Memorial da Resistência de São Paulo PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA Colégio Estadual Canadá Endereço: Rua Mato Grosso, 163 Boqueirão, Santos, SP. Classificação: Espaço Estudantil. Identificação numérica: 102-09.011. A cidade de Santos, sobretudo após o golpe civil-militar de 1964, passou por constante vigilância dos setores da repressão, devido ao seu histórico de lutas advindas das classes trabalhadoras; recebendo a alcunha de “Cidade Vermelha” em alusão aos ideais comunistas de muitos munícipes e às diversas formas de resistência ao golpe militar implantado. Os diversos sindicatos da região tiveram um protagonismo na resistência à ditadura, tendo como ponto central o porto. As greves foram as principais armas de resistência contra a opressão imposta pelo regime de exceção. “Santos era, portanto, uma cidade politicamente radical, cujos trabalhadores estariam inclinados a abraçar ideologias e políticas de agressivo combate ao capitalismo” (SILVA, 1995, 42). Isso viabilizou os constantes ataques e as ações violentas e repressivas contra os setores da esquerda, ali presentes. Outros grupos da sociedade civil também se manifestaram e resistiram contra a ditadura, nas escolas, os grêmios tiveram um papel fundamental na conscientização política e na promoção de atos contra o golpe militar. Nesse contexto, o Colégio Canadá foi palco de discussões políticas e atividades culturais promovidas pelos alunos contra a ditadura. 1 O COLÉGIO ESTADUAL CANADÁ Com a carência de ginásios públicos no Estado de São Paulo, que até a década de 1930 dispunha de apenas três (o Ginásio da capital criado em 1824, o de Campinas em 1896 e o de Ribeirão Preto em 1906), o acesso ao ensino ginasial era reduzido. Para solucionar o problema, o Governo do Estado firmou convênio com os municípios, para a construção dos edifícios escolares destinados aos cursos secundários (...). Em Santos, o Ginásio do Estado foi instalado com a finalidade de servir toda a região litorânea paulista. Foi criado em 11 de agosto de 1934, junto com os ginásios oficiais de Franca, Jabocatibal, Tietê e Bauru. De acordo com o decreto de sua criação, a Prefeitura de Santos faria ao Governo do Estado a doação do prédio, das instalações e do material didático, bem como as despesas do estabelecimento1 O terreno onde foi construído o colégio foi doado à prefeitura de Santos pela Companhia The City Improvement Company Limited of Santos, empresa canadense de serviços. Em agradecimento, o instituto criado recebeu o nome do país de origem da companhia, Canadá. Os primeiros cursos do Colégio Estadual Canadá foram destinados à Formação de Professor Primário (conhecido como Normal) e o Curso Primário. Somente em 1957, após solicitações ao governador do Estado para a construção de um novo prédio da escola dada a crescente demanda, o colégio foi transformado em Instituto de Educação Canadá. No início dos anos 60, a escola contava com 14 salas de aula, comportando, nas duas classes menores, 20 alunos, e nas demais, em média, 40 a 50 alunos. Além dessas salas, a escola Canadá dispunha de auditório, biblioteca, sala de desenho e laboratório. O auditório possuía palco fixo e pé direito de outro metros, com 213 poltronas distribuídas em dois pisos, onde eram realizadas as manifestações culturais dos alunos e do Grêmio Estudantil Vicente de Carvalho. A biblioteca contava com acomodações para 40 alunos e aproximadamente 10 mil volumes, acervo formado com doações de vários governos, inclusive estrangeiros, e entidades governamentais do Estado. A sala de desenho continha 50 mesas individuais com dispositivos que permitiam regular a altura de cada mesa e todos os materiais necessários como réguas, esquadros e compassos. O laboratório funcionava numa sala multidisciplinar, e ali os professores ministravam aulas de Ciências, Física, Química e História Natural. EVANGELIDIS, José Esteves. O Colégio Canadá nos arquivos do DEOPS/SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Católica de Santos: Santos, 2011, p.37. 1 2 Existiam ainda duas salas de artes femininas e uma masculina, gabinete dentário, grêmio, sala de orientação educacional, diretoria do primário, diretoria geral, secretaria, portaria, sala dos professores, cantina, pátios, residência do zelador e ginásio de esportes2 Imagem 01: Colégio Estadual Canadá EM São Vicente (SP) em 1996. Foto: Poliantéia Santista, Fernando Martins Lichti. Fonte: Portal Novo Milênio. A intensa procura por vagas no Instituto aumentou a necessidade de uma ampliação no espaço educacional, que aconteceu em 1962. Evangelidis afirma que a partir de então, o colégio passou a funcionar com “33 salas de aula, que comportavam 4.555 alunos. Sendo considerado um dos maiores do Estado, com 112 classes em funcionamento, e mais de uma centena e meia de funcionários”3. VIGILÂNCIA E REPRESSÃO NO COLÉGIO CANADÁ No contexto social de luta contra a ditadura, alguns professores e alunos do Colégio Canadá demonstraram uma insatisfação com o golpe militar. Por se tratar de um colégio tradicional, os militares se preocuparam com a disseminação de propagandas contra o regime dentro do espaço escolar. Deste modo, as atividades 2 3 EVANGELIDIS, José Esteves, op. cit., p.41-42. Ibidem, p.41. 3 desenvolvidas pelos professores e alunos passaram a ser acompanhadas por agentes da repressão. E a vigilância passou a fazer parte do cenário cotidiano da escola. Imagem 02: Alunos do curso noturno Clássico (ensino médio), no colégio Canadá, em 1964, com o professor de História, Avelino da Paz Vieira. Foto: Hilda Prado Araújo. Fonte: Portal Novo Milênio. A documentação produzida, resultante dessa perseguição política, sobretudo pelos agentes da Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo, atesta à intensa vigilância as atividades dentro da unidade escolar. As ações do diretor do colégio e do presidente do Grêmio Estudantil foram reportadas nas investigações dos agentes do DEOPS como de caráter subversivo. Atualmente sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo, a documentação produzida, oriunda da vigilância no Colégio Canadá, tem sido analisada por pesquisadores como José Esteves Evagelidis, na intenção de conhecer as atividades de resistência do referido educandário e a repressão política sofrida4. A pesquisa entre abril de 2010 e maio de 2011, encontrou 27 documentos sobre o Colégio Canadá e o Grêmio Estudantil Vicente de Carvalho, datados entre os anos de 1966 e 1978. Tratam de variados assuntos, como relatórios sobre eleições no Grêmio e peças 4 Para maiores informações sobre a pesquisa citada, sugere-se consultar a dissertação EVANGELIDIS, José Esteves, op. cit. 4 encenadas no anfiteatro da escola, além de sindicâncias sobre atividades supostamente subversivas de alunos5. O Grêmio Estudantil Vicente de Carvalho produziu algumas atividades culturais, entre elas o teatro. Alunos ligados ao grêmio decidiram produzir e encenar a peça: “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes. A peça possui um forte teor crítico, abordando uma história em que a liberdade de pensamento e sua expressão eram duramente reprimidas. Por fazer uma clara referência ao estado de exceção instaurado no país, após 1964, a obra teatral foi censurada. A tentativa de encenar essa peça no espaço escolar do Colégio Canadá foi cerceada com a desaprovação do Departamento Federal de Segurança Pública. Na pesquisa realizada por Evangelidis6 é apresentado um documento sobre a censura realizada pelos militares. Não, foi encenada ontem, a peça denominada ‘O Santo Inquerito’, que deveria ser levada a efeito no Canaã Clube, sito à Av. Conselheiro Nébias, 254, sob a direção de Antônio Carlos Morozzeti e dos atores, Cidinha Iamundo, Fernando Marinho, Mario Miranda, Tabajara Campos, Tico Simões, Edward Senne, todos pertencentes ao Grêmio Estudantil Vicente de Carvalho, do Colégio Canadá7. Outras atividades propostas pelo Grêmio Estudantil sofreram censuras, e seus integrantes tiveram que ir “prestar declarações na Sindicância Sumária” que apurava “possíveis atividades subversivas no Instituto Educacional Canadá”, conforme pode ser observado no documento nº 50-Z-81-14080 do acervo DEOPS. Outros casos de perseguição a alunos e professores foram registrados pelos agentes do DEOPS resultante da vigilância no Colégio Canadá. Lugar de resistência à ditadura, mas também de repressão militar, o Colégio congrega muitas histórias sobre o período militar em Santos. A necessidade de conhecer e registrar essas memórias são fundamentais para a preservação da história do período ditatorial. PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL: O TOMBAMENTO DO COLÉGIO CANADÁ No ano de 2007, o edifício principal da “Escola Estadual Canadá”, acervo documental compreendido por prontuários de alunos e de professores de aproximadamente 1937 a 2007, livros de matrículas de alunos de 1937 a 2007, diários de classe, livro ponto de professores, mapas de movimentação de professores e 5 EVANGELIDIS, José Esteves, op. cit., p.62. Ibidem, p.66. 7 Arquivo Público do Estado de São Paulo. Dossiê nº 50-Z-81-13372. Relatório Reservado nº 301 de 16 de agosto de 1968. 6 5 funcionários, ofícios, relatórios e as plantas da Escola Cesário Bastos, primeira sede da Escola Estadual Canadá, situado à Rua Mato Grosso n.º 163, Boqueirão, foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos - CONDEPASA. O registro se deu no Livro Tombo 01, inscrição 43, Proc. 64057/2005-42, Resolução SC-03/2007 de 12/11/20078. A importância patrimonial do lugar está para além dos valores arquitetônicos do prédio do Colégio Canadá, as memórias do que por ali passaram congrega uma teia de histórias que se cruza com a história da cidade, e até mesmo da região. Preservar essas memórias e registrar essas histórias é reconhecer a importância da democracia e dos que por ela resistiram. ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES Em junho de 2014 o Colégio Canadá completou 80 anos de existência, por esta ocasião foi realizada uma solenidade de comemoração reunindo ex-alunos, autoridades públicas e membros da sociedade civil. ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA GONGOLA, Felipe. Homenagem aos 80 anos do Colégio Canadá, em Santos. Produzida por Santa Cecília Comunicação. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KfBjoZenUCM>. Acesso em 05/11/2014. Reportagem do Jornal Tribuna, 1ª edição – Exibido em 30/08/2014. Colégio em Santos, SP, completa 80 anos de existência. Disponível em: http://globotv.globo.com/tv-tribuna/jornal-tribuna-1a-edicao/v/colegio-em-santos-spcompleta-80-anos-de-existencia/3597656/, acessado em 05/11/2014. REMISSIVAS: Deops/SP; Palácio da Polícia - 6ª Delegacia do Interior. REFERÊNCIAS CORREA, Evani M. B. A. Memórias da Escola Canadá: participação estudantil nas décadas de 1950 e 1960. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Católica de Santos: Santos, 2007. Para acesso ao decreto de tombamento do CONDEPASA, acessar o Diário Oficial de Santos, Ano XIX, 14 de novembro de 2007, nº 4561. Disponível em: <https://www.egov1.santos.sp.gov.br/do/0508/2007/do14112007.pdf>. Acesso em 05/11/2014. 8 6 EVANGELIDIS, José Esteves. O Colégio Canadá nos arquivos do DEOPS/SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Católica de Santos: Santos, 2011. MEIRELLES, A. L. Colégio Canadá: memória dos professores na voz dos alunos (1934-1962). Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Católica de Santos: Santos, 2009. SILVA, Fernando Teixeira da. A carga e a culpa. Os operários das docas de Santos: direitos e cultura da solidariedade, 1937 – 1968. São Paulo: Hucitec; Prefeitura Municipal de Santos, 1995. COMO CITAR ESTE DOCUMENTO: Programa Lugares da Memória. Colégio Estadual Canadá. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2014. 7