CARACTERIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS ASSOCIADAS A
EPISÓDIOS DE ALTA CONCENTRAÇÃO DE PARTÍCULAS INALÁVEIS NA
ATMOSFERA DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE-RS
Porres, Daniel Petry 1 ; Wiegand, Flávio 2 ; Correa, Cléber Souza 3
RESUMO. O objetivo desse trabalho foi o estudo da correlação entre as condições meteorológicas
e os episódios de altas concentrações do poluente PM10, partículas inaláveis, na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). Os dados meteorológicos foram coletados em duas estações automáticas de superfície, 8º DISME, localizada em Porto Alegre, e Lajeado, localizada no município de
mesmo nome, além de análises de cartas de superfície e imagens de satélite. As amostras das concentrações de PM10 foram coletadas por uma estação automática da qualidade do ar, localizada no
centro de Porto alegre. O período analisado foi de janeiro/2003 a dezembro/2005. A análise de correlação linear demonstrou que fenômenos meteorológicos de escala sinótica e de mesoescala apresentam relação com os episódios de altas concentrações de PM10 ocorridas neste período. Com os
resultados foi elaborado um método prático para identificar períodos de possíveis episódios de altas
concentrações de PM10.
ABSTRACT. The objective of this work was to correlate the meteorological conditions with high
concentrations episodes of the PM10 pollutant, particulate matter, in the Metropolitan Area of Porto
Alegre (MAPA). The meteorological data had been collected in two surface automatic stations, 8º
DISME, located in Porto Alegre, and LAJEADO, located in the Lajeado’s city, beyond analyses of
surface letters and images of satellite. The PM10 samples had been collected in the Air Quality Automatic Station, located in the center of Porto Alegre. The analyzed period was of JANUARY/2003
to DECEMBER/2005. The linear correlation analysis demonstrated that mesoscale and synoptic
scale of meteorological phenomena present relation with episodes of PM10 high concentrations
occurred in this period. Results define a practical method to identify periods of possible episodes of
PM10 high concentrations.
Palavras-Chave: partículas inaláveis, PM10; Região Metropolitana de Porto Alegre.
INTRODUÇÃO
As quantidades crescentes de gases e de partículas potencialmente prejudiciais estão sendo emitidas na atmosfera em uma escala global, tendo por resultado os danos à saúde humana e ao ambiente (WHO, 2000). O poluente, Partículas Inaláveis (PM10), que são partículas sólidas ou liquidas
com diâmetro aerodinâmico médio inferior a 10 μm em suspensão na atmosfera, apresentam-se sob
diversas formas e com variadíssima composição química. Essas partículas podem atingir as vias respiratórias em suas porções mais distais prejudicando as trocas gasosas no pulmão, além de causar
danos ambientais.
É necessário um monitoramento cuidadoso das concentrações e distribuição dessas partículas
para uma aceitável estimação dos efeitos que podem ser produzidos. Segundo Simpson (1994), a
concentração de poluentes na atmosfera é fortemente dependente das condições meteorológicas.
1
Aluno do curso de Meteorologia, Universidade Federal de Pelotas - [email protected]
Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler, Rua Carlos Chagas 55/701, 90030-020 Porto
Alegre, RS, Brasil - [email protected]
3
Ministério da Defesa – Comando da Aeronáutica, Praça Mal. Eduardo Gomes 50, 12228-903 São José dos Campos,
SP, Brasil [email protected]
2
Diversos trabalhos identificam as influências meteorológicas na dispersão de poluentes atmosféricos (Setzer e Cavalcanti,1979; Abreu e Setzer, 1984; Andrade et al, 1996; Sanchez-Ccoyllo e
Andrade, 2002; Braga et al, 2005).
O objetivo deste trabalho é de correlacionar as concentrações diárias do poluente PM10 com
os dados meteorológicos coletados em duas Estações Meteorológicas de Superfície. O conjunto de
dados foi agrupado e analisado com o propósito de caracterizar as condições meteorológicas mais
propícias para a ocorrência de elevadas concentrações do poluente PM10, sobre a RMPA. Como resultado, foi criada uma metodologia bastante simplificada capaz de indicar dias com maiores potenciais de ocorrência de altas concentrações de PM10 na RMPA. Este método não se detém em predizer quantitativamente tais concentrações.
MATERIAL E MÉTODOS
Composta de 31 municípios, a RMPA ocupa uma área de 9.652,54 km² e população em torno
de 3.827.266 habitantes (IBGE, 2000). Sendo a região mais urbanizada e industrializada do Estado,
é a maior responsável pelas emissões de poluentes atmosféricos, que são provenientes de veículos
automotores e indústrias (FEPAM, 2003). Conforme é descrito por Wiegand e Moraes (2003), a
circulação atmosférica predominante sobre a RMPA é o resultado de influências de mesoescala e de
microescala. Estas circulações, associadas a fenômenos de escala sinótica tenderiam a exercer um
papel importante na dispersão de poluentes atmosféricos na RMPA.
Os dados de concentração de PM10 foram coletados pela Estação Rodoviária de Monitoramento Automático da Qualidade do Ar da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís
Roessler (FEPAM/RS), localizada na região central de Porto Alegre (30,02° S; 51,22°W). O monitoramento dos dados foi registrado em intervalos de 15 minutos.
Foram utilizados dados de duas Estações Meteorológicas Automáticas de Superfície, uma
localizada em Porto Alegre (30,03°S e 51,10°W; Altitude: 46,97m) e outra no município de Lajeado
(29,49°S e 59,83°W; Altitude: 85m), disponibilizados pelo 8° DISME/INMET e pela UNIVATES,
respectivamente. Tal escolha objetivou verificar as influências meteorológicas locais, de mesoescala
e sinóticas, o que evidencia a necessidade de dados de estações fora da RMPA. Neste estudo de
caso, foram utilizados: imagens de satélite GOES-12, canal infravermelho, disponibilizados pelo
(CPTEC/INPE) e análises sinóticas de superfície, fornecidas pelo Departamento de Hidrologia e
Navegação (DHN), do Comando da Marinha, ambas correspondentes ao horário das 00:00 UTC.
O período estudado foi de janeiro/2003 a dezembro/2005.
Foi realizado tratamento do banco de dados de concentração de PM10 e dados meteorológicos,
assegurando a qualidade dos dados, e também calculados valores diários de todas as variáveis em
questão. O banco de dados meteorológico contém as seguintes variáveis para a análise de correlação
Tmed (temperatura média), Tmax (temperatura máxima), Tmin (temperatura mínima), UR (umidade relativa), VV e DV (velocidade e direção do vento a 10 m de altura), Patm (pressão atmosférica) e PRP
(precipitação pluviométrica). Transformaram-se os dados da variável DV em 16 setores (N, NNE,
NE, ENE, E,..., NNW) e após os setores em graus correspondentes. Com isso a análise de correlação passou a ser homogênea entre as duas estações. A variável PRP foi calculada somando os valores horários registrados em cada dia. As variáveis restantes foram agrupadas em médias diárias.
Além disso, foi levada em consideração a representatividade mínima de 50% dos dados diários.
Para os cálculos diários foi utilizado o software Microsoft® Excel 2000. Aplicou-se a função MÉDIA sobre os dados horários das variáveis PM10 (μg/m³), Tmed, Tmin, Tmax, UR, VV e Patm. O valor
predominante da variável DV foi calculado com a função MODO, que retorna o valor com maior
freqüência em um intervalo de dados, para cada dia. A variável PRP foi calculada utilizando-se a
função SOMA, também para cada dia. Os dados de concentração de PM10 foram correlacionados
separadamente com os dados meteorológicos de cada estação, através do software GenStat® for
Windows™ 7th Edition.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Meteorologicamente tem sido interpretado que valores absolutos do coeficiente de correlação
linear (r) acima de 0,3 apresentam boa correlação, o que foi assumido neste trabalho. Os resultados
estão contidos na tabela 1.
Tabela 1: Coeficientes de correlação (r) obtidos, em relação aos dados de PM10.
Tmed
Tmax
Tmin
UR
VV
DV
Patm
ESTAÇÃO
8ºDISME/INMET
UNIVATES
+0,083
+0,137
+0,087
+0,139
+0,065
+0,134
-0,094
-0,168
-0,453
+0,106
-0,172
-0,402
-0,042
-0,077
PRP
-0,103
-0,065
As variáveis de temperatura e UR da Estação UNIVATES tiveram melhor correlação do que a
da Estação 8° DISME/INMET. Tal causa provavelmente está ligada às características do entorno da
Estação 8° DISME/INMET, onde o efeito termo-regulador e de advecção de umidade devido à brisa
lacustre afetaram mais os resultados, minimizando os efeitos de escala sinótica. A variável VV foi a
que apresentou maior variação entre as duas estações. O valor para a Estação 8° DISME/INMET apresentou-se coerente, pois é esperado que altos valores de PM10 estejam relacionados com baixas
velocidades do vento. O valor baixo e positivo (+0.106) encontrado para esta variável na Estação
UNIVATES pode ser explicado por algum fenômeno de circulação local, devido à proximidade da
Serra Geral. A variável DV também apresentou grande variação. Os resultados encontrados demonstram que, quanto menor o ângulo de direção do vento maior o índice de concentração do poluente PM10. É possível que este valor para a Estação 8° DISME/INMET esteja subestimado devido a
efeitos de circulação locais, por influência da Laguna dos Patos. As variáveis Patm e PRP apresentaram valores coerentes para as duas Estações, embora muito baixos.
Pela análise das cartas sinóticas observa-se que se tem aumento das concentrações de PM10
quando um centro de alta pressão (Anticiclone) esta posicionado à nordeste do Rio Grande do Sul,
com uma frente fria aproximando-se pelo setor sul do Estado, na altura do Uruguai e Mar del Plata.
Durante e após a passagem da frente fria pela RMPA observa-se um rápido decaimento das concentrações do poluente PM10, devido à precipitação e/ou mudanças no comportamento do vento.
Como comprovação desses resultados, foram selecionados três episódios (um em cada ano da
série) em que houve alta concentração de PM10, como apresentados na figura 1.
Conforme é observado na figura 1, para o episódio de 2003, as concentrações de PM10 eram
baixas no dia 17/08, foram aumentando gradativamente a partir do dia seguinte, chegando a um máximo no dia 21/08 e decaindo a valores baixos a partir do dia 24/08. Para o episódio de 2004 é visto
um comportamento semelhante, onde as concentrações se mostram baixas no dia 01/08, passam a
aumentar a partir do dia seguinte, chegando a um máximo no dia 05/08 e decaindo a valores baixos
a partir do dia 07/08. No Episódio de 2005, as concentrações de PM10 eram baixas no dia 26/07, e
foram aumentando a partir do dia seguinte, estabilizando com valores altos até 01/08, chegando a
um máximo no dia 03/08 e decaindo a valores baixos a partir do dia 07/08.
250
200
μg/m³
150
2003
2004
2005
100
50
24
/8
22
/8
23
/8
20
/8
21
/8
19
/8
18
/8
16
/8
17
/8
15
/8
13
/8
14
/8
11
/8
12
/8
9/
8
10
/8
7/
8
8/
8
5/
8
6/
8
4/
8
3/
8
2/
8
1/
8
31
/7
29
/7
30
/7
27
/7
28
/7
26
/7
0
DIAS
Figura 1: Comportamento da concentração de PM10 para 3 episódios em que se teve maior pico
médio. (Fonte: FEPAM/RS)
No início dos episódios de 2003 e 2005, a circulação resultante sobre a RMPA é afetada pela
presença de um centro de alta pressão localizado no litoral da região sul do Brasil e que até os dias
de maior concentração de PM10 (figura 2), observou-se um afastamento desse centro para direção
leste, o que possibilitou a chegada de uma nova frente fria ao sul do estado. No Episódio de 2005,
um centro de alta pressão, esteve localizado no litoral da região sul do Brasil, estabelecendo um bloqueio e somente no dia 07/08, uma frente fria conseguiu atingir a RMPA, embora com pouca atividade, mas a variação do vento, aliada com a precipitação neste dia, foi responsável pela rápida que-
da nas concentrações de PM10. Conforme a figura 2, no dia 03/08/05, observa-se a presença marcante de uma frente fria sobre o Uruguai e a intensidade relativamente alta do anticiclone (1032hPa), o
que favoreceu tal situação de bloqueio. Na planilha de dados meteorológicos da Estação 8° DISME
/INMET consta a ausência de precipitação considerável (≥1 mm) nos últimos 10 dias antes do aumento das concentrações nos três episódios.
Segundo as analises de superfície, observa-se que as situações de bloqueio são marcadas pela
intensidade relativamente grande dos anticiclones, posicionados a nordeste do estado.
Figura 2: Imagens de satélite e cartas de análises de superfície as 00:00 UTC dos dias
22/08/03(esquerda), 05/08/04(centro) e 03/08/05(direita).
CONCLUSÕES
A correlação entre dados de concentração de PM10 e dados meteorológicos (Tabela 1) apontou para um maior grau de associação destas concentrações com as variáveis VV, DV; ficando as
variáveis Tmed, Tmax, Tmin e UR em segundo plano. Ficou confirmado que em alguns casos as circulações locais influenciaram na circulação resultante, o que de certa forma mascarou os resultados
(caso da variável VV da Estação UNIVATES).
O estudo de três episódios de alta concentração de PM10 (19-22/08/2003; de 02-05/08/2004; e
de 26/07 a 07/08/2005) demonstrou que estes episódios estão relacionados com uma configuração
sinótica bastante semelhante entre eles, quando foi detectada ausência de precipitação nos dias anteriores ao pico de concentração, um anticiclone posicionava-se a E/NE do Rio Grande do Sul, e uma
frente fria aproximava-se pelo sul, próxima ao Uruguai.
Esta configuração sinótica implica em uma condição em que não ocorre precipitação há
alguns dias, a camada de mistura é baixa, devido à inversão térmica associada à alta pressão, e a
cada dia que se passa vai ocorrendo um processo acumulativo das concentrações de PM10 na atmosfera, até que nova frente fria atinja a RMPA. Esta condição pode ser classificada como préfrontal para a RMPA, que é caracterizada por ventos dos setores NE/N fracos, temperaturas altas,
umidade relativa baixa, pressão alta e sem precipitação. Excetuando a variável VV da Estação
UNIVATES, as variáveis estudadas apresentaram resultados coerentes com esta configuração
sinótica, uns com maior e outros com menor grau de correlação. Este estudo identificou esta
condição como sendo a mais propícia para o aumento das concentrações de PM10 na RMPA.
Com esta informação, tanto o diagnóstico quanto o prognóstico, pode lançar mão desta metodologia com boa precisão, necessitando para isso somente de dados de uma estação meteorológica
de superfície e algumas informações sobre a posição e as características da frente fria que se aproxima (se for o caso). As variáveis com maior peso para análise são DV, VV, UR, e a temperatura.
Então, as condições propícias para as altas concentrações de PM10 na RMPA, com dados locais, se caracterizam por: Ventos fracos dos setores NE/N, Baixa umidade do ar, pressão atmosférica em queda, temperaturas altas e em elevação, ausência de precipitação durante três dias ou mais
e a presença de uma frente fria sobre o Uruguai ou próxima. Para dados meteorológicos coletados
de uma estação de fora da RMPA, deve-se ter o cuidado com as possíveis influências de circulações
locais, principalmente quanto à velocidade do vento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
-ABREU, M. L.; SETZER, A. W.. Previsores Sinóticos Meteorológicos de Poluição do Ar em
Regiões Urbanas. In: 36A. REUNIAO SOC. BRAS. PROGR. CIENCIA, 1984, São Paulo, SP,
1984. p. 0-0.
-Andrade,M.F.; Orsini, C.; Maenhaut, W. Relation between aerosol sources and meteorological
parameters for inhalable atmospheric particles in São Paulo city, Brazil. Atmospheric Environment
28 (14), 2307-15, 1996.
-Braga, C.F.; Teixeira, E.C.; Meira, L.; Wiegand, F.; Yoneama, M.L.; Dias, J.F. Elemental
composition of PM10 and PM2.5 in urban environment in South Brazil. Atmospheric Environment,
Atmospheric Environment 39 (2005) 1801-1815.
-FEPAM. Qualidade do Ar 2001 – 2002. Fundação Estadual de Proteção Ambiental, v.1, n.1. Porto
Alegre: FEPAM, 2003.
-IBGE, 2000. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, http://www.ibge.gov.br
-Sanchez-Ccoyllo, O.R.; Andrade, M.F. The influence of meteorological conditions on the behavior
of pollutants concentrations in São Paulo, Brazil. Environment Pollution, v. 116, p.257-263, 2002.
-Simpson JE, 1994. Sea breeze and local winds. Cambridge University Press, 234pp.
-SETZER, A. W.; CAVALCANTI, I. F. A. Influências Meteorológicas Na Poluição Atmosférica
Em São Paulo. In: 31A. REUNIÃO SOC. BRAS. PROGR. CIÊNCIA, 1979, Fortaleza, CE, 1979.
-WHO, 2000. http://www.who.int/inf-pr-2000/en/pr2000-56.html.
-Wiegand, F.; Moraes, O.L. Circulações clássicas e não-clássicas na Região Metropolitana de Porto
Alegre. Anais do III Congresso Interamericano de Qualidade do Ar, Canoas/Brasil. CD-ROM.
2003.