Universidade Federal do Rio de Janeiro
Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde
ASSISTÊNCIA DOMICILIAR NA SAÚDE SUPLEMENTAR: REVELANDO OS
PROCESSOS DE TRABALHO
Túlio Batista Franco
Psicólogo sanitarista, Prof. Dr. da UFF
Emerson Elias Merhy
Médico sanitarista, Prof. Livre Docente da UFRJ
André Amorim Martins
Psicólogo, Mestrando em Clínica Médica na UFRJ
Carla Almeida Alves
Psicóloga, pesquisadora associada Geges/ISC/PROPP/UFF/CNPq
Cristiano Freitas Arantes
Médico, Residente em Medicina Preventiva na UFF
Rosana Freitas Arantes
Assistente Social, Mestranda em Política Social na UFF
Introdução
Há algum tempo já vem se produzindo um consenso em torno dos serviços de saúde, que
diz respeito aos seus altos custos operacionais. Tanto os serviços públicos quanto os privados
adotaram modelos produtivos que seguem uma lógica segundo a qual há uma alta incorporação e
utilização de tecnologias duras e leve-duras, fazendo-as o centro dos processos produtivos. De outro
lado, se ressentem dos custos elevados com os quais são obrigados a lidar, visto que a lógica da
maquinaria eleva sobremaneira o valor dos produtos da saúde e não conseguem dar uma resposta
eficaz aos problemas de saúde.
Esta forma de organizar os serviços foi legitimada pela matriz teórica que vem do relatório
Flexner (EUA, 1910) o qual, ao declarar que o ensino médico deve estar voltado à pesquisa
biológica e à especialização do conhecimento, subsidiou a reforma do ensino médico e criou em
escala mundial um lastro teórico que induziu a constituição de modelos tecnoassistenciais centrados
na maquinaria, no saber especializado e na prática prescritiva. O conhecimento do corpo anátomofisiológico passou a matriciar o ensino e a colonizar as práticas assistenciais nos serviços de saúde.
O alto custo operacional dos serviços de saúde como já foi dito, gerados a partir deste
modelo, foi primeiro sentido pelo sistema público, dependente do financiamento estatal, o qual
entra em crise com a crise econômica mundial, de caráter recessivo, nos anos 1970. Esta conjuntura
reduziu a capacidade de financiamento dos estados nacionais, que passaram a adotar políticas de
austeridade financeira, com restrição de gastos, tornando as políticas sociais e entre elas a de saúde,
vulneráveis à impiedosa intervenção dos governos que vêm a se constituir nesse quadro econômico
(Franco, 2004).
Por outro lado, algumas iniciativas de organização de serviços de saúde tentaram inaugurar
novas práticas e modos de produção do cuidado, cujos efeitos poderiam ser considerados no âmbito
do esforço em substituir o modelo hegemônico. Entre eles destacam-se a Promoção à Saúde,
surgida no Canadá nos anos 1970. Dando seguimento a esse esforço foram discutidas no âmbito da
Conferência Internacional sobre os Cuidados Primários em Saúde, realizada em Alma Ata, em
1978, outras formas de organização das práticas de saúde, com objetivos voltados à promoção e
prevenção de agravos. No Brasil a maior expressão de um esforço realizado com esse objetivo é o
Programa Saúde da Família. No entanto esses modelos não impactaram substancialmente o modo
de produção do cuidado, permanecendo o processo de trabalho sob a hegemonia flexneriana. As
práticas de produção do cuidado seguem ainda muito centradas no ato prescritivo, na produção do
procedimento.
Se na saúde pública a proposta da substituição de certos modelos por outras formas de
organização da produção do cuidado se deu por esse rumo, o qual citamos anteriormente, na saúde
suplementar no enfrentamento dos altos custos prevaleceu uma diretriz que foi produzida no
contexto dos negócios, do mundo da economia e dos contratos. Nos EUA a lógica prevalecente foi
a da “atenção gerenciada”, que busca mudar o modelo através de contratos com os prestadores,
especialmente os médicos prescritores, impondo-lhes um certo controle da sua micro-decisão
clínica, tentando exercer a regulação da sua prescrição transferindo parte da sua decisão para a
figura de um “auditor” da operadora.
Toma-se a possibilidade de transferência do processo de decisão, sobre as
ações de saúde a serem realizadas nos serviços, do campo das corporações
médicas para os dos administradores, como uma estratégia vital para atacar a
relação custo-benefício do sistema. (Merhy, 2002:69).
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Essa nova prática das operadoras cria um contraditório no contexto da acumulação
capitalista no setor da saúde suplementar. Pois se o interesse dos fornecedores de equipamentos
biomédicos e medicamentos é de práticas de cuidado prescritivas, para induzir o alto consumo dos
seus produtos, o das operadoras é de restringir esse consumo. Os médicos por sua vez vêem
restrições na contratualidade instituída pela diretriz da “atenção gerenciada”, pois esses contratos
reduzem ou anulam o auto-governo que têm sobre o seu processo de trabalho. Já no Brasil, a
atenção gerenciada não é implementada com a radicalidade que o foi nos EUA, mas buscou associar
estratégias de redução da prescrição médica que vem pela via contratual e administrativa, pela
premiação dos médicos com menor prescrição e oferta de formação técnica. Tudo isto está
associado a novas tecnologias de cuidado, que vão no sentido de ações programáticas que começam
a ser praticadas por modelos tecnoassistenciais de algumas operadoras. Isso tem por objetivo
reduzir os custos na saúde suplementar, (Merhy, 2002:81; Brasil/MS/ANS, 2005).
É no contexto da busca da substituição do modelo, das práticas de cuidado, enfim, das
tecnologias usuais usadas nos processos de trabalho que surgem as propostas de “Programa de
Assistência Domiciliar” (PAD) que como veremos a seguir, apresentam modalidades extremamente
diversas dependendo da operadora que o adota.
A pesquisa da Assistência Domiciliar na Saúde Suplementar foi realizada pela Universidade
Federal Fluminense (UFF), em cooperação técnica-científica com a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), com apoio da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Organização Pan
Americana de Saúde (OPAS). Pelo seu caráter pioneiro, trata-se de um estudo prospectivo que tem
por objetivo revelar as modalidades utilizadas para a Assistência Domiciliar e verificar o caráter
substitutivo das práticas de cuidado nestes modelos, isto é, em que medida há no PAD uma
substituição das tecnologias no interior dos processos de trabalho.
Mas uma questão se torna central no estudo que se segue, qual seja, a que procura
interrogar: O que é substituição de tecnologias de cuidado? Quem ou o quê tem o atributo da
“substitutividade”? Como é possível verificar o caráter substitutivo de certos modelos em relação ao
modelo hegemônico?
Para proceder a essa avaliação utilizaremos o campo teórico que perpassa a discussão da
micropolítica dos processos de trabalho, tendo como foco a transição tecnológica na saúde.
Esse debate se inicia com a discussão da Reestruturação Produtiva da Saúde, introduzida
por Pires (1998) quando realizou o estudo em dois hospitais e concluiu que a incorporação
tecnológica resultava na reestruturação da produção. Observamos aqui, portanto, que houve certos
deslocamentos em torno do perfil tecnológico utilizado na produção do cuidado, os quais chamamos
de “Reestruturação Produtiva”, que significa “a resultante de mudança no modo de produzir o
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cuidado, geradas a partir de inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de
fabricar os produtivos da saúde, e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos
populacionais” (Merhy e Franco, 2006:225-226). A reestruturação produtiva não significa
necessariamente uma substituição das usuais tecnologias utilizadas no processo produtivo da saúde,
ou seja, ela opera mudanças, mas o processo de trabalho pode ainda continuar centrado na lógica
instrumental. Em um outro sentido, as mudanças no modo de produção do cuidado, podem provocar
ruptura com o velho processo centrado nas tecnologias duras, provocando uma substituição destas
tecnologias no núcleo do cuidado, pelas tecnologias leves e neste caso, teremos um outro fenômeno
o qual denominamos de “Transição Tecnológica”, que pode ocorrer inclusive por tensão criada no
processo de trabalho pela sua própria reestruturação (Merhy, 2002).
O processo de trabalho na saúde é profundamente marcado pela ação do Trabalho Vivo em
ato. Quando falamos de trabalho, vemos que os sujeitos que produzem se posicionam no centro do
debate, e nesse contexto trazem para a análise a subjetividade e os processos de subjetivação,
vetores importantes da micropolítica do processo de trabalho e do modo de produção da saúde. A
subjetividade é histórica e socialmente produzida, e seu núcleo operativo se encontra no desejo
processado em nível inconsciente, o qual faz com que as pessoas produzam certas realidades em
torno de si (Deleuze e Guattari, 1972; Baremblitt, 1998), podendo esta produção do meio social se
direcionar para diferentes conformações da realidade no âmbito do trabalho em saúde.
Essa subjetividade opera em redes, animando a micropolítica do processo de trabalho e
expandindo para o infinito o seu alcance. Esse movimento em redes é constitutivo do processo de
trabalho em saúde. Forma-se nas relações entre os trabalhadores, deles com os usuários e em linhas
de conexão para dentro e fora do domicílio, em fluxos abertos que configuram redes rizomáticas
(Deleuze e Guattari, 1995). Na micropolítica do processo de trabalho na saúde, essas redes se
formam por fluxos-conectivos que impulsionam determinado projeto terapêutico operando assim
uma dada linha do cuidado em todo processo que cerca o usuário (Franco, 2006). Compreender o
modo como as subjetividades vão operando nessa rede é importante para revelar as linhas e seus
pontos de ruptura no cuidado ao usuário.
O caráter de substitutividade de um dado modelo produtivo é dado pela configuração de
processos de transição tecnológica que como vimos, dizem respeito ao trabalho, às tecnologias de
trabalho e à subjetividade que opera esse conjunto. Portanto a análise do Programa de Assistência
Domiciliar deve se realizar com base no mundo do trabalho e das práticas de cuidado, deve ser
verificada sob o olhar da sua micropolítica.
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Metodologia
A pesquisa buscou revelar a experiência corrente na modelagem da Assistência Domiciliar
na Saúde Suplementar, caracterizando-se como um estudo de caso que contempla os segmentos
“medicina de grupo”, “cooperativa médica”, “auto-gestão” e “seguro saúde” no estado do Rio de
Janeiro e Minas Gerais.
É um estudo qualitativo que utilizou como instrumentos de coleta de dados a pesquisa
bibliográfica, pesquisa documental principalmente nos sites das operadoras e da ANS e entrevistas
com informantes estratégicos, com roteiro semi-estruturado. Foram entrevistados gestores da
operadora e da prestadora de serviços de Assistência Domiciliar, Coordenador das Equipes do
Programa de Assistência Domiciliar, Trabalhadores das mesmas e Usuários ou Cuidadores que
participam dos respectivos Programas. Além das entrevistas, foram realizadas visitas em domicílios,
com observação direta do processo de trabalho da equipe na relação com o beneficiário e sua
família. Também foram realizadas visitas técnicas às sedes das prestadoras de “Home Care”, com
acesso a todas as Unidades de apoio ao Programa de Assistência Domiciliar.
O objetivo geral da pesquisa é o de revelar os modelos de Programas de Assistência
Domiciliar na Saúde Suplementar, tendo como foco os processos de trabalho e buscando analisar o
quanto se produziu de mudança nas práticas de cuidado.
Os objetivos específicos são de descrever os aspectos organizacionais e de logística
utilizados pela prestadora de “Home Care”; descrever e analisar os critérios de elegibilidade dos
beneficiários ao PAD; analisar o processo de trabalho entendendo-o como o centro de tensões
produtivas do cuidado.
Os dados foram analisados a partir da matriz discursiva dos sujeitos da pesquisa e os
resultados agrupados na dimensão organizacional que reúne os aspectos da logística e infraestrutura, e dimensão da produção do cuidado, onde buscou-se uma descrição detalhada do processo
de trabalho e sua análise com base na ação tecnológica dos trabalhadores.
Resultados:
Uma questão preliminar importante é o fato de que a Assistência Domiciliar na Saúde
Suplementar não é regulamentada pela ANS, ela obedece apenas à regulamentação da ANVISA
para esse tipo de serviço, feita através da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) No. 11/2006.
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Aspectos Organizacionais do Programa de Assistência Domiciliar.
Para todas as operadoras, os aspectos organizacionais são parecidos, pois indicam a
necessidade de uma estrutura de funcionamento e logística que envolve fornecimento de materiais,
medicamentos (à exceção para os de uso oral), transporte e equipamentos hospitalares quando os
beneficiários são dependentes dos mesmos.
Para a questão relacionada aos trabalhadores, há uma mescla entre pessoal próprio e
contratos com cooperativas de profissionais ou mesmo profissionais autônomos. Há uma razoável
oferta de formação na área, que tem o objetivo de melhor adaptar os trabalhadores aos Programas
de Assistência Domiciliar. Da mesma forma que unanimemente busca-se transferir tecnologias de
cuidado aos familiares, no sentido de autonomizá-los como cuidadores. Isso já é parte da estratégia
de um trabalho que deve levar à Alta do beneficiário, do Programa, sem que haja conflitos que
usualmente são verificados nessa área específica, pois se tornou comum a família resistir à Alta.
Modelo Praticado por Uma Cooperativa Médica (CM).
A Cooperativa Médica (CM) pesquisada inicia a partir de 1999 o programa de Internação
Domiciliar – Home Care/ Hospital Casa, com o deslocamento de equipamentos hospitalares e
equipe assistencial para o domicilio do beneficiário. Após algumas pesquisas, verificou-se que esta
modalidade de atendimento era mais onerosa financeiramente para a operadora e não gerava um
retorno satisfatório para a família que assumia os cuidados ambulatoriais. Os familiares muitas
vezes acionavam judicialmente a CM para que esta assumisse os cuidados ambulatoriais.
A operadora inicia em 2002 três programas de atenção aos seus beneficiários. A principal
justificativa para os programas se encontra na grande freqüência de internações e em prontos
socorros, de certos grupos de beneficiários, e sabidamente essa população poderia ser melhor
assistida em domicílio, evitando supostos transtornos nos prontos atendimentos e internações
“desnecessárias”. Estes programas eram destinados inicialmente a pessoas acima de 65 anos, mas
posteriormente passou a ser ofertado para pessoas acima de 50 anos. Há exceções quanto à idade,
desde que se justifique o ingresso no PAD, em função do problema de saúde do beneficiário.
O primeiro programa que surgiu destinava-se à realização de Curativos em Domicílio, para
pacientes acamados que desenvolveram escaras, devido ao longo tempo de internação hospitalar e
que tiveram alta para a continuidade do tratamento e troca de curativo em seu domicilio.
Outro programa é a Internação Específica que surge com a demanda dos pacientes que
desejavam continuar o tratamento em domicílio, em vez de continuar no hospital. São pacientes, em
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sua maioria, em terapia endovenosa, estáveis e que podem fazer a troca da medicação sem precisar
fazer este trabalho no ambiente hospitalar.
O terceiro programa é designado Gerenciamento de Caso e oferece cuidado continuado à
pacientes portadores de doenças crônicas degenerativas e que podem ficar em domicilio para o
tratamento. É onde ocorre grande concentração de beneficiários.
Atualmente, o ingresso nesses programas ocorre por: a) demanda dos beneficiários; b)
indicação dos auditores após análise de casos realizada por eles; c) orientação do responsável
terapêutico de cada beneficiário, freqüentemente o médico. Para o ingresso é necessário que o
domicilio ofereça as condições necessárias para o trabalho em saúde.
O aumento desta demanda é em escala crescente. Em 1999 eram 18 clientes no programa de
curativos. Em 2003 passaram para 30 clientes abrangendo os três programas. Em 2004 o número de
beneficiários sobe para 300, 2005 o número é de 2.100. O ano de 2006 fecha com 3.500
beneficiários destes programas. Estipula-se que 50% dos casos são relacionados a Acidente
Vascular Cerebral (AVC). De acordo com a operadora, o aumento do número de beneficiários
inseridos no programa gerou uma redução de 54% nas internações hospitalares, 50% da redução de
visitas a pronto atendimento e redução global dos custos em 22%.
Número de Beneficiários na
AD
Gráfico 1 – Número de beneficiários na AD / ano.
3500
3300
3000
2500
2100
2000
1500
1000
500
0
18
2002
30
2003
300
2004
2005
2006
Ano
Fonte: banco de dados da Cooperativa Médica.
Para comportar esta demanda crescente a operadora conta com um corpo próprio de 60
profissionais, entre assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, nutricionistas e
psicóloga. Há também os profissionais de nível médio. Existe a demanda para o fonoaudiólogo para
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esta modalidade de Atenção Domiciliar. Além deste grupo a CM tem contrato com mais 4 (quatro)
prestadores para casos menos graves. A equipe conta com um espaço próprio, utilizado para
funções administrativa e operacional, que é utilizado para reuniões, treinamento, produção de
prontuários e armazenamento de medicamentos.
Os profissionais são divididos em equipes que servem de referência para o beneficiário (em
torno de 60 beneficiários por equipe) e trabalham em regiões estabelecidas, seguindo o modelo de
regionalização da administração municipal e do sistema público de saúde. A proposta destes
profissionais está relacionada principalmente à prevenção e treinamento do cuidador, sendo que
cada um tem uma atenção e disponibilidade de atendimento diferenciada. A enfermagem exerce
uma atuação mais presente, com visitas regulares no inicio da internação domiciliar e diminuindo
com o ingresso gradativo dos cuidados do cuidador. O fisioterapeuta e nutricionista têm número de
visitas estipuladas e pactuadas no projeto terapêutico de cada beneficiário. A presença do psicólogo
é solicitada quando há conflitos familiares e/ou família-equipe. A função do médico na Atenção
Domiciliar difere do médico cooperado. Este, geralmente é o medido assistente do beneficiário e
participa das discussões do projeto terapêutico que será conduzido em âmbito domiciliar pelo
médico e equipe do PAD, mas as visitas domiciliares são realizadas pelo medido do Programa.
Outro recurso disponibilizado aos beneficiários e familiares é a assistência por telefone, através do
qual eles podem tirar dúvidas, e a equipe utiliza para o monitoramento da qualidade dos serviços
prestados.
Os profissionais dispõem para o seu trabalho de uma estrutura bem organizada oferecida
pela CM: ajuda de custo para o deslocamento até o domicílio do beneficiário, telefone empresarial,
insumos alocados dentro da Sede da Atenção Domiciliar, sede própria com estrutura logística
operacional. Desde o início do programa somente 4 (quatro) profissionais desligaram-se e isso se
deu por motivos pessoais, demonstrando que há uma adesão do profissional a esta modalidade de
atendimento.
Aos beneficiários são oferecidas medicações de âmbito hospitalar, ambulância em caso de
urgência ou quando há necessidade de fazer exames em clínicas, e equipamentos hospitalares,
inclusive para o caso de ventilação mecânica. Mas, para a realização da Atenção Domiciliar, a
família tem como contrapartida oferecer a medicação de uso diário e de fácil acesso (gaze,
antitérmico, analgésicos, algodão, etc), mobiliário (cama, cadeiras específicas) e alimentação.
Devido à grande diversidade da clientela, no aspecto sócio-econômico, a operadora utiliza o
conceito de equidade para os cuidados em domicílio. Com isso, há uma flexibilidade no trato
dispensado ao beneficiário quanto ao fornecimento de medicamentos e a disponibilização de
cuidador. Isso passa a ser tratado de forma específica para cada caso. Nesta perspectiva, com o
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trabalho dos Assistentes Sociais é mapeada uma rede de apoio na comunidade local, junto ao
Sistema Único de Saúde, asilos, associação de moradores. Através dessa rede são identificados
prováveis cuidadores, fornecedores de medicamentos e insumos para os beneficiários, que
apresentam uma renda familiar que não suportaria os custos referentes às suas necessidades.
A alta está relacionada ao tipo de modalidade na qual o beneficiário está sendo atendido. Os
beneficiários que fazem parte do Gerenciamento de Casos são, em sua maioria, sequelados de
AVC, com estado avançado de Alzheimer, demências e já é esperado pela equipe que o cuidado a
estes beneficiários ocorra até o óbito. A alta, neste caso é considerada rara devido ao processo de
elegibilidade do beneficiário ao ingressar no programa, em média 2% dos casos. Já os beneficiários
da Intervenção Específica têm data para ingressar e desligar do programa devido ao cuidado
especifico que lhe foi prescrito, normalmente são terapias endovenosas, soroterapia e curativos. Há
um terceiro caso de alta que ocorre quando o beneficiário é transferido para outra estrutura da CM,
por exemplo o hospital. Neste caso é dada a alta ao beneficiário, ele é transferido e posteriormente,
caso haja necessidade, poderá retornar ao programa. Ressaltando que a alta pode ocorrer quando o
beneficiário ou a família solicitam a saída do programa.
O nível de satisfação do beneficiário nesta modalidade de Atenção Domiciliar é
considerado superior ao modelo anterior de Internação Domiciliar, devido às novas formas de
relacionamento entre equipe e família, com a referencia de um profissional para cada beneficiário, o
que gerou uma diminuição de mandatos judiciais e um aumento de beneficiários por demanda
espontânea.
Figura 1: Fluxo resumido de ingresso no PAD.
Entrada na
AD
- Demanda Espontanea
- Encaminhamento
- Convite de um auditor
Avaliação da
enfermagem
Sim
O
beneficiário
tem
elegibilidade?
Avaliação do
domicilio
O
domicilio
oferece
condições?
Sim
Programação
dos
profissionais
Realização de
visitas e
Gerenciamento
de Casos
Nâo
Não
Encaminhado
para clínica
médica ou
hospital
Modelo Praticado por uma Operadora de Medicina de Grupo.
Critérios de ingresso e rede de cuidados: Os critérios de elegibilidade para ingresso no
programa de cuidados ou internação domiciliar dizem respeito a beneficiários dependentes de
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...
internação hospitalar prolongada; perfil nosológico que torna possível realizar os cuidados
necessários em ambiente domiciliar, por exemplo tratamento de feridas, antibioticoterapia, suporte
pós-internação, acompanhamento para beneficiários portadores de doenças crônicas. Estes contam
ainda com o chamado “Projeto Gestor”, através do qual eles se vinculam a um ambulatório onde é
monitorada a sua saúde, feita a dispensação de medicamentos e controle do seu estado em geral.
Para ingressar no programa, é necessário que o beneficiário tenha indicação de algum
médico da operadora. Após essa indicação ele passa por uma avaliação da equipe do programa,
inclusive análise das suas condições sócio-econômicas e de moradia, que é feita com o objetivo de
avaliar a viabilidade em manter o beneficiário sob cuidados de uma equipe de saúde no seu próprio
domicílio. Por exemplo é importante verificar o espaço físico da casa, a estrutura familiar, a
presença de um cuidador (nos casos em que a família opta por não contratar um cuidador). A
prestadora tem uma grande flexibilidade no julgamento da elegibilidade de cada beneficiário, na
medida que é economicamente vantajoso para ela mantê-lo no programa.
De acordo com a Gestora, esses critérios clínicos não possuem regras estabelecidas, não
está escrito num protocolo, ficando a decisão da incorporação do beneficiário no Programa, ao
cargo da equipe de avaliadores, que é composta por uma enfermeira, uma médica e quando
necessário, fisioterapeuta, em conjunto com a prestadora/operadora.
Há famílias que se negam a receber o beneficiário em casa, pretendendo que o mesmo
continue no hospital. Nestas situações os profissionais da operadora realizam um esforço de
convencimento da família, mas contudo se esta não aceitar, o beneficiário não terá ingresso no
PAD.
FIGURA 1: Fluxo de ingresso do beneficiário no Programa de Assistência Domiciliar:
Médico
Prescreve
Assistência
Domiciliar
Operadora
solicita
avaliação do
Home Care
Elegibilidade?
S
Equipe avalia
condições da
família
assumir
Casa
viável?
Família
assume?
S
Franco, 2006.
A operadora conta com a seguinte estrutura de serviços, para apoiar o Programa:
Call-center: disponibilizado 24 horas para orientação aos cuidadores que trabalham no
programa, beneficiários e familiares atendidos.
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Prestadora
instala a
Assistência
Domiciliar.
Fallow up: o beneficiário que tem alta do programa tem um acompanhamento pelo
programa que faz contato com o mesmo no 3º. 7º. 15º. e 30º. dias, com objetivo de avaliar suas
condições após a alta.
Prontuário eletrônico: O prontuário eletrônico é um recurso importante para o trabalho no
programa, pois possibilita a qualquer membro da equipe acessar as informações pertinentes ao
beneficiário, assim como o apoio do call center para orientação ao mesmo ou seu familiar.
Ouvidoria: tem a função de receber sugestões e críticas ao programa, repassando as
mesmas para a coordenação e/ou outros órgãos internos de acompanhamento.
Gestão do Trabalho e Educação na Saúde: Em relação à educação e treinamentos dos seus
profissionais, a operadora conta com o suporte da equipe que fica na “Base”, que organiza
treinamentos iniciais e continuados para os profissionais.
Os treinamentos continuados buscam motivar os profissionais através de premiação. Há
ainda um programa de estímulo ao estudo superior, através do custeio de uma parte da mensalidade
da faculdade. São candidatos a esse apoio, os técnicos que possuem vínculos com a operadora de no
mínimo três anos.
Um problema importante enfrentado pelo programa diz respeito à “Alta”, pois os
beneficiários que tiverem ingresso no programa têm uma grande resistência em retornar aos
cuidados sem o apoio do mesmo. Há casos de recursos ao sistema judiciário para manutenção do
Programa de Assistência Domiciliar, mesmo que, de acordo com a operadora, não haja indicação
clínica para isso.
Os profissionais começam a trabalhar a alta desde o ingresso no Programa, procurando
transferir conhecimento, tecnologias de cuidado a familiares e realizando um trabalho de
“desmame” que é uma alta gradativa, para amenizar os impactos da alta. Nesse sentido a própria
operadora mantém outros programas de suporte a certa clientela, que tentam deixar o beneficiário e
seus familiares mais confortáveis e seguros, para assumirem os seus cuidados após a alta do
programa, que são:
a) O Projeto Gestor é o monitoramento, pelo telefone, de pacientes crônicos, em sua
maioria, idosos, e tem como objetivo principal, gerenciar esses pacientes para evitar intercorrências
e internações.
b) O Total Care é um ambulatório super especializado, que possui duas sedes. É
direcionado para o tratamento de pacientes crônicos, em geral, diabéticos, hipertensos, cardiopatas.
Tem uma preocupação com a qualidade de vida, realizando atividades de grupos e apoio
psicológico.
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c) Projeto Onco Care é direcionado para pacientes com câncer, que necessitam terminar o
ciclo de quimioterapia, ou de cuidados paliativos. É utilizada a mesma estrutura do Home Care,
porém, existem suas especificidades em virtude da complexidade do perfil clínico desses pacientes.
Processo de Trabalho: O trabalho de coordenação do programa é realizado por uma médica
que tem a função de realizar o primeiro contato com a família, para explicar a estrutura do Home
Care e apresentar o serviço; intermediar os problemas entre a equipe, familiares, cuidadores,
prestadora/operadora; coordenar o trabalho de logística de enfermagem, fisioterapeutas, médicos;
montagem de enfermagem; ver a elegibilidade do doente, se o paciente é elegível para o Home Care
ou não; fazer link com os enfermeiros e demais profissionais que estão na rua, dividir os casos com
eles.
A assistente social contribui com a avaliação do beneficiário, nos aspectos sócioeconômicos e condições gerais da família para admissibilidade nos programas de cuidados ou
internação domiciliar. A coordenação da equipe e da respectiva área ficam ao cargo da enfermeira.
A prestadora contrata em torno de 210 técnicos que têm vínculo empregatício com a
própria, e ainda em torno de 100 técnicos contratados de terceiros. Quanto às diferenças dos
vínculos empregatícios dos técnicos de enfermagem, a operadora sinaliza o impacto negativo dessas
duas contratações no processo de trabalho da equipe.
O profissional de enfermagem é considerado de extrema relevância para a operadora, sendo
os cargos de coordenação das áreas, ocupados por eles. Os profissionais de enfermagem que estão
na assistência direta, possuem funções desde ensinar o cuidador sobre o manuseio, a manipulação, a
orientação, a higiene do paciente e de toda estrutura até, orientação de cânula de traqueostomia. Os
treinamentos oferecidos para os cuidadores, que são previamente definidos pela família, são
realizados também pelo profissional de enfermagem, tendo normalmente 15 dias de duração.
Todos os profissionais reconhecem que os enfermeiros possuem maior vínculo com os
beneficiários e com as famílias. E esse reconhecimento é justificado, pelo fato deles estarem mais
próximos do ambiente familiar. Para a operadora o enfermeiro é visto como figura central no
processo de produção do cuidado. Seja pela intermediação que faz com os demais profissionais, seja
pelo vínculo que constrói com a família e beneficiário.
Os profissionais consideram que os treinamentos ofertados pela operadora ficam restritos
aos aspectos clínicos e epidemiológicos, contemplando pouco as questões relacionais, que são
também demandas importantes do programa.
Informam que não há um suporte psicológico para
cuidar de questões que são singulares às relações no ambiente domiciliar.
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A integração entre os profissionais da equipe é valorizada na construção e modificação do
plano terapêutico, na medida em que os profissionais são chamados a discutir, por exemplo, a
melhor forma de organizar o seu processo de trabalho.
Em relação ao vínculo estabelecido entre os profissionais com a família e/ou beneficiário,
principalmente o profissional técnico de enfermagem que está mais próximo da família, a operadora
avalia que os profissionais não têm que ter vínculos, pois há o receito de interferência nos trabalhos
a serem realizados, por outro lado, a operadora reforça a necessidade dos profissionais de rotina
manterem vínculos com os beneficiários e familiares, inclusive, elegendo uma equipe de
profissionais de rotina fixa para o atendimento no domicílio.
Modelo Praticado por Operadora de Auto-Gestão.
Critérios para o Ingresso no Programa
Existem alguns hospitais credenciados pela operadora, onde é feito um contato com a
equipe do hospital, fisioterapeutas, médicos, enfermeiros, para informar sobre o programa de
atenção domiciliar. Em casos de pacientes que tenham o perfil do programa é realizado um
levantamento das internações, através dos prontuários. Nos casos elegíveis para a atenção
domiciliar é realizada uma visita à família para verificar as condições físicas e logísticas do
domicílio, conhecer a disponibilidade da família em ter uma pessoa sob seus cuidados diários,
identificar a presença de um responsável na família com disponibilidade e motivação para cuidar do
beneficiário. Quando o paciente está lúcido a equipe também conversa com o paciente, para sentir
como é o contato que a família tem com o paciente e qual o seu desejo.
Depois de realizada a visita familiar é traçado um plano terapêutico, onde se levantam todos
os recursos possíveis de serem mobilizados pela operadora, desde os profissionais, equipamentos,
medicamentos. Em cima desse levantamento é discutido com a família o plano terapêutico e a
viabilização do mesmo. É absolutamente necessário o acordo do beneficiário e da família para o
ingresso no PAD.
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Figura 3: Fluxo de Ingresso do beneficiário ao Programa de Atenção ou Internação
Domiciliar da operadora de auto-gestão pesquisada.
Levantamento
de casos
através de
prontuários.
Caso
elegível?
Avaliação do
domicílio e
família.
Franco, T. B., 2007.
Tem um
cuidador?
Discute-se um
plano
terapêutico.
Beneficiário é
admitido no
PAD/PID.
Há
acordo
no
plano?
O programa de atenção domiciliar divide o perfil dos usuários em quatro grupos elegíveis
para o programa, sendo eles:
Crônicos: são aqueles portadores de condições irreversíveis e que podem ser evolutivas
como: comatosos, pulmonares crônicos, renais crônicos.
Portadores de necessidades especiais: são os que apresentaram alguma doença ou
acidente, foram tratados, mas sofreram alguma lesão permanente como: tetraplégicos,
paraplégicos, vítimas de AVC, amputados, etc.
Reabilitáveis: são doentes que apresentaram alguma doença ou acidente, foram tratados, e
adquiriram estabilidade clínica, mas sofreram lesões que provocam longa convalescença como:
queimados, politraumatizados, ortopédicos, portadores de infecções que necessitaram de
debridamentos e drenagens extensas, portadores de pés diabéticos, úlceras varicosas, etc.
Terminais: são os pacientes em fase final (fora de possibilidades terapêuticas), quando
não há mais chances de se evitar o óbito, mas que necessitam de cuidados gerais e alívio dos
sintomas, como: neoplásicos, pulmonares crônicos, renais crônicos, portadores de AIDS, etc.
Modelos de Atenção Domiciliar da Operadora.
O programa da operadora tem duas modalidades de atenção domiciliar. Uma que eles
chamam de suporte domiciliar e outra, chamada de assistência domiciliar ou internação domiciliar.
O divisor de águas entre essas duas modalidades é justamente o que eles chamam de “modalidade
de complexidade do paciente”, e toda a necessidade que vem a partir desta situação. Essas
modalidades de atenção domiciliar são definidas pelo programa como:
14
Suporte Domiciliar: Necessidade de cuidado de saúde, que pode ser, desde cuidador, até,
aquisição de medicamentos de uso contínuo, empréstimo de materiais hospitalares (cama, cadeira
de rodas, cadeira higiênica, ou outros), terapias complementares em âmbito domiciliar
(fisioterapia, fonoaudiologia, etc.), sendo as necessidades de enfermagem definidas pela freqüência
de uma visita por dia até uma visita por semana.
Assistência Domiciliar: Necessidade de cuidado de saúde mais intensivo, onde haja
necessidade de enfermagem (podendo variar de 24 horas por dia a uma visita periódica), além de
assistência médica e de outros profissionais de saúde, mesmo contando com a presença de um ou
mais cuidadores treinados ou em treinamento. Destina-se a pacientes que de outra forma estariam
internados em hospital.
Um paciente de suporte domiciliar tem o cuidado estruturado através de uma equipe
multiprofissional, mas uma assistência entendida pela operadora como “simplificada”, pois dispensa
um “substrato tecnológico maior”. Já o paciente da internação domiciliar tem uma estrutura mais
forte atrás dele e tem uma equipe que presta cuidados quase que intensivos ao paciente.
Vale ressaltar que a operadora tem como modelo tecnoassistencial o “estratégia saúde da
família”, que tem uma vinculação de certa clientela a uma equipe de saúde em toda sua rede
assistencial e faz conecções com o PAD. A equipe desse programa é composta por técnicos de
enfermagem, nutricionista, psicólogo, enfermeiro, assistente social, médico, subdivididos por área
programática, que na verdade são divididos por bairros.
Essa modalidade assistencial é considerada bastante importante para programa de atenção
domiciliar, na medida em que há beneficiários que podem ser acompanhados pelo “programa
estratégia da família” contribuindo para a alta do PAD e para a continuidade do suporte assistencial.
Existe um universo enorme de pacientes que estão na modalidade de suporte domiciliar,
oferecida pela operadora, que vem sendo monitorada pelo “estratégia saúde da família”.
Processo de Trabalho no PAD/PID.
A coordenação do programa é responsável por realizar a gestão do cuidado, participando
das visitas domiciliares para fazer a avaliação da relação custo-benefício da atenção para cada
usuário, o plano terapêutico, fazendo as referências e requisitando o trabalho de outros
profissionais. Entre suas funções encontra-se a de apresentar planejamento operacional e avaliar o
desempenho dos profissionais da equipe.
15
FIGURA 4: Organização e fluxos de cuidado estabelecidos pelo Programa de Atenção
e Assistência Domiciliar da operadora de auto-gestão pesquisada.
Cooperativas
Prestadores
Privados
Empresa
Home Care
GESTOR DO
CUIDADO
Equipe de
Coordenação
REDE
PSF
Beneficiário
Familia/cuidador
Franco, T.B., 2007
Para a operadora a assistente social é considerada o canal de comunicação com a família.
Ela tem uma carga horária superior ao resto da equipe, que são 40 horas semanais. Ela tem como
atribuições: realizar visitas domiciliares e hospitalares para perceber as situações de vida da família
e do usuário, que vai desde a questão financeira, até o vínculo familiar, a disponibilidade da família
em cuidar no domicílio; sensibilizar a família para a desospitalização; dar suporte emocional à
família; resolver a entrega de material, equipamento e serviços; agilizar as autorizações dos
procedimentos.
O enfermeiro é responsável pela discussão com a família sobre a racionalidade do uso dos
medicamentos e equipamentos, supervisiona e avalia o técnico de enfermagem que está na
residência, implementa ações de educação em saúde. Avalia a evolução da terapêutica médica,
trocando informações com o médico da equipe. É responsável também, pela fiscalização do
prontuário e formulários conforme a atuação da equipe.
O psicólogo dá suporte para a família, para o usuário e também, para a equipe interna.
O médico tem como atribuições, fazer anamnese do paciente com enfoque no doente e não
na doença; identificar as necessidades e os tipos de suporte domiciliar como, medicamentos,
16
nutricionais, terapias complementares, aparelhos, profissionais; elaborar um planejamento
terapêutico; promover a continuação dos cuidados; avaliar a qualidade do serviço médico realizado
pela assistência terceirizada; participar do treinamento do cuidador e da promoção da saúde do
usuário.
Modelo Praticado por Operadora de Seguro Saúde.
Contextualização
A seguradora de saúde pesquisada possui um universo de 2.550.743 beneficiários no
1
Brasil . Esse contingente de beneficiários representa cerca de 50% do total de beneficiários das 14
seguradoras de saúde existentes no Brasil (BRASIL, 2005).
Para a internação domiciliária foram contratadas algumas empresas prestadoras de serviço,
uma das quais foi também alvo da investigação que resultou neste relatório.
Essa empresa é formada pela parceria de um grande grupo privado brasileiro (que opera nas
áreas financeira, imobiliária, de seguros, entretenimento e de saúde) com outro grupo europeu, com
experiência na área de saúde. Está há 14 anos oferecendo serviço de home care em 7 cidades no
Brasil, é conveniada de diversas operadoras de saúde além de oferecer serviços também a pessoas
físicas. Possui cerca de 150 pacientes em internação domiciliar no Rio de Janeiro e Grande Rio.
Possui uma equipe muitidisciplinar em cada unidade formada por médicos, psicólogo, enfermeiro,
técnico de enfermagem, nutricionista, fisioterapeuta e assistente social. A maioria dos profissionais
desta equipe é composta por contratos terceirizados, seja por cooperativas, seja por pessoa jurídica.
Programa de Internação Domiciliar surgiu a partir da demanda de um paciente cuja família
solicitou a seguradora para adquirir um respirador, pois bastava isso para o paciente permanecer em
domicílio já que a família manuseava o equipamento com destreza. Atendida a solicitação da
família, a seguradora fez os cálculos atuariais e verificou que “o custo benefício seria muito maior.”
Refere este como sendo o primeiro caso. Mas não deixa de mencionar a importância do movimento
do mercado como determinante na oferta desta modalidade de internação domiciliar.
Critério de Ingresso: Um pequeno grupo de profissionais, funcionários da seguradora,
verifica sistematicamente o custo e tempo de permanência em internação hospitalar dos pacientes.
Caso um paciente esteja a um tempo maior do que o esperado e, portanto, representando um custo
elevado para a seguradora, imediatamente um auditor é acionado para verificar se o paciente em
questão possui condições clínicas para seguir com o tratamento em domicílio. Outra possibilidade
de identificar um paciente é através dos médicos auditores que fazem visitas freqüentes aos
1
Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários-ANS/MS-06/2006 ;
Cadastro de Operadoras - 06/2006.
17
hospitais de grande faturamento para a seguradora e aos pacientes nele internados e verificam se há
possibilidade de transferir o paciente para um tratamento em domicílio. Se houver essa
possibilidade a seguradora apresenta a situação para a empresa prestadora de serviços de internação
domiciliar que se encarrega de avaliar com mais minúcias técnicas as possibilidades de substituir a
internação hospitalar por domiciliar. Outra possibilidade é o desejo da própria família ou a
indicação do médico assistente.
Esta avaliação é realizada por um enfermeiro que segue um protocolo de avaliação clínica,
psicológica e social do paciente e da família. Esse mesmo profissional conversa com a família e, se
for possível com o paciente também, sobre essa possibilidade de transferência para o domicílio.
Segundo os entrevistados é a família do paciente quem confirma o ingresso do mesmo no PAD.
O fluxo de ingresso no PID é o seguinte: A seguradora indica o paciente que será
beneficiado com a internação domiciliar, a prestadora ratifica a indicação da operadora e esta então
autoriza a internação domiciliar. Nesse caso a prestadora encaminha uma relação de necessidades e
um plano terapêutico para a aprovação da operadora. Esse processo às vezes é moroso, acarretando
situações em que durante o processo entre a operadora e prestadora, o beneficiário tem alta
hospitalar e não mais fará uso do Programa.
A clientela alvo da internação domiciliar são os doentes crônicos (80%). Pacientes com
DPOC, com seqüela de AVC, cardiopatas, parkinsonianos ou com outras doenças neurológicas que
demandam certos tipos de procedimentos como hidratação venosa, medicação de uso venoso,
nutrição parenteral, uso de respirador ou algum suporte respiratório. Outro tipo de paciente que
freqüentemente vai para casa, é o “doente terminal”. Casos agudos de pacientes que demandam de
uma antibiótico-terapia, ou quimioterapia, como nos casos de portadores de neoplasias são
considerados também internação domiciliar, no entanto em regime de 6 a 12 horas de assistência do
técnico de enfermagem.
Toda internação domiciliar, exceto as situações pontuais mencionadas logo acima, iniciamse com a permanência de técnico de enfermagem por 24 horas, com escalas de trabalho 12/32
conforme rege as leis trabalhistas para essa categoria profissional. À medida que o paciente vai
estabilizando e a família incorpora a rotina de cuidados, o cuidado técnico de enfermagem passa
para 12 horas, posteriormente para 6 e finalmente para 2 horas quando o paciente demanda apenas
um procedimento que justifique a visita do técnico de enfermagem.
Para monitorar o chamado “desmame” do técnico de enfermagem, um médico visitador,
contratado pela operadora, também via terceirização, visita freqüentemente o paciente para avaliar o
plano terapêutico e os relatórios enviados pela prestadora com o estado e necessidades do paciente.
Caso o desmame não seja feito em tempo previsto e, de acordo com a sinalização do médico
18
visitador, denominado pelo gestor da operadora como “médico dedo-duro”, sobre uma possível
lentidão no processo, a operadora cobra da prestadora uma multa diária que representa de 5 a 10%
do total do faturamento.
Produção do Cuidado: A prestadora de “Home Care” trabalha no padrão tradicional de
cuidados domiciliários, e tem obtido resultados importante que são reconhecidos pelos
trabalhadores e usuário entrevistados. O usuário que foi observado e entrevistado, trata-se de uma
pessoa com grande seqüela e restrições motoras e que mesmo nessa situação, conseguiu manifestar
seus sentimentos de satisfação ao ser transferida de cuidados hospitalares para a assistência
domiciliar, demonstrando que o programa gera satisfação e que há uma preferência pelo domicílio,
em relação ao hospital. Os trabalhadores usam intensamente seu auto-governo para exercer o
cuidado, se relacionando com a família e em muitos casos interagindo com seu modo singular de
cuidar.
Há no entanto um atravessamento importante quanto à normatização do Programa, visto
que, a operadora é monitorada pela seguradora, que estabelece metas a serem cumpridas na
produção de cuidado e os resultados são estabelecidos para serem cumpridos em um certo número
de “dias de internação”, o que induz a um stress nos profissionais para o exercício do cuidado. Essa
lógica de cuidado, no entanto choca-se com outros interesses em jogo no espaço da micropolítica,
como por exemplo, o da necessidade do cliente, que muitas vezes não se cumpre com o
“fechamento da ferida em x dias”, o que leva a que o usuário venha a recorrer judicialmente para
manter o programa, bem como há uma reivindicação explícita para que a ANS regule o PAD. Vale
ressaltar que a internação domiciliar leva o tempo que for necessário, mesmo que tenha de haver
uma autorização a ser emitida periodicamente.
CONCLUSÕES:
Os modelos tecnoassistenciais na saúde suplementar são muito diversos, e cada operadora
adota determinado formato na organização da assistência à saúde, estruturado pela micro-regulação
que ela exerce, na contratualidade com os prestadores, fornecedores e beneficiários. É no contexto
da organização dos serviços na saúde suplementar, que são estruturados os Programas de
Assistência Domiciliar. Importa registrar para a análise que, por se tratar de ofertas de serviços de
saúde privados, esse contexto sofre o atravessamento das questões de mercado, próprias do campo
econômico e financeiro. E nós podemos observar na pesquisa, que elas estão no centro de decisões
dos gestores das operadoras, pois uma primeira conclusão que podemos ter, e que é comum a todas
operadoras estudadas, diz respeito ao fato de que motivação econômica, pela redução dos custos
19
operacionais dos serviços de saúde, está no centro da decisão pela implantação dos Programas de
Assistência Domiciliar. Outras questão comuns a todas operadoras pesquisadas são:
Nos aspectos organizacionais:
Critérios de ingresso dos usuários: Nesse quesito, a prioridade está sempre na população
idosa, mais suscetível ao adoecimento e muitas vezes são portadores de doenças crônicas que
demandam cuidados prolongados, mas mesmo havendo um critério de elegibilidade pela faixa
etária, o item que define o ingresso do beneficiário pela internação prolongada, alta utilização de
recursos de emergência ou mesmo hospitalares são determinantes para a decisão da inclusão no
PAD.
Grande infra-estrutura e logística: Os cuidados domiciliários são extremamente
dependentes de uma certa infra-estrutura e logística, que já são quesitos importantes para o
funcionamento dos Programas de Assistência em domicílio, e mais fundamental quando se trata de
Internação domiciliar, o que envolve muitas vezes prótese respiratória e outros equipamentos de
maior densidade “tecnológica”.
Equipes multiprofissionais: No caso da Assistência Domiciliar o cuidado é organizado por
equipes multiprofissionais, trazendo para o trabalho os vários saberes e fazeres da saúde. Há um
grande reconhecimento ao múltiplo conhecimento e uma interdependência entre os profissionais
para o cuidado ao usuário. Forma-se uma rede de conexões produtivas, autogerida, que se comunica
intensamente.
Apostas diferenciadas quanto ao modelo: Os modelos de Assistência Domiciliar vão
refletindo uma grande diversidade entre as operadoras e indicam qual a aposta que fazem para seus
PAD’s.
Vale ressaltar que a operadora de Medicina de Grupo investigada, assim como a de Seguro
Saúde, apostam em um modelo tradicional de “Home Care”, tendo uma prestadora que possa
realizar a assistência domiciliar nos moldes tradicionais de cuidados a uma certa clientela que
atende aos critérios de elegibilidade, conforme já discutidos acima. Fazem a aposta básica de
redução de custos de uma certa população de usuários que, pelo seu perfil nosológico, são clientes
com alto consumo e custos.
Já a operadora de Cooperativa Médica investigada, trata-se de um caso atípico na saúde
suplementar, ao ter no seu quadro de clientes, que estão em torno de seis mil, 3.500 em regime de
assistência domiciliar. Tendo esta operadora organizado um sistema regionalizado, territorialmente
referenciado para conseguir ampliar e cuidar dessa clientela. É uma aposta diferenciada, pois tende
a encarar o programa não apenas para a redução dos seus custos, mas com essa amplitude pode-se
20
inferir que há também um sentido na melhoria da assistência, na qualificação do cuidado que se
realiza.
Uma outra aposta que também se diferencia no que é mais comum se ver na saúde
suplementar, diz respeito à operadora de auto-gestão, que embora tenha uma pequena clientela sob
cuidados do Programa de Assistência Domiciliar, tem uma grande retaguarda deste programa no
modelo tecnoassistencial que adota, o “estratégia saúde da família”, que por si só já constitui
cuidados domiciliários e serve de uma retaguarda ampla e eficaz ao PAD. Nota-se aqui que há
também um sentido na qualificação da assistência e na produção do cuidado à sua clientela.
O plano da produção do cuidado:
Uma primeira e importante questão diz respeito ao reconhecimento unânime de que, do
ponto de vista dos beneficiários, a Assistência Domiciliar é melhor do que a Assistência Hospitalar.
Isso é dito pelos usuários do programa e cuidadores entrevistados. Um exemplo importante para
ilustrar essa afirmativa vem da entrevista da cuidadora que tem um usuário em sistema de
internação domiciliar há 7 anos, em quadro grave de semi-letargia, e quando este ingressou no
Programa, demonstrou através de singelas expressões faciais, a satisfação pelo fato de estar sendo
cuidado em casa. O Programa tornou-se um lugar seguro para a vida daquela pessoa e colocou-a,
sob o conforto da família. É nesse plano dos sentidos e afetos que se assenta o alto índice de
aprovação do PAD.
Esse mesmo significado gera um alto grau de adesão às proposta do Programa pelos
trabalhadores, onde constata-se que os mesmo se apegam aos princípios de cuidado domiciliar
como se fosse um projeto portador de um futuro novo para a saúde, humanitariamente mais zeloso
do que o atual e mais gratificante para o trabalhador. Esse aspecto, de estar trabalhando em um
projeto que aponta para o futuro, dá ao trabalhador uma motivação adicional na sua participação no
Programa.
Há também lógicas de atravessamento que amesquinham as relações e as práticas de
cuidado, colonizando certos grupos de trabalhadores com formas de organização do trabalho que
estão centradas nos procedimentos, os atos normativos. Essas práticas são pouco sensíveis à
dimensão das relações como uma tecnologia de cuidado, à percepção do usuário, da família como
sujeitos plenos de saberes e detentores de práticas de cuidado válidas.
No cotidiano de trabalho, as dimensões do “cuidado cuidador” e do “cuidado não cuidador”
vão travar o seu duelo consciente e inconsciente, resultando em projetos de cuidado que podem em
alguma medida refletir o conflito ou superar uma certa dimensão em favor de outra. Na
micropolítica do processo de trabalho vamos percebendo mudanças de práticas, refletidas nas
21
atitudes de alguns profissionais que sofrem processos de subjetivação pelos valores e a cultura que
traz o ato de cuidar, especialmente na nova interação com a família do beneficiário. Isso opera
mudanças no seu micro processo de trabalho, o lugar singular no qual ele se encontra, torna-se um
locus instituinte de novas práticas de cuidado.
Na análise final podemos dizer que os processos de trabalho operam sob duas tensões: a
primeira, que vem da lógica instrumental, apoiada na motivação econômico-financeira das
operadoras, que é o fundamento para a existência dos PAD’s, sob o ponto de vista das empresas; a
segundo que nasce da potência que têm os trabalhadores em governar seu processo de trabalho e o
faz por lógicas de “cuidado cuidador”, movidas a subjetividades solidárias, mas há em muitos deles
o contágio da dimensão instrumental do processo de trabalho. Os vetores de tensão formam campos
de força sobre o processo de trabalho que resultam em processos de Reestruturação Produtiva. Mas,
de forma incipiente e residual podemos identificar nos pequenos atos do cotidiano, práticas de
cuidado radicalmente novas, que acolhem, criam vínculos e tentam impor um modo de operar
centrado nas tecnologias mais relacionais. Esses atos instituintes podem levar a movimentos de
“transição tecnológica”, contrariando o modo hegemônico de conceber os Programas de Assistência
Domiciliar.
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