Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 591 A NOÇÃO DE AUTORIA EM UM CURSO DE PEDAGOGIA Adriano Rodrigues Ruiz, Carmen Lúcia Dias Pró‐ Reitoria de Pesquisa e Pós Graduação – Mestrado em Educação da UNOESTE. [email protected] RESUMO Trata‐se de relato de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, que objetivou compreender como é tratada a noção de autoria em um curso de pedagogia, de uma instituição de ensino privada, do município de Presidente Prudente‐SP. Contou com 12 participantes que frequentavam as últimas aulas do semestre, recém‐egressos do Ensino Médio. A coleta dados ocorreu mediante entrevista, recorreu‐se a análise de conteúdo. Os resultados indicaram que a prática copiar e colar excertos de textos disponíveis na internet é prática predominante, sob dois argumentos: o professor não vai ler e falta de tempo para fazer os trabalhos escolares. Completando esse quadro, os professores apontam aspectos negativos do plágio, contudo, as dimensões éticas e estéticas próprias do mundo das autoria habitam espaços de silêncio. Palavras‐chave: Autoria; Plagio; Ética. INTRODUÇÃO As tecnologias de informação e comunicação trouxeram sensíveis mudanças na forma de se obter informações e aprendizagens. Quando se pensa na natureza dialógica da educação, fundada na comunicação não verticalizada, o aparato tecnológico surge como importante aliado com vista a experiências educacionais emancipatórias, ligadas a práticas culturais de colaboração e de autoria. Ao lado de possibilidades de avanços significativos, as tecnologias de comunicação e informação renovam preocupações educacionais, entre elas as facilidades ofertadas aos estudantes que optam pelo plágio, prática antiga que parece revigorada em detrimento do sujeito‐autor. Tomamos autoria como explicitado por Fernandes (2001, p. 105), ao asseverar que autoria de pensamento “supõe diferenciação, agressividade saudável, ‘revolta íntima”, a partir da qual há a possibilidade de reencontro com o outro. Acesso a nós mesmo”. Como antítese da autoria situamos o plágio, entendido por Hexham (sd) como ato orientado pela intenção deliberada de enganar um leitor mediante a apropriação e a apresentação como se fossem de sua própria autoria as palavras e trabalhos de outros, sendo o plagiador um ladrão de pequeno porte. Nesse quadro, investigamos a noção de autoria do recém‐egresso do ensino médio, após um semestre como aluno do curso de Pedagogia. Foram sujeitos da pesquisa 12 alunos, que Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 592 responderam a uma entrevista com questões geradoras focalizando autoria e plágio, para análise recorremos à análise de conteúdo. Os resultados apontaram que a escola tem um longo caminho a percorrer para se construir em espaço de apreço à autoria. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Trata‐se de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, a opção decorreu de ser nossa primeira inserção na temática com o propósito investigativo. Os participantes foram 12 alunos que frequentavam o primeiro semestre do curso de Pedagogia, de uma Instituição de Ensino Superior privada, do município de Presidente Prudente – SP. Sendo todos recém‐egressos do Ensino Médio. A coleta dados ocorreu mediante entrevista que teve cinco questões norteadoras: (1) Alguma vez você já entregou uma atividade pensando: isto não é meu, mas o professor não vai perceber? Conte alguma experiência desse tipo; (2) Quando você sente que um trabalho escolar é seu ‐ “Isto é meu, eu que fiz!”? Relate uma situação em que isso aconteceu; (3) Na sua vida escolar, lembra‐se de alguma conversa sobre o que é um sujeito‐autor? Seus professores revelam preocupação com esse assunto?; (4) Você recorda de alguma discussão, conduzida por professor do curso, sobre plágio? Fale sobre isso.; (5) Entre colegas do curso, você já participou de alguma conversa sobre plágio?. Como os dados coletados consistem em argumentações elaboradas pelos sujeitos, recorreremos à análise de conteúdo. Laville (1999, p. 214) explica que esta opção “consiste em desmontar a estrutura e os elementos desse conteúdo para esclarecer suas diferentes características e extrair sua significação”. Na sequência, encaminharemos a busca de significados educacionais paras as argumentações dos entrevistados. RESULTADOS E DISCUSSÃO Neste segmento apresentaremos fragmentos das falas dos entrevistados e procuraremos explicitar nossa compreensão acerca de implicações educacionais. Isto não é meu, mas o professor não vai perceber Transcrevemos excertos das manifestações dos participantes da pesquisa acerca de situações em que recorreram a cópias para cumprir tarefas escolares. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 593 Já peguei pesquisas da internet e entreguei, pensando que o professor não iria ler, copiei e colei nem ao menos troquei palavras. (A1) Eu não, mas vejo colegas de classe ao entregar um trabalho falando que copiou e colou. (A2) Sim! Não foi bom, a professora falou bastante para não fazer isso, pois pode ser preso (A5) Sim, já entreguei colado da internet mas foi por falta de tempo para fazer o trabalho (A7) Não tive escolha porque esqueci o meu trabalho no serviço... Comentei com minha colega e ela falou que iria imprimir dois trabalhos, uma pra cada, perguntei se não ia dar problema, ela respondeu que não, pois a professora não ia ler.” (A9) Sim, as vezes por preguiça, outras por falta de tempo, acabo pegando algo da internet como se fosse meu e entre para o professor, mesmo sabendo que é plágio. (A10) Sim, eu já entreguei colado a internet mas por falta de tempo para fazer o trabalho. (A11) Os fragmentos apresentados apontam, primeiro, para a existência do problema do plágio ou, como se diz com frequência, a prática do controlc x controlv. Isso mostra a pertinência das palavras Silva (2008) ao argumentar que: “desde o ensino fundamental à universidade, se tem convivido com a prática de cópias de produções textuais de outrem, de forma parcial ou total, omitindo‐se a fonte”. A autora ressalta que com a internet ampliaram‐se as possibilidades dessa prática. Evidencia‐se, também, uma determinada descrença dos alunos quanto ao zelo de seus professores ao avaliarem trabalhos escolares. Por exemplo, quando (A9) afirmou “pois a professora não ia ler”. Justificativas como “já entreguei colado da internet mas foi por falta de tempo” evidenciam aquilo que Giannetti (1998) considera como auto‐engano, mentiras que contamos para nós mesmos para não sentirmos culpa por atos eticamente inadequados que praticamos. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 594 Isto é meu, eu que fiz Os fragmentos a seguir tratam de experiência de autoria. Já houve casos que eu fiz os trabalhos, tirei uma base de artigos publicados, e a sensação é bem diferente de quando copio e colo, um misto de orgulho próprio e satisfação. (A1) Teve um trabalho que eu fiz, me empenhei para fazer e entreguei feliz porque fiz sozinha. (A4) Foi no colegial e a experiência de fazer totalmente só com minhas pesquisas e idéias um trabalho sobre meio ambiente foi muito gratificante. (A7) Ainda não aconteceu comigo... (A9) Já entreguei vários trabalhos de minha autoria, a gente fica feliz. (A11) Produzir um trabalho e saber que foi realmente de minha autoria me traz orgulho e ao mesmo tempo alívio. (A12) Nas argumentações colhidas, percebe‐se uma determinada timidez na fala sobre experiência de autoria. A autoria surge sob tonalidades que parecem anunciar exceções, chegando à situação em que o aluno disse “Ainda não aconteceu comigo”. Blattmann e Fragoso (2003, p. 61) alertam que “ao reconhecer autores e obras é importante valorizar a produção intelectual de cada indivíduo. No capital intelectual, o mérito autêntico é diferenciado do de ser plagiador”. Com preocupações similares, Silva (2008) ao discutir o plágio acadêmico, como ato que se consolida a partir dos hipertextos digitais, em detrimento da autoria, insiste sobre a necessidade de se abrir espaços objetivos e subjetivos na universidade para que a autoria se efetive. Uma conversa sobre o que é um sujeito autor Manifestações sobre o que é um sujeito‐autor, transcrevemos a seguir. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 595 No meu ensino médio houve muitas conversas sobre esse assunto, no ensino superior houve vários problemas de plágio. (A1) Sim, os professores falam para a gente não copiar porque assim não aprende (A4) O que eu mais ouvi é faça você mesma. (A9) O sujeito autor tem que pensar suas idéias e não usar a idéia de outra pessoa como se fosse sua. (A12) A autoria parece habitar uma área de silêncio, entende‐se ser assunto ausente no mundo escolar. Silva (2008) esclarece que a “escola é um espaço proveitoso no que se refere à contribuição que pode dar na formação do sujeito‐autor”. Porém, como afirma Demo (2010), se “quisermos aluno autor, antes é preciso inventar docente autor”. A cultura escolar, tão devotada à instrução, relega a criação à mera figura retórica. Transparece, bem enraizado, o sentimento da busca de um aprender desvinculado do exercício ético e estético, por exemplo, na argumentação de (A4) “os professores falam para a gente não copiar porque assim não aprende”. Conversa conduzida pelo professor sobre plágio Ao colocarmos em foco o plágio como assunto de possíveis discussões em sala‐de‐aula, obtivemos respostas cujos fragmentos são apresentados a seguir. Sim. Na aula o professor entregou alguns trabalhos e falou que a maioria tinha sido copiado e colado, foram poucos os que ele achou que estavam certos. (A2) Nesta semana nosso professor deu nota 0 em alguns trabalhos porque viu que eram plágio. (A3) Fiz um trabalho, só copiei e colei as últimas linhas, e o professor me largou sem nota, eu não achei certo pois fiz isso porque trabalho, fiz correndo para ficar sem nota. (A4) Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 596 Vários professores disseram que, inclusive, para trabalho completamente copiado não atribuiriam nota. Já nos disseram também que é crime realizar plágio. (A12) O plágio não é contraposto à autoria, surge como algo restrito à atribuição de nota. A fala dos alunos apontam para a existência de severas lacunas, oportunidades formativas estão se perdendo. Blattmann e Fragoso (2003, p. 62/63) afirmam que cabe à escola ser: linha mestra para criar e manter a sintonia entre os elos está o uso de ética, estética e técnica. Na ética, ao observar os critérios de direitos autorais, conhecer as normas de editoras e, principalmente, respeitar as políticas de privacidade. A estética une o belo, a delicadeza e a harmonia. Enquanto a técnica introduz a prática, a teoria e aplicação de procedimentos e recursos disponíveis. Estamos a viver um momento propício para ampliação dos desafios colocados à escola, nesse caminho cultivar a sensibilidade para apreciação da beleza da autoria – a própria e a do outro –, e o senso ético, como pensado por Savater (2000) quando advoga a construção de uma ética do amor‐ próprio. Hermann (2008, sp.) situa a postura ética como manifestação de autogoverno, de sabedoria ao escolher caminhos: As diferentes estratégias que permitem formar uma sensibilidade aguçada para com as particularidades da situação e a atenção às emoções em relação à construção da moralidade são contribuições da arte de viver que devem ser consideradas na educação, se quisermos educar pessoas com capacidade de decidir e conduzir suas vidas. A formação universitária não pode prescindir de ser espaço de vivência privilegiado de experiências de tomada de decisões, que requeiram o refinamento da sensibilidade para a escolha, com apreço à criação e aos criadores (SODRÉ, 2006). ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A preocupação de fundo que orientou esta pesquisa trata do possível desrespeito, em espaços escolares, à autoria. Pudemos perceber que a renúncia à autoria liga‐se ao discurso da falta de tempo, do trabalho. Isso implica tempo ganho em detrimento da formação conectada ao conhecimento com Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 597 significado e ao senso ético. Escolhas dessa natureza, fazem das pessoas usuárias de mecanismos de autoengano que dificultam experiências criativas no trato de algo valioso: ideias, leituras, criações. Quando o tema de reflexão transita pelas noções de autoria e plágio fica claro a predileção da escola pelo modelo calcado na instrução, que privilegia a fidelidade do aluno ao repetir o discurso do professor. Isso sacraliza os conteúdos curriculares e empurra ao território do silêncio a possibilidade de diálogos sobre ética, estética e sabedorias da vida cidadã. Os resultados mostraram que, em domínios escolares, autoria talvez precise ser inventada valendo‐se da desconstrução do culto à repetição fundada no ofício de copiar. A avaliação está a reclamar por novas sensibilidades para que o apreço à autoria, tanto a própria quanto a do outro, seja sentida como expressão de êxito da empreitada educacional. A arte de viver no mundo acadêmico necessita nova aragem, com importante convergência das preocupações éticas e estéticas. REFERÊNCIAS BLATTMANN, U.; FRAGOSO, G. M. Emoção em tecnologia da informação e da comunicação. In: BLATTMANN, U.; FRAGOSO, G. M. (Org.). O zapear a informação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. DEMO, P. Rupturas urgentes em educação. Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v, 18, n. 69, Rio de Janeiro, oct/dec. 2010. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S0104‐ 40362010000400011>. Acessado em 17 dez. 2011. FERNÁNDEZ, A. O saber em jogo: a psicopedagogia proporcionando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001. HEXHAM, I. The plague of plagiarism. Disponível em: <http://c.faculty.umkc.edu/cowande/plague.htm>. Acessado em 08 jul. 2010. GIANNETTI, E. Auto‐engano. São Paulo: Companhia da Letras, 1998. HERMANN, N. Ética: a aprendizagem da arte de viver. Educação e Sociedade, v. 29, n. 1002, Campinas‐SP, 2008. LAVILLE, C. A construção do saberes. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. SAVATER, Fernando. A ética do amor‐próprio. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012 Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão, Presidente Prudente, 22 a 25 de outubro, 2012 598 SILVA, O. S. F. Entre o plágio e a autoria: qual o papel da universidade? Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, vol. 13, n. 38, 2008. Disponível em <http://dx.doi.org/10.1590/S1413‐ 24782008000200012>. Acessado em 01 nov. 2010. SODRÉ, M. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis‐RJ: Vozes, 2006. Colloquium Humanarum, vol. 9, n. Especial, jul–dez, 2012