OS PERCURSOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: UMA
POLÍTICA PÚBLICA CENTRADA NA TERRITORIALIDADE
Origem do Trabalho: Aplicações Profissionais (Consultorias, avaliações de programas e projetos)
Grupo de Trabalho 07 – Desenvolvimento territorial e local: desigualdades e descentralização
Marcela Cezillo Cabrini
Thiago Rodrigo da Silva
RESUMO
A presente proposta apresenta os avanços da Assistência Social na perspectiva da descentralização das
ações, considerando as múltiplas realidades que compõem o Estado Brasileiro. Os artigos 203 e 204 da
Constituição Federal de 1988 e sua regulamentação em 1993 através de Lei Orgânica específica traz a
Assistência Social como política pública de garantia de direitos, desconstruindo paradigmas de
caridade e manutenção da ordem societária. Desde 2004 é materializada através de um Sistema Único
com gestão descentralizada, que pactua com estados e municípios a corresponsabilidade na oferta de
ações socioassistenciais, respeitando cada território e suas características peculiares.
Palavras-chave: Política de Assistência Social; Vulnerabilidades; Território.
1. Introdução
A assistência social como política pública apresenta uma transformação histórica bastante
interessante, sendo sua gênese pautada nas ações católicas, por meio das damas de caridade. Naquela
época, Igreja Católica, Damas de Caridade e as primeiras Instituições de Assistência Social primavam
pela assistência aos pobres como estratégia de manutenção da ordem social, trabalhando assim, para os
interesses da classe dominante. O marco legal instituiu-se a partir da Constituição Federal de 1988.
Desde então, esta política começa a ser pensada de forma sistemática garantindo o acesso aos direitos
da população vulnerável pelas expressões da questão social.
A Carta Magna a coloca no âmbito da Seguridade Social, juntamente com a saúde e a
previdência social, conforme citação a seguir.
“Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social” (BRASIL, 2012).
A Constituição também reporta o financiamento no Artigo 195 para toda a sociedade nas mais
variadas formas de arrecadação, sendo assim, nada mais justo que esta ser um direito, já que a
sociedade paga por ela.
Os artigos propriamente ditos da Assistência Social na Constituição Federal estão assim
destacados:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à
infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a
promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas
portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de
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um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que
comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
Este Artigo traz o público que ela pretende atingir, sendo que, diferentemente da saúde que é
uma política universal, a assistência social é destinada a quem dela necessitar, ou seja, famílias e
indivíduos nas mais diversas situações de vulnerabilidades sociais e físicas sejam por deficiência ou
pela idade. Traz também seus principais objetivos que foram suficientes para a consolidação de toda a
política que se tem conhecimento atualmente. O artigo 204 traz as diretrizes da política e sua forma de
financiamento.
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos
do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas
com base nas seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera
federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e
municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II - participação da
população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle
das ações em todos os níveis.
Parágrafo único. É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a programa de apoio à
inclusão e promoção social até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, vedada
a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente aos
investimentos ou ações apoiados.
Dessa forma, o Artigo citado regula o financiamento e deixa claro que as ações de assistência
social devem ser elaboradas com a participação da sociedade civil organizada e deve ser gerida de
forma descentralizada, sendo a União responsável pela normatização geral da política e estados e
municípios, coordenar e executar os serviços.
No tocante ao público-alvo, a Constituição também oferece um grande passo, pois quando
menciona as famílias, crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e demais indivíduos nas
suas mais variadas vulnerabilidades, menciona-as com dignidade e respeito que este público merece,
pois ao contrário do que pensava as primeiras ações assistencialistas da era positivista, este público não
pode ser culpado pelas fragilidades sociais vivenciadas, pois deve-se levar em consideração todo o
conglomerado de fatos históricos, políticos, desigualdade, injustiça social e corrupção que vitimizaram
estas pessoas em suas histórias de vida.
Em 1993 a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) regulamenta os artigos 203 e 204 da
Constituição, caracterizando de fato a Assistência Social. Todavia os percursos teóricos, metodológicos
e históricos desta política passavam pelo desafio de se redefinir pelo viés técnico e político social,
rompendo configurações paternalistas e assistencialistas.
A partir deste debate, a Assistência Social conquista uma nova visão técnica com a gênese do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2003 na IV Conferência Nacional de Assistência
Social e sua regulamentação em 2004 pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Assim, a
política aqui referida é definida por um sistema único, descentralizado e participativo, dividido em
níveis de proteção básica e especial de média e alta complexidade.
Atualmente, o SUAS busca a ampliação de ações que visem atingir todos os públicos nos seus
territórios de sociabilidades e subsistência, considerando que o Brasil apresenta uma complexa
característica socioeconômica, cultural e diagnóstico territorial com múltiplas diversidades.
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Os próximos itens tratarão além do breve histórico da Assistência Social, a sua intervenção nos
territórios do país, com a apresentação de dados coletados no portal do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS).
2. A Assistência Social no Brasil: de Caridade à Política Pública
As Políticas Sociais no Brasil surgiram sob o viés da colonização no século XVI, se
desenvolvendo até as últimas décadas do século XIX, quando se encerra o Império e inicia-se o Regime
Democrático e independente. Visava à organização do trabalho, sem manifestações que
interrompessem o sistema econômico e também manter a ordem social através dos cuidados com a
pobreza.
Segundo Behring & Boschetti (2007), a política social começou a aparecer timidamente na fase
do pré-capitalismo, o qual as leis para garantir o trabalho e combater o não desejo em trabalhar foram
criadas para a manutenção da ordem social, garantindo o desenvolvimento econômico das nações
europeias.
Com o passar dos séculos, estas leis foram ganhando novas configurações, de forma a
acompanhar as transformações societárias e a formatação do sistema capitalista, que se tornou mais
visível após a Revolução Industrial, com a importância do capital, da lucratividade e a consequente luta
de classes.
Atualmente, é possível dizer que a política social se volta para o enfrentamento das expressões
da questão social.
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção são desdobramentos e até mesmo
respostas e formas de enfrentamento – em geral setorializadas e fragmentadas – às expressões
multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de
exploração do capital sobre o trabalho (Behring & Boschetti, 2007, p. 51).
As expressões da questão social surgiram no processo de industrialização dos países europeus
no século XVIII, num período em que o Estado se caracterizava como liberal. O Estado Liberalista
tinha como seu foco, conduzir a economia para o desenvolvimento da nação e a questão das
manifestações populares deveria ser resolvida entre patrão e empregado. No entanto, reconhecendo a
importância dos direitos aos cidadãos, até mesmo sob a ótica de manter estável e pacifica as relações
entre empregador e empregado é que o Estado Liberal passou a ser conhecido como Estado Social.
Essas manifestações não instalaram uma nova ordem social, porém contribuíram para a garantia
de direitos antes inexistentes, mais dignidade à classe pauperizada, questionando do papel do Estado e
controle de suas ações. Estes fenômenos se caracterizaram por políticas sociais, uma resposta às
problemáticas sociais oriundas das relações precarizadas de trabalho.
Segundo Behring & Boschetti, o final do século XIX foi o “período em que o Estado capitalista
passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla, planejada, sistematizada e com caráter
de obrigatoriedade” (2007, p. 64).
No Brasil, o surgimento das políticas sociais é diferenciado, visto que não vivemos uma
revolução industrial no século XVIII. Os problemas sociais aqui têm sua gênese no processo de
colonização do país a partir do século XVI, se desenvolvendo até as últimas décadas do século XIX,
quando se encerra o império e inicia-se o regime democrático e independente.
Ao longo do século XX, o Brasil conquista característica de país liberal, surgindo as classes
burguesa e proletária. A influência das relações comerciais e até mesmo da colonização dos europeus
foram fatores bastante influenciadores para a tomada de um norte como esse.
A economia brasileira foi fortemente influenciada pelas duas guerras mundiais e principalmente
pelo crack na bolsa de valores de Nova York em 1929, levando muitos cafeicultores à ruína. Após os
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anos de 1930, com o início da Era Vargas, muitas mudanças ocorreram no país, como a transformação
de uma economia agrária para a economia industrial. Assim, os operários, sentindo a exploração e a
precariedade nas condições de trabalho, movimentaram contra os empregadores, provocando
manifestações e greves pressionando o governo a enxergar a causa e garantir direitos.
Diante dessa realidade, a economia estava em total desarmonia e em conflitos. Para amenizar a
revolta dos populares, Getúlio Vargas instalou algumas leis para beneficiar os operários, como carteira
de trabalho, previdência, férias, leis trabalhistas (CLT – 1943), saúde, dentre outros. Estas ações
também contribuíram para o surgimento da Assistência Social que será destacada nos próximos
parágrafos.
Por volta da década de 1930, no regime de Getúlio Vargas, surge o embrião da Assistência
Social, através das ações das damas de caridade da Igreja Católica e em 1942 com a Legião Brasileira
de Assistência (LBA) que prestava amparo às famílias pobres, principalmente no período da Segunda
Guerra Mundial. Em 1946, já no período do pós-guerra surgem outras duas Instituições que focavam os
olhares nos indivíduos e famílias assolados pela pobreza: A Fundação Leão XIII (Rio de Janeiro) e o
Serviço Social da Indústria (SESI). Até a década de 1980 eram estas as Instituições legitimadas no
campo da pobreza, todavia não havia a preocupação com a territorialidade das pessoas e o respeito às
suas características sociais, econômicas e culturais.
Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal (CF), os artigos 203 e 204 trazem a
Assistência Social como direito social, não contributivo, integrado na Seguridade Social juntamente
com a Saúde e a Previdência Social, com dotação orçamentária própria. Em 1993, a LOAS regulamenta
os artigos da CF citados anteriormente configurando a Assistência Social como política pública de
garantia de direitos, desconstruindo paradigmas de caridade e manutenção da ordem societária.
A partir de 1995 a LBA se extingue da realidade brasileira. Anos mais tarde, após discussões
sobre a importância da Assistência Social no Brasil e as peculiaridades de cada região do país, a IV
Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília no ano de 2004 referenda a Política
Nacional de Assistência Social (PNAS) e a instituição do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
que materializa uma política pública efetiva de garantia de direitos, cujas ações devem ser
desenvolvidas nas capilaridades dos territórios, considerando cada realidade regional, respeitando a
pluralidade socioeconômica e sociocultural do Brasil.
O SUAS apresenta-se com o modelo de gestão descentralizada e participativa, que pactua com
estados e municípios a corresponsabilidade na oferta de ações socioassistenciais através de serviços,
programas, projetos e benefícios que atendam as demandas sociais existentes. Esta pactuação envolve
os três entes federativos (União, Estados e Municípios) bem como a Rede Socioassistencial Privada
com as Entidades do Terceiro Setor que desenvolvem ações no campo da Assistência Social.
Atualmente a Assistência Social caminha para a consolidação de uma identidade própria, com
princípios e diretrizes que se afastam cada vez mais do modelo caritativo e de manutenção de um
cenário de pobreza e extrema dependência, que hoje se sabe que pode ser transformada com ações
potencializadoras que propicie às famílias e indivíduos uma vivência com autonomia e empoderamento
frente suas realidades, com vistas à sua participação política enquanto cidadãos, sujeitos de direitos
através do controle social e participação popular.
Nos últimos 08 anos, a assistência social, já formatada através do SUAS, atingiu mais de 90%
dos municípios brasileiros, apresentando dados importantes quanto a implantação de serviços de grande
impacto frente a população.
Figura 1: Quadro do SUAS na contemporaneidade
5
Fonte: Ministério de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
Considerando a intervenção da Assistência Social no interior dos territórios e suas dinâmicas
cotidianas, o próximo item retrata com dados quantitativos e qualitativos uma reflexão sobre o impacto
desta política nos espaços de sociabilidade da população brasileira.
3. A esfera territorial e suas vulnerabilidades: o campo de ação da Assistência Social
Mais do que apenas um espaço natural, cartograficamente analisado pela geografia física, o
território compreende em um espaço complexo, de constantes mudanças estruturais, culturais e sociais,
espaço de produção e reprodução de relações sociais historicamente constituídas, arena de disputas, de
jogos políticos, interesses, de desenvolvimento e de dificuldades.
O território é por si uma área geograficamente extensa ou restrita, onde o capital e a lógica do
mercado (Koga, 2010) produzem e reproduzem desigualdades, bem como a formação de espaços ricos,
pobres e miseráveis, sendo os dois últimos excluídos da sociedade global.
O espaço é um verdadeiro campo de forças cuja formação é desigual. Eis a razão pela qual a
evolução espacial não se apresenta de igual forma em todos os lugares. (Santos, 1978, p.122).
Milton Santos afirma que o território quando utilizado pela população cria o espaço, dualmente
subordinado/ subordinante, que mesmo refém de leis maiores dispõe também de autonomia. Afirma
ainda que o espaço é o resultado de uma práxis coletiva que reproduz as relações sociais, [...] o espaço
evolui pelo movimento da sociedade total. (Santos, 1978, p. 171).
Koga (2010) vai dizer que o território tem plena relação com a dinâmica cotidiana da
população, pois o contexto e suas características permitem a construção de histórias que seguirão
diversos caminhos, sendo impossível afirmar que existe sociedade a-espacial.
Dessa forma, o espaço deve ser considerado em sua totalidade, compreendendo as diversas
formas de demarcar os territórios, sejam por bairros, distritos, municípios, microrregião, macrorregião,
estado, país ou continente. O que se sabe é que as transformações, por mais globais que sejam afetam
diretamente os demais espaços.
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3.1 A Lógica Territorial e Dinâmicas Cotidianas
As vulnerabilidades decorrentes de situações de risco social e pessoal marcam o que
conhecemos por questão social. O desenvolvimento urbano, inovações tecnológicas, precariedade na
mão de obra do trabalhador, aumento da pobreza, criminalidade e segregação das chamadas massas
populares redesenhou nos espaços urbanos regiões de moradia onde aparentemente existe a dificuldade
do acesso a bens, serviços e direitos que propiciem o empoderamento de famílias e indivíduos frente
suas realidades.
A acentuação da pobreza e as desigualdades sociais e territoriais apresentam um nivelamento
histórico, pois, segundo Santos (2012) cada período da história do Brasil retrata um desenvolvimento
em cada realidade que se manifesta de acordo com o seu contexto.
Complementando a visão de Santos (2012) e concordando com Yazbek (2009), a pobreza pode
ser configurada pela banalização dos problemas sociais e a naturalização em que a pobreza, a miséria e
a violência urbana são demonstradas por parcelas da sociedade, dificultando assim o enfrentamento da
questão social.
“O fato de a presença dos “pobres” em nossa sociedade ser vista como natural e banal (Falcão,
1989) despolitiza o enfrentamento da questão e coloca os que vivem a experiência da pobreza num
lugar social que se define pela exclusão” (Yazbek, 2009, p. 73).
Maria Carmelita Yazbek trata a pobreza, as condições de moradia e os sujeitos que a vivem pela
subalternidade. Ela aprofunda seus estudos demonstrando que a pobreza vai além das condições de
moradia, rentabilidade e emprego. A pobreza e suas características convertem-se em “experiências da
desqualificação” (2009, p. 73), de crenças, hábitos, comportamentos e formas de expressão. São
manifestações negativas de uma classe que é visualizada com preconceito, onde ser pobre é ser mal
educado, primitivo, deselegante.
Cabe considerar o território como um espaço de múltiplas características socioeconômicas,
socioculturais e socioambientais, sendo complexo em suas diversidades sejam elas sexuais, religiosas,
étnicas, raciais, econômicas, etárias que trazem à tona a importância do debate frente às políticas
sociais que atendam de fato e de forma digna, humana e política os interesses da diversidade
populacional em todas as suas características, principalmente no tocante ao exercício pleno da
cidadania.
A cidadania tem relação direta com a territorialidade, pois no espaço de vivência e convivência,
a pessoa exercerá ativo papel de cidadão (Koga, 2011) concordando ou confrontando com o sistema,
que rege seu cotidiano compreendendo que ser cidadão no mundo globalizado, requer viver sob a
lógica global, sendo simultaneamente, um cidadão do país e do mundo (Santos, 2001). Esta cidadania
global e local diversifica ainda mais o território que multiplica suas características.
Os territórios focados neste trabalho são aqueles demarcados pela desigualdade e exclusão
social, repletos de vulnerabilidades de variadas naturezas. O problema central é que fala-se atualmente
em pobreza apenas pela baixa rentabilidade da população. Porém, sabe-se e concordando com Inácio e
Mandelbaum (2011) que a compreensão da pobreza não se restringe à falta de renda, e sim à falta de
acesso a serviços, ao mercado de trabalho, violências, drogadição, infraestrutura arquitônica das
moradias e do espaço e saneamento básico.
Como é possível observar, a compreensão e análise acerca do território exige uma reflexão
conjuntural, devido aos vários aspectos que a compõem, sendo indispensável para pensar em políticas
sociais territoriais, devendo também apresentar maior interesse por parte do Estado, que segundo
pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é um dos obstáculos
pontuados pela população no tocante às políticas sociais.
Assim, os próximos subitens reportarão uma análise sobre o território sob o viés da Política de
Assistência Social e suas propostas de intervenção.
7
3.2 O Sistema de Proteção Social Básica e Especial no Território
A implantação da Política Nacional de Assistência Social 2004 na perspectiva do SUAS,
implicou um aumento significativo dos investimentos em políticas de proteção, assistência e
desenvolvimento social – que se traduzem em programas e ações de transferência de renda, segurança
alimentar e nutricional, assistência social e inclusão produtiva, significando uma expansão substantiva
da cobertura de serviços e da rede social.
Segundo análise da Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004), o Brasil corresponde
a um país de grande extensão territorial, tornando-se complexa e densa o conhecimento sobre a
realidade populacional e social de cada região. Sabe-se que a diversidade cultural e regional é bastante
grande, assim a política de assistência social se baseou no princípio da territorialidade para atender
diretamente a população em seus próprios contextos.
Considerando a alta densidade populacional do País e, ao mesmo tempo, seu alto grau de
heterogeneidade e desigualdade socioterritorial presentes entre os seus 5.561 Municípios, a
vertente territorial faz-se urgente e necessária na Política Nacional de Assistência Social. Ou
seja, o princípio da homogeneidade por segmentos na definição de prioridades de serviços,
programas e projetos torna-se insuficiente frente às demandas de uma realidade marcada pela
alta desigualdade social. Exige-se agregar ao conhecimento da realidade a dinâmica
demográfica associada à dinâmica socioterritorial em curso (PNAS, 2004, p. 43).
Entendeu-se que a melhor forma de agir frente às problemáticas sociais seria em sua região de
ocorrência e que cada região atuaria dentro dos princípios norteadores da política com a autonomia que
respeita e compreende que cada região do país apresenta problemas peculiares.
Com a importância do território e o conhecimento sobre a realidade brasileira, a PNAS
comporta eixos que atenderão a todos os usuários em seus contextos e culturas singulares.
Assim, a política de assistência social apresenta funções primordiais para o desenvolvimento
dos territórios, considerando a dimensão sociocultural do país, estando estabelecidas na Norma
Operacional Básica, um instrumento que regula os objetivos, diretrizes, princípios da gestão do SUAS.
Art. 1º A política de assistência social, que tem por funções a proteção social, a vigilância
socioassistencial e a defesa de direitos, organiza-se sob a forma de sistema público não
contributivo, descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social
- SUAS.
Parágrafo único. A assistência social ocupa-se de prover proteção à vida, reduzir danos,
prevenir a incidência de riscos sociais, independente de contribuição prévia, e deve ser
financiada com recursos previstos no orçamento da Seguridade Social.
Os municípios foram reconhecidos como entes federativos autônomos, com competência para
organizar e prestar diferentes tipos de serviços públicos de interesse local, diretamente ou sob o regime
de convênios. Ao município atribuiu-se responsabilidades e prerrogativas na gestão das políticas,
programas e prestação de serviços socioassistenciais justificando as ações e procedimentos registrados
neste documento que, em síntese, consiste na implementação e fortalecimento de uma cultura de
transparência e prestação de contas, fortalecendo dessa forma o exercício do controle social.
Cabe ressaltar que este controle é exercido pelos Conselhos Municipais, que, subordinados aos
Conselhos dos âmbitos estadual e nacional, atuam de forma a reordenar as políticas públicas, mediar as
relações entre Estado e Sociedade, bem como efetuar o acompanhamento e fiscalização das ações
socioassistenciais das Entidades e Secretarias de Assistência ou congênere. A utilização dos resultados
da avaliação e monitoramento configura-se ainda como pilares para a melhoria do desempenho das
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políticas públicas, tornando mais eficiente e eficaz a aplicação dos recursos públicos e o consequente
desenvolvimento territorial.
De modo a efetivar a operacionalização do SUAS, a partir de sua norma operacional, há a
previsão as seguintes diretrizes que vem nortear todo o trabalho da política de assistência social.
Art. 5º São diretrizes estruturantes da gestão do SUAS: I - primazia da responsabilidade do
Estado na condução da política de assistência social; II - descentralização políticoadministrativa e comando único das ações em cada esfera de governo; III - financiamento
partilhado entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - matricialidade
sociofamiliar; V - territorialização; VI – fortalecimento da relação democrática entre Estado e
sociedade civil; VII – controle social e participação popular.
Para isso, a assistência social foi dividida a partir do Sistema de Proteção Social que, através
dos seus níveis de complexidade, ofertam serviços, programas, projetos e benefícios que são regulados
pelo Governo Federal e executados pelos estados e municípios. Segundo Yazbek (2011), a proteção
social visa proteger indivíduos que se encontram em situações de vulnerabilidade e risco, de forma
humana e digna.
[...] constituem sistemas de proteção social as formas – às vezes mais, às vezes menos
institucionalizadas – que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus
membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a
velhice, a doença, o infortúnio e as privações (Giovanni, 1980 apud Yazbek, 2011, p. 01).
Como forma de proteção às famílias e indivíduos, a proteção social brasileira traz como
serviços tipificados (normatizados nacionalmente), distribuídos em três níveis de complexidade:
A proteção social básica busca atuar nos territórios na prevenção de situações de risco, trabalhar
o empoderamento e autonomia de famílias e indivíduos, considerando suas potencialidades, realizar a
busca ativa de pessoas que se encontram nas variadas vulnerabilidades e riscos para a inserção nos
serviços descritos a seguir.
Proteção Social Básica
• Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF);
• Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos;
• Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas.
A proteção social especial de média complexidade visa atender situações de fragilidade de
vínculos afetivos, violação de direitos a partir de atendimentos especializados. A alta complexidade
reporta-se para situações de rompimentos de vínculos, situações de extremo risco social e pessoal que
exige medidas de institucionalização em serviços específicos, de acordo com a demanda, faixa etária e
vulnerabilidade identificada, descritos a seguir.
Proteção Social Especial
• Média Complexidade
o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias Indivíduos
(PAEFI);
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o Serviço Especializado em Abordagem Social;
o Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à
Comunidade (PSC);
o Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas
Famílias;
o Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.
• Alta Complexidade
o
o
o
o
Serviço de Acolhimento Institucional;
Serviço de Acolhimento em República;
Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências.
O fator central da política de assistência social, desde sua implementação até o momento atual é
a importância que esta atribuiu à família. Para o SUAS, “a família é o núcleo social básico de acolhida,
convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social” (PNAS, 2004, p. 90).
Como é de conhecimento, nem todas as famílias brasileiras conseguem exercer seus papéis com
efetividade, desta forma a parceria entre Estado e família, através das políticas sociais são de grande
importância para a superação da pobreza e de outras vulnerabilidades.
“Pode-se dizer que família e políticas públicas têm funções correlatas e imprescindíveis ao
desenvolvimento e à proteção social dos indivíduos” (Carvalho, 2007, p. 268). Os estudos científicos
acerca da família realizados no Brasil consideram na contemporaneidade a constituição por meio de
vários arranjos, respeitando as peculiaridades e as influências das transformações sociais no processo
de reconfiguração das mesmas.
Assim, o SUAS respeitando a multiplicidade de composições familiares, busca trabalhar seu
protagonismo no meio social, enfatizando principalmente as famílias monoparentais, chefiadas pelas
mães, pois estas assumem uma diversidade de papéis sociais, necessitando assim, de apoio das políticas
públicas.
4. Considerações Finais
Refletir a política de assistência social no território é prazerosa, porém preocupante, pois é
perceptível a visão de fragmentação e institucionalização das políticas nos espaços territoriais, que
mesmo com diagnósticos e conferências, sua população ainda não tem a devida voz e credibilidade
como deveria ter, estando estas privadas de uma participação popular efetiva.
Esta privatização da expressão social humana dificulta a formulação de políticas sociais que
irão de encontro às reais necessidades básicas dos cidadãos. Queirós (2010) esclarece que é de grande
importância que o Estado conheça com propriedade os territórios de pobreza para que as políticas
sociais e suas formas de acesso não sejam desqualificadas, constrangedoras e sem perspectiva de
sucesso.
Concorda-se com Delgado, et. al. (2007) quando são apontados os diversos recortes territoriais
no Brasil e as dificuldades de superação devido aos interesses do Estado refletidos nos jogos de poder.
O poder do Estado e do capital ainda são superiores às necessidades básicas e não mínimas da
população.
A partir do debate aqui realizado e provocando os leitores a expandirem as reflexões acerca do
território, das ações da assistência social e a incoerente propaganda do Governo Federal de que a
pobreza e a miséria estão acabando, registra-se que se o Brasil fosse realmente uma potência
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econômica sem desigualdades, o IDH 2011 informado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) já teria ultrapassado os 0,718, a média de anos de escolaridade estaria além
dos 7,2 sendo que se espera 13,2 anos, a expectativa de vida seria mais de 73,5 anos e a Renda
Nacional Bruta em dólares, ultrapassaria os US$ 10.162,00.
A visão desenvolvimentista governamental contempla apenas a rentabilidade para a redução da
pobreza. Concorda-se aqui com os dados do MDS sobre a redução da miséria, porém, o que não se
divulga, são os dados de redução da desigualdade social, historicamente instituída desde a colonização
até a contemporaneidade. Pereira (2012) muito bem informa que o Brasil é considerado a sexta maior
economia mundial com fracos resultados sociais, sendo então um país “não propriamente pobre, mas
injusto, campeão de desigualdade social, dada a secular defasagem entre seus feitos econômicos” (p.
735).
Assim, mesmo com o fracasso, intencional ou não, frente aos territórios de vulnerabilidades, a
Assistência Social através dos seus trabalhadores que com dificuldades e desafios atuam no “olho do
furacão”, procuram desenvolver ações que contradizem a postura e o desejo profissional das reais
intenções do Estado, percebendo assim, o Brasil como um Estado que historicamente não se
desenvolveu socialmente, apresentando deficiências estruturais graves na seguridade social e na
educação, que não projeta políticas efetivas de infraestrutura, habitação, emprego e renda (Pereira,
2012), apresentando-se para seus eleitores e para o mundo como a nação que reduz a pobreza e a
miséria, mas que na realidade mantém a desigualdade social ativa, cumprindo apenas a função de
colaborador na acumulação do capital, transferindo mais renda e menos dignidade.
5. Bibliografia
Behring, E. R., Boschetti, I. (2007). Política Social: Fundamentos e História. 3ª ed. Biblioteca Básica
do Serviço Social. São Paulo: Cortez.
Brasil (2013). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Casa Civil. Retirado em 10 de
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Brasil (2012). Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993: Lei Orgânica da Assistência Social. Brasília:
Casa
Civil.
Retirado
em
01
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julho
de
2013
do
sítio
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm.
Brasil (2012). Lei 12.435 de 06 de julho de 2011: Lei de Regulamentação do SUAS. Brasília: Casa
Civil.
Retirado
em
03
de
agosto
de
2012
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GT7_Cezillo Cabrini, Rodrigo da Silva