UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS MESTRADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-Helicobacter pylori E CITOTÓXICA in vitro DE EXTRATOS ORGÂNICOS OBTIDOS DAS FOLHAS DE Encholirium spectabile E Syzygium cumini. GABRIELA MEDEIROS ARAÚJO NATAL/RN Março de 2014 GABRIELA MEDEIROS ARAÚJO AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTI-Helicobacter pylori E CITOTÓXICA in vitro DE EXTRATOS ORGÂNICOS OBTIDOS DAS FOLHAS DE Encholirium spectabile E Syzygium cumini. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Ciências Biológicas. Orientador: Professor Doutor José Veríssimo Fernandes Coorientadora: Professora Doutora Vânia Sousa Andrade 2014 NATAL – RN Catalogação da Publicação na Fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Araújo, Gabriela Medeiros. Avaliação da atividade anti-Helicobacter pylori e citotóxica in vitro de extratos orgânicos obtidos das folhas de Encholirium spectabile E Syzygium cumini / Gabriela Medeiros Araújo. - Natal, 2014. 78f: il. Coorientadora: Profa. Dra. Vânia Sousa Andrade. Orientador: Prof. Dr. José Veríssimo Fernandes. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas. 1. Atividade antimicrobiana - Dissertação. 2. Citotoxicidade in vitro Dissertação. 3. Helicobacter pylori - Dissertação. I. Andrade, Vânia Sousa. II. Fernandes, José Veríssimo. III. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. IV. Título. RN/UF/BSE01 CDU 579.84 Dedico este trabalho a: Meus pais, Edjane Araújo e Jacó Araújo (In memoriam) Meu companheiro, Ruy Lima. Meus tesouros. “Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota”. Madre Teresa de Calcutá Agradeço: A Deus, por acompanhar e iluminar minha vida, inclusive a acadêmica, sempre fortalecendo o que há de melhor em mim; Ao Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas (PPgCB) da UFRN pelo suporte oferecido durante a realização do mestrado; À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de mestrado; À Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Norte (FAPERN), pelo financiamento deste projeto; À UFRN e aos professores do PPgCB, Eliza Freire, Gilberto Corso, Hugo Rocha, Jomar Jardim, Josélio Araújo, José Veríssimo Fernandes, Maria Celeste de melo, Renato Motta, Umberto Fulco e Vanessa Rachetti. À secretária do PPgCB, Louise da Mata, pelo suporte oferecido ao longo desse período; À professora Vânia Sousa Andrade, pelo acolhimento, ensinamentos, conselhos e confiança depositados em mim ao longo desses quatro anos de parceria em pesquisa, minha “mãe científica”; Ao professor José Veríssimo Fernandes, pela orientação neste mestrado, estando à disposição para ajudar sempre que necessário e pelas contribuições durante a correção da dissertação; Às professoras Manuela Carvalho e Vanessa Rachetti, por terem aceitado o convite como membros da banca de minha qualificação e pelas correções apontadas; Às professoras Natália Saraiva e Vanessa Rachetti, por aceitarem compor minha banca de defesa e pelas sugestões propostas para a melhoria do trabalho; A todos os “colegas-amigos” do Laboratório de Micologia Médica e Ambiental (LAMEA), Raíza Guerra, Luíza Xavier, Élita Morais, Diego Rebouças, Leandro Dantas, Jéssica Campos e Nayara Martins, pela amizade, bons momentos e por me ajudarem em todas as etapas da execução dos ensaios aqui apresentados, além de tornarem meu mestrado mais extrovertido e animado. À professora Renata Mendonça, pela supervisão e auxílio nas etapas de obtenção dos extratos e a todos os componentes do LISCO (Laboratório de Isolamento e Síntese de Compostos Orgânicos), Anne Natália, Deusielly Avelar, Gizely Cavalcante, Jéssica Santana, Marcela Pontes, Nara Frutuoso, Rusceli Diego, Sheeza Duarte, Taiannie Soriano e Vanessa Araújo pela ajuda durante o processo de extração; Ao professor Kleber Farias pela colaboração nesse projeto ao realizar o teste de citotoxicidade; A todos os funcionários do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFRN; Aos colegas de mestrado, Alessandra, Aline, Daniel, Diego, Jaqueline, João Gabriel, José Hilário, Larissa, Marana, Marcos, Marília, Michael, Miguel, Raliny, Sara e Thiago, pelos bons momentos. A Hélio dos Anjos, pela ajuda na coleta do material vegetal; Aos membros da Coleção de Cultura de Campylobacter da FIOCRUZ, Sheila Duque, Ana Luzia Filgueiras, Wagner Esteves, Gabriella Carneiro e Jacqueline Thomé, pelo treinamento realizado; Aos meus pais, Edjane e Jacó (In memoriam), pela educação recebida, pela construção do meu caráter e pelo apoio incondicional em todas as etapas da minha vida; Ao meu companheiro, Ruy Lima, por todo suporte, amor e compreensão ao longo dessa etapa; A todos que colaboraram, direta ou indiretamente, com este trabalho, minha sincera gratidão! RESUMO A Helicobacter pylori é uma bactéria espiralada, Gram negativa, móvel e microaeróbia reconhecida como uma das principais causas de gastrite, úlcera, câncer gástrico e do linfoma de células B de baixo grau de tecido linfoide associado à mucosa (MALT), se constituindo um microrganismo em destaque na área da microbiologia médica. Sua importância se deve à dificuldade de tratamento, devido à necessidade do uso concomitante de vários medicamentos além do crescente surgimento de cepas resistentes e multirresistentes aos antibióticos empregados na clínica. Com o intuito de ampliar a gama de opções terapêuticas eficazes e seguras, ultimamente, vem sendo intensificados estudos químicos sobre plantas medicinais, seja através da obtenção de extratos, frações, compostos isolados ou óleos essenciais que apresentem algum tipo de atividade biológica. Diante do exposto, objetivouse avaliar a atividade inibitória de extratos vegetais oriundos do Syzygium cumini e Encholirium spectabile, plantas com histórico de ação antiúlceras, e do óleo essencial obtido do S. cumini frente a H. pylori (ATCC 43504) utilizando a técnica de difusão em disco, para avaliação qualitativa, e a determinação da concentração inibitória mínima (CIM), através da técnica de microdiluição em caldo, para análise quantitativa. Também foi avaliada a toxicidade in vitro dos extratos a partir de ensaio hemolítico, utilizando eritrócitos de carneiro, e em cultura de células HeLa e VERO, pelo ensaio colorimétrico de viabilidade celular utilizando o MTT. Os extratos de ambos vegetais empregados nos ensaios antimicrobianos não inibiram o crescimento bacteriano, em contrapartida o óleo essencial do S. cumini (SCFO) mostrouse eficaz, exibindo CIM de 205 μg/mL (diluição equivalente a 0,024% do óleo bruto). Quanto ao ensaio hemolítico, o mesmo óleo ainda exibiu toxicidade intermediária ao promover 25% de hemólise a 1000 μg/mL. Em relação à citotoxicidade em cultura de células, o SCFO, a 260 μg/mL, comprometeu a viabilidade celular de cerca de 80% das células HeLa e 50% das células VERO. Portanto o óleo obtido das folhas do S. cumini apresenta potencial antibacteriano frente a H. pylori e potencial citotóxico, sugerindose uma fonte de novas moléculas candidatas a fármacos, desde que novas etapas de toxicidade in vitro e in vivo assim como caracterização química sejam avaliadas. Além disso, o desenvolvimento de um sistema de liberação de fármacos pode resultar em um protótipo a ser utilizado em testes préclínicos. Palavraschave: Atividade antimicrobiana. Citotoxicidade in vitro. Encholirium spectabile. Helicobacter pylori. Óleo essencial. Syzygium cumini. ABSTRACT Helicobacter pylori is a spiral, Gram negative, mobile, and microaerophilic bacteria recognized as a major cause of gastritis, ulcer, gastric cancer, and gastric low grade, Bcell, mucosa–associated lymphoid tissue (MALT) lymphoma, constituting an important microorganism in medical microbiology. Its importance comes from the difficulty of treatment because the requirement of multiple drugs use, besides the increasing emergence of resistant and multiresistant strains to antibiotics used in the clinic. In order to expand safe and effective therapeutic options, chemical studies on medicinal plants by obtaining extracts, fractions, isolated compounds or essential oils with some biological activity has been intensified. Given the above, the objective was to evaluate the inhibitory activity of organic extracts derived from Syzygium cumini and Encholirium spectabile, with antiulcer history, and the essential oil, obtained from S. cumini, against H. pylori (ATCC 43504) by the disk diffusion method, for qualitative evaluation, and determination of minimum inhibitory concentration (MIC) using the broth microdilution method, for quantitative analysis. Also was evaluated the extracts in vitro toxicity by a hemolytic assay using sheep red blood cells, and VERO and HeLa cells using the MTT assay to analyze cell viability. The extracts of both plant used in antimicrobial assays did not inhibit bacterial growth, however the essential oil of S. cumini (SCFO) proved effective, showing MIC value of 205 μg/mL (0.024 % dilution of the original oil). In the hemolytic assay, the same oil shows moderate toxicity, by promote 25% hemolysis at 1000 μg/mL. Regarding the cytotoxicity in cell culture, the SCFO, at 260 μg/mL, affected the cell viability around 80% of HeLa and 50% of VERO cells. So the oil obtained from S. cumini leaves has antimicrobial activity against H. pylori and cytotoxicity potential, suggesting a source of new molecule drug candidates, since new stages of toxicity in vitro and in vivo, as well, chemical characterization be evaluated. Moreover, the development of a prospective drug delivery system can result in a prototype to be used in preclinical tests. Keywords: Antimicrobial activity. Encholirium Helicobacter pylori. in vitro cytotoxicity. Syzygium cumini. spectabile. Essential oil. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ................................................................................................. 11 LISTA DE TABELAS ................................................................................................ 12 LISTA DE SIGLAS .................................................................................................... 13 1. REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................. 15 1.1. Helicobacter pylori ..................................................................................... 15 1.1.1. BREVE HISTÓRICO.............................................................................. 15 1.1.2. CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS E FISIOLÓGICAS ................. 16 1.1.3. PATOGÊNESE ...................................................................................... 17 1.1.4. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS ........................................................ 19 1.1.5. DESENVOLVIMENTO DE DOENÇAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO ... 21 1.1.6. DIAGNÓSTICO DE ROTINA E LABORATORIAL ................................. 24 1.1.7. TRATAMENTO E RESISTÊNCIA .......................................................... 25 1.1.8. EFEITOS COLATERAIS E REFRATARIEDADE ................................... 28 1.2. Terapêutica alternativa .............................................................................. 29 1.2.1. PRODUTOS DE ORIGEM NATURAL ................................................... 29 1.2.2. PLANTAS MEDICINAIS ........................................................................ 31 1.2.3. ÓLEOS ESSENCIAIS ............................................................................ 33 1.3. Syzygium cumini ........................................................................................ 34 1.3.1. ASPECTOS FARMACOBOTÂNICOS ...................................................... 34 1.4. Encholirium spectabile .............................................................................. 36 1.4.1. ASPECTOS FARMACOBOTÂNICOS ...................................................... 36 2. JUSTIFICATIVA ................................................................................................. 38 3. OBJETIVOS ....................................................................................................... 39 3.1. Objetivo geral ............................................................................................. 39 3.2. Objetivos específicos ................................................................................ 39 4. MATERIAIS E MÉTODOS.................................................................................. 40 4.1. Material vegetal .......................................................................................... 40 4.1.1. Syzygium cumini .................................................................................... 40 4.1.1.1. Obtenção dos extratos orgânicos por maceração estática ............. 40 4.1.1.2. Partição do extrato etanólico ........................................................... 41 4.1.1.3. Obtenção do óleo essencial ............................................................ 41 4.1.1.4. Obtenção do extrato aquoso por decocção .................................... 41 4.1.2. 4.2. Encholirium spectabile ........................................................................... 42 4.1.2.1. Obtenção dos extratos orgânicos por maceração estática ............. 42 4.1.2.2. Obtenção dos extratos orgânicos em Soxhlet ................................. 42 Microrganismo e meio de cultura ............................................................. 43 4.2.1. TESTE DE DIFUSÃO EM DISCO.......................................................... 43 4.2.2. CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA (CIM)..................................... 45 4.3. Ensaio hemolítico....................................................................................... 47 4.4. Citotoxicidade em cultura de células ....................................................... 48 5. RESULTADOS ................................................................................................... 50 5.1. Rendimento dos extratos e óleo essencial .............................................. 50 5.2. Avaliação anti-Helicobacter pylori dos extratos e óleo essencial ......... 50 5.3. Atividade hemolítica do óleo essencial do S. cumini ............................. 53 5.4. Atividade citotóxica in vitro do óleo essencial do S. cumini ................. 54 6. DISCUSSÃO ...................................................................................................... 56 7. CONCLUSÕES .................................................................................................. 66 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 67 11 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Micrografia eletrônica de varredura da bactéria H. pylori (laranja) no epitélio gástrico, aumento de 5000x (Fonte: Steve Gschmeissner Science Photo Library). ..................................................................................................................... 16 Figura 2. Formação da úlcera gástrica a partir da infecção pela H. pylori. Passagem pela camada de muco, destruição das células epiteliais, migração leucocitária e desenvolvimento de úlcera (Fonte: Somerville, Custom Medical Stock – Science Photo Library). ........................................................................................................... 22 Figura 3. Endoscopia evidenciando: a) parede inflamada do estômago devido a gastrite causada pela H. pylori e b) úlcera gástrica sangrando e adenocarcinoma (ao centro), amostra positiva para H. pylori (Fonte: GASTROLAB / Science Photo Library). ..................................................................................................................... 23 Figura 4. Elementos básicos do metabolismo primário em relação ao metabolismo secundário de plantas (Fonte: Adaptado de García; Carril, 2009). ........................... 30 Figura 5. Syzygium cumini. a) Exemplar localizado no campus central da UFRN; b) Folhas, flores e frutos imaturos e maduros; c) Flores e d) Fruto maduro (Fonte: Arquivo próprio). ........................................................................................................ 35 Figura 6. Encholirium spectabile. a) Exemplar localizado em área rural no município de São José do Seridó/RN; b) Folha; c) Inflorescência seca (Fonte: Arquivo próprio. .................................................................................................................................. 36 Figura 7. Representação da distribuição das diluições, em porcentagem, realizadas na microdiluição em caldo em placa de 96 poços. .................................................... 46 Figura 8. Redução do cloreto de 2,3,5trifeniltetrazólio ao formazam (Adaptado de Opwis et al., 2012). ................................................................................................... 46 Figura 9. Representação da distribuição das concentrações, em μg/mL, na microdiluição em caldo para o óleo essencial do S. cumini. ..................................... 47 Figura 10. Halo inibitório do SCFO, a 25, 50 e 100%, frente o crescimento da H. pylori. ......................................................................................................................... 52 Figura 11. CIM do SCFO (delimitado pelo retângulo vermelho) frente o crescimento da H. pylori pela técnica de microdiluição em caldo. ................................................. 53 Figura 12. Percentual de hemólise induzida por diferentes concentrações do óleo essencial extraído das folhas do S. cumini (SCFO). ................................................. 54 Figura 13. Percentual de viabilidade de células HeLa tratadas com diferentes concentrações do SCFO. .......................................................................................... 55 Figura 14. Percentual de viabilidade de células VERO tratadas com diferentes concentrações do SCFO. .......................................................................................... 55 Figura 15. Principais fatores que podem influenciar o acúmulo de metabólitos secundários em plantas (Fonte: GobboNeto e Lopes, 2007). .................................. 58 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Prováveis mecanismos antimicrobianos dos principais grupos químicos orgânicos extraídos de vegetais. ............................................................................... 33 Tabela 2. Concentração, em mg/mL, dos extratos das folhas do S. cumini nos discos utilizados no teste de difusão em disco e seus respectivos solventes. ..................... 44 Tabela 3. Concentração, em mg/mL, dos extratos das folhas da E. spectabile nos discos utilizados no teste de difusão em disco e seus respectivos solventes. .......... 45 Tabela 4. Rendimento dos extratos do S. cumini e E. spectabile. ............................ 51 Tabela 5. Média dos halos de inibição (mm) do crescimento da H. pylori frente os extratos vegetais do E. spectabile. ............................................................................ 51 Tabela 6. Média dos halos de inibição (mm) do crescimento da H. pylori frente os extratos orgânicos e óleo essencial do S. cumini pelo teste de difusão em disco e CIM. ........................................................................................................................... 52 Tabela 7. Avaliação da toxicidade (%) do óleo essencial obtido do S. cumini pelo teste de hemólise. ..................................................................................................... 54 Tabela 8. Viabilidade (%) de células HeLa e VERO tratadas com diferentes concentrações do SCFO. .......................................................................................... 55 13 LISTA DE SIGLAS ATCC American Type Culture Collection BHI Brain heart infusion, caldo de infusão de coração e cérebro CC Controle crescimento CIM Concentração inibitória mínima CLSI Clinical and Laboratory Standart Institute CN Controle negativo CP Controle positivo CTT Cloreto de 2,3,5trifeniltetrazólio DMSO Dimetilsulfóxido ESFCq Encholirium spectabile folhas clorofórmio extração a quente ESFE/Af Encholirium spectabile folhas 50% etanol/ 50% água extração a frio ESFEf Encholirium spectabile folhas etanol extração a frio ESFHf Encholirium spectabile folhas hexano extração a frio ESFHq Encholirium spectabile folhas hexano extração a quente FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz IL1 Interleucina1 IL8 Interleucina8 INCQS Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde MALT Mucosa-associated lymphoid tissue MTT Brometo de 3(4,5dimetiltiazol2il)2,5difenil tetrazólio NA Não avaliado PBP Penicillin-binding proteins, proteínas ligantes de penicilinas PBS Phosphate buffered saline, tampão fosfato salino SCFAq Syzygium cumini folhas aquoso quente SCFE/AE Syzygium cumini folhas etanol fração acetato de etila SCFE/AQ Syzygium cumini folhas etanol fração aquosa SCFE/C Syzygium cumini folhas etanol fração clorofórmica SCFE/H Syzygium cumini folhas etanol fração hexânica SCFE Syzygium cumini folhas etanol SCFH/E Syzygium cumini folhas hexano aproveitadas com etanol SCFH Syzygium cumini folhas hexano 14 SCFO Syzygium cumini folhas óleo essencial TD1 Solução aquosa de Tween 80 a 1% e DMSO a 1% TNFα Fator de necrose tumoral alfa TSA Trypticase soy agar, agar triptona de soja TSB Trypticase soy broth, caldo triptona de soja 15 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 1. REFERENCIAL TEÓRICO 1.1. Helicobacter pylori 1.1.1. BREVE HISTÓRICO Relatos da ocorrência de uma bactéria na mucosa estomacal datam desde 1893, quando Bizzozero observou a presença de espiroquetas nas células parietais e glândulas gástricas de cachorros (DOENGES, 1938). Desde então, outros trabalhos relacionaram lesões gástricas com a presença de uma bactéria espiralada, até que em 1983, Warren e Marshall, pesquisadores australianos posteriormente ganhadores de Nobel de Medicina em 2005 (WEYDEN et al., 2005), reuniram 135 espécimes de biópsias gástricas com presença de bacilos curvos em formato de “S”. Marshall ainda observou que cerca de metade dos pacientes que realizaram os procedimentos de gastroscopia ou biópsia mostraram colonização bacteriana no estômago. Em novo trabalho, publicado em 1984, Marshall e Warren realizaram biópsia gástrica de pacientes que ao exame endoscópico e histopatológico apresentavam lesões ulcerativas, e conseguiram finalmente cultivar in vitro a bactéria inicialmente denominada Campylobacter pyloridis (MARSHALL; WARREN, 1984). A bactéria foi descrita como bacilos curvos ou espiralados, Gram negativos, com presença de flagelos unipolares, produtores das enzimas catalase, urease, produtores de sulfeto e microaerófilos (MARSHALL; WARREN, 1984). Após análises morfológicas ultraestruturais da bactéria, ficou evidenciado que a membrana da parede celular é regular, apresenta múltiplos flagelos, revestidos com bainha, os quais são dispostos em uma única extremidade, apresentam bulbo flagelar e quando agitados em caldo in vitro apresentam glicocálix em abundância. Todas as características citadas não correspondem àquelas ocorrentes no gênero Campylobacter. Além disso, a análise dos ácidos graxos, menaquinonas, características de crescimento in vitro, capacidade enzimática e sequenciamento do ácido ribonucleico da Campylobacter pylori levaram a uma nova proposta de gênero, Helicobacter, passando a ser nomeada de Helicobacter pylori (GOODWIN et al., 1989). 16 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 1.1.2. CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS E FISIOLÓGICAS A H. pylori apresentase como uma bactéria complexa devido às condições adversas que encontra para colonizar o hospedeiro. É descrita como uma espiroqueta ou bacilo curvo, Gram negativa (figura 1), que não oxida ou fermenta açúcares, sendo considerada microaeróbia (10% CO2, 5% O2, 85% N2), móvel, não esporulada e mesófila. Ainda reage positivamente aos testes de urease, catalase e peroxidase e é produtora de enzimas como mucinase, lipase e arginase. A bactéria mede em torno de 0,1 a 0,5 μm de largura e 3 μm de comprimento, apresentando superfície lisa e extremidades arredondadas, com presença de vários flagelos unipolares. Ainda pode possuir sistema de secreção tipo IV pelo qual injeta, no citoplasma da célula hospedeira, duas proteínas principais, uma proteína vacuolizante e uma citotoxina, que atuam no processo infeccioso (KONEMAN et al., 2012). Figura 1. Micrografia eletrônica de varredura da bactéria H. pylori (laranja) no epitélio gástrico, aumento de 5000x (Fonte: Steve Gschmeissner Science Photo Library). Coloniza a mucosa gástrica normalmente e, em alguns casos, pode ser isolada de área de metaplasia gástrica no duodeno, importante fator na patogênese da úlcera péptica duodenal. Já a ocorrência em área de metaplasia intestinal é rara (LADEIRA et al., 2003). 17 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 1.1.3. PATOGÊNESE Para sobreviver ao ambiente gástrico e romper a barreira protetora da camada de muco, a H. pylori deve ser capaz de inibir a acidez do suco gástrico, ser móvel, produzir enzimas que ajudem na degradação da camada de muco e aderir à superfície epitelial. Quando a bactéria é capaz de executar essas etapas é iniciado o processo inflamatório local, que somado às lesões celulares culmina no desenvolvimento da gastrite, podendo gerar úlceras ou até o câncer gástrico. Após ser adquirida através da via oral, a H. pylori chega ao estômago e rapidamente inicia a produção da urease. A urease é uma enzima com peso molecular entre 500 e 600 KDa que age catalisando a hidrólise da ureia gerando amônia e dióxido de carbono [(NH2)2CO + H2O → CO2 + 2NH3] sendo essencial para o processo inicial de colonização (EATON et al., 1991; WEEKS et al., 2000). A amônia, quando secretada, interage com os prótons liberados pelas células parietais presentes nas glândulas gástricas ocasionando, consequentemente, o aumento do pH nas áreas próximas à membrana externa da bactéria. A maior parte da urease produzida fica no citoplasma bacteriano ou no espaço periplasmático, enquanto que pequena quantidade é lançada no espaço extracelular. Desse modo, a ureia deve entrar na célula para que a enzima possa atuar com maior eficiência (PHADNIS et al., 1996). Para controlar a entrada e saída da ureia do citoplasma bacteriano, é codificada, a partir do gene ureI, uma proteína transmembranar (proteína UreI) sensível à alterações de pH. À medida que a bactéria encontrase exposta a menor pH, ocorre maior expressão do gene ureI, com consequente aumento na permeabilidade à ureia. Logo, a ureia, proveniente dos alimentos em processo de digestão, é importada para o citoplasma bacteriano onde serve de substrato para a enzima ali presente. Do mesmo modo, à medida que o pH aumenta, é diminuída a expressão desse gene com consequente redução da permeabilidade à ureia, prevenindo acúmulo tóxico de ureia no citoplasma bacteriano, evitando assim a alcalinização do ambiente intracelular. À medida que se aproxima da camada de muco, a produção de urease é reduzida para evitar gasto energético, visto que o pH nesta região é próximo do neutro, condizente com a necessidade bacteriana (WEEKS et al., 2000). 18 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Quando chega à camada de muco, os flagelos assumem um importante papel na colonização, que consiste em promover a motilidade da célula bacteriana para que haja a passagem por essa camada composta por água, eletrólitos e glicoproteínas (EATON et al., 1992; OTTEMANN; LOWENTHAL, 2002). O formato helicoidal da célula juntamente com a polarização dos flagelos provê à bactéria movimentos circulares em torno do próprio eixo, permitindoa penetrar na camada de muco. Adicionalmente, mucinases e lipases são secretadas promovendo a degradação dos componentes do muco facilitando o acesso à camada epitelial (YOSHIYAMA; NAKAZAWA, 2000; LADEIRA et al., 2003). Outra importante barreira encontrada pela H. pylori é a camada epitelial, na qual deve se fixar para poder colonizar o ambiente gástrico. A adesão à superfície estomacal ocorre através da interação entre lectinas da membrana bacteriana e oligossacarídeos das glicoproteínas de membrana das células epiteliais gástricas. Particularmente duas proteínas, a BabA e SabA, destacamse com ação de adesina (BALDWIN et al., 2007). A ligação da H. pylori na superfície das células epiteliais gástricas (CEG) é caracterizada pela perda das microvilosidades, formação do suporte de ligação entre as células, rearranjo dos filamentos de actina do citoesqueleto e fosforilação de proteínas hospedeiras no local da adesão alterando a superfície do epitélio de revestimento gástrico (SEGAL et al., 1996). Algumas cepas de H. pylori (cag+ ou tipo I) apresentam uma ilha de patogenicidade, denominada cagPAI, que contém como marcador o gene cagA (citotoxin associated gene A). Essa ilha apresenta alguns genes homólogos aos do sistema de secreção tipo IV, sendo esses genes codificadores de proteínas específicas que formam uma estrutura tubular que interage com a membrana da célula hospedeira, formando uma estrutura similar a um pili. Logo, a H. pylori cag+ é capaz de secretar proteínas efetoras no citoplasma da célula hospedeira, desde que possua um receptor específico na superfície desta. Dentre as substâncias que a bactéria secreta por esse canal, destacamse as proteínas CagA e VacA que são importantes fatores de virulência da bactéria (ODENBREIT et al., 2000; BOURZAC; GUILLEMIN, 2005). 19 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. Durante a ativação de genes bacterianos no processo de infecção crônica, pode ser codificada a proteína efetora CagA, citotoxina associada à antígeno, que atua no citoplasma da célula hospedeira. Esta proteína está principalmente relacionada à ativação das vias de proliferação celular e inibição das vias que promovem a apoptose da célula infectada (OLBERMANN et al., 2010). Outra proteína secretada pela bactéria é a VacA. Também atua intracelularmente sendo transportada pelo sistema de secreção citado acima. Esta toxina, expressa em todas as cepas de H. pylori, é uma formadora de poros que pode causar várias alterações nas células epiteliais. Entre suas ações, destacamse a vacuolização celular, a despolarização do potencial de membrana, alteração na permeabilidade da membrana mitocondrial, apoptose, ativação de proteínas quinases ativadoras de mitógenos, inibição da apresentação de antígenos (GANGWER et al., 2010). Além disso, ainda inibe a ativação e proliferação de células T induzindo imunossupressão local (GEBERT et al., 2003). Tem sido relatada uma regulação complexa entre as proteínas CagA e VacA a qual permite que haja redução na inflamação da mucosa com consequente diminuição de danos nas células gástricas epiteliais, facilitando o processo de colonização crônica no estômago pela bactéria (GANGWER et al., 2010). 1.1.4. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS Distribuída mundialmente, a infecção pela H. pylori mantem índices variantes de acordo com os países ou com as populações de um mesmo país. Estimase que cerca de metade da população mundial seja portadora da bactéria, tornandoa um agente etiológico de importância pública, em virtude dos índices significantes de morbidade e mortalidade (AGUILAR et al., 2001). No Brasil, é estimado que 70% da população seja portadora da bactéria (INCA, 2014). Zhang et al. (2011) sugerem que dos 50% de portadores da bactéria estimados mundialmente, 10% irão desenvolver úlceras pépticas e 1% serão acometidos por doenças gástricas malignas. A prevalência da infecção está associada às condições socioeconômicas, sendo maior em países em desenvolvimento e com condições sanitárias restritas (WHO, 1999). A maior taxa de casos concentrase em adultos, entretanto crianças a 20 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... partir de dois anos já foram identificadas como estando colonizadas pela bactéria (SUERBAUM; MICHETTI, 2002). Já chegou a ser detectada, por métodos de diagnósticos não invasivos, a ocorrência de infecção em 84% de crianças com 30 meses de idade em uma região do Gambia, na África ocidental (THOMAS et al., 1999). No Brasil, alguns índices de infecção por H. pylori, em pacientes adultos sintomáticos, foram relatados como 90,72% em Belém/PA (VINAGRE et al., 2013); 43,61% em Marília/SP (SUZUKI et al., 2013); 9,68% em São Paulo/SP (MARQUES et al., 2011), 78,9% em Monte Negro/RO (RIBEIRO et al., 2010). Devese ressaltar que esses números podem não representar a real prevalência no país, tendo em vista que o Brasil apresenta grande extensão territorial com diferentes climas, além de que esse microrganismo não está entre os agentes infecciosos de notificação compulsória do sistema de saúde nacional. Em relação ao câncer gástrico, a ocorrência de tumores no Brasil está em terceiro lugar na incidência entre homens e em quinto entre as mulheres, sendo a prevalência dos casos em homens, por volta dos 70 anos. A estimativa de novos casos é de 20.390 para 2014, tendo ocorrido 13.328 casos de morte em 2011 por essa neoplasia. O câncer gástrico é de causalidade multifatorial, logo esses dados não refletem a incidência da infecção pela bactéria, mas servem como suporte para estimativas (INCA, 2014). Os modos de aquisição da bactéria mais aceitos são através da ingestão de água ou alimentos contaminados ou pessoapessoa, pelas vias oraloral, fecaloral ou gástricaoral. A aquisição da bactéria está intimamente relacionada à transmissão na infância por contato com familiares portadores (MENDALL; NORTHFIELD, 1995; WEYERMANN et al., 2006). Apesar de também infectar alguns primatas não humanos e outros animais, ainda não se sabe de transmissão de animais para humanos (STONE, 1999; SUERBAUM; MICHETTI, 2002). Além disso, também há risco de transmissão iatrogênica da bactéria, sendo a endoscopia o meio mais comum, isto quando o equipamento não recebe o procedimento correto de higienização e esterilização (LANGENBERG et al., 1990; TYTGAT, 1995). 21 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 1.1.5. DESENVOLVIMENTO DE DOENÇAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO A infecção aguda é normalmente assintomática podendo ser associada a dor epigástrica, distensão abdominal ou inchaço, arrotos, náuseas, flatulências e halitose (MEURER; BOWER, 2002). Após o estabelecimento da H. pylori na camada epitelial, são iniciadas respostas inflamatórias do hospedeiro que, unidas à acidez do suco gástrico e à amônia produzida pela bactéria, levam ao dano tecidual e consequente ocorrência das síndromes clínicas (DIOGO FILHO, 2009). Quando a infecção é associada ao processo inflamatório, à virulência da bactéria e a fatores do hospedeiro, como, por exemplo, imunodeficiência, doenças préexistentes e ingestão de bebidas alcoólicas, pode resultar nos quadros clínicos clássicos de gastrite, úlceras gástricas e duodenais, câncer gástrico e ao linfoma de células B de baixo grau de tecido linfoide associado à mucosa – MALT (AGUILAR et al., 2001). Quanto à reação imunológica, temse inicialmente a resposta de fase aguda na qual a bactéria libera quimiotaxinas que estimulam a liberação de interleucina8 (IL8) pelas células epiteliais. A IL8 atua como fator próinflamatório ativando os polimorfonucleares locais. Há também a liberação de interleucina1 (IL1) e do fator de necrose tumoral alfa (TNFα), estes agem estimulando a produção de enzimas proteolíticas e produção de espécies reativas de oxigênio pelos polimorfonucleares (CRABTREE, 1996). Quando essa resposta é eficaz, não há comprometimento à integridade do órgão e o agente causal é destruído. Entretanto, como a H. pylori consegue escapar do processo de fagocitose, devido à presença de superóxido dismutase (GÖTZ et al., 1996), catalase (HAZELL et al., 1991) e arginase (GOBERT et al., 2001), o único dano gerado é frente o epitélio que fica susceptível à rupturas. Esta lesão leva à síndrome clínica de gastrite aguda que apresenta duração de aproximadamente duas semanas (SOBALA et al., 1991). No caso da inflamação crônica, que é caracterizada pela gastrite de longa duração ou gastrite crônica, ocorre a infiltração de monócitos e linfócitos no tecido gástrico lesionado, culminando na resposta de produção de anticorpos. No caso do 22 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... estabelecimento da doença, os anticorpos não conseguem agir adequadamente na neutralização da bactéria, havendo persistência do agente. Assim ocorre processo semelhante ao referido na reação inflamatória aguda, conduzindo ao quadro de gastrite crônica. Na presença de fatores de risco, como má alimentação, ingestão de bebidas alcoólicas, tabagismo, condições de imunossupressão, entre outros, além de fatores de virulência bacterianos, pode haver evolução para quadros mais graves (BODGER; CRABTREE, 1998; DIOGO FILHO, 2009). Quando há interação da ação do ácido clorídrico, enzimas da digestão gástrica e da resposta imunológica local, o dano é mais intenso e severo, surgindo as úlceras pépticas. Nessa síndrome, ocorrem danos celulares pela liberação de mediadores resultantes do processo inflamatório, além da exposição do epitélio, fragilizado, à acidez do suco gástrico e à pepsina. Como a camada tecidual não consegue ser reposta, ocorrem erosões na mucosa gástrica (figura 2) que com o tempo e exposição ao agente tornamse profundas, causando grande desconforto aos pacientes (LEUNG et al., 1992; DIOGO FILHO, 2009). Figura 2. Formação da úlcera gástrica a partir da infecção pela H. pylori. Passagem pela camada de muco, destruição das células epiteliais, migração leucocitária e desenvolvimento de úlcera (Fonte: Somerville, Custom Medical Stock – Science Photo Library). A persistência no processo inflamatório na mucosa gástrica induz danos oxidativos que, juntamente à produção excessiva de metabólitos reativos de 23 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... oxigênio à presença da bactéria, resultam na lesão tecidual e podem ser uma das causas do câncer gástrico (DAVIES et al., 1994). De modo geral, o desenvolvimento do câncer (figura 3) em presença da bactéria evolui a partir da mucosa normal, que após infectada entra em processo de gastrite crônica até a atrófica, seguida de displasia e neoplasia (LADEIRA et al., 2003). a) b) Figura 3. Endoscopia evidenciando: a) parede inflamada do estômago devido à gastrite causada pela H. pylori e b) úlcera gástrica sangrando e adenocarcinoma (ao centro), amostra positiva para H. pylori (Fonte: GASTROLAB / Science Photo Library). Durante a resposta inflamatória crônica, ocorre a produção de espécies reativas de oxigênio e nitrogênio pelas células de defesa em resposta às citocinas liberadas e a produtos bacterianos. Os reativos de oxigênio podem induzir alteração da expressão de protooncogenes ou gerar produtos genotóxicos capazes de interagir com alvos moleculares no DNA. De modo geral há comprometimento no sistema de reparo. Os reativos do nitrogênio podem induzir danos no DNA direta ou indiretamente, seja inibindo as enzimas do sistema de reparo ou inativando o processo de apoptose pela nitrosilação de proteínas próapoptóticas, tais como p53 e caspases, permitindo, desta forma, a sobrevivência de células com danos no DNA, tornandoas potenciais células neoplásicas (IARC, 2014). Nem todos os casos de câncer de estômago ocorrem em virtude da infecção pela H. pylori, entretanto, devese atentar que este microrganismo é uma das 24 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. principais causas desse processo patogênico. Logo, devido a seu destaque enquanto doença, os esforços, para combater e evitar a disseminação desse microrganismo, devem ser ampliados. A H. pylori ainda aparece associada à outra complicação clínica: o linfoma MALT (Mucosa-associated lymphoid tissue) de células B que é um tipo de neoplasia de tecido linfoide associado à mucosa constituída por células pequenas e com baixo grau de malignidade. O linfoma MALT de células B de baixo grau no estômago tem como principal fator patogênico a infecção pela H. pylori. Tal relação tem sido proposta visto que a remissão dos casos de linfoma chega a 70% em pacientes portadores da bactéria e quando há o tratamento antibacteriano em estágio inicial da neoplasia (ZULLO, 2010). Entre as neoplasias gástricas, esta é diagnosticada em torno de 3% dos casos (INCA, 2014). Baseado nisso é importante diagnosticar a infecção bacteriana e realizar o tratamento imediato para evitar complicações clínicas relacionadas à poliquimioterapia, que normalmente é longa, onerosa e de baixa eficácia. 1.1.6. DIAGNÓSTICO DE ROTINA E LABORATORIAL De modo geral, o diagnóstico da rotina para a infecção de gastrite pela H. pylori é mais fidedigno e considerado “padrão ouro” quando é realizada a coloração histológica e a cultura microbiológica a partir de biópsia gástrica (THIJS et al., 1996; CARR et al., 2012). Para o isolamento laboratorial, a amostra clínica deve ser semeada em ágar sangue nãoseletivo com base de triptona de soja, infusão de cérebro e coração (BHI) ou Columbia com adição de 5% de sangue de carneiro desfibrinado e estéril. O cultivo deve ser mantido em ambiente de microaerofilia (5% de O2, 10% de CO2 e 85% de N2), a 37ºC e pode demorar entre 2 e 5 dias para ser notado crescimento de colônias. O crescimento é caracterizado por pequenas colônias acinzentadas e translúcidas. Quanto à coloração pela técnica de Gram, são observados bacilos curvos e espiralados Gram negativos. As provas bioquímicas da catalase, oxidase e urease são positivas, sendo esta última de reação intensa (KONEMAN et al., 2012). 25 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. Na identificação histológica a especificidade e a sensibilidade são altas, já que, além da identificação da bactéria ainda é possível avaliar o tipo e a intensidade da inflamação da mucosa gástrica. O tecido obtido na biópsia pode ser submetido a diferentes técnicas de coloração para que várias informações sejam coletadas. Entretanto, é necessário um profissional bem capacitado além de uma coleta de material correta para evitar erros que venham a prejudicar o diagnóstico (SIQUEIRA et al., 2007). Há também o diagnóstico não invasivo que é um modo indireto de detecção da bactéria. Este tem ganhado adesão como método de detecção da infecção por H. pylori devido à praticidade, rapidez do resultado, sensibilidade e especificidade elevada e menor desconforto para o paciente. O mais específico e sensível utilizado é o teste respiratório da ureia marcada, no qual o paciente ingere ureia marcada com 13 C e se houver a enzima urease no estômago, correlacionando à presença da H. pylori, ocorre a conversão da ureia em amônia e gás carbônico marcado que ao ser expirado é detectado em um equipamento (GRAHAM et al., 1987). Seguindo o mesmo princípio temse o teste de urina com ureia marcada, no qual o paciente ingere ureia marcada com 15 N e este é detectado na urina caso haja presença da bactéria no paciente. Outro método utilizado é a detecção de um antígeno da H. pylori (HpSA) em amostras de fezes a partir de um imunoensaio enzimático, o qual apresenta boa sensibilidade (90%) e especificidade (98%), sendo útil para acompanhar a erradicação da bactéria após tratamento (ISHIHARA et al., 2000). Há também as provas sorológicas para a detecção de anticorpos contra a bactéria, mas esta última técnica apresenta alguns problemas de padronização de níveis basais de positividade, visto que um paciente curado da infecção continua a produzir anticorpos (KONEMAN et al., 2012). 1.1.7. TRATAMENTO E RESISTÊNCIA Uma das principais problemáticas do tratamento da H. pylori vem da dificuldade da determinação da concentração de antibiótico ativo na mucosa gástrica. Há uma íntima relação entre a cinética do fármaco e a influência da variação do pH local. De modo geral, os principais antibióticos utilizados para tratar a infecção gástrica (amoxicilina, metronidazol e claritromicina) sofrem alteração em seu tempo de meia vida de acordo com a diminuição ou aumento do pH, que varia 26 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... ao longo de 24 horas (ERAH, et al., 1997). Além disso, a concentração do medicamento varia dependendo da região gástrica, como no antro, corpo e fundo deste órgão (COOREMAN et al., 1993; MÉGRAUD, 1998). O mecanismo de ação dos antibióticos empregados na rotina clínica frente a H. pylori consiste em danificar o DNA, inibir a síntese proteica e de parede celular e são brevemente descritas a seguir. O metronidazol, pertencente à classe dos nitroimidazólicos, entra na célula bacteriana e é reduzido por enzimas gerando produtos tóxicos, como a hidroxilamina, que atuam danificando o DNA (GOODWIN et al., 1998). Os macrolídeos, como a claritromicina, agem inibindo a síntese proteica bacteriana ao se ligarem à subunidade 23S da porção 50S do ribossomo bacteriano, ficando impedida a transpeptidação e translocações das futuras proteínas bacterianas. Já as tetraciclinas, impedem a síntese proteica ao se ligarem, reversivelmente, à porção 30S do RNA ribossomal, bloqueando a ligação do RNA transportador. Por sua vez, os βlactâmicos, como a amoxicilina, atuam ligandose à PBP (Penicillin-Binding Proteins) interferindo na síntese correta do peptidioglicano, gerando uma parede celular instável (ANVISA, 2014). O uso de um supressor de ácido, em associação à terapia de erradicação da bactéria em estágio inicial, beneficia a cicatrização de úlceras gástricas. Entretanto a cicatrização adequada pode ser bem sucedida se o tratamento antibiótico, mesmo sem o emprego do supressor de ácido, for correto e rápido (TREIBER; LAMBERT, 1998). Para erradicar a bactéria de modo mais eficiente, promovendo inclusive a redução nos casos de reinfecção, deve ser realizada a administração conjunta de dois a três fármacos antibacterianos e um agente supressor da acidez gástrica. A poliquimioterapia, empregada no tratamento dessa doença, é necessária pela dificuldade de ação de fármacos no lúmen gástrico e pela aquisição de resistência bacteriana aos antibióticos. Dessa forma, para aumentar a chance de eficácia terapêutica é realizada a administração de dois ou mais antibióticos, principalmente metronidazol, claritromicina, amoxicilina ou tetraciclina, associados a um inibidor da bomba de prótons, como o omeprazol, aumentando as chances de cura e reduzindo 27 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. o surgimento de resistência aos antibacterianos (LIND et al., 1999; LOGAN et al., 1994). O inibidor da bomba de prótons ligase irreversivelmente à enzima K+H+ ATPase, que é responsável pela secreção de íons H+ pelas células parietais no estômago gerando a acidez necessária para o processo de digestão gástrica. Desse modo, com a redução da liberação de ácido pelas glândulas secretoras gástricas ocorre menor dano à mucosa do estômago, lesionada em reação à presença da H. pylori e do ácido clorídrico. Além dessa ação, essa classe de fármacos, composta por omeprazol, lansoprazol, pantoprazol, rabeprazol, esomeprazol, dexlansoprazol e tenatoprazol, ainda parece promover uma ação antiHelicobacter pylori provavelmente pela inibição da urease ou ao ligarse a H+K+ATPase bacteriana (BRAGA et al., 2011). Entretanto, devese ressaltar que a realização do teste de susceptibilidade é muito importante para a eficácia terapêutica, visto que mesmo que o tratamento seja constituído de dois antibióticos e um inibidor da bomba de prótons, há os casos de resistência bacteriana. Em sua publicação, Street et al. (2001) constataram que a cura da infecção por H. pylori foi mais adequada quando o antibiótico foi administrado após a realização do teste de susceptibilidade (99%) do que quando se administrou inibidor da bomba de prótons com antibióticos de uso padrão (claritromicina e amoxicilina) sem a avaliação da resistência da cepa (81%). Casos de resistência ao tratamento realizado para a remissão desse processo infeccioso existem e são um problema crescente e preocupante, visto a limitação no grupo de antibióticos de escolha, além da variação de resistência da bactéria dependendo da localização geográfica, assim como de grupos de populações afetados (KIM et al., 2001). Para que a bactéria suporte a elevada concentração de antibióticos e tenha sucesso na infecção, deve desenvolver mecanismos de resistência que modifiquem ou substituam os locais de ação dos fármacos os quais geralmente resultam na interferência da síntese proteica (claritromicina), na síntese de parede celular (amoxicilina) ou na replicação do DNA (metronidazol). Para tanto, ocorrem alterações genéticas na bactéria, como mutações em nível cromossomal, aquisição 28 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... de plasmídeos de resistência ou ainda por aquisição de DNA exógeno (MÉGRAUD, 1998). Uma das vias de resistência aos antibióticos, utilizados na rotina médica, desenvolvida por algumas cepas de H. pylori foi detectada por Fontana et al. (2002) e consiste na modificação da subunidade 23S do RNA ribossômico impedindo que a claritromicina, pertencente a classe dos macrolídeos, iniba a síntese proteica bacteriana. Foi detectado por Goodwin et al. (1998) que mutações na enzima NADP nitroredutase podem ser responsáveis pela redução da atividade enzimática, que é necessária para a conversão do metronidazol em sua forma atuante. Também há o relato da resistência à amoxicilina a partir de uma mudança na PBP1 (penicillinbinding proteins), impedindo a ligação desse βlactâmico em seu sítio de ação (OKAMOTO et al., 2002). Já foi relatada a presença de cepas resistentes à amoxicilina, claritromicina, metronidazol, tetraciclina e levofloxacina em todos os continentes do planeta, sendo exceção apenas a levofloxacina nas Américas e claritromicina na África, além da multirresistência a dois ou mais antibióticos (DE FRANCESCO et al., 2010). Street et al. (2001) também detectaram, ao realizar o rastreamento da sensibilidade a antibióticos, resistência a metronidazol, claritromicina, ampicilina e tetraciclina e ainda foi registrada resistência concomitante a claritromicina e metronidazol. A administração inadequada dos antibióticos é um dos maiores problemas na erradicação da bactéria, visto que devido ao tratamento empírico – sem a detecção de resistência por antibiograma ou métodos moleculares – cepas resistentes são expostas aos clássicos antibióticos resultando na permanência da doença, desestimulando o paciente à continuação do tratamento. 1.1.8. EFEITOS COLATERAIS E REFRATARIEDADE Devido aos efeitos colaterais, como cólicas abdominais, náuseas, vômitos, diarreia e disgeusia (ANVISA, 2014), decorrentes do uso dos medicamentos combinados que compõem a terapia, ocorre a refratariedade ao tratamento por parte de alguns pacientes (BELL et al., 1992). Isto, unido aos casos de recidivas, do elevado custo dos medicamentos, além da inexistência de vacinas específicas para o microrganismo, dificulta a redução nos casos de infecção (ZHANG et al., 2011). 29 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... A falta de uma terapia eficaz e destituída de efeitos adversos, para infecções causadas por esse patógeno, é preocupante e reforça a necessidade do desenvolvimento de novos agentes terapêuticos mais eficazes e menos tóxicos. Devido à dimensão das lesões gástricas, à ocorrência de resistência aos antibióticos, à refratariedade ao tratamento atualmente empregado, além dos casos de recidiva da doença, motivase o estudo em busca de extratos de origem natural, especialmente fitoterápicos e fitofármacos, como uma opção em potencial para o desenvolvimento de novas terapias eficazes. O estudo da atividade biológica de compostos químicos obtidos de vegetais, nativos ou cultivados regionalmente, valoriza a etnofarmacologia local, providenciando informações úteis à comunidade científica além do esclarecimento à população sobre a segurança do uso desses extratos. 1.2. Terapêutica alternativa Com o advento da química e síntese orgânica, como ferramentas na obtenção ágil e prática de rotas sintéticas, foi dado enfoque a esse mecanismo de origem de antimicrobianos na indústria farmacêutica. Entretanto as vias microbianas de resistência aos fármacos vêm superando a síntese de novos medicamentos eficazes e de administração segura (FOGLIO et al., 2006). Diante desse fato, a pesquisa por potenciais antimicrobianos se torna imperiosa entre os grupos de pesquisa, os quais estão à procura de novos fármacos de origem natural, como fontes vegetais e animais ou a partir de desenvolvimento em processos biotecnológicos. 1.2.1. PRODUTOS DE ORIGEM NATURAL Os seres vivos produzem de modo geral substâncias que são responsáveis pela defesa do organismo frente situações adversas. Estes compostos são denominados de metabólitos secundários (figura 4), moléculas orgânicas de ampla variedade que aparentemente não apresentam função direta em etapas vitais para o organismo, como processos fotossintéticos, respiratórios, de assimilação de nutrientes, transporte de solutos ou síntese de proteínas, carboidratos ou lipídeos (GARCÍA; CARRIL, 2009). Em contrapartida são produzidos para outras finalidades 30 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. como mecanismo de defesa contra predação ou parasitismo por microrganismos, insetos e herbívoros, para produzir odores atrativos a agentes polinizadores, como também para gerar pigmentos, sendo importantes na manutenção da vida do organismo prolongando a sobrevivência uma vez que ajudam a aumentar a qualidade e o tempo de vida (COWAN, 1999). Figura 4. Elementos básicos do metabolismo primário em relação ao metabolismo secundário de plantas (Fonte: Adaptado de García; Carril, 2009). Na química de produtos naturais existe um esforço em isolar e identificar novos compostos obtidos a partir de diferentes fontes com o intuito de descobrir novas estruturas químicas que apresentem algum tipo de atividade biológica. Entre os grupos que hoje são fonte de estudo para essa área, destacamse os vegetais (BARREIRO, 1990), fungos (BRIZUELA et al., 1998, STROBEL et al., 2004) e algas (ROCHA et al., 2007). Os compostos naturais obtidos podem apresentar uma ou diversas ações biológicas como, por exemplo, antibacterianos, antivirais, 31 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... antifúngicos, inseticidas, antiinflamatórios, antitumorais, reguladores enzimáticos, de crescimento ou hormonais, além de outras interações em nível celular ou sistêmico (COWAN, 1999; BAKKALI et al., 2008). 1.2.2. PLANTAS MEDICINAIS Desde os primórdios da raça humana, buscase o tratamento eficaz de doenças em produtos naturais, sendo esta atenção preferencial em relação aos vegetais. Desse modo, a partir de experiências empíricas, foram sendo repassados entre os povos, ao longo dos anos, dados etnofarmacológicos de partes vegetais. Essas informações são hoje o dado inicial na busca por novos extratos ou compostos que apresentem alguma bioatividade, sendo as observações populares importantes para o direcionamento da pesquisa científica comprobatória (MACIEL et al., 2002). Foglio et al. (2006) afirmam que podese considerar como planta medicinal aquela administrada sob qualquer forma e por alguma via ao homem, exercendo algum tipo de ação farmacológica. Ainda abordam que é necessário conhecer a segurança do emprego dessa forma terapêutica, visto a adesão da população em seu uso para o tratamento de doenças. São definidas ainda como “aquelas que possuem tradição de uso em uma população ou comunidade e são capazes de prevenir, aliviar ou curar enfermidades” e que são obtidos, ao final do processamento, os medicamentos fitoterápicos (CARVALHO et al., 2007). Em definição estabelecida pela ANVISA, “medicamentos fitoterápicos são obtidos exclusivamente de matériasprimas ativas vegetais, cuja eficácia e segurança são validadas por meio de levantamentos etnofarmacológicos, de utilização, documentações tecnocientíficas ou evidências clínicas” e ainda estabelece que fitoterápicos são extratos de origem vegetal formados pela mistura de diferentes classes de compostos químicos, enquanto que fitofármaco consiste em molécula isolada ou uma mistura de uma mesma classe de compostos também de origem exclusivamente vegetal (RDC 14/2010). As plantas medicinais são importantes para a pesquisa farmacológica, seja na obtenção ou desenvolvimento de novos fármacos, tanto para o uso direto do 32 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... constituinte vegetal como modelo para síntese de compostos farmacologicamente ativos (ZHANG, 1998). Grande parte da população brasileira e mundial ainda procura nos produtos de origem natural, especialmente nas plantas medicinais, uma fonte de terapia para remediar condições patogênicas, seja em contexto cultural ou como fitoterápico. Entretanto ainda são escassos os dados farmacológicos, fitoquímicos ou toxicológicos sobre a maioria dos vegetais denominados medicinais, sendo evidenciada, portanto, a importância nos estudos que venham a contribuir para o conhecimento científico sobre essa fonte terapêutica (FOGLIO et al., 2006). Estima se que 80% da população mundial faça uso de plantas medicinais como primeiro recurso no atendimento básico de saúde (WHO, 1999). O Brasil é conhecido por sua grande biodiversidade exposta em diferentes domínios fitogeográficos (MMA, 2007). Este fato associado aos diferentes grupos étnicos e seus conhecimentos empíricos e ao desenvolvimento de pesquisas direcionadas à validação de novos princípios ativos podem levar ao surgimento de novas terapias eficazes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Populações locais do Brasil utilizam, na medicina popular, várias plantas, oriundas do cerrado, da floresta amazônica e da mata atlântica, assim como plantas exóticas introduzidas como fonte de agentes medicinais naturais para o tratamento de diversas doenças, como esquistossomose, leishmaniose, infecções fúngicas e bacterianas (DUARTE, 2006). Os estudos fitoquímicos têm revelado uma variedade de compostos ainda desconhecidos na química medicinal. Isto se deve ao desenvolvimento de técnicas químicas aguçadas de análise de estrutura, fato que otimizou a elucidação de estruturas complexas que podem possuir potencial farmacológico (CECHINEL FILHO; YUNES, 1998). Os vegetais possuem uma elevada capacidade de sintetizar compostos aromáticos, em sua maioria fenóis e derivados. Os compostos orgânicos mais associados à ação antibacteriana e sua possível rota de atuação foram revisados por Cowan (1999) e são descritos brevemente na tabela 1. 33 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. Tabela 1. Prováveis mecanismos antimicrobianos dos principais grupos químicos orgânicos extraídos de vegetais. COMPOSTOS ORGÂNICOS PROVÁVEL MECANISMO DE AÇÃO Fenóis e polifenóis Inibição enzimática. Ligação a adesinas de superfície, polipeptídeos Quinonas de parede ou enzimas de membrana; pode tornar acesso bacteriano a substratos indisponível. Formação Flavonas, flavonoides de e extracelulares flavonóis complexos ou com a com proteínas parede celular bacteriana; ruptura de membrana quando mais lipofílicos. Taninos Inativação de adesinas, enzimas e transporte de proteínas microbianas. Cumarinas Ação indireta através do sistema imune. Terpenoides e óleos essenciais Envolve ruptura de membrana. Alcaloides Habilidade de intercalar na molécula de DNA. Formação de canais iônicos na membrana Lectinas e polipeptídeos microbiana; inibição competitiva da adesão de proteínas bacterianas aos receptores de polissacarídeo do hospedeiro. 1.2.3. ÓLEOS ESSENCIAIS Os óleos essenciais são metabólitos secundários produzidos por plantas aromáticas que tem como característica volatilidade, componentes com estrutura química complexa e cheiro intenso. Na natureza esses óleos agem com função protetora frente agentes nocivos para o vegetal, como bactérias, fungos, insetos, vírus e herbívoros ou como atrativo para agentes polinizadores (LIMA et al., 2006; BAKKALI et al., 2008). De modo geral, são constituídos da mistura de 20 a 60 componentes com concentrações variadas, onde geralmente dois ou três compostos destacamse como majoritários determinando a propriedade biológica do óleo. Essas substâncias são originárias de dois caminhos biossintéticos distintos gerando um grande grupo 34 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. formado por terpenos e terpenoides e outro constituído de compostos alifáticos e aromáticos (BAKKALI et al., 2008). Os terpenoides são derivados de um precursor com cinco carbonos, o difosfato de isopentenil. Os monoterpenos, uma unidade de isopreno, e os sesquiterpenos, três unidades de isopreno, constituem juntos parte da mistura de compostos presentes nos óleos essenciais e são conhecidos como componentes voláteis (CROTEAU et al., 2000). Devido sua natureza mais apolar são solúveis em lipídeos e solventes orgânicos apresentando, geralmente, densidade menor que a da água. Podem ser extraídos de várias partes vegetais como: brotos, flores, folhas, caules, galhos, sementes, frutas, raízes, madeira ou casca (BAKKALI et al., 2008). Os óleos essenciais têm sido empregados durante séculos na rotina humana por suas propriedades antisséptica, bactericida, antiviral, fungicida, analgésica, sedativa, antiinflamatória, antiespasmódica, além de serem utilizados como fragrância, tempero ou na preservação de alimentos. Apresentam importância comercial voltada para as indústrias farmacêutica, agronômica, alimentar, sanitária e cosmética (NASCIMENTO et al., 2007; BAKKALI et al., 2008). Em um trabalho realizado por Bergonzelli et al. (2003), foram avaliados sessenta óleos essenciais comerciais diferentes frente a H. pylori, no qual ficou demonstrado potencial bactericida em dezesseis deles. Um desses óleos, obtido da semente de cenoura, foi avaliado in vivo, o qual demonstrou entre 20 e 30% de redução da infecção pela bactéria, sendo sugerido que, de modo geral, os óleos com ação antiHelicobacter pylori podem ser usados como aditivos alimentares para complementar a terapia contra esse patógeno. 1.3. Syzygium cumini 1.3.1. ASPECTOS FARMACOBOTÂNICOS Pertencente à família Myrtaceae, o Syzygium cumini (L.) Skeels (figura 5), sinonimizado com Syzygium jambolanum (Lam.) DC., Eugenia jambolana Lam., Eugenia cumini (L.) Druce, Myrtus cumini L. ou Calyptranthes oneilli Lundell, é 35 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... conhecido popularmente no Brasil como jambolão, jamelão, azeitona preta, azeitona do nordeste ou ameixaroxa e tem sido utilizado empiricamente para o tratamento de doenças infecciosas causadas por bactérias, fungos e vírus (CHANDRASEKARAN; VENKATESALU, 2004), além de diabetes e doenças digestivas (LORENZI; MATOS, 2002; MACIEL et al., 2008). Figura 5. Syzygium cumini. a) Exemplar localizado no campus central da UFRN; b) Folhas, flores e frutos imaturos e maduros; c) Flores e d) Fruto maduro (Fonte: Arquivo próprio). Em revisão, Migliato et al. (2006) reportam o uso popular de extratos obtidos de várias partes do S. cumini frente diabetes, hipertensão, doenças de pele, diarreia, disenteria, problemas gástricos, irritações na garganta, além de uso como anti inflamatório, diurético, bactericida, antipirético, anticonvulsivante, antihemorrágico, entre várias outras implicações clínicas. É uma planta arbórea com até 10 metros de altura, com folhas simples. Seus frutos são pequenos de cor roxoescura com uma única semente coberta de polpa comestível de sabor doce, mas adstringente. É originária da Indomalásia, China e Antilhas e cultivada em vários países, inclusive no Brasil (LORENZI; MATOS, 2002). 36 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Já foi confirmado efeito antisséptico profilático do extrato hidroalcoólico das folhas frescas em modelo in vivo de ligação e punção cecal. Essa ação está associada ao recrutamento de neutrófilos ativados ao local da infecção e diminuição da resposta inflamatória sistêmica (MACIEL et al., 2008). Também há registro de efeito antihiperglicemiante, em modelo animal, do extrato etanólico da semente, o qual foi capaz de reduzir os níveis de glicose do sangue e de hemoglobina glicada, com consequente aumento de insulina no soro e também se mostrou capaz de reduzir os níveis de lipoproteína de baixa densidade (LDL) e triglicerídeos, aumentando os níveis de lipoproteínas de alta densidade (HDL) (BALIGA et al., 2012). Além disso, também foi detectada atividade antiinflamatória do extrato aquoso da folha desse vegetal em modelo de edema de pata em camundongos (LIMA et al., 2007). 1.4. Encholirium spectabile 1.4.1. ASPECTOS FARMACOBOTÂNICOS Uma espécie pertencente à família Bromeliaceae, a Encholirium spectabile Mart. ex Schult. f. (figura 6), conhecida popularmente como macambira de flecha, é endêmica do Brasil ocorrendo principalmente na Caatinga e no Cerrado (CARVALHO et al., 2010). Figura 6. Encholirium spectabile. a) Exemplar localizado em área rural no município de São José do Seridó/RN; b) Folha; c) Inflorescência seca (Fonte: Arquivo próprio). 37 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... É uma erva com cerca de 1 metro de altura com escape floral de cerca de 1,7 metros e com inflorescência em espiga de aproximadamente 0,8 metro, as folhas são verdes e suculentas e é encontrada em solos arenosos e pedregosos ou afloramentos rochosos. Carvalho et al. (2010) realizaram um estudo fitoquímico preliminar detectando um perfil fenólico do extrato etanólico bruto das folhas da E. spectabile, fato que corrobora os resultados de efeito antiulcerogênico e antioxidante do extrato avaliados pelo mesmo grupo. Baseado nos trabalhos citados na literatura, que demonstram a ação protetora frente úlceras gástricas, e na escassez de pesquisas sobre essa planta para estudos de bioatividade, é levantada a hipótese de ação antiHelicobacter pylori desse extrato, já que é uma das principais causas desse quadro clínico gástrico. Diante dos trabalhos que demonstram o potencial farmacológico e antiúlceras desses vegetais, fazemse necessárias maiores investigações sobre o potencial anti Helicobacter pylori de fitoterápicos e fitofármacos obtidos dessas plantas. 38 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 2. JUSTIFICATIVA O uso de plantas medicinais tradicionais para tratamento de infecções é conhecido e trabalhos científicos nessa área tentam comprovar a eficácia dessa aplicação milenar (MIGLIATO et al., 2006; MACIEL et al., 2008; CARVALHO et al., 2010, SÁ et al., 2011). Para tanto averiguar a eficácia e segurança do emprego desses extratos e óleos em testes laboratoriais minimiza alguns problemas, como intoxicação ou dosagem inapropriada. Entre os vegetais que podem apresentar potencial ação antiHelicobacter pylori, foram escolhidos o S. cumini e o E. spectabile, os quais tiveram extratos orgânicos capazes de inibir o crescimento de outras bactérias, além de apresentarem ação cicatrizante frente úlceras gástricas. Quando se fala em microrganismos, devese ressaltar o agravante dos casos de resistência aos antibióticos de emprego clínico. Enfatizase, portanto, a necessidade da descoberta e comprovação de atividade antibacteriana de novos extratos, óleos essenciais, frações ou compostos sintéticos ou naturais, principalmente quando a bactéria em estudo é a H. pylori, visto a dificuldade de tratamento devido o sítio e a característica da infecção. 39 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 3. OBJETIVOS 3.1. Objetivo geral Avaliar a atividade antiHelicobacter pylori e de toxicidade in vitro de extratos orgânicos e óleo essencial obtidos do Syzygium cumini e Encholirium spectabile em estudo bioguiado. 3.2. Objetivos específicos Obter extratos orgânicos brutos do S. cumini e E. spectabile; Obter o óleo essencial do S. cumini; Avaliar qualitativamente, pelo método de difusão em disco, a ação anti Helicobacter pylori dos extratos orgânicos e óleo essencial, sendo o dado inicial para guiar os demais ensaios; Determinar a concentração inibitória mínima (CIM) das amostras ativas frente à bactéria, pela técnica de microdiluição em caldo; Determinar a citotoxicidade in vitro do óleo essencial do S. cumini em concentração correspondente à CIM através da atividade hemolítica, utilizando eritrócitos de carneiro, e de viabilidade em linhagens de células HeLa e VERO. 40 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 4. MATERIAIS E MÉTODOS 4.1. Material vegetal Os vegetais escolhidos foram o Syzygium cumini e o Encholirium spectabile, os quais tiveram as folhas escolhidas como fonte dos extratos a serem obtidos. A escolha dos vegetais aqui avaliados foi dada de acordo com literatura prévia sobre atividade antiulcerogênica ou antibacteriana (SHAFI et al., 2002; CARVALHO et al., 2010; MOHAMED et al., 2013). 4.1.1. Syzygium cumini Foram coletadas folhas do Syzygium cumini de árvores próximas entre si localizadas no campus central da UFRN, Natal, Rio Grande do Norte, no mês de dezembro de 2012, sendo a coleta realizada no início da manhã, por volta das 6 horas. A exsicata está depositada sob o código 5061 no Herbário da UFRN, sob cuidados do Professor Doutor Jomar Gomes Jardim. 4.1.1.1. Obtenção dos extratos orgânicos por maceração estática Todos os procedimentos para a obtenção dos extratos vegetais foram realizados no Laboratório de Isolamento e Síntese de Compostos Orgânicos (LISCO) do Instituto de Química da UFRN, sob supervisão da Professora Doutora Renata Mendonça Araújo. As folhas do S. cumini foram secas em temperatura ambiente e então trituradas para seguirem para o processo de maceração estática. O pó rendeu 174 g. À metade da massa obtida foram adicionados 500 mL do solvente hexano (QEEL, São Paulo, Brasil) enquanto que a outra metade, em outro recipiente, foi solubilizada em 500 mL de álcool etílico absoluto (QEEL, São Paulo, Brasil), permanecendo em repouso e em temperatura ambiente por 48 horas, quando foram, então, filtrados com auxílio de algodão. O solvente foi removido sob evaporação a vácuo em rotaevaporador (Fisatom modelo 804, Brasil) e, após ser recuperado, foi misturado novamente ao pó que permaneceu no recipiente. Esse procedimento foi realizado três vezes a fim de extrair o máximo possível de componentes. Enquanto isso, os extratos brutos, tanto 41 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... etanólico (SCFE) quanto hexânico (SCFH), foram transferidos para vidros, os quais permaneceram em temperatura ambiente para secagem do solvente residual. O pó das folhas, que havia passado pela etapa de extração com hexano, foi depois submetido à extração com etanol (SCFH/E) para avaliar se houve diferença no rendimento de obtenção de extrato. 4.1.1.2. Partição do extrato etanólico O extrato etanólico foi fracionado pela técnica de partição. Nesta esperouse separar os componentes mais apolares daqueles mais polares que compõe o extrato. Para tanto foram solubilizados 2 g do extrato etanólico em solução aquosa de metanol a 40%, sendo essa solução misturada a cada solvente por vez, respeitando a ordem crescente de polaridade: hexano (SCFE/H), clorofórmio (SCFE/C), acetato de etila (SCFE/AE) e água destilada (SCFE/AQ). O procedimento foi realizado em um funil de separação e a homogeneização foi realizada cuidadosamente. Ao final, cada fração gerada teve seu solvente evaporado sob pressão em rotaevaporador e o solvente residual foi eliminado com leve aquecimento em uma placa térmica a 50ºC. 4.1.1.3. Obtenção do óleo essencial As folhas frescas do Syzygium cumini foram cortadas com auxílio de tesoura em pequenos pedaços, com o intuito de aumentar a superfície de contato para otimizar o rendimento do óleo essencial (SCFO). Em seguida 100 g de folhas foram misturados a 250 mL de água destilada e submetidas ao procedimento de hidrodestilação em aparelho de Clevenger durante 2 horas a partir da fervura da água. Para a execução foram necessários: manta aquecedora para balões (Edutec, Paraná, Brasil), dosador e condensador acoplado a um sistema de refrigeração. 4.1.1.4. Obtenção do extrato aquoso por decocção Folhas frescas picotadas foram submersas em água destilada e submetidas a aquecimento a 150ºC a fim de se obter o extrato aquoso por decocção desse vegetal. A mistura filtrada obtida foi submetida à evaporação da água gerando o extrato aquoso bruto (SCFAq). 42 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 4.1.2. Encholirium spectabile As folhas do Encholirium spectabile foram coletadas em um afloramento rochoso na zona rural no município de São José do Seridó, Rio Grande do Norte, na área de caatinga no mês de agosto de 2013. A coleta foi realizada no início da manhã, por volta das 6 horas. A exsicata está depositada, sob o código 16284, no Herbário da UFRN, sob cuidados do Professor Doutor Jomar Gomes Jardim. 4.1.2.1. Obtenção dos extratos orgânicos por maceração estática As folhas do E. spectabile foram secas em estufa a 40ºC e então trituradas para seguirem ao processo de maceração estática. A partir de 125 g do pó foram procedidas as extrações com o hexano (ESFHf), em seguida a mesma massa foi submetida a extração com o etanol (ESFEf) e por fim foi realizada a extração com solução aquosa de etanol a 50% (ESFE/Af). Em cada etapa, a massa permaneceu em contato com o solvente em repouso e em temperatura ambiente por 48 horas, sendo posteriormente filtrado com auxílio de algodão. Entre cada etapa o solvente foi removido sob evaporação a vácuo em rotaevaporador e, ao final, os extratos brutos foram transferidos para vidros até a completa secagem do solvente residual. 4.1.2.2. Obtenção dos extratos orgânicos em Soxhlet Os extratos brutos hexânico e clorofórmico quentes da E. spectabile foram obtidos por extração contínua em extrator tipo Soxhlet. Neste sistema, 28 g do pó das folhas secas da E. spectabile foram colocados em um cilindro poroso, de papel filtro resistente, na porção interna do Soxhlet, o qual foi acoplado, na porção inferior, a um balão de fundo redondo contendo o solvente, em uma manta aquecedora, e na porção superior, a um condensador ligado a um sistema de refrigeração. O solvente foi aquecido até a fervura branda e evaporou até condensar e cair no cilindro contendo o pó, solubilizando os componentes com polaridade correspondente. A solução foi sifonada para o balão ao encher a região em que o cilindro estava inserido. O solvente foi removido por evaporação, sob pressão, em rotaevaporador, permanecendo apenas o extrato bruto. A partir da mesma massa vegetal foram 43 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... obtidos os extratos hexânico (ESFHq) e clorofórmico (ESFCq). As extrações foram realizadas mudando o solvente por ordem de polaridade (hexano clorofórmio). 4.2. Microrganismo e meio de cultura Para análise da ação antimicrobiana foi utilizada a bactéria Helicobacter pylori ATCC 43504, fornecida, sob o código INCQS 00380 (lote: 1011380), pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde – INCQS – da Fundação Oswaldo Cruz FIOCRUZ. Os meios de cultura utilizados nos testes foram o ágar triptona de soja (TSA Himedia, Índia) acrescido de sangue de carneiro desfibrinado estéril a 5% e o caldo MuellerHinton (Himedia, Índia) acrescido de soro fetal bovino a 10% (MORGAN et al., 1987; ZAIDI et al., 2012; CLSI, 2013). O estoque da bactéria foi mantido em caldo triptona de soja (TSB – Himedia, Índia) acrescido de glicerol a 20% em freezer a 20°C. A cultura utilizada era semeada 48 horas antes da realização dos testes. 4.2.1. TESTE DE DIFUSÃO EM DISCO Para a análise qualitativa de ação antibacteriana dos extratos, foi executada a metodologia desenvolvida por Bauer et al. (1966) com algumas modificações. Discos de papel filtro Whatman nº 1 estéreis com 6 mm de diâmetro foram impregnados com 10 μL de cada amostra solubilizada em solução aquosa de tween 80 para síntese a 1% e dimetilsulfóxido (DMSO) a 1% nas concentrações demonstradas nas tabelas 2 e 3. Esse material permaneceu em fluxo laminar até secagem total do solvente. Os óleos foram impregnados nos discos imediatamente antes do teste, para evitar evaporação dos componentes voláteis dessas amostras. Os controles negativos (CN) consistiram nos solventes utilizados para diluição das amostras. Foram adicionados 10 μL de solução aquosa de tween 80 a 1% e DMSO a 1% ou água destilada, em discos de papel filtro estéreis e submetidos a fluxo de ar e temperatura constantes nas mesmas condições das amostras testes. Para o óleo, foram impregnados discos com solução aquosa de tween 80 a 1% e DMSO a 1% imediatamente antes da execução do teste. O controle positivo (CP) empregado foi a claritromicina a 15 μg/disco (CLA 15, DME, São Paulo, lote: 44 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. 2010CLA) como recomendado pelo CLSI (Clinical and Laboratory Standart Institute), 2013. Na superfície do ágar sangue foi realizado semeio, com auxílio de swab estéril, da H. pylori em suspensão ajustada a escala 2 de McFarland em solução salina. Em seguida, os discos impregnados e secos foram colocados na superfície do ágar e incubados em atmosfera de microaerofilia a 37ºC durante 48 horas. A leitura consistiu na mensuração do halo de inibição, em milímetros, do crescimento bacteriano em volta do disco. Os ensaios foram realizados em triplicata. Tabela 2. Concentração, em mg/mL, dos extratos das folhas do S. cumini nos discos utilizados no teste de difusão em disco e seus respectivos solventes. Amostra Concentrações nas diluições (mg/mL) Solvente 100% 50% 25% SCFH 10 5 2,5 TD1 SCFE 10 5 2,5 TD1 SCFE/H 10 5 2,5 TD1 SCFE/C 10 5 2,5 TD1 SCFE/AE 10 5 2,5 TD1 SCFE/AQ 10 5 2,5 Água destilada SCFAq 10 5 2,5 Água destilada SCFO 858 429 214,5 TD1 TD1: Solução aquosa de Tween 80 a 1% e DMSO a 1%. SCFH: S. cumini folhas hexano; SCFE: S. cumini folhas etanol; SCFE/H: S. cumini folhas etanol fração hexânica; SCFE/C: S. cumini folhas etanol fração clorofórmica; SCFE/AE: S. cumini folhas etanol fração acetato de etila; SCFE/AQ: S. cumini folhas etanol fração aquosa; SCFAq: S. cumini folhas aquoso quente e SCFO: S. cumini folhas óleo essencial. 45 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. Tabela 3. Concentração, em mg/mL, dos extratos das folhas da E. spectabile nos discos utilizados no teste de difusão em disco e seus respectivos solventes. Amostra Concentrações nas diluições (mg/mL) Solvente 100% 50% 25% ESFEf 10 NA NA TD1 ESFHf 10 NA NA TD1 ESFE/Af 10 NA NA TD1 ESFCq 10 NA NA TD1 ESFHq 10 NA NA TD1 TD1: Solução aquosa de Tween 80 a 1% e DMSO a 1%. NA: Não avaliado. ESFEf: E. spectabile folhas etanol extração a frio; ESFHf: E. spectabile folhas hexano extração a frio; ESFE/Af: E. spectabile folhas 50% etanol/ 50% água extração a frio, ESFCq: E. spectabile folhas clorofórmio extração a quente e ESFHq: E. spectabile folhas hexano extração a quente. 4.2.2. CONCENTRAÇÃO INIBITÓRIA MÍNIMA (CIM) Para a determinação da CIM dos extratos e frações, frente a H. pylori, foi realizada a microdiluição em caldo em microplaca de 96 poços. Na técnica, foram pipetados ao poço, da microplaca de 96 poços estéril, o caldo MuellerHinton acrescido de 10% de soro fetal bovino, a suspensão bacteriana em solução salina ajustada ao padrão 2 da escala de McFarland e amostrateste, controle positivo e controle negativo em seus respectivos poços (CLSI, 2013). A diluição da amostra teve início no primeiro poço da placa, sendo realizada uma diluição seriada que resultou na variação decrescente de metade da concentração máxima da amostra até a décima sexta diluição (50%; 25%; 12,5%; 6,25%; 3,125%; 1,562%; 0,781%; 0,391%; 0,195%; 0,098%; 0,049%; 0,024%; 0,012%; 0,006%; 0,003% e 0,002%) como representado na figura 7. No controle negativo adicionouse a solução aquosa de tween 80 a 1% e DMSO a 1% ao meio de cultura e o controle positivo consistiu em claritromicina, solubilizada na mesma solução do controle negativo, distribuída nas concentrações decrescentes de 32 μg/mL; 16 μg/mL; 8 μg/mL; 4 μg/mL; 2 μg/mL; 1 μg/mL; 0,5 μg/mL e 0,25 μg/mL. O 46 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... controle de crescimento (CC) foi realizado para mostrar a viabilidade da cepa, sendo constituído apenas por meio de cultura e microrganismo. O teste foi realizado em triplicata. 1 2 3 4 5 6 A 50 50 50 0,195 0,195 0,195 B 25 25 25 0,098 0,098 0,098 C 12,5 12,5 12,5 0,049 0,049 0,049 D 6,25 6,25 6,25 0,024 0,024 0,024 E 3,125 3,125 3,125 0,012 0,012 0,012 F 1,562 1,562 1,562 0,006 0,006 0,006 G 0,781 0,781 0,781 0,003 0,003 0,003 H 0,391 0,391 0,391 0,002 0,002 0,002 ├───────────TESTE──────────┤ CN: controle negativo; CP: controle positivo CC: controle crescimento 7 CC CC CC CC CN CN CN CN 8 CC CC CC CC CN CN CN CN 9 CC CC CC CC CN CN CN CN 10 11 12 32 32 32 16 16 16 8 8 8 4 4 4 2 2 2 1 1 1 0,5 0,5 0,5 0,25 0,25 0,25 ├────CP────┤ Figura 7. Representação da distribuição das diluições, em porcentagem, realizadas na microdiluição em caldo em placa de 96 poços. A placa foi mantida a 37ºC sob condições de microaerofilia durante 48h sendo, então, submetida à revelação do crescimento, que consiste na adição da solução aquosa de cloreto de 2,3,5trifeniltetrazólio (CTT) a 0,5% em cada poço, sendo a placa incubada novamente durante 3h. Esse composto é solúvel em água e inicialmente não apresenta coloração; quando há metabolismo bacteriano ativo, com sistema desidrogenase funcional, ocorre a conversão do tetrazólio em um cristal insolúvel de cor vermelha, compostos de formazam (figura 8). Logo, se houver atividade metabólica bacteriana, o meio de cultura (amarelo claro) ganha uma coloração vermelha, caso não haja atividade celular bacteriana, o meio permanece com sua coloração original (GUNZ, 1949). Figura 8. Redução do cloreto de 2,3,5trifeniltetrazólio ao formazam (Adaptado de Opwis et al., 2012). 47 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. Por se tratar de um estudo bioguiado, a determinação da CIM foi realizada apenas para o óleo essencial, único que apresentou preliminarmente ação inibitória frente a H. pylori. Houve uma adequação das concentrações avaliadas, partindo da maior concentração possível (figura 9). A B C D E F G H 1 420.420 210.210 105.105 52.552,5 26.276,25 13.138,13 6.569,06 3.284,53 2 420.420 210.210 105.105 52.552,5 26.276,25 13.138,13 6.569,06 3.284,53 3 420.420 210.210 105.105 52.552,5 26.276,25 13.138,13 6.569,06 3.284,53 4 1.642,27 821,13 410,57 205,28 102,64 51,32 25,66 12,83 5 1.642,27 821,13 410,57 205,28 102,64 51,32 25,66 12,83 6 1.642,27 821,13 410,57 205,28 102,64 51,32 25,66 12,83 7 CC CC CC CC CN CN CN CN 8 CC CC CC CC CN CN CN CN ├──────────────TESTE────────────┤ CN: controle negativo; CP: controle positivo CC: controle crescimento 9 CC CC CC CC CN CN CN CN 10 32 16 8 4 2 1 0,5 0,25 11 32 16 8 4 2 1 0,5 0,25 12 32 16 8 4 2 1 0,5 0,25 ├──CP──┤ Figura 9. Representação da distribuição das concentrações, em μg/mL, na microdiluição em caldo para o óleo essencial do S. cumini. 4.3. Ensaio hemolítico Empregado para determinar efeitos tóxicos da amostra de interesse a partir da lise de eritrócitos, o ensaio de toxicidade por hemólise consiste em expor as hemácias de carneiro à substância teste e avaliar a liberação de hemoglobina no sobrenadante. Nesse ensaio, adaptado a partir de Jorgensen et al. (1983) e CostaLotufo et al (2002), preparouse uma suspensão de células vermelhas de carneiro a 10%. Inicialmente, 500 μL de sangue de carneiro foram centrifugados a 4000 rpm durante 5 minutos e o sobrenadante, composto de plasma e Buffy coat, foi descartado. Foram realizadas sucessivas lavagens com tampão fosfato salina (PBS) até a ausência de hemólise e então foi preparada a suspensão a 10%. As amostras testes foram diluídas em DMSO e PBS e em seguida misturadas à suspenção de hemácias em eppendorf, sendo incubadas a 37ºC por 1 hora. As concentrações avaliadas foram 50 μg/mL, 100 μg/mL, 500 μg/mL e 1000 μg/mL. No controle positivo, a suspensão foi incubada com o Triton X100 a 1% e o PBS foi usado como controle negativo. A solução controle tem DSMO nas concentrações de 48 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. 0,5; 1; 5 e 10% como parâmetro em relação ao teste. Todos os testes foram realizados em triplicata. Após a incubação, as amostras foram colocadas em banho de gelo por 5 minutos, seguindose à centrifugação a 4000 rpm por 5 minutos. O sobrenadante resultante foi diluído em PBS (1/10) e as amostras tiveram sua absorbância (Abs) medida em espectrofotômetro com comprimento de onda de 540 nm. A porcentagem de hemólise foi calculada como se segue: %ℎ 4.4. ó = − 1% 100 Citotoxicidade em cultura de células O ensaio utilizando cultura de células foi realizado no Laboratório de Biologia Molecular de Doenças Infecciosas e do Câncer (LADIC) do Departamento de Microbiologia e Parasitologia, Centro de Biociências, UFRN, com colaboração do Professor Doutor Kleber Juvenal Silva Farias. Os extratos que se mostraram eficazes frente a H. pylori foram avaliados quanto a citotoxicidade em células VERO E6, originada de célula epitelial renal de Cercopithecus aethiops imortalizada pelo vírus SV40, e HeLa, célula epitelial de cérvice uterina humana transformada por HPV18. A viabilidade celular foi medida pelo método colorimétrico do MTT, brometo de 3(4,5dimetiltiazol2il)2,5difenil tetrazólio (Sigma Aldrich, Alemanha) descrito por Mosmann (1983) com modificações. O MTT é um sal de tetrazólio amarelado que pode ser reduzido pela succinato desidrogenase, nas mitocôndrias de células vivas, gerando cristais de formazam azulados insolúveis em água. Ao ser dissolvido em DMSO, esse produto pode ser mensurado em absorbância a 540nm. A quantidade de cristais formados é proporcional ao número de células viáveis (CARMICHAEL et al., 1987; ELAISSI et al., 2012). Monocamadas confluentes de células VERO E6 e HeLa contidas em placas de 96 poços foram expostas às concentrações de 26 μg/mL, 260 μg/mL, 2.600 49 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. μg/mL e 26.000 μg/mL da amostra teste, durante três dias a 37°C. Em seguida, 50 µL de meio L15 (Leibovitz) contendo MTT, a uma concentração final de 5 mg/mL, foram adicionados a cada poço. Após 4 horas de incubação a 37°C, o sobrenadante foi removido e 100 µL de DMSO foram adicionados a cada poço para solubilizar os cristais de formazan. Após agitação, a absorbância foi medida a 540 nm. O controle crescimento consistiu no cultivo das células apenas com meio de cultura. Os ensaios foram avaliados em triplicata. A porcentagem de viabilidade celular foi calculada como se segue: % 4.5. = 100 Análise estatística Para avaliar a correlação entre a viabilidade das células HeLa e VERO e a concentração do extrato vegetal foi utilizada a fórmula, acima descrita. Os gráficos foram plotados utilizando o programa Microsoft® Excel 2010, versão 9.0.2812 com erro padrão expresso em porcentagem. 50 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. 5. RESULTADOS 5.1. Rendimento dos extratos e óleo essencial O processo de extração a partir das folhas secas do S. cumini apresentou como maior rendimento a obtenção de 11,9% de extrato bruto etanólico e 1,8% de extrato bruto hexânico como menor porcentagem. A partição do extrato etanólico revelou que a maior parte do extrato é composta por substâncias fortemente apolares (4,5% fração hexânica) e fortemente polares (4,8% fração aquosa), enquanto que as frações de clorofórmio e acetato de etila renderam, respectivamente, 1,6% e 0,9%. A fração etanólica (10,5%) obtida após a extração prévia pelo hexano das folhas não apresentou vantagem em relação ao rendimento se comparado à fração etanólica obtida diretamente das folhas. O extrato aquoso por decocção rendeu 6,7% (tabela 4). O óleo rendeu 0,72g a partir de 1000g de folhas frescas, resultando em 0,072% de rendimento. A massa foi determinada em 858 mg a cada 1 mL de óleo bruto. A partir das folhas secas do E. spectabile obtevese 1,1% do extrato etanólico a frio, 0,9% do extrato hexânico a frio, 7,7% do extrato hidroalcoólico a 50% a frio, 1,1% do extrato clorofórmico a quente e 1,4% do extrato hexânico a quente (tabela 4). 5.2. Avaliação anti-Helicobacter pylori dos extratos e óleo essencial Quanto à ação inibitória frente a H. pylori, os extratos etanólico, hexânico, hidroalcoólico e clorofórmico obtidos a partir das folhas do E. spectabile não apresentaram atividade biológica, quando avaliados pelo método de difusão em disco (tabela 5). O mesmo foi notado para os extratos etanólico, hexânico, aquoso e particionado obtidos a partir das folhas do S. cumini, os quais não apresentaram inibição do crescimento em nenhuma das concentrações avaliadas (tabela 6). 51 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. Tabela 4. Rendimento dos extratos do S. cumini e E. spectabile. Quantidade (g) Quantidade (g) Rendimento (%) Amostra de folhas secas de extrato SCFH 87,9 1,6 1,8 SCFH/E 87,9 9,2 10,5 SCFE 87,9 10,5 11,9 SCFE/H 87,9 3,9 4,5 SCFE/C 87,9 1,4 1,6 SCFE/AE 87,9 0,8 0,9 SCFE/AQ 87,9 4,3 4,8 SCFAq 50 3,3 6,7 SCFO 1000 0,72 0,072 ESFEf 125 1,3 1,1 ESFHf 125 1,1 0,9 ESFE/Af 125 9,6 7,7 ESFCq 125 1,4 1,1 ESFHq 125 1,8 1,4 SCFH: S. cumini folhas hexano, SCFH/E: S. cumini folhas hexano aproveitadas com etanol, SCFE: S. cumini folhas etanol; SCFE/H: S. cumini folhas etanol fração hexânica; SCFE/C: S. cumini folhas etanol fração clorofórmica; SCFE/AE: S. cumini folhas etanol fração acetato de etila; SCFE/AQ: S. cumini folhas etanol fração aquosa; SCFAq: S. cumini folhas aquoso quente e SCFO: S. cumini folhas óleo essencial. ESFEf: E. spectabile folhas etanol extração a frio; ESFHf: E. spectabile folhas hexano extração a frio; ESFE/Af: E. spectabile folhas 50% etanol/ 50% água extração a frio, ESFCq: E. spectabile folhas clorofórmio extração a quente e ESFHq: E. spectabile folhas hexano extração a quente. Tabela 5. Média dos halos de inibição (mm) do crescimento da H. pylori frente os extratos vegetais do E. spectabile. Teste Amostra CN CP 0 0 38±1 0 0 0 39,3±1,15 0 0 0 ;0 38,7±1,15 ESFCq 0 0 0 0 39,7±1,15 ESFHq 0 0 0 0 38,3±1,07 100% 50% 25% ESFHf 0 0 ESFEf 0 ESFE/Af CN: controle negativo (DMSO 1% + tween 80 a 1%) CP: controle positivo (claritromicina 15 μg/disco) ESFHf: E. spectabile folhas hexano extração a frio; ESFEf: E. spectabile folhas etanol extração a frio; ESFE/Af: E. spectabile folhas 50% etanol/ 50% água extração a frio, ESFCq: E. spectabile folhas clorofórmio extração a quente e ESFHq: E. spectabile folhas hexano extração a quente. 52 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. O óleo essencial obtido a partir das folhas do S. cumini apresentou atividade inibitória do crescimento da H. pylori, tendo sido observado halo inibitório com média de 10,2 mm para a concentração máxima do óleo (8,58 mg/disco), 10 mm para a concentração de 4,29 mg/disco e 8,85 mm para 2,15 mg/disco (tabela 6). O halo inibitório da claritromicina (15 μg/disco) ficou em torno de 39 mm (figura 10). 100% 25% CN 50% Figura 10. Halo inibitório do SCFO, a 25, 50 e 100%, frente o crescimento da H. pylori. Tabela 6. Média dos halos de inibição (mm) do crescimento da H. pylori frente os extratos orgânicos e óleo essencial do S. cumini pelo teste de difusão em disco e CIM. Difusão em disco CIM (μg/mL) Amostra CN CPdd 100% 50% 25% SCFE 0 0 0 0 38±1 NA NA SCFE/H 0 0 0 0 39,1±1,3 NA NA SCFE/C 0 0 0 0 38,5±1,1 NA NA SCFE/AE 0 0 0 0 38±1 NA NA SCFE/AQ 0 0 0 0 39±1 NA NA SCFH 0 0 0 0 39,3±1,15 NA NA SCFAq 0 0 0 0 39,7±1,15 NA NA SCFO 10,2±0,5 10±0,76 8,85±1,62 0 38,3±1,07 205 0,5 CN: controle negativo (DMSO 1% + tween 80 a 1%); CPdd: controle positivo (claritromicina 15 μg/disco); Teste CPMIC 53 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... CPMIC: controle positivo (solução aquosa de claritromicina); NA: não avaliado; SCFE: S. cumini folhas etanólico; SCFE/H: S. cumini folhas etanólico fração hexânica; SCFE/C: S. cumini folhas etanólico fração clorofórmica; SCFE/AE: S. cumini folhas etanólico fração acetato de etila; SCFE/AQ: S. cumini folhas etanólico fração aquosa; SCFH: S. cumini folhas hexânico, SCFAq: S. cumini folhas aquoso quente e SCFO: S. cumini folhas óleo essencial. A avaliação da concentração inibitória mínima foi realizada para o óleo essencial (SCFO) sendo determinada em 205 μg/mL (tabela 6). Em relação à concentração inicial pura do óleo (858 mg/mL), a atividade inibitória foi detectada até a diluição correspondente a 0,024% (figura 11). Figura 11. CIM do SCFO (delimitado pelo retângulo vermelho) frente o crescimento da H. pylori pela técnica de microdiluição em caldo. 5.3. Atividade hemolítica do óleo essencial do S. cumini No ensaio da atividade hemolítica utilizando eritrócitos de carneiro constatou se que o óleo essencial apresentou atividade hemolítica de 25,04%, 20,07%, 0,99% e 1,82%, respectivamente, para as concentrações de 1000 μg/mL, 500 μg/mL, 100 μg/mL e 50 μg/mL (tabela 7), os dados estão representados na figura 12. O Triton X 100 a 1% promove a hemólise de todos os eritrócitos, pois atua solubilizando membranas lipídicas por ser um surfactante nãoiônico, por isso seu emprego como controle positivo para ensaios hemolíticos (Preté et al., 2002). De acordo com Nofiani et al. (2011), a ação hemolítica deve ser considerada elevada quando as porcentagens de hemólise atingem valores maiores que 40% e baixa quando esses valores são inferiores a 10%. 54 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. Tabela 7. Avaliação da toxicidade (%) do óleo essencial obtido do S. cumini pelo teste de hemólise. Concentração (μg/mL) Amostra SCFO 1000 500 100 50 25,04 (±2,74) 20,07 (±13,95) 0,99 (±1,15) 1,82 (±1,25) TRITON X 100 CP: TritonX 1% SCFO: S. cumini folhas óleo essencial. . 100 Hemólise (%) 80 60 SCFO 40 TritonX 20 0 50 -20 100 500 1000 Concentração (μg/mL) Figura 12. Percentual de hemólise induzida por diferentes concentrações do óleo essencial extraído das folhas do S. cumini (SCFO). 5.4. Atividade citotóxica in vitro do óleo essencial do S. cumini No ensaio de viabilidade de células HeLa, tratadas com concentrações crescentes do SCFO, foi demonstrado que este óleo essencial exibiu atividade tóxica nas contrações de 260, 2600 e 26000 μg/mL, induzindo porcentagens de morte celular de 78,1%, 86,0% e 90,1, respectivamente. Contudo, na concentração de 26 μg/mL o SCFO não afetou a viabilidade dessas células, conforme mostrado na tabela 8 e figura 13. Para a linhagem VERO, o óleo também preservou a viabilidade (tabela 8) total dessas células na concentração de 26 μg/mL e induziu a morte celular em 49,58%, 82,61% e 75,31%, respectivamente, para as concentrações de 260, 2600 e 26000 μg/mL, como demonstrado na tabela 8 e na figura 14. 55 Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Araújo, G.M. Tabela 8. Viabilidade (%) de células HeLa e VERO tratadas com diferentes concentrações do SCFO. Concentração (μg/mL) do SCFO Células 26 260 2.600 26.000 HeLa 100 21,89 14,04 9,94 VERO 100 50,42 17,39 24,69 SCFO: S. cumini folhas óleo essencial. Viabilidade células HeLa x morte celular (%) 120% 100% 80% 100 100 78,11 85,96 90,06 60% Controle crescimento 40% Morte celular x SCFO Viabilidade celular x SCFO 20% 21,89 0% CC 26 260 14,04 9,94 2600 26000 Concentração (μg/mL) do SCFO Viabilidade células VERO x morte celular (%) Figura 13. Percentual de viabilidade de células HeLa tratadas com diferentes concentrações do SCFO. 120% 100% 100 100 49,58 82,61 75,31 80% 60% Controle crescimento Morte celular x SCFO 50,42 40% Viabilidade celular x SCFO 20% 24,69 17,39 0% CC 26 260 2600 26000 Concentração (μg/mL) do SCFO Figura 14. Percentual de viabilidade de células VERO tratadas com diferentes concentrações do SCFO. 56 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 6. DISCUSSÃO A infecção pela H. pylori acomete cerca de metade da população mundial e está estabelecida como principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer gástrico, tendo sido classificada, em 1994, como carcinógeno classe I pela Organização Mundial de Saúde (IARC, 2014). Sabendose que a eliminação da bactéria resulta na redução da incidência de câncer gástrico, é de extrema importância a resolução rápida e adequada desse processo patológico. Há recentemente um esforço em relação à descoberta e caracterização de novos compostos e extratos de fonte natural e que apresentem alguma ação anti Helicobacter pylori. Isto se deve ao surgimento de várias cepas resistentes (KIM et al., 2001) e até mesmo para facilitar o acesso ao tratamento pelas populações com baixa renda e de países em desenvolvimento, uma vez que o custo elevado das drogas, disponíveis atualmente, tem sido um obstáculo ao tratamento das populações mais acometidas por essa infecção (SUERBAUM; MICHETTI, 2002). Dos extratos aqui avaliados do S. cumini e E. spectabile, apenas o óleo essencial do S. cumini apresentou ação antiHelicobacter pylori. Portanto os extratos etanólico, hexânico e aquoso obtido a partir das folhas do S. cumini assim como os extratos etanólico, hexânico, hidroalcoólico e clorofórmico obtidos a partir das folhas do E. spectabile provavelmente não são constituídos por compostos químicos que impeçam o crescimento da referida bactéria. Donatini et al. (2009) relataram a ação antiúlcera e antioxidante do extrato hidroalcoólico das folhas do S. cumini em modelo animal de indução de úlcera gástrica com etanol. Apesar de não ter sido analisada ação do extrato hidroalcoólico do S. cumini frente a H. pylori, ficou comprovado, no presente estudo, que o extrato etanólico e o extrato aquoso não inibem o crescimento da H. pylori. É possível que estes extratos possuam ação antioxidante e antiúlcera, assim como o hidroalcoólico, visto serem formados pela mistura de compostos químicos semelhantes ou de classes químicas próximas, principalmente quanto à polaridade dos extratos, porém mais estudos devem ser realizados para maiores informações sobre as propriedades biológicas dessas amostras. 57 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Quanto ao óleo essencial, foi detectada uma atividade biológica interessante, uma vez que foi capaz de inibir completamente o crescimento bacteriano na concentração de 205 μg/mL, em diluição correspondente a 0,024% da concentração do óleo puro (858 mg/mL). Deve ser enfatizado que o SCFO se mostrou eficaz mesmo em uma concentração reduzida se comparada à original, confirmando a importância em se estudar mais detalhadamente o referido óleo. O limite reduzido do halo inibitório detectado no teste de difusão em disco (10 mm) provavelmente reflete a dificuldade de dispersão do óleo no meio de cultura sólido, em virtude de seu caráter hidrofóbico. Isso evidencia a necessidade da realização de ensaios inibitórios em caldo, para que a eficiência do óleo seja melhor avaliada, em condições onde a possibilidade de erros, decorrentes da dificuldade de solubilização, sejam evitados. Apesar da CIM do SCFO ter sido determinada em 205 μg/mL, que é uma concentração elevada se comparada à claritromicina (0,05 μg/mL), devese ressaltar que este controle é o antibiótico de escolha frente a H. pylori, além de ser um composto puro, portanto é esperada maior eficácia. Como o óleo é uma mistura de vários componentes, tanto pode haver a uma inibição discreta em consequência da baixa concentração do principio ativo, como também pode ocorrer o antagonismo entre as substâncias presentes no extrato, portanto é comum que uma mistura de compostos químicos resulte em menor atividade, em testes in vitro, quando comparados a um controle positivo de aplicação definida. Ação antibacteriana do óleo essencial das folhas do S. cumini já foi relatada por Mohamed et al. (2013), que detectaram atividade inibitória do crescimento de outras bactérias Gram negativas: Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Neisseria gonorrhoeae, além das seguintes cepas Gram positivas: Bacillus subtilis, Staphylococcus aureus e Enterococus faecalis. Esse fato vem confirmar a eficácia deste óleo como antimicrobiano. Embora os referidos autores não tenham determinado a CIM do óleo, no método de difusão em disco foram observados halos inibitórios entre 12 e 14 mm, enquanto que o SCFO apresentou halo de 10 mm. A composição química do óleo essencial do S. cumini extraído por Mohamed et al. (2013) foi descrita como uma mistura complexa de hidrocarbonetos, composta principalmente por monoterpenos e sesquiterpenos, sendo o componente majoritário o αpineno (32,32%), seguido do βpineno (12,44%), do transcariofileno (11,19%), 58 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... do 1, 3, 6octatrieno (8,41%), do Δ3careno (5,55%), do αcariofileno (4,36%), do α limoneno (3,42%) e de outros compostos com traços vestigiais. Já Shafi et al. (2002) caracterizaram o óleo extraído das folhas do S. cumini como pinocarveol (15,1%), α terpenol (8,9%), mirtenol (8,3%), eucarvona (6,6%), murolol (6,4%), mirtenal (5,8%), geranilacetona (5,6%), αcardinol (4,6%), pinocarvona (4,4%) demonstrando uma grande variação dos componentes gerados pelo vegetal. Provavelmente a concentração e o perfil de constituintes químicos do SCFO deve apresentar semelhança com alguma caracterização descrita anteriormente, porém dificilmente será igual, visto que os metabólitos secundários resultam da interação química entre a planta e o ambiente (figura 15). Desse modo, sua síntese pode ser afetada por condições climáticas como disponibilidade hídrica, temperatura, altitude, nutrientes do solo, sazonalidade, radiação ultravioleta, estímulos mecânicos, poluição atmosférica, entre outros (GOBBONETO; LOPES, 2007). Figura 15. Principais fatores que podem influenciar o acúmulo de metabólitos secundários em plantas (Fonte: GobboNeto e Lopes, 2007). 59 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... A fórmula geral desses hidrocarbonetos é (C5H8)n logo são de difícil solubilização em água, que é um veículo fundamental nos ensaios antimicrobianos. Devido esse fato, foi necessário solubilizar o óleo em tween 80 para síntese, um surfactante e emulsificante não iônico, e em DMSO, um solvente polar, para a realização dos testes. Entretanto, a concentração desses compostos deve ser reduzida para evitar resultado falso positivo, tendo ficado, nesse trabalho, definida a concentração em 1% de cada reagente. Outras concentrações foram testadas, como 2% e 4%, porém inibiram o crescimento da bactéria. A padronização dos testes de determinação da atividade antibacteriana de óleos deve ser precisa, entretanto há dificuldade para resolver esta problemática, principalmente devido sua insolubilidade em água e volatilidade, condições químicas que dificultam a confirmação de dados (NASCIMENTO et al., 2007). Por isso no momento da leitura da CIM foi necessário considerar o primeiro poço da triplicata em que houve crescimento como a concentração mínima, visto que a solubilidade do óleo variou durante a execução da técnica. Os óleos essenciais desempenham um importante papel na prevenção de doenças como disfunção cerebral, câncer, doenças infecciosas, processos inflamatórios e doenças cardíacas, isso por ser capaz de ligarse a radicais livres por apresentarem propriedades antioxidantes (KAMATOU; VILJOEN, 2010; MOHAMED et al., 2013). Há relato do uso popular S. cumini para tratamento de disenteria, inflamação e diabetes. Desse mesmo vegetal já foram obtidos o óleo essencial, alcanos e ácidos orgânicos. O óleo extraído das folhas do S. cumini por Shafi et al. (2002) apresentou rendimento de 0,04%, quase metade do encontrado neste estudo para o SCFO (0,0721%). Tal óleo foi eficaz frente Bacillus sphaericus, Bacillus subtilis, Staphylococcus aureus, tendo se destacado frente os Gram negativos: Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa e Salmonella typhimurium (SHAFI et al., 2002). No presente estudo foi constatado que o óleo (SCFO) mostrouse eficaz frente a outro Gram negativo, reforçando a ação antibacteriana dessa mistura de compostos químicos complexos. 60 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... Óleos essenciais também inibem o crescimento de outros microrganismos como fungos filamentosos ou leveduriformes como descrito no trabalho de Pinto et al. (2009), no qual o óleo obtido do Syzygium aromaticum, vegetal pertencente ao mesmo gênero do S. cumini, foi capaz de inibir o crescimento de treze espécies fúngicas, sendo cinco do gênero Candida, cinco espécies de dermatófitos e três espécies de Aspergillus, ressaltando o valor biológico desse fitofármaco. Outros extratos, que não foram avaliados aqui frente a H. pylori e que foram obtidos da mesma parte vegetal (folhas) do S. cumini, apresentaram ação inibitória sobre várias espécies bacterianas. Entre eles destacamse os extratos metanólico e cloreto de metileno frente E. coli, P. aeruginosa, N. gonorrhoeae, B. subtilis, S. aureus e E. faecalis (MOHAMED et al., 2013); o extrato hidroalcoólico com CIM determinadas em 485 mg/mL para Streptococcus mutans, Streptococcus oralis e Lactobacillus casei, e 242,5 mg/mL para Streptococcus parasanguis e Streptococcus salivarius (VIEIRA et al., 2012). Ainda, outro extrato hidroalcoólico foi ativo frente as bactérias E. faecalis, Kocuria rhizophila, N. gonorrhoeae, Shigella flexneri, P. aeruginosa e S. aureus, sendo eficaz também frente uma cepa resistente de P. aeruginosa e uma de S. aureus, além de inibir as leveduras Candida albicans e Candida krusei (OLIVEIRA et al., 2007); outro extrato metanólico e o extrato aquoso foram eficazes contra Salmonella enteritidis, Salmonella typhi, Salmonella typhi A, Salmonella paratyphi A, Salmonella paratyphi B, Pseudomonas aeruginosa, E. coli, B. subtilis e S. aureus (GOWRI; VASANTHA, 2010). Oliveira et al. (2007) ainda relatam que não houve inibição do crescimento da E. coli e Klebsiella pneumonia, dois bacilos Gram negativos pelo extrato hidroalcoólico. Estes resultados são coerentes com aqueles obtidos neste estudo frente a H. pylori, que também é um Gram negativo. Contudo, isso não descarta a possibilidade de atividade antiHelicobacter pylori do extrato hidroalcoólico. Por outro lado, Gowri e Vasantha (2010) afirmaram que o extrato aquoso foi eficaz frente bactérias Gram negativas diferentemente do observado aqui em relação ao SCFAq, que não inibiu o crescimento da H. pylori. Em outro estudo realizado por Chandrasekaran e Venkatesalu (2004), foi demonstrado que os extratos aquoso e metanólico, obtidos da semente do S. cumini, também apresentaram ação antibacteriana. A CIM do extrato metanólico foi 61 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 62,5 μg/mL para o B. subtilis, 125 μg/mL para S. aureus e S. typhimurium, 250 μg/mL para P. aeruginosa, K. pneumoniae e E. coli. As CIMs para o extratos aquoso foram exatamente o dobro daqueles citados para o metanólico, com exceção da P. aeruginosa que foi susceptível a 250 μg/mL. Esses resultados mostram que os extratos aquoso e metanólico, obtidos da semente, possuem ação antibacteriana, ao contrário do observado no presente estudo para os extrato etanólico, aquoso e hexânico de folhas, os quais não inibiram o crescimento da H. pylori. A diferente resposta de bioatividade, detectada entre um extrato originado de folha ou de semente do mesmo vegetal, pode ser oriunda da variação de compostos particulares para o desenvolvimento da parte vegetal específica, assim como das condições ambientais, as quais as plantas estão dependentes. Outros compostos ou misturas de extratos obtidos a partir de plantas medicinais já se mostraram eficazes frente a H. pylori como no caso relatado por Xie et al. (2013) no qual uma mistura de extrato de doze plantas medicinais tradicionais chinesas inibiu o crescimento da bactéria além de promover a cicatrização de úlcera gástrica em modelo animal. Estes compostos resultaram em ação semelhante ao controle positivo, um gastroprotetor, corroborando com o uso convencional. Além disso, foi comprovada segurança em sua administração, após avaliação de toxicidade aguda e crônica em ratos, validando sua ação antiúlcera e tornando esse extrato um possível candidato à medicação alternativa ou complementar para desordens gastrointestinais. Outra planta utilizada na medicina tradicional chinesa também se mostrou promissora frente a H. pylori incluindo uma cepa resistente ao metronidazol. Foram isolados cinco novos compostos a partir do extrato etanólico das sementes da Psoralea corylifolia, os quais exibiram CIM de 12,5 e 25 μg/mL. A CIM do metronidazol foi determinada em 0,5 μg/mL para a cepa sensível e 128 μg/mL para a cepa resistente, revelando a importância da atividade antiHelicobacter pylori dessas substâncias de origem vegetal (YIN et al., 2006). Zaidi et al. (2009), em avaliação da atividade in vitro antiHelicobacter pylori de 50 extratos naturais de plantas medicinais utilizadas empiricamente para o tratamento de desordens do trato gastrointestinal no Pasquistão, concluíram que apenas 5 extratos (Curcuma amada Roxb.; Mallotus philippinenssis Muell.; Myristica 62 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... fragrans Houtt. (Aril); Psoralea corylifolia L. e curcumina) possuíam atividade bactericida potencial, ressaltando ainda a importância de estudos in vivo que forneçam mais dados sobre a administração segurança desses fitoterápicos. Já foi isolado um composto, sulforafano de isotiocianato, do broto de brócolis que teve a eficácia comprovada como potente bacteriostático frente a H. pylori, inclusive contra cepas resistentes, como bactericida intra e extracelular (FAHEY et al., 2002) e que em modelo animal in vivo reduziu a colonização bacteriana no estômago, atenuou a expressão do TNFα e IL1 e reduziu a inflamação da mucosa gástrica. Em teste em humanos, foram inseridos brotos de brócolis na alimentação de pacientes acometidos da infecção pela H. pylori durante oito semanas, resultando ao final na redução da expressão da urease pela bactéria, detectada pelo teste de ureia respirada, redução na detecção de antígenos da bactéria e de pepsinogênio, quando comparado ao placebo (alfafa). Yanaka et al. (2009) sugerem que esse tratamento parece fornecer uma proteção da mucosa gástrica frente o estresse oxidativo induzido pela H. pylori. Em relação a E. spectabile não foi detectada inibição do crescimento da H. pylori a partir dos extratos avaliados neste estudo. Entretanto esse screnning foi importante para o estudo inicial dessa bromélia, tendo em vista a existência de poucos relatos de análise fitoquímica ou de potencial biológico desse vegetal. Apesar de não impedir a proliferação bacteriana, já foi relatada a atividade do extrato etanólico da E. spectabile contra úlceras gástricas em modelo animal, sugerindose que esta planta apresenta atividade gastroprotetora, provavelmente a partir dos compostos fenólicos (CARVALHO et al., 2010). Em outro estudo foi reportada a detecção de compostos fenólicos totais (64,38 mg/g de amostra) e flavonoides totais (8,95 mg/g de amostra) no extrato etanólico, o qual mostrou atividade antioxidante (SANTANA et al., 2011). Até esse momento, apenas um trabalho (SÁ et al., 2012) utilizando essa espécie vegetal para análise da ação antibacteriana mostrou boa atividade frente E. coli e Corynebacterium spp., sendo estes dados opostos ao detectado neste trabalho frente a H. pylori. Apesar de se tratarem de bactérias Gram negativas, devese ressaltar que existem diferenças entre os gêneros bacterianos avaliados, e que os componentes dos extratos aqui testados não foram capazes de 63 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... inibir a atividade celular da H. pylori, mas esse dado não descarta sua eficácia frente outras bactérias ou até outros microrganismos. Quanto à toxicidade determinada pelo ensaio hemolítico foi constatado que o SCFO a 500 μg/mL apresentou porcentagem de hemólise de 25,04%. Tomandose como parâmetro os critérios estabelecidos por Nofiani et al. (2011), a toxicidade do SCFO nessa concentração pode ser considerada intermediária, uma vez que aqueles autores consideram como toxicidade elevada porcentagens de hemólise acima de 40% e baixa toxicidade para valores inferiores a 10%. Por outro lado, em concentrações abaixo de 100 μg/mL (0,99% de hemólise) o óleo do S. cumini apresenta baixa toxicidade. Como a CIM foi determinada em 205 μg/mL, temse que a toxicidade hemolítica do SCFO estaria entre 0,99% e 20,07%, as quais correspondem, respectivamente, as concentrações de 100 e 500 μg/mL. Tal resultado indica que um possível isolamento do composto ativo do óleo e uma formulação farmacêutica adequada podem reduzir ainda mais os níveis de toxicidade apresentados. Em relação à citotoxicidade em cultura de células foi verificado, para o SCFO, que em células VERO a viabilidade celular na concentração de 260 μg/mL, próxima a CIM para a H. pylori, foi de aproximadamente 50%, enquanto que para a linhagem HeLa, na mesma concentração, a viabilidade ficou em torno de 20%. Considerando se a menor viabilidade de células HeLa, que são de origem neoplásica, em comparação a VERO, que são apenas imortalizadas, novos estudos são necessários para avaliar se esse fenômeno se deve à toxicidade diferente para células humanas e de macaco, ou se o óleo apresenta uma toxicidade seletiva para células neoplásicas. Para isso, são necessários novas análises de toxicidade em células humanas normais e neoplásicas, estudos moleculares visando determinar o provável mecanismo de ação, além de ensaios in vivo em modelos animais, visando a comprovação da eficácia e segurança do seu uso préclínico. Uma vez vencidas todas essas etapas, sendo confirmada a atividade antineoplásica, esse óleo poderá vir a ser o produto ideal para o tratamento da infecção pelo H. pylori, caso apresente, concomitantemente, atividade antibacteriana e antineoplásica, o que seria extremamente desejável. Como a H. pylori está intimamente relacionada ao desenvolvimento de câncer gástrico, o tratamento com 64 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... uma droga com estas duas propriedades seria eficaz em qualquer estágio da infecção bacteriana. Trabalhos sobre a toxicidade de fitoterápicos obtidos do S. cumini são escassos. Barh e Viswanathan (2008) obtiveram o extrato metanólico da pele da fruta do S. cumini e detectaram efeito inibitório dose e tempodependentes de células das linhagens HeLa (HPV18+) e SiHa (HPV16+) pelo ensaio do MTT e ainda em outro ensaio (Hoechst 33342) identificaram características de apoptose em 20,5% para HeLa e 16,1% para SiHa tratadas com esse extrato do S. cumini na concentração de 80% após 48 horas de exposição, sugerindo essa via como provável mecanismo de ação do referido fitoterápico. Em outro estudo foi detectado efeito citotóxico em concentrações variando de 0,04 µg/ml a 3 µg/ml dos óleos essenciais de outros vegetais, Eugenia caryophyllata, Thymus vulgaris e Zataria multiflora, pelo ensaio do MTT utilizando as linhagens VERO, HepII, HeLa (RAHIMIFARD et al., 2009). Todavia, ainda são reduzidos os números de publicações que forneçam dados a respeito da toxicidade em cultura de células de fitoterápicos e fitofármacos. Esse foi o primeiro trabalho a avaliar atividade antiHelicobacter pylori dos extratos orgânicos obtidos do S. cumini e do E. spectabile e reafirmase a importância na continuidade de experimentos mais avançados para a avaliação detalhada do óleo essencial do S. cumini. Dados fitoquímicos são necessários para a análise do princípio ativo do SCFO de modo a avaliar uma formulação mais adequada, que aperfeiçoe sua eficácia antimicrobiana e reduza os danos citotóxicos, para um futuro emprego préclínico. Além disso, baseado nas informações coletadas no ensaio de toxicidade em hemácias e células HeLa e VERO, novas abordagens podem ser avaliadas para incorporar maior conhecimento a este fitofármaco, que seriam avaliações das atividades antifúngica, antiviral, antimalárica, antineoplásica frente diferentes linhagens tumorais, além de avaliar a citotoxicidade em células normais originadas de tecidos diversos, como, por exemplo, em fibroblastos. Essas informações são úteis à comunidade científica por prover dados importantes para a possível validação de um fitoterápico assim como trazem a 65 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... chance de conhecimento sobre a segurança de seu emprego por populações e comunidades, que empiricamente utilizam esses extratos vegetais. Por fim, todos os dados compilados aqui refletem a importância de cada estudo que comprove a eficácia como atividade biológica e o posterior estudo avançado de toxicidade permitindo progressos na terapêutica de uma doença de importância pública mundial. 66 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 7. CONCLUSÕES Os extratos orgânicos obtidos das folhas do S. cumini e E. spectabile, avaliados neste estudo, não foram capazes de inibir o crescimento da H. pylori nas concentrações testadas. O óleo essencial extraído das folhas do S. cumini foi eficaz frente à H. pylori com CIM de 205 μg/mL, apresentando, no entanto, toxicidade intermediária, quanto à hemólise, e elevada em relação às linhagens de células HeLa e VERO, ao exibir redução de viabilidade celular de 80% e 50%, respectivamente. O SCFO mostrou indícios iniciais de que poderá ser uma possível alternativa ou complementação para o tratamento de infecção pela H. pylori associado ao câncer, por induzir a morte de células cancerígenas (HeLa) em proporção superior à citotoxicidade em células não neoplásicas (VERO). Entretanto novas análises mais minuciosas se fazem necessárias, como a análise fitoquímica o isolamento do composto ativo e a elaboração de um sistema de liberação de fármacos, para que esse fitoterápico possa ter efeitos tóxicos avaliados in vivo, podendo proporcionar sua utilização, futuramente, em testes préclínicos. 67 Araújo, G.M. Avaliação da atividade anti-Helicobacter... 8. 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