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de 27 de janeiro a 2 de fevereiro de 2011
brasil
Nils Vanderbolt
fatos em foco
Hamilton Octavio de Souza
Manobra aliada
Várias contas bancárias da família
do deputado Paulo Maluf (PP-SP)
estão bloqueadas na Suíça, Jersey,
França e Luxemburgo, com 48 milhões de dólares já confiscados à
espera do pedido brasileiro para o
repatriamento. Os processos para repatriar a fortuna surrupiada pelo meliante estão parados no Supremo Tribunal Federal porque a Procuradoria
Geral da República tem enrolado há
anos na apresentação de provas. Afinal, Maluf é da base aliada!
Pesadelo haitiano
O ex-ditador Baby Doc voltou
inesperadamente para o Haiti, depois de 25 anos de exílio na França,
e foi imediatamente indiciado por
desvio do dinheiro público. Só falta agora ser processado e julgado
pelos inúmeros crimes de violação
de direitos humanos, como prisão,
tortura, assassinatos e perseguição
implacável aos adversários políticos. Será que o governo haitiano
tem interesse e força para colocar o
ex-ditador na cadeia?
Trem parado no meio da cidade em Alto Alegre do Pindará (MA)
Foi um trem que
passou em minha vida
FERROVIA
A ambição do
Corredor de Carajás
à custa de vidas
Márcio Zonta
de São Luís (MA)
ERA OUTUBRO DE 2010. Enquanto a
Vale celebrava mais um lucro trimestral
bilionário (R$ 10,5 bilhões), Dona Maria* sentia pela segunda vez uma mesma
dor: a perda do marido no exato lugar e
circunstância que havia perdido o filho
há oito anos. Ambos morreram atropelados, nos trilhos que cortam o assentamento Palmares, em Parauapebas (PA).
Sem muitas palavras desde o acontecido,
a agricultora apenas colocou mais um
porta-retrato, agora do marido, no altar
com a imagem de barro de Nossa Senhora, onde já estava a foto do filho.
A história de vida de Dona Maria se
tornou rotina em diversas comunidades por onde a estrada de ferro de Carajás passa. Do Pará ao Maranhão, são 23
municípios.
A cada mês, em média uma pessoa
morre atropelada pelos trens operados
pela Vale, segundo dados da Justiça nos
Trilhos. Em 2007, foram contabilizadas
23 mortes; em 2008, o número caiu para nove vítimas fatais, mas foram registrados 2.860 acidentes ao longo da ferrovia. A cidade com maior índice de atropelamentos é Alto Alegre do Pindaré (MA),
pois o trem de carga fica parado no meio
da cidade entre três a quatros horas por
dia, impedindo a passagem de pedestres
e de carros. Quando sai, não avisa, atropelando muitas pessoas que estão tentando a travessia por debaixo dos vagões.
Padre Denys, responsável pela igreja da
comunidade indaga: “até quando nossas
crianças devem passar debaixo do trem
para ir até a escola? A Vale precisa urgentemente construir passarelas”.
“Até quando nossas
crianças devem passar
debaixo do trem para
ir até a escola?
Intrusa
Em operação desde 1986, a via férrea
mudou a rotina de vida de moradores, tirou muitos de suas casas, mudou trajetos, isolou povoados e foi percebida, até
pelas crianças, como uma intrusa. Se não
isso, o que explicaria crianças de 6 a 12
anos apedrejarem o trem cargueiro da
Vale, no bairro conhecido como Km 07,
em Marabá (PA), a ponto de acertarem
uma pedra fatal num maquinista, causando a sua morte em 2001? Jeane dos
Santos, professora na comunidade, tem
a resposta: “O bairro se instalou antes
da ferrovia em 1974, e o espaço ocupado era onde antes essas crianças brincavam. Elas sentiram seu espaço invadido,
era o quintal delas. Fora que começaram
a ver os pais reclamando do barulho, das
rachaduras das casas e dos telhados caindo com a trepidação daquele sujeito estranho para elas, que era o trem”.
Antes, em 1998, outro incidente gra-
ve no bairro já havia acontecido. “Uma
menina de 12 anos atirou uma pedra no
trem, que voltou nas suas próprias pernas com uma força violenta, o que a deixou paraplégica, levando-a à morte anos
depois”, conta Santos. Para a professora,
era preciso agir, fazer algo. Ela procurou
a Vale, mas foi em vão. Logo, outra morte: o atropelamento de uma menina com
problemas mentais que frequentava os
trilhos junto a outras crianças.
A educadora não pensou duas vezes
e, com parcos recursos, abriu uma escola de dança e teatro, que passou depois
a incluir esporte, informática, tornandose, com a ajuda de alguns vereadores, o
programa Adote Cultura Viva. Hoje, com
o espaço consolidado, ela apenas recorda
das crianças – que chama de os meninos
dos trilhos de Marabá – com fotos e matérias de jornais. “Olha, consegui tirar todos dos trilhos. Se não, acho que não estariam vivos”, diz.
Meninos do trem
Se existiu os meninos dos trilhos de
Marabá, ainda existem os meninos do
trem. Trata-se de crianças e adolescentes que entram sem serem percebidas
nas estações e se escondem nos vagões
de minério que vão para São Luís (MA).
“São crianças que sofrem maus tratos em
casa ou passam por algum tipo de dificuldade financeira e vão para a capital maranhense, geralmente, para se prostituírem ou mendigarem”, explica a coordenadora do Conselho Tutelar do município de Buriticupu (MA), Ivonete de Matos dos Santos.
Marisa*, uma negra de estatura baixa e de um sorriso lindo, foi uma dessas crianças. Desde os 12 anos, viajava no trem. “Várias vezes a recolhemos
para o conselho tutelar ao ser encontrada. Ela chegava em Buriticupu fétida, suja, faminta, depois de horas viajando nos
vagões de minério”. Hoje com 14 anos e
mãe de uma menina, fruto da prostituição em São Luís, voltou para a casa pobre que mora com a mãe em Marabá,
com quem tem sérios problemas de relacionamento, inclusive relatos de espancamento.
“A Vale se isenta do problema, não
pensa numa fiscalização adequada para
saná-lo e, tampouco, trata com dignidade as crianças e adolescentes quando encontradas em seus vagões ou nos trilhos,
geralmente por mero acaso”, critica Ivonete. Quando a reportagem esperava o
embarque, na estação de Açailândia, o
que foi dito pela coordenadora do conselho tutelar pôde ser presenciado. Três
crianças adentraram sem dificuldade pelo acesso dos trens de carga. Avisados, os
funcionários da empresa Cefor, prestadora de serviço da Vale nas estações, apenas sorriram e caminharam sem pressa
em direção às crianças.
Os margeados
Na parada de São Pedro Água Branca,
também interior do Maranhão, o que se
vê é um mundaréu de homens, mulheres e crianças se acotovelando e andando nas pontas dos pés para conseguir
vender seus produtos aos viajantes do
trem, debruçados nas janelas, enquanto ocorre o embarque e o desembarque
na estação. É vendido água a R$ 2,00,
em garrafas de dois litros nas embalagens de refrigerante, além de sucos e refrigerantes, também pelo mesmo preço,
e de refeições de galinha caipira, boi ou
frango, por apenas R$ 5,00.
Joana de Amaral Lima é uma dessas
mulheres que vende o prato preparado
por ela mesma. “Trabalho aqui já faz um
tempo, meu marido está desempregado,
vive de bico de pedreiro na cidade, assim
sustentamos nossos quatro filhos”. Sobre
a renda mensal, ela não quis revelar: “ah
dá para o básico de casa, sem luxo”. Vivendo à beira de tanto progresso, ela diz
que seu marido nunca conseguiu um emprego na Vale. “Ele já procurou trabalho
lá, mas o que dizem é que ele não tem
qualificação”.
Na opinião do sociólogo e engenheiro agrônomo, Raimundo Gomes da Cruz
Neto, presidente do Centro de Educação,
Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular
(Cepasp) e hoje a frente de um movimento que organiza os atingidos pela mineração, “esses são os que sobraram nos projetos da Vale e nunca serão incluídos, a
não ser dessa forma, pela rebarba, com
um trabalho ainda mais precário do que
os que estão lá dentro da mineradora ou
em suas siderúrgicas diariamente como
funcionários”, explica.
“Vale a pena morrer ou sofrer em nome
do progresso? Quantos atropelamentos de
todos os tipos deveremos ainda aceitar?
Quantos povoados, cidades ainda sofrerão
com a gigante mineradora?”
O progresso
Dividido em classe econômica e executiva, o trem que sai de Parauapebas e
vai até São Luis entrecorta paisagens alternadas, de casas de cidades ou ocupações, passando pela reduzida mata secundária que resiste ainda à pastagem
e ao eucalipto. Bois, fazendas e as obras
de duplicação da linha, junto aos vagões
dos trens de cargas carregados de minério, que passam paralelos, completam o
cenário da viagem. “Também não é para menos, no Maranhão tem mais bois
do que gente. São aproximadamente 6,5
milhões de população contra aproximadamente 7 milhões de cabeças de gado”,
comenta o advogado do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de
Açailândia, Nonato Masson.
Marlucia Azevedo, coordenadora do
Fórum de Políticas Públicas de Buriticupu, ironiza: “a compensação ambiental da devastação da mata para o pasto é
a plantação de eucalipto. Muito curioso
já que o eucalipto serve para as siderúrgicas alimentarem seus fornos”.
Na televisão do trem, porém, nada disso é dito e os programas de canal educativo da emissora Globo, patrocinados pela
Vale, falam a todo instante de preservação do meio ambiente. Sistemas de sons
nos vagões propagam jingles institucionais, que enfatizam o progresso trazido
pela Vale, através da ferrovia, para o Brasil e as comunidades ao seu redor.
“Vale a pena morrer ou sofrer em nome do progresso? Quantos atropelamentos, de todos os tipos, deveremos ainda
aceitar, quantos povoados, cidades ainda sofrerão com a gigante mineradora
antes de exigir um limite a essa fome de
ferro e dinheiro?” é a pergunta que deixa
no ar o Padre Dario Bossi, um dos coordenadores da Justiça nos Trilhos.
*Nomes fictícios
Concentração
No primeiro mês do governo Dilma,
o Banco Central decidiu aumentar a
taxa básica de juro de 10,75% para
11,25%, o que aumenta de imediato
a transferência de renda dos milhões
de trabalhadores brasileiros para
aproximadamente 20 mil capitalistas
que especulam com os títulos públicos. Por isso mesmo os banqueiros e
os grandes empresários nacionais e
estrangeiros apoiaram a continuidade do governo Lula.
Jogada Wikileaks
O site Wikileaks propôs a um grupo
de blogs brasileiros uma entrevista
“exclusiva” com Julian Assange, com
regras estabelecidas por seus representantes no Brasil, como o teto de
dez perguntas selecionadas por eles,
respostas já traduzidas e igual para
todos e veiculação conjunta no dia
26 de janeiro às dez horas. Alguns
blogueiros aceitaram o esquema marqueteiro e não deixaram o assunto
transparente para seus leitores. Jornalismo crítico e ético é isso aí!
Tribunal Popular
O movimento Tribunal Popular iniciou em janeiro o processo de debate
e mobilização que vai culminar, até
o final de 2011, com a realização de
um grande evento nacional denominado Tribunal Popular da Terra. O
primeiro debate tratou de “Políticas
e Direitos Indígenas”, já que nos últimos anos os povos indígenas foram
as principais vítimas da violência no
campo, pela não demarcação dos seus
territórios e o avanço predatório do
agronegócio.
Mobilizações já
De manifestação em manifestação,
está crescendo – em São Paulo – a
mobilização contra o aumento das
passagens de ônibus, de R$2,70 para
R$3,00, que, nos últimos anos, foi
bem acima da inflação e dos reajustes
salariais. Finalmente os estudantes
e os trabalhadores estão saindo da
passividade e ganhando as ruas em
protestos. É preciso fazer o mesmo
em defesa do petróleo e contra a privatização da saúde e da educação.
Devastação
Depois do festival de horrores promovido pelas chuvas de janeiro em
várias regiões do Brasil, especialmente no estado do Rio, só mesmo quem
for muito insano pode concordar com
o novo Código Florestal que tramita
no Congresso Nacional e que reduz
as áreas de proteção dos rios e lagos,
das encostas e dos topos de morros
– como querem os ruralistas e os especuladores imobiliários. De olho nos
deputados e senadores!
Violência política
Cassados em 2008, por acusação
de compra de votos em 2002 e 2006,
o senador João Capiberibe e a deputada federal Janete Capiberibe, ambos do PSB-AP, foram reeleitos em
2010, mas novamente cassados pelo
TSE com base na lei da Ficha Limpa.
Acontece que se sabe agora que o
processo inicial de compra de votos
foi uma farsa, com testemunhos falsos, montado por políticos ligados ao
grupo Sarney. A injustiça vai continuar?
Salário mínimo
O governo fixou o novo salário mínimo em R$540,00, abaixo da inflação medida nos últimos 12 meses. As
centrais sindicais querem que o novo
mínimo seja de R$580,00, com alguma recomposição do poder aquisitivo
perdido nas últimas décadas. Essa é a
primeira queda de braço entre o novo
governo Dilma Rousseff e as centrais.
A decisão final pode sinalizar como
será a mobilização dos trabalhadores
em 2011.
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Foi um trem que passou em minha vida