O Supremo e o AI-5, quarenta anos depois Gilmar Mendes* No dia 16 de janeiro de 1969, há exatos 40 anos, ocorreu uma das maiores agressões ao Judiciário brasileiro: a aposentadoria compulsória dos Ministros Victor Nunes Leal – então Vice-Presidente -, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. seguida Em solidariedade o então aos Presidente cassados, - renunciaram em Gonçalves de Ministro Oliveira, que tomara posse há pouco mais de um mês – e o decano da Corte, Ministro Lafayette de Andrade. Ano de celebrações como os 20 anos da Constituição Federal, o centenário da morte do grande Machado de Assis e os 200 anos da chegada da Família Real ao País, 2008 encerrou-se com a triste memória dos 40 anos da decretação do Ato Institucional n° 5. Foi decerto uma das mais duras intervenções institucionais na História da República. É o mesmo sábio Machado, entretanto, que nos ensina ser a História “pessoa entrada em anos, gorda, pachorrenta, meditativa, tarda em recolher documentos, mais ainda em os ler e decifrar.” É, portanto, pavimentaram a brasileira, a indispensável acidentada fim de relembrar trajetória que esse os da fatos que democracia conhecimento impeça definitivamente o retorno de qualquer daqueles infortúnios, de sorte que nem o mais incipiente deles ressurja sequer como ameaça. Não me canso de repetir que, felizmente, a democracia em nosso País passou a ser um valor em si mesmo, do qual muitos brasileiros se ufanam. Os atos institucionais foram o meio encontrado de quebrar as garantias, seguranças institucionais e a própria ordem constitucional para viabilizar o regime de exceção. A investida contra o Judiciário não foi pequena. Ficou célebre, à época, o “caso das chaves”: a tentativa do regime de duramente exceção pelo de então intimidar a Presidente Corte da foi Casa. Na respondida época, o ministro Ribeiro da Costa respondeu que, sendo o Supremo ápice do Poder Judiciário, não poderia submeter-se à ingerência do Poder Executivo. O Presidente avisou, então, que se desautorizado o Tribunal, fecharia suas portas e entregaria as chaves ao porteiro do Palácio do Planalto. A primeira intervenção do regime de exceção no STF foi o aumento de 11 para 16 os membros da Corte, fazendo-o mediante o Ato Institucional n° 2, que concretizou o estado de sítio, extinguiu os partidos políticos e ampliou a obter a competência da Justiça Militar. Tamanho acinte não foi bastante para conivência do Supremo com os desmandos do regime. A Corte continuou atuante em garantir as liberdades individuais, inclusive dos perseguidos por ações políticas, presos de forma arbitrária, a maioria em total desabrigo dos mais básicos direitos humanos. Nomeados, os novos ministros desfizeram-se, como devido, de qualquer matiz partidário. Investidos da função de julgar, cumpriram-na com fiel atenção aos princípios de Direito. Veio então o Ato Institucional n° 5, que significou maior endurecimento do regime de exceção em vigor no Brasil desde 1964. Suspendeu-se a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Excluíram-se ainda de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com o AI-5. Desse modo, o AI-5 conferia poderes excepcionais ao Executivo, limitando tanto a atuação do Legislativo quanto do Judiciário, além de praticamente eliminar as liberdades individuais ainda existentes no Brasil. Com base nestes atos que subverteram as instituições e as garantias judiciário, fundamentais, limitando-se atacou-se sua atuação a independência e intimidando do seus membros. Ao discursar após o episódio, o ministro Luiz Gallotti ressaltou que os três magistrados “foram aposentados pelo governo da revolução porque considerados incompatíveis com ela” A tradução era linear: tornaram-se alvos pelo desassombro com que, enfrentando a truculência despótica, defenderam a liberdade como bem maior da existência humana. Foram perdas irreparáveis. Ainda, aproveitou-se a oportunidade para retomar a composição original da Corte. A dor da revolta pela injustiça dos atos arbitrários que apanharam em pleno apogeu nomes que honraram esta Casa e a magistratura brasileira esteia a convicção de que o período ditatorial suportado pelos brasileiros serviu-lhes como antídoto contra o anátema odioso de regimes totalitários, alicerçados mais na ignorância, no despreparo do que em qualquer viés ideológico do povo. Vem-nos do próprio Evandro Lins e Silva, inato prócer na defesa da liberdade, a advertência de que é preciso lembrar esse sombrio período da vida republicana pátria para esconjurá-lo: “Só com liberdade, só com o regime democrático, com a transparência de suas instituições, é possível desmascarar defraudadores do os erário, impostores, os apontar torturadores, os os ladrões públicos, como tem acontecido ultimamente”. De tudo, independência fica-nos do magistrados, mas frisado no que, reforçada Judiciário garantia Estado dos a não certeza é de privilégio jurisdicionados. constitucional, que a a dos Tenho independência judicial é mais relevante do que o próprio catálogo de direitos fundamentais, pois estados ditatoriais há com os mais amplos desses catálogos. Todavia, mesmo sem contar com rol formal desses direitos, mais retos são aqueles que respeitam o estado de direito, por conta da independência judicial. Daí a importância de valorizarmos este elemento, pedra central da Constituição de 1988 e, portanto, de toda a democracia brasileira.