ACIDENTE DO TRABALHO E RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR 1ª edição — Fevereiro, 2006 1ª edição — 2ª tiragem, Abril, 2006 1ª edição — 3ª tiragem, Junho, 2006 2ª edição — Novembro, 2006 2ª edição — 2ª tiragem, Dezembro, 2007 3ª edição — Junho, 2009 4ª edição — Junho, 2015 CLÁUDIO BRANDÃO Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Mestre em Direito (UFBA). Membro da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo e do Instituto Baiano de Direito do Trabalho. Professor de Direito do Trabalho e de Direito Processual do Trabalho da Faculdade Ruy Barbosa. Professor convidado do Podivm — Centro Preparatório para Carreira Jurídica, da Fundação Faculdade de Direito da Bahia, da Faculdade Baiana de Direito, da Escola Judicial do TRT da 5ª Região, da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENAMAT e da Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes — OAB/BA. ACIDENTE DO TRABALHO E RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR 4ª edição R EDITORA LTDA. Todos os direitos reservados Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-001 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Maio, 2015 Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: RLUX Projeto de capa: FÁBIO GIGLIO Impressão: GRAPHIUM EDITORA E GRÁFICA Versão impressa — LTr 5267-5 — ISBN 978-85-361-8390-9 Versão digital — LTr 8686.0 — ISBN 978-85-361-8371-8 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Brandão, Cláudio Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador / Cláudio Brandão. — 4. ed. — São Paulo : LTr, 2015. Bibliografia. 1. Acidentes do trabalho — Brasil 2. Empregadores — Responsabilidade — Brasil I. Título. 15-02398 CDU-347.51:331.823(81) Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Acidentes do trabalho : Responsabilidade civil do empregador : Direito do trabalho 347.51:331.823(81) 2. Brasil : Responsabilidade civil do empregador : Acidentes do trabalho : Direito do trabalho 347.51:331.823(81) Aos meus pais, Ailton e Renilde, que, cedo, me ensinaram o sentido do binômio direito / dever. A Esther, Felipe e André: ponto de partida e de chegada de tudo o que sou, de tudo que faço e de tudo que tenho. Ao colega e amigo Antônio Carlos Araújo de Oliveira: a lembrança, o reconhecimento, a saudade e a certeza de que, onde quer que esteja, deve estar suscitando importantes debates sobre o Direito e a Justiça Social. SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ..............................................................13 APRESENTAÇÃO ...............................................................................................15 PREFÁCIO — Luiz de Pinho Pedreira da Silva...................................................19 NOTA À QUARTA EDIÇÃO ................................................................................ 21 NOTA À TERCEIRA EDIÇÃO ............................................................................. 23 NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO ............................................................................. 25 1.INTRODUÇÃO ................................................................................................29 1.1. Premissas para o estudo do tema............................................................29 1.2. Síntese dos capítulos................................................................................31 2. O QUÊ E O PORQUÊ DO TEMA ...................................................................33 3. SEGURANÇA DO TRABALHO COMO UM DIREITO DO TRABALHADOR ....40 3.1. Considerações gerais...............................................................................40 3.2. A pré-história da proteção à saúde do trabalhador...................................42 3.3. O surgimento da proteção à saúde do trabalhador...................................44 4. CONSOLIDAÇÃO DA PROTEÇÃO À SAÚDE NO PLANO INTERNACIONAL ...50 4.1. Evolução das normas da OIT sobre saúde do trabalho............................52 4.2. A mudança do paradigma: o direito à proteção do trabalho como integrante dos direitos fundamentais..............................................................53 4.3. A importância da Convenção n. 155.........................................................56 4.4. Etapas dos períodos da proteção à saúde...............................................58 4.5. O meio ambiente do trabalho como elemento integrante do conceito de meio ambiente..........................................................................................61 4.6. Os programas de qualidade......................................................................62 4.7. O alcance do conceito de meio ambiente do trabalho..............................65 4.8. A constitucionalização do direito à proteção à saúde do trabalhador.......68 4.8.1. Os direitos constitucionais de primeira geração.............................68 8 Cláudio Brandão 4.8.2. A segunda geração de direitos constitucionais...............................71 4.8.3. Terceira geração dos direitos constitucionais.................................76 4.9. Direitos humanos e direitos fundamentais................................................79 5. PROTEÇÃO À SAÚDE NO BRASIL ..............................................................84 5.1. Evolução do direito constitucional.............................................................84 5.1.1. A Constituição de 1988: considerações gerais................................87 5.1.1.1. Proteção à saúde...............................................................88 5.1.2. Constitucionalização do novo paradigma de proteção ao meio ambiente do trabalho......................................................................111 5.2. A proteção à saúde na legislação ordinária..............................................113 6. ACIDENTE DO TRABALHO ...........................................................................122 6.1. Acidente e doença.....................................................................................122 6.2. Acidente e doença do trabalho..................................................................124 6.3. Espécies de acidente do trabalho.............................................................127 6.3.1. Acidente-tipo....................................................................................129 6.3.1.1. Caracterização...................................................................132 6.3.1.2. Fato causador....................................................................134 6.3.1.2.1. Predisposição ao acidente.................................140 6.3.2. Natureza dos danos........................................................................140 6.3.2.1. Dano biológico...................................................................141 6.3.2.2. Lesão corporal...................................................................142 6.3.2.3. Perturbação funcional........................................................144 6.3.2.4. Dano moral........................................................................145 6.3.2.5. Dano estético.....................................................................148 6.3.2.6. Efeitos psíquicos das lesões físicas..................................151 6.3.2.7. Morte, perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho...............................................155 6.3.3. Nexo de causalidade.......................................................................160 6.4. Doenças ocupacionais..............................................................................163 6.4.1. Doenças profissionais.....................................................................166 6.4.2. Doenças do trabalho.......................................................................168 6.4.3. Doenças provenientes de contaminação acidental.........................172 6.4.3.1. Enfermidades excluídas. Da tipificação legal....................173 6.5. Acidente do trabalho por equiparação......................................................176 6.5.1. Agravamento dos efeitos do acidente gerado por causas não ligadas ao trabalho...............................................................................177 6.5.1.1. Classificação das concausas.............................................178 Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador 9 6.5.2. Lesões provocadas por atos de terceiros no ambiente de trabalho e durante a jornada de trabalho......................................................182 6.5.3. Agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho................................................................183 6.5.4. Ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho..........................................................185 6.5.5. Ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho...........................................................188 6.5.6. Ato de pessoa privada do uso da razão..........................................192 6.5.7. Desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior.............................................................193 6.5.8. Lesões sofridas pelo empregado, ainda que fora do local e do horário de trabalho..........................................................................194 6.5.8.1. Na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa......................................................194 6.5.8.2. Na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa....195 6.5.8.3. Em viagem a serviço da empresa.....................................196 6.5.8.4. No trajeto para o trabalho e vice-versa..............................198 6.5.8.5. Durante os períodos de refeição, descanso ou nos quais o empregado estiver satisfazendo necessidades fisiológicas................................................................... 204 6.6. Jurisprudência...........................................................................................205 7. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA NAS ATIVIDADES DE RISCO ACENTUADO .................................................................................................211 7.1. Evolução do conceito da responsabilidade...............................................211 7.1.1. Noções preliminares sobre responsabilidade civil..........................211 7.1.1.1. O dever de reparação........................................................213 7.1.1.2. A evolução do conceito de culpa.......................................216 7.1.1.3. Alargamento do conceito de culpa.....................................218 7.2. Origem e consolidação da responsabilidade objetiva (teoria do risco).....220 7.3. Teorias sobre a natureza do risco.............................................................226 7.3.1. Risco-proveito.................................................................................227 7.3.2. Risco profissional............................................................................229 7.3.3. Risco de autoridade........................................................................230 7.3.4. Risco excepcional...........................................................................230 7.3.5. Risco criado.....................................................................................230 7.3.6. Risco integral...................................................................................231 10 Cláudio Brandão 7.4. A responsabilidade objetiva no direito brasileiro.......................................233 7.4.1. A mudança de paradigma no Código Civil......................................234 7.4.1.1. Cláusulas gerais — conceito e alcance.............................235 7.4.2. A regra da responsabilização pelo risco da atividade.....................239 7.4.3. Considerações iniciais sobre atividade de risco..............................244 7.4.3.1. Conceituação de atividade de risco...................................246 7.4.3.2. Espécies de risco...............................................................248 7.4.3.2.1. Risco ocupacional..............................................248 7.4.3.2.2. Risco genérico e risco específico......................249 7.4.3.2.2.1. Subespécies de risco específico....250 7.4.3.2.3. Risco no Código de Defesa do Consumidor......250 7.4.3.3. Risco e perigo....................................................................253 7.4.3.4. Atividades perigosas..........................................................257 7.5. Notas sobre as excludentes de responsabilidade.....................................259 7.5.1. Fato exclusivo da vítima..................................................................259 7.5.2. Fato exclusivo de terceiro...............................................................260 7.5.3. Caso fortuito e força maior..............................................................261 7.5.4. Cláusula de não indenizar...............................................................269 7.6. Jurisprudência...........................................................................................269 8. AS ATIVIDADES DE RISCO ACENTUADO E O CONTRATO DE TRABALHO ....279 8.1. Reconhecimento da responsabilidade objetiva em atividades de risco acentuado. Autorização legal........................................................ 280 8.1.1. A exceção contida no caput do art. 7º da Constituição Federal......281 8.1.2. A posição do Supremo Tribunal Federal.........................................284 8.1.3. O princípio da proteção...................................................................286 8.1.4. Princípio da compatibilidade vertical...............................................289 8.1.5. O aparente choque de normas constitucionais: a primazia dos direitos fundamentais......................................................................290 8.1.6. A integração dos microssistemas jurídicos......................................293 8.1.7. A dignidade da pessoa humana como fundamento da ordem constitucional..................................................................................295 8.1.8. A solução da antinomia (aparente) entre as normas constitucionais...297 8.1.9. A proteção à saúde do trabalhador no contexto da constitucionalização do direito privado..................................................................299 8.1.10. Proteção à saúde e direito do empregador...................................302 Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador 11 8.1.11. Responsabilidade contratual do empregador................................306 8.1.11.1. A responsabilidade com base na cláusula geral da boa-fé objetiva........................................................................309 8.1.12. Responsabilidade objetiva com base no direito ambiental...........311 8.1.12.1. Desenvolvimento sustentado.........................................315 8.1.13. Responsabilidade objetiva na terceirização..................................315 8.1.13.1. Terceirização e preposição............................................318 8.2. Parâmetros de aferição de atividades de risco no contrato de trabalho...319 8.2.1. Do serviço executado pelo empregado...........................................323 8.2.1.1. Atividades de risco acentuado...........................................323 8.2.2. Da atividade preponderante da empresa........................................325 8.3. .As espécies de acidentes do trabalho que permitem a responsabilização objetiva do empregador.............................................................................326 8.3.1. Espécies de acidentes excluídas....................................................327 8.4. Jurisprudência...........................................................................................329 8.5. Responsabilidade objetiva na jurisprudência de TST...............................341 9. COMPETÊNCIA ..............................................................................................364 9.1. Evolução constitucional.............................................................................364 9.2. A mudança com a EC n. 45/04..................................................................369 9.3. O posicionamento da doutrina..................................................................372 9.4. O Supremo Tribunal Federal.....................................................................376 9.4.1. Precedentes jurisprudenciais..........................................................376 9.4.2. A “unidade de convicção”................................................................378 9.4.3. Eficiência estrutural.........................................................................381 9.4.4. A realidade como paradigma de interpretação................................382 9.4.5. A mudança de posicionamento.......................................................383 9.5. Ações propostas por dependentes do empregado no exercício de direito próprio.......................................................................................................385 9.6. Ação Regressiva Previdenciária...............................................................391 10. PRESCRIÇÃO ..............................................................................................396 10.1. Prazo de prescrição................................................................................396 10.2. A delicada questão do termo inicial do prazo..........................................402 10.3. Alegação de ofício...................................................................................412 CONCLUSÃO .....................................................................................................415 REFERÊNCIAS ...................................................................................................423 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADCT — Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ADIN — Ação Direta de Inconstitucionalidade BSI— British Standards Institution CAT — Comunicação de Acidente do Trabalho CC — Código Civil CDC — Código de Defesa do Consumidor CESAT — Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador da Bahia CF — Constituição Federal CIPA — Comissão Interna de Prevenção de Acidentes CLT — Consolidação das Leis do Trabalho CNUMAD — Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável DJ — Diário da Justiça DL —Decreto-lei DORT — Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho EC — Emenda Constitucional EPI — Equipamento de Proteção Individual FGTS — Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FUNDACENTRO — Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS — Instituto Nacional de Seguridade Social ISSO— International Organization for Stardardization LER — Lesões por Esforço Repetitivo LICC — Lei de Introdução ao Código Civil MPAS — Ministério da Previdência e Assistência Social MTb — Ministério do Trabalho NR — Norma Regulamentadora OEA — Organização dos Estados Americanos OIT — Organização Internacional do Trabalho 14 Cláudio Brandão ONU — Organização das Nações Unidas PCMAT — Programa de Controle do Meio Ambiente de Trabalho PCMSO — Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional PIACT — Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e Meio Ambiente de Trabalho PNUD — Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUMA — Programa da ONU para o Meio Ambiente PPRA — Programa de Prevenção de Riscos Ambientais RE — Recurso Extraordinário RESP — Recurso Especial RIT — Revista Internacional do Trabalho ROMS — Recurso Ordinário em Mandado de Segurança SESMT — Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho STF — Supremo Tribunal Federal STJ — Superior Tribunal de Justiça SUS — Serviço Único de Saúde TRT — Tribunal Regional do Trabalho TST — Tribunal Superior do Trabalho APRESENTAÇÃO Esta obra é a reprodução quase integral da dissertação defendida junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, com a qual obtive o grau de mestre e cujo tema central é o reconhecimento da responsabilidade civil de natureza objetiva do empregador decorrente do acidente de trabalho em atividades de risco acentuado. Por questão de justiça e para materializar o preito de gratidão por todos aqueles que, por qualquer meio, contribuíram para que fim não fosse uma palavra que reproduzisse um ideal distante e inalcançável, reproduzo, aqui, os agradecimentos que fiz naquela oportunidade, salientando que, trabalhos dessa natureza rendem material suficiente para que outros sejam elaborados, tamanhas e tão diversas são as participações de pessoas que, ao longo de curtíssimos três anos, contribuíram direta ou indiretamente para que a árdua trajetória fosse concluída. Desde a decisão de participar do processo seletivo, etapa inicial dessa verdadeira maratona jurídica, nomes devem ser lembrados, como Luciano Martinez, jovem magistrado que desponta no magistério nas áreas do Direito do Trabalho e Previdenciário, pelo incentivo, quase coerção, para o ingresso. Ele, aliás, também possui lugar de destaque no debate sobre o tema e na metodologia. Durante o curso, vários nomes e até participações anônimas. Muitos ajudaram na pesquisa das obras jurídicas. Vêm à lembrança as bibliotecárias e auxiliares das Bibliotecas da Faculdade de Direito da Universidade Salvador — UNIFACS; do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador da Bahia — CESAT; da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo — USP; da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia — UFBA; da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho — FUNDACENTRO, em Salvador; da Faculdade de Medicina da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública (BA) e do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Um registro especial faço, contudo, aos nomes dos Juízes Ronald Souza e Edilton Meireles e do advogado Sérgio Novais Dias, cuja gentileza e atenção na cessão de obras de suas bibliotecas particulares deixarão marca indelével na minha memória. A Antônio Carlos Araújo de Oliveira a referência não se limita ao agradecimento pelas obras emprestadas (fato raro, para quem o conhecia e que demonstra o laço afetivo que nos unia). Sempre disposto a ouvir, tivemos muitas conversas e dele ouvi sugestões e ideias. Quando teria acesso aos originais do capítulo sobre acidentes do trabalho, “partiu para sempre ... para o infinito”, deixando no mundo jurídico baiano e brasileiro uma grande lacuna, e nos amigos uma intensa saudade. 16 Cláudio Brandão No campo da Medicina, duas menções especiais: Clara Afonso, jovem estudante que terá um futuro à altura de sua competência, pela atenção junto à biblioteca da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública; e Ricardo A. Sinay Neves, endocrinologista e psicoterapeuta, pelas longas conversas em torno dos efeitos do acidente na mente humana e pelas obras cedidas. A equipe de pessoal que comigo trabalha no Gabinete do Tribunal também, de alguma forma, auxiliou na logística que envolveu a preparação do material, destacada nas valiosas informações sobre o Word, passadas por Alderson Ribeiro, também responsável pelas soluções dos aparentes insolúveis problemas de formatação. Quando se olha para trás, tudo parece simples. Só quem viveu cada instante desse período sabe avaliar a sua verdadeira dimensão. Grandes problemas às vezes são resolvidos com pequenas iniciativas; daí a importância de Raimundo Bahia na confecção dos desenhos e tabelas, e do advogado Augusto de Paula, com o suporte na doutrina e no idioma italianos, com a inestimável colaboração do advogado Marco Spinnato que, de Padova, na Itália, remeteu doutrina e jurisprudência sobre a regra civil naquele país. Carla Novelli, magistrada e amiga, cuidou do texto com dedicação sem igual, esmerando-se nas correções e na revisão ortográfica, demonstrando que a sua competência também se espraia pelo idioma pátrio, além de discutir diversos aspectos do próprio tema, motivos pelos quais tem lugar de destaque e o meu permanente apreço e agradecimento. Os professores do curso não podem ser esquecidos. Costumo dizer que a experiência do mestrado foi uma das mais ricas por mim vividas, sobretudo por propiciar o retorno ao ambiente acadêmico numa etapa da vida em que o debate sobre os temas jurídicos recebe a contribuição da maturidade e da experiência profissional, tornando-se muito mais rico e atraente. Ler, no original, na Biblioteca da Faculdade de Direito da USP, a primeira obra sobre acidentes do trabalho escrita no País (MORAES, Evaristo. Os accidentes do trabalho e a sua reparação: ensaio de legislação comparada e commentário à lei brasileira. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro & Maurílio, 1919) foi uma experiência fascinante. Os colegas desenvolvem uma espécie de solidariedade acadêmica voltada para tudo que envolva a dissertação: debates em torno das incompreensíveis normas da ABNT; fornecimento de material que, acidental ou propositadamente, é localizado sobre o tema do outro; preparação cuidadosa dos seminários; encontros festivos que sempre acabam em discussão sobre o curso. Simbolizo todos na turma de Metodologia da Pesquisa, especialmente nos nomes de Álvaro Simões, Ana Cristina Meireles, Geisy Fiedra, Leonardo Santos e Maria da Graça Varela, com a recordação das nossas ruidosas e engraçadas reuniões sobre as incompreensíveis, repito, normas da ABNT. Ao Juiz e Professor Doutor Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho, talento nas letras jurídicas, cuja disposição para a ajuda é a marca registrada, não raras vezes utilizando as facilidades da Internet madrugadas afora, o agradecimento pela presença na banca examinadora e pela permanente colaboração. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador 17 Ao Professor Doutor Jonhson Meira Santos, Diretor da Faculdade de Direito e também integrante da banca examinadora, o agradecimento não apenas pela participação, como também pelas lições transmitidas em sala. Ao Orientador, Juiz e Professor Luiz de Pinho Pedreira da Silva, a perene gratidão. Primeiro por haver aceito o encargo de orientar mais um dos seus muitos alunos e eternos admiradores. Homem de muitas luzes, de todas as suas qualidades ressalto pensar o Direito com visão além do nosso tempo. Sempre na vanguarda dos temas jurídicos, dá exemplo de que o vigor na concepção de novas teses está muito acima da idade. A Esther, Felipe e André, por saberem compreender as inúmeras ausências, nem sempre físicas, necessárias para superar cada um dos obstáculos postos nessa prova de verdadeiro atletismo jurídico; por ouvirem, quando eu precisava falar; por falarem, quando eu precisava ouvir; por me carregarem, quando o cansaço desestimulava; enfim, por suportarem tudo isso e ainda me ajudarem a chegar ao final. A Deus, por haver permitido que tudo isso se transformasse em realidade. PREFÁCIO Uma das mais importantes inovações que trouxe o Código Civil de 2002, inscrita no parágrafo único do art. 927, foi a que impôs a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente exercida pelo autor do prejuízo implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Instituiu, pois, nesses casos, a responsabilidade objetiva. Apresentou-se então o problema de saber se, em face desse preceito legal, passou a ser objetiva a responsabilidade do empregador pela indenização, denominada de direito comum, por acidente de trabalho, que o art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal faz depender de dolo ou culpa, e, pois, de responsabilidade subjetiva. Prevaleceria, em respeito ao princípio indisponível da hierarquia das leis, a norma constitucional ou haveria como justificar a disposição, mais humanitária, do Código Civil? Foi sobre essa difícil questão que se debruçou Cláudio Mascarenhas Brandão, íntegro e competente magistrado do trabalho, um dos mais admirados integrantes do TRT da 5ª Região, em dissertação para obtenção do grau de mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, aprovada com distinção pela sua originalidade e por seu excepcional valor, cujo título é Acidente do trabalho e responsabilidade civil do empregador. Não se limitou, o autor, em sua monografia, a tratar de responder à indagação que constituiu propriamente o seu tema, mas fez precedê-la de capítulos em que demonstrou a sua preocupação com a segurança e a saúde do trabalhador, nos planos internacional e nacional, revelando profundos conhecimentos. Abordou, ainda, com proficiência temas como acidente de trabalho, responsabilidade e responsabilidade civil, culpa, risco e atividade de risco acentuado e suas relações com o contrato de trabalho. Após esse longo e bastante ilustrativo percurso, chega Cláudio Brandão ao âmago do seu estudo, sustentando que o parágrafo único do art. 927 do Código Civil se aplica à indenização do art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição, que passa a independer de dolo ou culpa, substituído o seu fundamento, que deixa de ser o da responsabilidade subjetiva pelo da responsabilidade objetiva. Encontra alicerces para a sua posição em face de tão desafiador e polêmico assunto no princípio fundamental do Direito do Trabalho — o de proteção ao trabalhador —, e, principalmente, no cânone constitucional que o consagra, o do art. 7º da Constituição, que elenca os direitos dos trabalhadores depois de deixar bem claro no seu caput: além de outros que visem a melhoria de sua condição social. É uma argumentação bastante inteligente e que, por sua seriedade, merece reflexão dos que têm pensamento divergente. 20 Cláudio Brandão Honro-me de ter sido o orientador deste trabalho, que, agora, transformado em livro, deverá ser, como previu um dos componentes da banca examinadora, o melhor sobre o tema nele analisado. Salvador, janeiro de 2006 Luiz de Pinho Pedreira da Silva Livre-Docente de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Juiz togado aposentado do TRT da 5ª Região. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, da Academia Nacional de Direito do Trabalho e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Membro e Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior. NOTA À QUARTA EDIÇÃO Muita coisa aconteceu desde a última edição da obra, em 2009. Em 2013, fui promovido ao honroso cargo de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e, desde então, tenho a singular oportunidade de constatar a diversidade de interpretação e aplicação do Direito do Trabalho pelos magistrados brasileiros, a partir das decisões dos diversos TRTs que chegam ao TST. Aos poucos, a tese da responsabilidade objetiva do empregador pelos danos materiais, morais e estéticos, causados pelo acidente do trabalho, se consolida na jurisprudência, seja dos TST, seja dos TRTs, embora, a meu sentir, ainda esteja relacionada, fundamentalmente, à noção de risco de vida, e não propriamente à maior probabilidade de ocorrência do infortúnio laboral. De qualquer modo, os acórdãos se multiplicam nos repertórios de busca. O que antes era objeto de obra singular, hoje é estudado em diversos livros e se solidifica também na doutrina; o cenário, nesse aspecto, portanto, é bastante diferente do que se via há alguns anos e pode ser pesquisado sob diversos enfoques. A questão em torno da prescrição para as ações ajuizadas contra o empregador se resolveu no TST, em decisões da SBDI-1, que, com base no princípio da segurança jurídica e de uniformização dos prazos em matéria trabalhista, fixou o prazo em cinco anos, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil, em função, também, da vigência da EC n. 45/2004, de modo que, se o acidente ocorreu em data anterior a 1º.01.2005, aplicar-se-á a legislação civil; se posterior, vigorarão as regras trabalhistas, como se verá em capítulo próprio. Apesar de tudo isso, outras questões permanecem em debate, a exemplo da fixação do termo inicial de prescrição e da tormentosa definição de critérios e valores utilizados para a definição da reparação devida, com adoção, em pequena escala, da reparação in natura. A competência para as ações regressivas ajuizadas pelo órgão previdenciário ainda continua atribuída, sem maior debate, à Justiça Federal, embora, a meu sentir, o julgamento devesse estar a cargo da Justiça do Trabalho. Outro ponto de destaque foi o lançamento, em 2012, do Programa Trabalho Seguro — Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, iniciativa do TST e do CSJT, em parceria com diversas instituições públicas e privadas, e objetivo de formular e executar projetos e ações nacionais voltados à prevenção de acidentes de trabalho e ao fortalecimento da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. Desde então, passou a fazer parte do cotidiano da programação de emissoras de rádio e tv, além de mídia impressa, peças publicitárias que tentam chamar a atenção para o combate ao acidente do trabalho. 22 Cláudio Brandão Avançou-se bastante, como visto, mas um longo caminho há para ser percorrido em busca da efetiva proteção à pessoa humana e os atributos que a integram, garantidos constitucionalmente. O trabalho de formiga a que me referi na última edição permanece e permanecerá. Oxalá um dia se dissemine a ideia de que a vida humana é o bem maior a ser protegido e por menores que sejam os danos que a atinjam, serão sempre maiores do que qualquer reparação reconhecida à vítima. Nesta quarta edição, a obra foi inteiramente revisada e introduzido capítulo sobre a fixação do termo inicial da prescrição e ampliado o repertório de jurisprudência, específica do TST, sobre as atividades em que se reconhece a responsabilidade objetiva e o risco específico que a fundamentou, para indicar o caminho o Tribunal tem percorrido. Um registro especial de agradecimento ao trabalho de pesquisa feito pelas estagiárias do Gabinete, Ana Carolina Coelho de Oliveira e Thayane de Almeida Araújo, que, a cada semana, catalogam acórdãos do Tribunal, a fim de manter atualizado banco de dados sobre o tema. Mais uma vez, os comentários e críticas serão bem-vindos. Brasília, janeiro de 2015 O autor [email protected] NOTA À TERCEIRA EDIÇÃO A obra continua o seu caminho. Essa é a sensação que tenho ao traçar as linhas da terceira edição. Desde que a lancei, inúmeros foram os congressos, seminários e palestras em que o tema foi debatido. Participei de vários deles a convite, principalmente, de escolas e associações de magistrados, além de entidades representativas de advogados. Vivi momentos marcantes, com destaque para o Seminário sobre Acidentes do Trabalho realizado em Porto Alegre pela AMATRA 4, em junho de 2008, e o Seminário Nacional sobre Acidente de Trabalho e Saúde Ocupacional, organizado pela ANAMATRA, AMATRA-2, Escola da Magistratura da 2ª Região e Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, em São Paulo, no mês de setembro. Foram os dois maiores eventos no ano e reuniram especialistas em saúde ocupacional e acidentes do trabalho com a finalidade de aprofundar a discussão com a comunidade jurídica, diante de sua importância na sociedade contemporânea. A jurisprudência ainda continua vacilante quanto à possibilidade de reconhecimento da responsabilidade objetiva em atividade de risco. Apesar de julgados acolherem a tese (TST. 6ª Turma. AIRR — 92/2006-015-04-40, Rel.: Ministro Mauricio Godinho Delgado, DJ 13.6.2008), ainda se encontram em acentuada desvantagem. Prevalece a necessidade de prova da culpa do empregador como principal fundamento da condenação no ressarcimento dos danos gerados pelo acidente. Nesse cenário, destaca-se, também, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, contrariamente ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, insiste em não reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para apreciar a ação ressarcitória dos danos causados aos herdeiros e dependentes do empregado falecido, também em caso de acidente (Súmula n. 366), o que é enfrentado no Capítulo 9. Também se apresenta, como novidade, o estudo sobre a competência, também da Justiça do Trabalho, para apreciar as ações propostas pelo INSS com o objetivo de obter o reembolso dos valores correspondentes aos benefícios pagos aos segurados e seus dependentes, quando ficar demonstrada a culpa ou dolo do empregador na ocorrência do acidente. Como o trabalho de uma formiga que, aos poucos, consegue transportar um peso muito maior do que o seu próprio corpo, doutrinadores e magistrados proclamam a tese. Várias obras foram lançadas. É importante que cada vez mais se discuta. Somente assim as resistências serão vencidas. Como sempre, os comentários serão bem-vindos. Salvador, abril de 2009 O autor [email protected] NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO Perenizar o pensamento por meio de um livro já é sinônimo de realização para qualquer um que se debruce no estudo do Direito. Relançá-lo, um marco sem limites. A segunda edição deste livro surge num espaço de tempo de pouco mais de seis meses e após duas tiragens, fruto do debate e da definição da competência da Justiça do Trabalho, o que despertou o interesse da comunidade jurídica para o enfrentamento de tão instigante tema. Na releitura da obra, algumas correções, atualização bibliográfica e a divulgação da jurisprudência oriunda dos tribunais trabalhistas, aliadas à rica troca de experiências colhidas das discussões com os colegas em palestras proferidas e participações em seminários sobre o assunto nos vários cantos do País. Os juízes do trabalho estão enfrentando, com denodo, a nova realidade das vítimas dos acidentes do trabalho. A realidade dos mutilados; dos incapacitados; do descaso com a vida humana; daqueles que trocam o mísero adicional de insalubridade, fruto dos equívocos da legislação brasileira em deixar de priorizar o trabalho com qualidade, pela labuta em condições gravosas à saúde. Procurei identificar o que há de novo no pensamento juslaboralista, especificamente no que toca às consequências decorrentes do infortúnio laboral, e pude constatar, nesse período, que a magistratura especializada, aos poucos, vai firmando o entendimento do que representa a atividade de risco no contexto do contrato de trabalho: cuidado com animais; manuseio de substâncias inflamáveis; alguns setores da atividade bancária; transporte de passageiros; operação de máquinas; transporte de valores; carpintaria; energia elétrica são alguns exemplos. A responsabilidade cada vez mais se firma. Tudo isso somado aos vários aspectos pertinentes à culpa: descumprimento dos deveres de segurança e proteção ao meio ambiente do trabalho; exposição do trabalhador ao risco à saúde; ausência de treinamento para operação de máquina; manutenção deficiente de máquinas e equipamentos; ausência de política preventiva relacionada à ocorrência do acidente. Esses são apenas alguns fundamentos utilizados para autorizar a reparação dos danos causados ao empregado e demonstrar a necessidade de se priorizar, cada vez mais, o ser humano como centro das atenções do sistema jurídico. As críticas e as sugestões são sempre bem-vindas. Espero que possa continuar contribuindo para o debate em torno de tão grande tema. Salvador, setembro de 2006 O autor [email protected] Tão fulminante se evidencia o movimento que leva a teoria da responsabilidade a novos destinos; nessa matéria, a verdade de ontem não é mais a de hoje, que deverá, por sua vez, ceder lugar à de amanhã. Louis Josserand Na atual crise de valores, o mundo pede aos juristas ideias novas, mais que sutis interpretações. Túlio Ascareli Não adianta a existência de um belo arcabouço jurídico de proteção à saúde do trabalhador, como a que hoje existe no Brasil, se na prática os índices de acidentes e doenças ocupacionais continuam altos, destruindo vidas e famílias. Raimundo Simão de Melo 1. INTRODUÇÃO O estudo da responsabilidade objetiva do empregador pelos danos causados ao empregado em virtude de acidente do trabalho nas atividades de risco acentuado. Esse é o tema central deste trabalho. Será desenvolvido a partir da evolução histórica dos diversos sistemas de proteção à saúde do obreiro, passando pelo Direito Constitucional, em face da atual compreensão à luz dos direitos humanos, até a legislação ordinária, especialmente o Código Civil de 2002, que introduziu o sistema da responsabilidade pelo exercício normal de atividade de risco. Buscar-se-á comprovar, ao final, que o trabalhador possui um direito de proteção à saúde, elevado ao patamar de norma constitucional com natureza jurídica de direito fundamental e que o empregador possui responsabilidade objetiva pelos danos a ele causados, em virtude de acidentes do trabalho ocorridos no desenvolvimento de atividades de risco acentuado, o que representa a consagração, no plano interno, da tendência internacional de priorizar o homem como centro da proteção dos sistemas jurídicos, inserindo o Brasil, pelo menos no que tange ao modelo teórico, entre os países com regras avançadas referentes à reparação civil. Inicialmente, será estudada a evolução dos diversos sistemas de proteção à saúde do trabalhador ao longo de sua história, buscando construir uma sólida base a partir do Direito Internacional e do Direito Constitucional pátrio, a fim de que o tema “proteção à saúde do trabalhador” seja tratado na perspectiva dos direitos humanos, diante do tratamento doutrinário e legislativo que a ele vem sendo dado. A caracterização do acidente do trabalho nas suas variadas espécies consistirá no objeto de investigação seguinte, traçando-se o perfil evolutivo do seu conceito e do tratamento atribuído pelo legislador aos diferentes tipos previstos em legislação específica (Lei n. 8.213, de 24.7.1991). O trabalho analisará os fundamentos da responsabilidade civil definindo os elementos caracterizadores da responsabilidade do empregador em virtude do dano ocasionado pelo acidente do trabalho, especificamente no que diz respeito às atividades de risco. 1.1. PREMISSAS PARA O ESTUDO DO TEMA A neutralidade jurídica é um mito, da mesma forma que a pesquisa científica revela a maneira pela qual o pesquisador vê o mundo a partir do patrimônio cultural formado ao longo de sua existência, que vem a compor o seu conjunto inumerável de pré-conceitos, aliado à bagagem ideológico-doutrinária e fundamentos culturais, na concepção de Miracy Barbosa de Sousa Gustin e Maria Tereza Fonseca Dias.(1) (1) GUSTIN, Miracy; DIAS, Maria Tereza. (Re)Pensando a pesquisa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 56/57. 30 Cláudio Brandão Por isso, importa destacar, de logo, algumas premissas que são fundamentais para justificar o marco teórico(2) adotado no estudo, com base no qual são construídos os argumentos para legitimar as conclusões adotadas ao final. A primeira delas é que o Direito deve ser visto como um instrumento a serviço da paz social. Sua finalidade é buscar o equilíbrio nas relações sociais, a partir do qual se possa estabelecer uma convivência pacífica entre os seres que integram determinado agrupamento social. A segunda sustenta a necessidade de utilização dos institutos jurídicos para alcançar a finalidade para a qual foram concebidos. Significa, portanto, afirmar que a legitimidade do exercício de um direito não pode ser reconhecida quando se desvia da finalidade que constitui o objeto da tutela por parte do ordenamento jurídico. A terceira fundamenta-se na finalidade social que deve ser buscada na interpretação da norma jurídica, orientação que deve ser seguida até como um imperativo de natureza legal (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil),(3) alcançando — o princípio da socialização na atividade interpretativa — tamanha importância na atualidade que até mesmo em cláusulas contratuais deve ser observado.(4) A quarta, com sede constitucional, sustenta a supremacia do trabalho sobre o capital, como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, IV),(5) o que servirá de referencial interpretativo de todo o ordenamento jurídico pátrio. A quinta, também com lastro na Constituição Federal, afirma a supremacia dos direitos humanos como base de todo o sistema jurídico, cuja valoração deve ser observada na interpretação das normas que o compõem. A sexta relaciona-se com o instituto da responsabilidade civil, tema que tem despertado acirrado debate doutrinário e suas repercussões na jurisprudência, diante da importância que sempre ocupou ao longo dos tempos e ainda permanece nos dias atuais, em que a dimensão das relações sociais ultrapassa quaisquer limites que pudessem ser imaginados em face dos avanços da tecnologia e da necessidade, sempre presente, de proteção àquele que sofre o dano causado por outrem. A sétima pretende afirmar que a aplicação das normas jurídicas deve ter como horizonte os princípios fundantes do ordenamento, dentre os quais a dignidade da pessoa humana. A oitava busca destacar a importância do dever de evitar a ocorrência de lesões de natureza ocupacional diante do fato de atingir não apenas a saúde do trabalhador e acarretar consequências que são suportadas pela sociedade, com reflexos imediatos na produção. (2) “[...] afirmação incisiva de um teórico de determinado campo do conhecimento que realizou investigações e reflexões ordenadas sobre determinado tema e chegou a explicações e conclusões metódicas sobre o assunto ou [...] o fundamento teórico que respalda suas reflexões em toda sua produção ou em parte dela.” Ibid., p. 57. (3) “Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” (4) “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” (5) “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV — os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador 31 Portanto, não se pode atribuir a condição de algo novo. Trata-se da rediscussão de um tema extremamente atual e importante, sobretudo no Direito do Trabalho, cuja base principiológica fundamenta-se na proteção jurídica conferida àquele que tem no emprego a sua principal fonte de sustento, não raro a única. 1.2. SÍNTESE DOS CAPÍTULOS O estudo pode ser compreendido a partir da sua divisão em dois focos principais de investigação. O primeiro deles aborda a consolidação do entendimento de que o direito de proteção à saúde do trabalhador é parte integrante dos direitos fundamentais. Em torno dessa ideia, desenvolvem-se três capítulos. O primeiro traça um panorama histórico-evolutivo do direito à segurança do trabalho como um direito do trabalhador, desde as fases primitivas, nas quais não havia a outorga no ordenamento jurídico de regras protetivas, até o surgimento do direito de proteção como uma consequência motivada por vários fatores, dentre os quais as precárias condições de trabalho existentes nas primeiras indústrias; as desigualdades sociais acentuadas; o movimento de intelectuais; as doutrinas políticas; a atuação da Igreja; as primeiras normas de proteção. O segundo capítulo volta-se ao plano internacional. Busca-se demonstrar a evolução do direito de proteção ao trabalho como um direito conquistado pela classe trabalhadora, com especial destaque à atuação da OIT, principal responsável pelo seu desenvolvimento nos diversos sistemas jurídicos. Traça-se um panorama dos tratados internacionais, dos programas daquela Entidade, do papel da ONU e do tratamento atualmente dado ao tema, na linha de integração ao conceito de meio ambiente. São ainda analisados os programas de qualidade e a repercussão na atividade laboral e detalhado o conceito de meio ambiente, com enfoque especial ao meio ambiente do trabalho. Encerra-se com a análise da evolução constitucional do direito de proteção à saúde, discorrendo-se sobre as diversas etapas ou gerações de direitos constitucionais, para consolidar a conclusão de que se inclui dentre aqueles elevados à condição de direitos fundamentais. O terceiro capítulo estuda o mesmo tema à luz do Direito brasileiro, nas perspectivas do Direito constitucional e da legislação ordinária, sendo analisados, em ambas as esferas, os dispositivos específicos. A partir do capítulo quarto, inicia-se a segunda parte, que se volta à responsabilidade do empregador pelos danos causados em virtude do acidente do trabalho e as atividades de risco. Por isso o estudo inicial do acidente do trabalho nas suas diversas espécies previstas na legislação em vigor. O capítulo cinco trata da responsabilidade objetiva, tendo como foco central o acidente do trabalho. Em linhas gerais, demonstra-se a evolução das formas de responsabilidade; as diversas teorias sobre risco; as diferentes espécies de risco; a 32 Cláudio Brandão disciplina da responsabilidade no Direito brasileiro, destacando-se a regra prevista no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, em torno da qual gira toda a discussão desta obra. Procura-se construir um conceito próprio para a aplicação do citado dispositivo legal ao contrato de trabalho, adotando-se a denominação “risco acentuado” para diferenciá-lo do risco produzido pelo fato do trabalho, particularizando-se os conceitos de risco, perigo, cláusulas gerais, além das espécies previstas na legislação brasileira e as excludentes de responsabilidade. O sexto capítulo dedica-se a remover os obstáculos que podem ser apresentados para a aplicação da teoria do risco ao contrato de trabalho. Com argumentos de natureza legal, doutrinária e jurisprudencial, procura-se demonstrar a inteira compatibilidade entre o sistema de proteção consagrado ao empregado e a regra destacada, buscando-se trazer suporte de diferentes áreas do sistema jurídico (ambiental, consumidor, constitucional e, especialmente, do trabalho), além de uma fundamentação com base nos princípios do Direito do Trabalho. O último capítulo destina-se a apreciar o tormentoso (para alguns) tema da competência. Embora originalmente não fizesse parte da obra, diante do corte epistemológico realizado, foi adicionado para que representasse uma contribuição doutrinária ao debate. Conclui-se buscando fornecer parâmetros para a construção do conceito de risco acentuado no âmbito do contrato de trabalho, indicando-se, ao final, também à guisa de tentativa de consolidação do instituto, as espécies de acidente do trabalho em que se torna possível reconhecer esse modelo de responsabilidade do empregador e aquelas que são incompatíveis. 2. O QUÊ E O PORQUÊ DO TEMA O problema em torno da ocorrência dos acidentes do trabalho no Brasil é tema que preocupa, há muito tempo, os atores sociais que com ele se envolvem, direta ou indiretamente, desde sindicatos até empresários, governo, organizações não governamentais, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Segundo dados divulgados pelo jornal Folha de S. Paulo, os “gastos da Previdência com o pagamento de benefícios acidentários aumentaram 113,66% em cinco anos”,(1) demonstrando o elevado custo que ocasiona para a sociedade brasileira. O mesmo periódico noticia que os benefícios concedidos somaram, no ano de 2000, 2,1 bilhões de reais,(2) apenas para aqueles de natureza acidentária. Somente esses números revelam a importância de imprimir-se uma conduta efetiva voltada à prevenção do acidente, principalmente diante do posicionamento atualmente adotado pelas normas internacionais, de colocar o homem como “o primeiro a ser visto no ambiente de trabalho”.(3) Por outro lado, as estatísticas oficiais representam apenas 50% dos acidentes efetivamente ocorridos,(4) sobretudo a partir de 1991, em face da introdução no ordenamento jurídico brasileiro da garantia de emprego acidentária,(5) o que motiva a subnotificação da ocorrência do infortúnio, a fim de impedir que o empregado desfrute da proteção legal, criando a curiosa situação em que os números oficiais apontam para a redução do índice de acidentes, embora se constate elevação do número de mortes no trabalho. Alie-se a circunstância de muitas doenças ocupacionais serem diagnosticadas e tratadas como doenças comuns. Ainda assim, ocorrem cerca de onze mortes a cada dia por acidente do trabalho,(6) equivalendo a uma situação de guerra civil, na expressão de Dorival Barreiros.(7) Dentro dessa lógica dos números, um dado importante é trazido por Oswaldo Michel, que aponta diferentes perspectivas em torno da abordagem do conceito de acidente do trabalho, do ponto de vista da legislação e do ponto de vista da prevenção. (1) Gastos com benefícios acidentários aumentam 113,66% em 5 anos. Folha de S. Paulo, Sucursal de Brasília, 12 abr. 2001. Disponível em: <http://www1.uol.com.br/folha/arquivos/>. Acesso em: 29 out. 2002. (2) Id. (3) SERVAIS, Jean-Michel. Elementos de direito internacional comparado do trabalho. São Paulo: LTr, 2001. p. 83. (4) Em trabalho publicado na Revista de Saúde Pública (2003, v. 37, p. 409-416), Maria Cecília Pereira Binder e Ricardo Cordeiro identificaram índice da ordem de 42% entre assalariados do setor formal e 71% para a população economicamente ativa nos municípios do interior do Estado de São Paulo. (5) OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 4. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 210. (6) Ibid., p. 211. (7) BARREIROS, Dorival. Saúde e segurança nas pequenas empresas. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 18, n. 70, 1990, p. 25.