ARTIGO ORIGINAL
/ ORIGINAL ARTICLE
Sobrecarga em familiares de portadores de sofrimento psíquico que
frequentam Centros de Atenção Psicossocial*
Family burden in relatives of psychiatric patients in Psychosocial Attention Centers
Elaine Tomasi 1, Janaina Ongaratto Rodrigues 2, Gracyelle Pólvora Feijó 3, Luiz Augusto Facchini 4,
Roberto Xavier Piccini 5, Elaine Thumé 6, Ricardo Azevedo da Silva 7, Helen Gonçalves 8
Docente do Programa de Pós-Graduação
em Saúde e Comportamento da
Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).
[email protected]
RESUMO O adoecimento psíquico desorganiza o funcionamento familiar, gerando
Acadêmica do curso de Psicologia da
UCPEL.
[email protected]
e investigar fatores associados, a Zarit Burden Interview e o questionário SRQ-20
1
2
Acadêmica do curso de Psicologia da
UCPEL.
[email protected]
3
uma sobrecarga importante. Com o objetivo de aferir níveis de sobrecarga em
cuidadores de pacientes dos Centros de Apoio Psicossocial (Caps) de Pelotas (RS),
foram aplicados a 874 cuidadores, em entrevistas domiciliares, após consentimento
assinado. A pontuação média na escala de sobrecarga foi de 23,4 (desvio padrão =
15,6), significativamente maior entre as mulheres, entre cuidadores mais velhos com
níveis mais baixos de escolaridade, mães que cuidam diariamente de usuários que
Docente do Programa de Pós-Graduação
em Epidemiologia da Universidade Federal
de Pelotas (UFPEL).
[email protected]
apresentavam grande dependência e distúrbios mais severos. A presença de transtornos
Docente do Departamento de Medicina
Social da Universidade Federal de Pelotas
(UFPEL).
[email protected]
apoio aos familiares com vistas a minimizar seu sofrimento.
4
5
Docente da Escola de Enfermagem
e Obstetrícia da Universidade Federal
de Pelotas (UFPEL) e Doutoranda
do Programa de Pós-Graduação em
Epidemiologia da UFPEL.
[email protected]
mentais comuns foi de 41% e os classificados como possíveis casos tiveram maior
média na sobrecarga do que os demais. Os serviços devem construir mecanismos de
PALAVRAS-CHAVE: Sobrecarga familiar; Sofrimento psíquico; Reforma
psiquiátrica.
6
ABSTRACT The psychic illness disorganizes the family function, creating an
important family burden. In order to compare the burden levels in patient caregivers
from the Psychosocial Support Centers (Caps, acronym in Portuguese) of Pelotas (RS),
Docente do Programa de Pós-Graduação
em Saúde e Comportamento da
Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).
[email protected]
and to investigate the associated factors, the Zarit Burden Interview and the SRQ-
Docente do Programa de Pós-Graduação
em Epidemiologia da Universidade Federal
de Pelotas (UFPEL).
[email protected]
= 15,6), significantly larger between women, older caregivers with lower education
7
8
2O questionnaire were applied to 874 caregivers, in home-made interviews, after
signed consent. The average score in the burden scale was 23,4 (standard deviation
levels, mothers who take care of highly dependent users, with more severe disorders. The
presence of common mental disorders was of 41% and the ones classified as possible
cases had a higher average of burden than the rest. The services must construct ways
of support to the families with the goal of cutting their pain to the minimum.
KEYWORDS: Family burden; Stress, Psychological; Psychiatric reform.
* O estudo foi financiado pelo Edital MCT-CNPq/MS-SCTIE-DECIT/CT-Saúde 07/2005 – processo 554554/2005-4.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 84, p. 159-167, jan./mar. 2010
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Tomasi, E.; Rodrigues, J.O.; Feijó, G.P.; Facchini, L.A.; Piccini, R.X.; Thumé, E.; Silva, R.A.; Gonçalves, H. •
portadores de sofrimento psíquico que frequentam Centros de Atenção Psicossocial
I N T R O D U ç ão
Sobrecarga em familiares de
de um paciente psiquiátrico pode gerar sobrecarga física e
mental, pois se pressupõe que pessoas adultas possam ser
independentes em vários sentidos (Tessler; Gamache,
A reforma psiquiátrica se desenvolveu no Brasil a
2000 apud Bandeira; Calzavara; Varella, 2005).
partir do final da década de 1970, priorizando a mudança
A sobrecarga do(s) cuidador(es) está relacionada à
do modelo assistencial. Em abril de 2001 foi aprovada a
presença de problemas, dificuldades ou eventos adversos
Lei da Reforma Psiquiátrica no Brasil, de número 10.216,
que afetam a vida cotidiana dos familiares. Apesar de os
que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas por-
transtornos mentais se constituírem em agravos crônicos,
tadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo de
com frequência eles se agudizam de forma imprevista,
atenção, que visa à reabilitação e à reintegração psicosso-
impactando e produzindo alterações na organização
cial do indivíduo adoecido mentalmente.
familiar (Cohen, 1993 apud Rosa, 2003) A “sobrecarga
As novas estratégias assistenciais incluem os Cen-
da família” tem sido definida conforme dois aspectos: ob-
tros de Atendimento Psicossocial (Caps) e os Núcleos de
jetivo e subjetivo (Hoenig; Hamilton, 1966; Maurin;
Atendimento Psicossocial (Naps). Esses serviços têm por
Boyd, 1990; Martens; Addington, 2001; Lauber et
objetivo oferecer atendimento à população de sua área
al., 2003 apud Bandeira; Barroso, 2005).
de abrangência, realizando o acompanhamento clínico e
A sobrecarga objetiva da família está associada às
a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho,
consequências negativas, concretas e observáveis resultan-
lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos
tes da presença da doença mental. Como por exemplo,
laços familiares e comunitários. As famílias são chamadas
perturbações na rotina doméstica, na vida social e pro-
a se envolver com o tratamento, conhecer o trabalho dos
fissional dos familiares. É comum também haver perdas
Caps, participar das reuniões e assembleias, levar dúvidas
financeiras e aumento das tarefas diárias (relativas a hi-
e sugestões, apoiar e participar de forma ativa no projeto
giene, transporte, medicação, alimentação, lazer do PSP),
terapêutico (Ministério da Saúde, 2004).
perturbações nas relações familiares e maiores cuidados
As consequências da nova política de atenção psicos-
com comportamentos embaraçosos, agressões físicas e
social vêm refletindo de forma direta sobre a família do
verbais, condutas sexuais dos PSPs (Maurin; Boyd, 1990;
portador de sofrimento psíquico (PSP), principalmente
Tessler; Ganache, 2000; Bandeira; Barroso, 2005). os cuidadores. Em geral a família não possui as condições
O aspecto subjetivo da sobrecarga da família se
necessárias para apoiar as propostas de ressocialização/
refere à percepção ou avaliação pessoal do familiar cuida-
reabilitação que esse novo modelo de atenção preconiza,
dor sobre a situação, considerando sua reação emocional
o que pode levar a um impacto negativo sobre si mesma.
frente à demanda de ter se tornado o responsável maior
É no âmbito familiar que se dá o embate com a realidade
pelo PSP. (Maurin; Boyd, 1990; Onge; Lavoie, 1997
cotidiana do cuidado ao PSP. A experiência dos familiares
apud Bandeira; Barroso, 2005). que cuidam de pacientes psiquiátricos vem sendo estudada
No Brasil, ainda são escassos os estudos que avaliam
em todo o mundo, notadamente a partir de 1970. Mau-
quantitativamente a sobrecarga familiar (Koga; Fure-
rin e Boyd (1990), Rose (1996) e Loukissa (1995) apud
gato, 2002; Scazufca et al., 2002). Garrido e Menezes
Bandeira, Calzavara e Varella (2005) vêm relatando que os
(2004), por exemplo, avaliaram a sobrecarga subjetiva
familiares que cuidam de pessoas com algum transtorno
dos cuidadores de idosos com diagnóstico de demência.
psíquico se sentem sobrecarregados. Tornar-se cuidador
Os resultados mostraram que os cuidadores residiam com
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portadores de sofrimento psíquico que frequentam Centros de Atenção Psicossocial
seus familiares e eram predominantemente mulheres,
Todos os 1.151 usuários que estavam frequentando os CAPS
filhas ou esposas. A média de pontuação na escala foi de
foram incluídos no estudo, dos quais 1.013 foram entrevis-
32,4 (desvio padrão = 16,7) e as variáveis estatisticamente
tados (88%). Nem todos os usuários tinham um cuidador
associadas à sobrecarga subjetiva foram o grau de paren-
responsável, e neste trabalho estudou-se uma amostra de 874
tesco do cuidador com o idoso (p = 0,011), sintomas
cuidadores. Considerou-se cuidador aquela pessoa, familiar
psiquiátricos do cuidador (p < 0,001) e o tempo em que
ou não, que o usuário referia como responsável.
o cuidador exercia o papel de cuidar (p = 0,001).
Os dados foram coletados em entrevistas domici-
Os instrumentos de medida validados e adaptados
liares, de julho a outubro de 2006 por uma equipe de
ao contexto brasileiro para a aferição da sobrecarga que
15 entrevistadores, acadêmicos de Psicologia, Serviço
possam garantir a confiabilidade dos resultados e a com-
Social (UCPEL) e Enfermagem (UFPEL), selecionados
parabilidade com outros estudos também são exíguos.
e capacitados para esse fim, após estudo piloto.
A escala Zarit Burden Interview (ZBI), desenvolvida por
A sobrecarga do cuidador, variável dependente,
Zarit e Zarit (1987), com versão brasileira de Scazufca
foi aferida através da versão brasileira da escala ZBI. O
(2002), avalia a sobrecarga em cuidadores informais de
instrumento possui 22 afirmativas que refletem como
indivíduos com transtornos mentais ou com doenças
as pessoas algumas vezes se sentem quando cuidam de
físicas. Essa escala mede o quanto as atividades do cui-
outra pessoa, correspondendo a áreas como saúde, vida
dado têm impacto sobre a vida social, o bem-estar físico
social e pessoal, situação financeira, bem estar emocional
e emocional, e nas finanças do cuidador. O estudo de
e relacionamento interpessoal, englobando aspectos
Taub, Andreoli e Bertolucci (2004) avaliou a sobrecarga
objetivos e subjetivos. Os limites de pontuação possíveis
de cuidadores de indivíduos com demência, e reafirmou a
para a ZBI são de 0 a 88 pontos.
confiabilidade da versão brasileira do ZBI para a aferição
da medida de sobrecarga em cuidadores informais.
Além disso, também se analisou a sobrecarga do
familiar através do Self-Report Questionnaire (SRQ-20).
Diante dessas considerações, conhecer os níveis de
Desenvolvido por Harding, Arango, e Baltazar (1980) e
sobrecarga de cuidadores de PSPs que frequentam os
validado no Brasil por Mari e Williams (1986), o instru-
CAPS, através do ZBI, e identificar os principais fatores
mento é constituído de 20 perguntas e permite fazer o ras-
associados foram os objetivos deste estudo. Acredita-se
treamento de distúrbios psiquiátricos menores (depressão,
que os resultados possam ser úteis às equipes dos serviços
ansiedade, distúrbios somatoformes e neurastenia).
de saúde e aos gestores para a adequação de programas
Foram consideradas como variáveis independentes
e atividades que envolvam os cuidadores, em prol da
o sexo (masculino/feminino), a idade em anos completos
melhoria da qualidade da atenção.
(14 a 24; 25 a 49; 50 a 64; 65 a 89), a situação conjugal
(com companheiro(a)/sem companheiro(a), a renda
familiar per capita em salários mínimos (menos de 0,5;
Métodos
0,5 a 0,9; 1 a 1,99; 2 ou mais), a escolaridade (nenhum;
1 a 3; 4 a 7; 8 a 10; 11 e mais), o tipo de relação do
cuidador com o usuário (familiar/não familiar), o pa-
O estudo foi do tipo analítico transversal, de base insti-
rentesco (mãe; irmão(ã); cônjuge; filho(a); outros), o
tucional. Dos registros dos CAPS foi obtido o endereço dos
tempo de convivência (sempre/nem sempre), cuidados
usuários, ponto de partida para as entrevistas domiciliares.
diários, grau de dependência (nenhuma; leve; severa), as
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portadores de sofrimento psíquico que frequentam Centros de Atenção Psicossocial
Sobrecarga em familiares de
internações psiquiátricas do usuário (nunca; só antes do
eram analfabetos e apenas 22% ingressaram no Ensino
CAPS; só depois do CAPS; antes e depois) e o tipo de
Médio. Um terço dos cuidadores referiu estar trabalhan-
sofrimento psíquico (transtornos orgânicos; do humor;
do – 13% com emprego formal. Quase todos (96%)
de personalidade; abuso de substâncias; esquizofrenia;
eram familiares dos PSPs, com destaque para cônjuges
neuroses; retardo mental; não-especificado).
(32%), mães (26%) e filhos (19%).
O questionário foi respondido pelo familiar/
O hábito de fumar foi citado por 27% dos en-
cuidador após assinatura do termo de consentimento
trevistados e 22% afirmou ser ex-fumante. Um quinto
livre e esclarecido, com justificativa, objetivos e procedi-
afirmou ter ingerido bebida alcoólica nos últimos 30
mentos utilizados na pesquisa, além da garantia de sigilo
dias, dos quais 15% foram classificados como depen-
dos participantes. O projeto de pesquisa foi aprovado
dentes pelo teste CAGE. Um quarto (26%) afirmou ter
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
“problemas de nervos” e outros 14% já os tiveram, totali-
Católica de Pelotas.
zando 40%. Quase a metade referiu outros problemas de
Os questionários foram codificados, tabulados e
saúde (46%), os com maior prevalência são: hipertensão
revisados. Duas digitações independentes foram reali-
(29%), outros problemas do aparelho cardiocirculatório
zadas no Programa EPI-INFO 6.04, cuja estrutura foi
(14%) e problemas osteomusculares (13%).
preparada para verificação de amplitude e consistência.
Em média os domicílios eram constituídos por
Após a edição final do banco de dados, este foi conver-
2,6 pessoas, sendo que 23% possuíam quatro ou mais
tido para o pacote estatístico SPSS 13.0, no qual foram
moradores. Uma renda mensal per capita de até meio
feitas as análises. Para as análises da escala de sobrecar-
salário mínimo foi informada por 31% das famílias.
ga como variável dependente (quantitativa discreta),
Aproximadamente 30% afirmou que se ocupa muito
procedeu-se à comparação entre médias de acordo com
do usuário do CAPS, fora os períodos de crise, e um
as categorias das variáveis independentes, utilizando-se
terço (34%) acredita que o sofrimento psíquico de seu
o teste t para variáveis dicotômicas e ANOVA para va-
familiar lhe trouxe algum problema de saúde.
riáveis politômicas. Para as análises do SRQ-20 como
A pontuação média na escala de sobrecarga foi de
variável dependente (nominal dicotômica), procedeu-se
23,4 (desvio padrão = 15,6). Esta foi significativamente
à comparação entre proporções, utilizando-se o teste do
maior entre as mulheres (p = 0,000), os cuidadores com
qui-quadrado. Na presença de variáveis independente
maior idade (p = 0,005) e os com menor escolaridade (p
ordinais, foi testada a tendência linear, e para todos os
= 0,000). Não houve diferença na pontuação da escala
testes o nível de significância considerado foi de 5%.
de acordo com a situação conjugal e a renda familiar,
mas houve uma tendência maior de sobrecarga nos entrevistados com menor poder aquisitivo (Tabela 1).
Resultados
De acordo com os dados demonstrados na Tabela 2,
observam-se maiores níveis de sobrecarga com significância estatística para familiares (p = 0,001). Especifi-
Do total de 874 entrevistados responsáveis pelos
cando os cuidadores a sobrecarga maior é entre mães
usuários, mais de dois terços eram mulheres (69%), a
(p = 0,000), aqueles que referiram ter que cuidar do(a)
média de idade foi de 48 anos (desvio padrão = 16,4)
usuário(a) todos os dias (p = 0,000) e os responsáveis
e metade destes tinha mais de 50 anos. Doze por cento
cujos usuários apresentavam alto grau de dependência
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Tomasi, E.; Rodrigues, J.O.; Feijó, G.P.; Facchini, L.A.; Piccini, R.X.; Thumé, E.; Silva, R.A.; Gonçalves, H. • Sobrecarga em familiares de
portadores de sofrimento psíquico que frequentam Centros de Atenção Psicossocial
Tabela 1 – Distribuição dos familiares de usuários dos Caps e pontuação na escala de sobrecarga de acordo com
características sociodemográficas. Pelotas (RS), 2006
n
%
Média na escala de sobrecarga
(desvio padrão)
Masculino
273
31,2
20,2 (14,5)
Feminino
602
68,8
24,8 (15,9)
14 a 24
99
11,4
20,1 (13,7)
25 a 49
330
37,8
22,1 (14,0)
50 a 64
295
33,8
25,6 (16,2)
65 a 89
148
17
24,1 (18,4)
Com companheiro(a)
549
62,8
22,9 (14,9)
Sem companheiro(a)
325
37,2
24,3 (16,8)
Menos de 0,5
262
31,3
24,6 (15,9)
De 0,5 a 0,9
230
27,5
23,6 (14,8)
De 1 a 1,99
208
25
23,8 (16,3)
2 ou mais
137
16,4
21,3 (15,8)
Nenhum
117
13,8
29,5 (19,2)
1a3
137
16,1
22,3 (14,7)
4a7
324
38,2
24,6 (15,9)
8 a 10
160
18,8
20,7 (12,9)
11 e mais
111
13,1
20,0 (13,8)
875
100
23,4 (15,6)
Variável
Valor de p
Sexo
0,000
Idade (anos completos)
0,005*
Situação conjugal
0,189
Renda per capita (salários mínimos)
0,079*
Escolaridade (anos completos)
Total
0,000*
--
* Valor de p para tendência linear.
Obs: Informações ignoradas: idade (3), situação conjugal (1), renda (38) e escolaridade (26).
(p = 0,000). O fato de ter residido sempre com o usu-
usuário nunca havia internado, aumentando à medida
ário implicou para esses cuidadores em um excesso de
que as internações eram mais próximas (Figura 1).
sobrecarga, embora a diferença entre os níveis seja um
pouco maior do que 0,05.
A presença de transtornos mentais comuns (SRQ20) foi de 41% e os 354 cuidadores classificados como
Ao analisar a sobrecarga dos cuidadores de acordo
possíveis casos pelo teste tiveram maior média na pontu-
com o histórico de internações psiquiátricas, observou-se
ação de sobrecarga (31,6; desvio padrão = 16,9) do que
que a menor sobrecarga foi registrada para familiares cujo
os cuidadores que não foram classificados como possíveis
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portadores de sofrimento psíquico que frequentam Centros de Atenção Psicossocial
Sobrecarga em familiares de
Tabela 2 – Distribuição dos familiares de usuários dos Caps e pontuação na escala de sobrecarga de acordo com
características dos cuidados. Pelotas (RS), 2006
n
%
Média na escala de
sobrecarga (desvio padrão)
840
96,2
23,7 (15,7)
33
3,8
14,1 (8,6)
Mãe
215
25,5
28,4 (18,2)
Irmão(ã)
112
13,3
22,3 (12,6)
Cônjuge
272
32,3
22,6 (14,9)
Filho(a)
157
18,6
20,2 (12,8)
Outros
86
10,2
23,9 (17,9)
Sim
492
56,4
24,2 (15,9)
Não
381
43,6
22,3 (15,1)
Sim
509
58,2
26,4 (16,1)
Não
365
41,8
19,2 (13,9)
Nenhuma
311
35,5
17,5 (13,4)
Leve
284
32,5
24,0 (15,7)
Severa
280
32
29,4 (15,4)
Total
875
100
23,4 (15,6)
Variável
Valor de p
Tipos de relação
Familiar
Não familiar
0,001
Tipo de parentesco
0,000
Sempre morou com o usuário
0,078
Todos os dias têm que cuidar do usuário
0,000
Dependência do usuário
0,000*
--
* Valor de p para tendência linear.
casos (17,8; desvio padrão = 11,7) (Figura 3). A dife-
não referiram cuidadores, o que pode estar associado
rença entre essas médias foi estatisticamente significativa
à menor severidade da doença e, consequente, maior
(13,8 pontos; IC95% = 11,7-15,9; p = 0,000).
autonomia do usuário. Essa situação tenderia a superestimar a sobrecarga, pois apenas os mais graves estariam
sendo cuidados. Entretanto, comparando-se os níveis de
Discussão
sobrecarga de acordo com a modalidade do atendimento
(intensivo, semi-intensivo e não-intensivo), não foram
observadas diferenças significativas.
Uma vez identificado um cuidador para o usuário,
Nessa amostra, com cuidadores de PSPs frequentado-
obteve-se uma excelente taxa de sucesso dado o reduzido
res de CAPS, predominaram os da própria família e do sexo
número de recusas (0,6%). Entretanto, 139 usuários
feminino, similar a outros estudos, como os com cuidadores
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Tomasi, E.; Rodrigues, J.O.; Feijó, G.P.; Facchini, L.A.; Piccini, R.X.; Thumé, E.; Silva, R.A.; Gonçalves, H. • Sobrecarga em familiares de
portadores de sofrimento psíquico que frequentam Centros de Atenção Psicossocial
Figura 1 – Sobrecarga dos familiares de acordo com o tipo de transtorno. Pelotas (RS), 2006.
Esquizofrenia
26,2
Retardo mental
26,0
Não especificado
25,2
Abuso de susbstâncias
24,8
Personalidade
24,4
Todos
23,4
Neuroses
21,6
Humor
20,7
0
5
10
15
20
25
30
Figura 2 – Proporção de usuários com internação e sobrecarga familiar de acordo com o período de internação em
relação ao Caps. Pelotas (RS), 2006.
60,0%
30
50,0%
25
40,0%
20
30,0%
15
20,0%
10
10,0%
5
0,0%
Nunca
Só antes
Internação
Só depois
Antes e depois
0
Sobrecarga (média)
de pacientes com Alzheimer (Lemos et al., 2006). O fato de
Stein, 2004), maior prevalência de tabagismo (Szwar-
que a maioria dos entrevistados tinha baixa escolaridade e
cwald et al., 2004; Ministério da Saúde, 2004), e maior
renda familiar pode ser explicado pela vinculação dos CAPS
prevalência de transtornos mentais comuns (Lima et al.,
ao Sistema Único de Saúde, o que denota que o preceito
1999; Dias da Costa et al., 2002).
da equidade está sendo contemplado. Comparados com
Um dos principais resultados do estudo diz respeito
a população geral, quem cuida de PSPs apresentava maior
aos altos níveis de sobrecarga, com importantes variações
dependência de bebida alcoólica (Almeida; Coutinho,
de acordo com características sociodemográficas, com o
1993; Moreira et al., 1996; Nunes et al., 1998; Primo;
tipo de transtorno e com aspectos do cuidado. As mães,
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portadores de sofrimento psíquico que frequentam Centros de Atenção Psicossocial
Sobrecarga em familiares de
Figura 3 – Médias (desvio padrão) na escala de sobrecarga de acordo com a presença de transtornos mentais comuns (SRQ-20) entre cuidadores de usuários de Caps. Pelotas (RS), 2006.
Média +- 2 desvios padrão - Soma do escore de sobrecarga
166
60
40
31,6
17,85
20
0
Negativo
Positivo
SRQ agrupado - Familiar
a intensidade do cuidado, a grande dependência em
psiquiátrica à “devolução” às famílias, como se estas
atividades da vida diária, a co-habitação e o histórico
fossem, indistintamente, capazes de resolver a problemá-
de internações psiquiátricas foram os principais fatores
tica da vida cotidiana acrescida das dificuldades geradas
associados aos maiores níveis de sobrecarga. Esses acha-
pela convivência, manutenção e cuidado com os PSPs
dos são consistentes com os de Barroso et al., (2007),
(Gonçalves; Sena, 2000).
que investigaram sobrecarga em uma população similar
à deste estudo.
Frente a essa complexidade, as equipes de saúde
mental precisam estar atentas e comprometidas, bus-
Nessa amostra, a aferição da sobrecarga, através
cando construir dispositivos de apoio e mecanismos
da ZBI, foi corroborada com a aferição dos transtornos
que facilitem a participação e a integração da família.
mentais comuns, através do SRQ-20, com alto grau de
Acredita-se que essas reflexões possam subsidiar a
correlação, ou seja, ambos os instrumentos revelaram-se
reorientação das políticas de atenção a quem assume,
fidedignos ao detectar sintomatologia de transtornos
juntamente com os CAPS, a responsabilidade pelos
em pessoas com maior sobrecarga e captar maiores
cuidados cotidianos desses usuários.
níveis de sobrecarga em entrevistados com transtornos
mentais comuns.
Observa-se que, no âmbito familiar, os cuidados
R eferências
aos usuários estão sendo realizados sem o devido conhecimento das reais necessidades e condições da família,
em termos materiais, psicossociais, de saúde e qualidade
de vida, aspectos estes profundamente interligados.
Se não é mais aceitável estigmatizar, excluir e
recluir os PSPs, também não se pode reduzir a reforma
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Recebido: Abril/2008
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