A UE E OS RECURSOS NATURAIS EM ÁFRICA: EXPLORAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO? brief Patrícia Magalhães Ferreira Consultora no âmbito do Acordo de Cooperação Camões I.P. - IMVF - ECDPM novembro de 2013 Assiste-se actualmente a um crescente compromisso dos Estados-membros em relação à Coerência das Políticas para o Desenvolvimento. Este contexto não representa apenas um compromisso político para com os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, tem também base legal onde se consagra a erradicação da pobreza e a coerência entre as políticas europeias como principal objetivo das políticas de Cooperação para o Desenvolvimento. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. As contradições que ainda vigoram na definição das políticas europeias produzem impactos reais que afetam, de forma negativa, as vivências de milhões de pessoas em todo o mundo. As políticas incoerentes representam um gasto desnecessário e ineficiente de esforços públicos, privados, das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento e dos contribuintes. O Projecto Coerência.pt – O Desafio do Desenvolvimento pretende contribuir para a erradicação da pobreza, promovendo a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento através da sensibilização e monitorização de decisores políticos, funcionários públicos, Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento e opinião pública geral. www.coerencia.pt Se pensa em imprimir este documento faço-o em papel reciclado ou certificado! 2 A UE E OS RECURSOS NATURAIS EM ÁFRICA: EXPLORAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO? CPD BRIEF :: Instituto Marquês de Valle Flôr A UE E OS RECURSOS NATURAIS EM ÁFRICA: EXPLORAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO? Em muitos países africanos, as notícias de descoberta de novas reservas de minerais, petróleo e gás sucedem-se. O continente detém atualmente 30% das reservas mundiais de minérios, mas relativamente a alguns recursos em particular essa taxa é bastante superior: por exemplo, a África do Sul produz 77% da platina no Mundo e a República Democrática do Congo mais de metade (53%) do coltan, um minério essencial para a eletrónica e o fabrico de telemóveis. Estes recursos têm atraído fluxos crescentes de financiamento, nomeadamente Investimento Direto Estrangeiro (IDE) e outros fluxos privados externos, os quais ultrapassaram no seu conjunto, desde 2009, os montantes de Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) em África. A principal questão continua a ser, no entanto, quem beneficia destes investimentos e do crescimento que os países ricos em recursos naturais têm registado, uma vez que tendem a contribuir de forma muito limitada para a criação local de emprego ou para a transformação das economias. Quando mal geridos ou aproveitados, a riqueza em recursos naturais pode mesmo traduzir-se num aumento da corrupção, no reforço de práticas governativas abusivas ou mesmo no agravamento de conflitos violentos, como várias organizações e estudos têm comprovado. O Africa Progress Report 2013 dedica-se à equidade nas indústrias extrativas, documentando práticas nocivas das empresas multinacionais no continente africano. A gestão dos recursos naturais é, assim, um dos principais desafios para os países africanos, numa altura em que podem ser também uma oportunidade. A transformação das economias africanas pode não passar por uma industrialização que ignora as matérias-primas mas sim por estratégias que aproveitem esses recursos para acrescentar valor, para gerar novos serviços e capacidades tecnológicas VIDEO AQUI 3 A UE E OS RECURSOS NATURAIS EM ÁFRICA: EXPLORAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO? Tal só será possível, contudo, com um planeamento do desenvolvimento e com políticas industriais adequadas em cada um dos países, como demonstra o Relatório de 2013 da Comissão Económica para África das Nações Unidas (UNECA). Os líderes africanos aprovaram, em dezembro de 2011, o Plano de Ação para implementação da “Visão Africana para o Sector Mineiro” (adotada em 2009 pela União Africana), na qual se estabelecem medidas concretas para transitar de um modelo de exploração extrativa dos recursos naturais para um desenvolvimento mais amplo e inclusivo. Este plano de ação é cada vez mais relevante como guia para uma abordagem mais sustentável, sendo complementado por um leque de iniciativas internacionais de regulação – como a Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas (EITI, na sigla inglesa). No entanto, estes padrões internacionais de atuação, as iniciativas de responsabilização social ou a assinatura de planos de ação orientadores continuam a ter resultados pouco concretos em termos de implementação real. Para isso muito contribui a fragilidade das instituições e do Estado nos países mais pobres, mas também a atuação dos parceiros internacionais, que continuam a privilegiar uma visão de lucros e financiamentos de curto-prazo, encarando o continente africano mais na ótica do comércio e da extração de recursos, em detrimento de uma estratégia mais alargada de reforço das capacidades ou de investimento no longo-prazo. O QUE É A INICIATIVA PARA A TRANSPARÊNCIA DAS INDUSTRIAS EXTRATIVAS? A Iniciativa para a Transparência nas Indústrias Extrativas (ITIE) é uma iniciativa multilateral constituída por governos, empresas, grupos da sociedade civil, investidores e organizações internacionais. A ITIE tem por objetivo consolidar a governação aumentando a transparência e a responsabilização no sector extrativo. Trata-se de uma iniciativa voluntária que foi implementada pelos países cujos governos a subscreveram. 4 FAZER COM QUE OS RECURSOS BENEFICIEM AS PESSOAS Clique na imagem A UE E OS RECURSOS NATURAIS EM ÁFRICA: EXPLORAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO? A União Europeia (UE) e os seus Estados-membros estão cada vez mais preocupados em assegurarem o acesso das empresas europeias às matérias-primas. Com efeito, a UE depende de países terceiros em muitos destes recursos, representando 23% das importações globais de recursos naturais. A taxa de dependência da UE relativamente ao exterior é muito elevada em relação a certos minérios, como é o caso do crómio (46%), minério de cobre (54%), ou bauxite (95%) e atingindo mesmo os 100% relativamente ao cobalto, platina e titânio. A procura crescente por parte da China e da Índia motivou a adoção da Iniciativa das Matérias-Primas (UE, 2008), tendo a análise da sua implementação sido recentemente publicada. A abordagem desta iniciativa centra-se no aumento do acesso europeu a matérias-primas noutras partes do mundo, com pouca preocupação relativamente aos impactos que estes objetivos têm no desenvolvimento dos países que são exportadores desses recursos. A estratégia da UE parece ser a de aumentar a segurança no fornecimento de matérias-primas por parte de países terceiros através de acordos multilaterais de comércio na Organização Mundial do Comércio (OMC) e de acordos bilaterais, como os Acordos de Parceria Económica, que têm sido celebrados ou estão em negociação com países e regiões da África, Caraíbas e Pacífico (ACP). O objetivo é o de utilizar estes acordos para remover obstáculos – como restrições à exportação ou limites de investimento – que prejudicam o acesso europeu a estes recursos naturais. No entanto, para muitos países africanos, as taxas de exportação são dos poucos instrumentos de política comercial que lhes permite não só ter receitas mas acrescentar valor em termos locais. A introdução de cláusulas sobre investimento, como a UE tem proposto, também tem gerado preocupações, uma vez que pode limitar a capacidade dos países africanos fomentarem o sector privado local e protegerem os investimentos que tenham impactos reais no desenvolvimento. INICIATIVA SOBRE MATÉRIAS-PRIMAS A Comissão Europeia concebeu uma estratégia sobre matérias-primas, designada Iniciativa “Matérias-primas” – atender às necessidades críticas para assegurar o crescimento e o emprego na Europa. Esta estratégia é injusta no que compete aos interesses dos Países em Desenvolvimento já que pode encurralar estes Países, ricos em recursos naturais, numa situação de obrigatoriedade de continuar a ser exportadores líquidos de matérias-primas, em vez de lhes ser dada a oportunidade de desenvolver as suas próprias indústrias a jusante e evoluir na cadeia de valor. Este efeito colide abertamente com as obrigações impostas pela UE: as políticas europeias devem levar em linha de conta questões relacionadas com o desenvolvimento, não minando os objetivos a este nível. Leia o estudo de caso aqui 5 A UE E OS RECURSOS NATURAIS EM ÁFRICA: EXPLORAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO? Estas estratégias afastam-se claramente do que é o princípio da coerência das políticas para o desenvolvimento, na medida em que podem ter impactos negativos nos países em desenvolvimento. Várias organizações da sociedade civil têm denunciado estas práticas, apelando a que a União Europeia tenha uma posição forte no apoio às questões da boa governação e da transparência na gestão dos recursos naturais. Tal exige uma atuação robusta na luta contra as fugas fiscais, contra a especulação e outras práticas nocivas das multinacionais e contra a violação de padrões sociais e ambientais mínimos na exploração dos recursos naturais. Seria também útil que existisse uma obrigação legal de avaliar os riscos de financiar conflitos ou promover abusos de direitos humanos indiretamente através da exploração dos recursos naturais (tanto para empresas como para Estados), bem como uma regulação europeia refletisse os principais compromissos internacionais nesta matéria (como as orientações da OCDE e da ONU sobre a ligação entre interesses empresariais e os Direitos Humanos). O PAPEL DO PARLAMENTO EUROPEU Em junho de 2013, o Parlamento Europeu aprovou uma nova lei sobre a sobre a transparência na controversa indústria extrativa. “A fim de reforçar a transparência dos pagamentos efetuados às administrações públicas, os emitentes cujos valores mobiliários estejam admitidos à negociação num mercado regulamentado e que desenvolvem atividades nas indústrias extrativas ou na exploração de floresta primária deverão divulgar, num relatório anual separado, os pagamentos efetuados às administrações públicas dos países em que operam. Esse relatório deverá incluir tipos de pagamentos comparáveis aos divulgados no âmbito da Iniciativa para a Transparência das Indústrias Extrativas (ITIE). A divulgação dos pagamentos efetuados às administrações públicas deverá por à disposição da sociedade civil e dos investigadores informações que lhes permitam pedir contas às administrações públicas dos países ricos em recursos sobre as receitas da exploração dos recursos naturais. “ A nova lei que, só irá entrar em vigor em finais de 2015, obriga as empresas de petróleo, gás, mineração e extração de madeira a publicar o quanto pagam aos governos estrangeiros para explorar esses recursos, com o objetivo de impedir a corrupção no setor. 6 A UE E OS RECURSOS NATURAIS EM ÁFRICA: EXPLORAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO? SABER MAIS Breaking the links between natural resources and conflict: The case for EU regulation A civil society position paper, 09/2013 The New Resource Grab: How EU Trade Policy on Raw Materials is Undermining Development Traidcraft Exchange, Oxfam Germany, WEED, AITEC, Comhlámh, 11/2010 The EU Raw Materials Initiative and Effects upon Resource-Based Development: Lessons from Africa Karin Küblböck, OFSE, Policy Note 08/2013 EPAs and the European Raw Materials Initiative Thomas Lazzeri, Africa Europe Faith and Justice Network Global Witness Reports Action Plan for Implementing the Africa Mining Vision. Building a sustainable future for Africa’s extractive industry: From vision to action African Union, AfDB, UNECA, Addis Abeba, 2011. On the implementation of the Raw Materials Initiative European Commission, June 2013 Guiding Principles on Business and Human Rights: Implementing the United Nations ‘Protect, Respect and Remedy’ Framework Human Rights Council, United Nations, 2011 OECD Due Diligence Guidance for Responsible supply Chains of Minerals from Conflict-Affected and High-Risk Areas OCDE, 2013 CRÉDITOS Fotos: Fundação Evert Vermeer THE EU RAW MATERIALS POLICY AND MINING IN RWANDA Policy Coherence for Development in practice http://www.fairpolitics.nl/doc/Impact%20Study%20FINAL.pdf 7 A UE E OS RECURSOS NATURAIS EM ÁFRICA: EXPLORAÇÃO OU DESENVOLVIMENTO?