadual, líder da bancada do PTMG e do Movimento Minas Sem Censura O livro é resultado de dez anos de trabalhos investigativos sobre o processo de privatização levado a cabo nos governos de FHC divulgação jonas santos BH 2012: “choque de gestão”, como um valor; isso foi a fracassada tentativa de impor métodos gerenciais oriundos das empresas privadas na gestão pública e que é o mote de Aécio Neves em sua campanha de 2014. O trato com os petistas que permaneceram na prefeitura nem sempre foi estimulador. E não falo aqui apenas da cordialidade na relação. O esforço de identificação do PSB com o governo Aécio Neves e agora com Anastasia é substantivo; já com o governo Lula e agora com Dilma é meramente formal. Isso sem falar na derrota de 2010, quando nossa candidata, belorizontina, perdeu nos dois turnos a eleição na capital. Fato inédito. Ah, e Aécio fez “barba, cabelo e bigode” derrotando o aliado Pimentel, na disputa para o senado. Num estado que foi estratégico, para garantir a vitória de Dilma, apesar da derrota em Belo Horizonte, misturar petistas com tucanos, ao molho do PSB, só pode dar num prato indigesto! Ou seja, se já não prestou de nada a aliança em 2008, agora a mesma significa consolidar os espaços de Aécio Neves no cenário estadual, já que o mesmo anda sem a projeção que tinha antes, sendo apenas um, entre 81 senadores. Aécio prega a dissolução das fronteiras partidárias, dos programas e plataformas. Tudo dele é dirigido para seu projeto pessoal de poder. É ele o adversário em 2014. Por que dar a ele palanque junto ao PT? Autor: Amaury Ribeiro Jr Ano de Lançamento: 2011 Número de páginas: 344 Editora: Geração Editorial privataria tucana 40 | @revistabrasis / P r i vat ar i a Tucana: UM TSUNAMI para a oposição S ucesso de venda, o livro do jornalista Amaury Ribeiro, “A Privataria Tucana” já pode ser colocado entre os livros de não ficção mais vendidos no país . Com 344 páginas, o livro é recheado de denúncias que mostram os bastidores de todo o processo de privatizações que foi levado a cabo durante o último governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Com farta documentação e análises, Amaury conta o que seriam crimes de tráfico de influência, evasão de divisas e favorecimentos ocorridos durante o processo de privatização. Em um dos seus depoimentos dados nos diversos lançamentos feitos Brasil afora, o jornalista diz que “a roubalheira foi muito maior” do que aparece no livro, e por isso mesmo, conforme declarou, o assunto renderia outra publicação, caso fossem vasculhadas todas as transações realizadas. O livro de Amaury Ribeiro mostra indícios de corrupção, por exemplo, com provas cabais de "lavagem" do dinheiro, a partir de documentos oficiais validados pela própria justiça brasileira. O jornalista tem aproveitado as atividades realizadas de lançamento do livro nos estados para dar detalhes de como foi possível realizar a publicação, hoje considerado um verdadeiro “tsunami” nos meios políticos, e que desvenda uma das mais tenebrosas operações de bastidores com o dinheiro público. Atualmente existe a proposição de criação no Congresso Nacional da CPI da Privataria, de autoria do deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB-SP). Conforme consta no próprio livro, “A Privataria Tucana” foi resultante de dez anos de trabalhos investigativos sobre os processos de privatizações. Dada a repercussão que o assunto teve junto à sociedade brasileira, a publicação foi esgotada logo na sua primeira edição, em apenas 24 horas, e permaneceu, durante mais de 10 semanas entre os livros mais vendidos no Brasil. Os fatos narrados, foram reforçados com farta documentação obtida pelo jornalista junto a órgãos oficiais, como juntas comerciais, cartórios, Ministério Público e na Justiça. Amaury Ribeiro tem dito ainda que há “inúmeros aspectos estranhos” nas privatizações, e reafirma a necessidade da sociedade civil se organizar para debater com mais profundidade o assunto. Segundo ele, “O Brasil vive uma nova onda privatizante. Todo lugar que você passa se vê privatização. Estão privatizando tudo, a saúde, a educação, os presídios. Logo, temos que estar atentos a essas questões, pois suas influências são sentidas em todos os setores da sociedade", afirma. • augusto matos Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 41 Pitacos OS DILEMAS DA CLASSE TRABALHADORA BRASILEIRA A sociedade brasileira vive profundos dilemas em relação ao seu futuro. Há uma hegemonia econômica, política e ideológica das classes burguesas. Os setores mais empobrecidos da classe trabalhadora iludidos com um pequeno aumento de renda e com uma visão consumista de mundo. Os setores organizados da classe trabalhadora não conseguem projetar o sonho socialista, como verdadeira alternativa de futuro. E não temos tido capacidade política de articular forças em torno de um projeto popular que represente uma transição, um caminho, para chegar ao socialismo. As duas décadas de neoliberalismo, causaram profundas consequências estruturais na classe e em suas organizações. Diante disso, temos um enorme esforço pela frente dos setores organizados da classe trabalhadora, para reconstruir um caminho de esquerda. 42 | @revistabrasis Precisamos superar muitos desafios, como articular os setores socialistas da classe, que estão dispersos em diversos partidos e correntes. Precisamos retomar o trabalho de formação ideólogica, sistemático, em especial com nossa juventude. E precisamos retomar o trabalho de base, para organizar as massas trabalhadoras, para que lutem e construam um novo projeto para o país. Tenho certeza que a corrente Esquerda Popular Socialista, se propõe a contribuir para enfrentar esses desafios, com humildade, generosidade, sem sectarismos ou divisionismos. Ajudando a articular todas as forças populares de esquerda na construção de um novo projeto para o país. Joao Pedro Stedile, Direção Nacional do MST e da Via Campesina divulgação divulgação divulgação abr Depoimento DOCUMENTÁRIO LIVRO LIVRO Carlos Marighella: quem samba fica, quem não samba vai embora Lenin – um estudo sobre a unidade de seu pensamento Como mudar o mundo – Marx e o marxismo, 1840-2011 O documentário Carlos Marighella, quem samba fica, quem nao samba vai embora foca principalmente o período da luta armada de resistência à Ditadura Militar, de 1964 até a morte de Marighella, em dezembro de 69 e é um resguardo e instrumento de difusão da memória do deputado comunista e guerrilheiro da ALN Ação Libertadora Nacional - Carlos Marighella (1911 - 1969). O testemunho de militantes políticos que acompanharam a trajetória de Marighella, estudiosos do tema e pesquisadores dá o tom no documentário. O seu filho, Carlinhos Marighella; o último comandante do GTA da ALN, Carlos Eugênio Clemente; os militantes da ALN, Manoel Cyrillo, Guiomar Lopes, Takao Amano, Carlos Fayal, José Luiz Del Roio, Antonio Carlos Fon, Rafhael Martinelli, Rose Nogueira; os historiadores Muniz Ferreira, Edileuza Pimenta; os jornalistas e escritores Emiliano José e Alipio Freire entre outros são alguns dos entrevistados. Quando escreveu essa obra, György Lukács considerava que uma exposição digna da totalidade da obra e história de Lenin ainda carecia de material suficientemente completo para sua realização e deveria ser situada no mínimo no contexto histórico dos trinta ou quarenta anos anteriores. Sem tal pretensão, sua obra Lenin: um estudo sobre a unidade de seu pensamento, aponta, em linhas gerais, a relação entre a teoria e a práxis do líder revolucionário a partir do sentimento de que tal unidade ainda não estava clara o suficiente, nem mesmo na consciência de muitos comunistas. Escrito em 1924, logo após a morte de Lenin – e publicado pela Boitempo –, o livro é fruto do fascínio do filósofo húngaro pela personalidade dessa figura histórica. Lukács apresenta, com clareza e competência, algumas das principais conquistas teóricas do líder bolchevique, como a teoria do partido revolucionário e a definição da etapa imperialista do capitalismo. Como demonstram os prefácios, artigos, conferências e ensaios reunidos em Como mudar o mundo, a militância política de Eric Hobsbawm tem convivido de modo fecundo com sua consagrada produção intelectual. Numa coletânea que abrange décadas de intensa proximidade com a obra de Karl Marx e a tradição marxista, o historiador britânico reafirma a atualidade das reflexões sobre o capitalismo realizadas pelo filósofo, sociólogo e jornalista alemão e seu colaborador, Friedrich Engels. Como mudar o mundo é dedicado ao estudo das condições de produção e recepção dos textos fundadores do marxismo. Hobsbawm aponta os antecedentes históricos do pensamento marxiano em diversos autores e analisa também a história do marxismo a partir da década de 1890, destacando sua trajetória inicial entre os sindicatos operários, o crescimento dos partidos socialdemocratas, a luta antifascista e a influência do marxismo na obra de intelectuais do pós-guerra e nos regimes comunistas. O pensador italiano Antonio Gramsci e sua intervenção no debate marxista são objeto de dois capítulos. Direção: Carlos Pronzato Edição: Baruch Blumberg Duração: 98 min. Ano de produção: 2012 Título Original: Lenin: Studie über den Zusammenhang seiner Gedanken Autor(a): György Lukács Tradutor: Rubens Enderle Páginas: 128 Ano de publicação: 2012 Autor: Eric Hobsbawm Editora: Companhia das Letras Nº de Páginas: 424 Ano de publicação: 2011 Abril / Maio / Junho 2012 | Brasis | 43 Comentários, questões, críticas, sugestões. Contribua para a seção de conteúdo colaborativo a partir da próxima edição de Revista Brasis. 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