Hidrelétrica de Belo Monte: a apresentação de um projeto e as representações
sociais que circulam em torno do conceito de desenvolvimento1.
Juliete Miranda Alves (UFPA\ Brasil)
RESUMO: O município de Altamira esta situado a Sudoeste do Estado do Pará e deve
abrigar grande parte do Empreendimento hidrelétrico (AHE) Belo Monte, obra
aprovada pelo Programa de Aceleração do Crescimento- PAC do governo Federal, a ser
executado no rio Xingu. Nos últimos vinte anos, esta hidrelétrica tem sido um dos projetos
mais discutidos no Brasil, gerando opiniões diferenciadas, e mobilizando distintos atores
sociais, defendendo ou desaprovando a sua construção. Este artigo tem como objetivo
central analisar as representações sociais que norteiam os discursos sobre desenvolvimento
dos diferentes grupos a respeito da construção da Hidrelétrica de Belo Monte. Os
grupos aqui analisados fazem parte do Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico
e Socioambiental da Transamazônica e Xingu- FORT Xingu, composto de empresários,
comerciantes, prefeitos, profissionais liberais, e integrantes também dos movimentos
sociais que concebem a construção da barragem como uma estratégia de
desenvolvimento econômico. Contrários a esta concepção, esta aquela representada pelo
Movimento Xingu Vivo para Sempre, composto do movimento de mulheres, índios,
ribeirinhos, trabalhadores rurais e religiosos pertencentes a Prelazia do Xingu,
questionando o desenvolvimento econômico e social que trará esta barragem.
Incorporamos também a esta reflexão os sentidos e as representações sobre a construção
desta Hidrelétrica, dos moradores de uma comunidade intitulada Santo Antônio que será
remanejada com a construção da hidrelétrica. Finalmente, discuto neste artigo como
estas diferentes representações se apresentam em um cenário de conflitos e contradições
na transamazônica.
Palavras- chave- Representação, Grupos sociais, Hidrelétrica.
1
Trabalho apresentado na ANPPAS, realizada entre os dias 04 a 07 de outubro de 2010, FlorianópolisSC, Brasil.
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INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo central analisar as representações sociais que
norteiam os discursos sobre desenvolvimento dos diferentes atores a respeito do
aproveitamento hidrelétrico (AHE) Belo Monte, obra prevista pelo Programa de
Aceleração do Crescimento- PAC do Governo Federal, a ser executado no rio Xingu.
Esta hidrelétrica com capacidade para gerar 11 mil megawatts de energia, demandara
investimentos na ordem de 19 bilhões de reais.
Desde o projeto inicial apresentado em 1985 até os dias atuais, formaram-se
grupos de interesses distintos formadores de opiniões. Os grupos aqui analisados fazem
parte do Fórum Regional de Desenvolvimento Econômico e Socioambiental da
Transamazônica e Xingu- FORT Xingu e o Movimento Xingu Vivo para Sempre.
O FORT- Xingu foi criado em maio de 2009, e segundo seu estatuto.
É um espaço de discussão entre as organizações representativas da sociedade civil
para estudar e criar alternativas com o objetivo de estimular e implantar modelos de
desenvolvimento sustentáveis para a região composta pelos onze municípios que
fazem parte das áreas de influências direta e indireta do aproveitamento hidrelétrico
de Belo Monte.
O Fórum congrega segundo informações de seus dirigentes, mais de 170
entidades da sociedade civil de Altamira. Contudo, se destacam empresários,
comerciantes, prefeitos, profissionais liberais, e integrantes também dos movimentos
sociais que defendem a construção da hidrelétrica. Este grupo se apóia principalmente
na concepção de que esta construção trará desenvolvimento econômico e benefícios
sociais para a população da transamazônica. Contrários a esta concepção, está aquela
representada pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre, composto do movimento de
mulheres, índios, ribeirinhos, trabalhadores rurais e religiosos pertencentes a Prelazia do
Xingu e Organizações não governamentais. Este movimento, articulado em 2006,
questiona o desenvolvimento que trará esta barragem, principalmente pelos impactos
socioambientais em áreas indígenas e comunidades tradicionalmente estabelecidas.
Segundo uma das lideranças do movimento, “Belo Monte será um dos maiores crimes
ambientais da história do Brasil”.
2
A escolha destes grupos se deu pela capacidade destes em articular grandes
debates, passeatas, discussões e polarização de opiniões. E por estarem em campos de
poder diferenciados. Estes campos operam com diferentes atores, instituições, discursos
e conflitos.
Incorporamos também a esta reflexão os sentidos e as representações sobre a
construção desta Hidrelétrica, dos moradores de uma comunidade intitulada Santo
Antônio, localizada no município de Vitória do Xingu a 30 km de Altamira, e que
sofrerá mudanças profundas com este empreendimento.
A pesquisa2 que gerou este artigo foi o resultado em um primeiro momento das
narrativas orais recolhidas em entrevistas gravadas com representantes dos grupos
sociais do Movimento Xingu Vivo para Sempre e do FORT-Xingu. Em outro momento,
procurei compreender os discursos destes grupos sociais, e sua atuação em eventos
significativos ocorridos em Altamira, como: passeatas contrárias e ou a favor da
barragem Belo Monte, audiências públicas e encontros.
Quanto a comunidade Santo Antônio, os objetivos iniciais foram os de realizar
um levantamento dos recursos naturais existentes e das práticas de trabalho dos
moradores. Durante a pesquisa outro dado tornou-se importante e central no
levantamento; as perspectivas dos moradores quanto a construção e remanejamento de
sua comunidade fundada em 1973. Entrevistamos3 todas as 65 famílias moradores
utilizando um questionário com as perguntas centrais: origem, escolaridade, trajetória
do entrevistado, renda, os recursos naturais existentes em sua propriedade, os recursos
utilizados no trabalho, informações quanto ao remanejamento de sua comunidade e
expectativas em relação à hidrelétrica e o futuro da família.
O trabalho esta organizado da seguinte forma: apresento algumas discussões
teóricas sobre o conceito de representação social nas Ciências Sociais para explicitar a
importância de tal analise, e em que contexto teórico esta situado este artigo. Procuro
refletir principalmente como as representações dos grupos sociais em analise, são
princípios geradores de tomadas de posição ligados as inserções dos quais participam os
2
O trabalho a que me refiro é a pesquisa em desenvolvimento intitulada “Mapeamento das dinâmicas
socioambientais em populações tradicionais em Altamira-PA”, financiada pela Fundação de Amparo a
pesquisa do Estado do Pará- FAPESPA. A quem agradeço o apoio.
3
Destas entrevistas participaram cinco bolsistas: três de extensão e dois de Iniciação a Pesquisa.
Discentes do curso de Engenharia Agronômica e Engenharia Florestal da UFPA-Campus de Altamira.
3
atores sociais membros dos grupos. Em outro momento procuro situar as analises sobre
representações dos grupos FORT-Xingu e Movimento Xingu Vivo para sempre, a partir
de alguns acontecimentos, como: os eventos que marcaram o debate e a discussão sobre
a hidrelétrica, as narrativas orais, discursos e entrevistas de alguns representantes dos
grupos. Foi a partir das entrevistas e narrativas que algumas concepções se destacaram
na fala dos atores sociais, tais como: desenvolvimento, progresso e justiça.
Finalmente, apresento algumas reflexões de como estas diferentes compreensões
sobre desenvolvimento se situam na comunidade Santo Antônio, bem como, qual a
expectativa das famílias residentes nesta localidade sobre a construção de Belo Monte.
1- O CONCEITO DE “RERESENTAÇÃO SOCIAL” NAS CIÊNCIAS SOCIAIS.
O termo representação surge, na Sociologia, com Émile Durkheim. Sua
produção teórica objetivava consolidar a Sociologia enquanto ciência e conferir a esta,
estatuto cientifico. Para Durkheim, a Sociologia se diferenciava do objeto da Psicologia,
cabe a primeira analisar os estados da consciência coletiva, suas leis e representações,
que são diferentes dos de natureza individual, foco principal da Psicologia. Ainda para
este sociólogo, os fatos sociais têm uma existência independente dos fatos individuais.
“São exteriores às consciências individuais, existem nas partes porque antes existem no
todo.” (Durkheim, 1987).
A partir da diferenciação entre as duas ciências pautada principalmente na
compreensão de que a sociedade não pode ser explicada através das consciências
individuais, Durkheim introduziu o conceito de representações coletivas. Para este
autor, foi importante considerar a natureza social e não individual atentando para o fato
de que o mundo é feito de representações. Pode-se encontrar na obra “As formas
elementares da vida religiosa”, Durkheim (1983), o conceito de representações
coletivas, nela o autor analisou o sistema primitivo – cultos australianos- para
compreender as suas formas elementares, e a natureza religiosa do homem, para ele,
todas as religiões possuem as mesmas causas e respondem às mesmas necessidades. A
religião é um sistema de representações do mundo.
Outro pensador, Marcel Mauss (1979), no livro “A expressão obrigatória dos
sentimentos”, analisou o ritual oral dos cultos funerários australianos, recuperou
4
Durkheim, discutindo os ritos e o luto, como expressão de emoções coletivas. Para este
autor o choro, bem como outras expressões orais de sentimentos não são fenômenos
exclusivamente psicológicos ou fisiológicos, mas sim fenômenos sociais, marcados pela
obrigação (Mauss, 1979). Procurou mostrar a diferenciação entre representação
individual e coletiva, enfatizando a importância do social, das representações coletivas.
Para estes autores, o mundo é feito de representações.
A importância de Émile Dukheim para a Sociologia, reside no reconhecimento
da importância das representações, como comportamentos coletivos no espaço e no
tempo em que são produzidos. Uma função primordial da representação coletiva seria a
transmissão da herança coletiva dos antepassados, que acrescentariam às experiências
individuais tudo que a sociedade acumulou de sabedoria e ciência ao passar dos anos.
Apesar da importância deste conceito, no século XX, este se tornou um termo
secundarizado, diante de um contexto histórico marcado por guerras e ideologias. O
renascimento do conceito deu-se através da Psicologia Social européia, tanto no que diz
respeito à teoria quanto a pesquisa. Ente os autores responsáveis em revigorar o
conceito, está Serge Moscovici.
Moscovici acrescenta novos elementos à elaboração do conceito de
representação. Para este autor, não é apenas uma herança coletiva dos antepassados,
transmitida de maneira determinista. O indivíduo tem papel ativo e autônomo no
processo de construção da sociedade, da mesma forma que é criado por ela. Ele também
tem participação na sua construção (Moscovici, 1978). Neste sentido, as representações
coletivas abrem espaço para as representações sociais, oriundas “das práticas sociais do
grupo e não apenas do „se pensar‟” (Oliveira, 1999). Para Moscovici, as representações
são como entidades “quase tangíveis”, presentes na realidade, que se manifestam em
palavras e expressões, em produções e consumo de objetos, em relações sociais.
A Psicologia social percebe as representações como fenômeno, com mobilidade
e circularidade. A substituição de representação coletiva para social acentua a diferença.
Deixa de ser um conceito que explica o conhecimento e crenças de um grupo para se
tornar um fenômeno que exige explicação e que produz conhecimento. As
representações são então, formas de interpretação e comunicação, mas também de
produção e elaboração de conhecimentos. Para Moscovici, as representações “são
conjuntos dinâmicos, seu status é o de uma produção de comportamentos e de relações
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com o meio ambiente, de uma ação que modifique aquelas e estas e não de uma
reprodução desses comportamentos ou dessas relações, de uma reação a um dado
estímulo exterior” (Moscovici, 1978).
Ainda na área da Psicologia, destacam-se os estudos sobre representação, de
Denise Jodelet (1991). Para esta autora, as representações sociais apresentam um duplo
movimento: são, por um lado, sistemas que registram nossas relações com o mundo e
com os outros, orientando e organizando as condutas e as comunicações sociais. Por
outro, interferem nos processos, diversificando a difusão e a assimilação dos
conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das identidades
pessoais e sociais, a expressão dos grupos e transformações sociais. São assim, formas
de interpretação e comunicações, mas não se reduzem apenas aos conhecimentos
cognitivos. Sendo socialmente elaborados e compartilhados, contribuem para a
construção de uma realidade comum, possibilitando a comunicação entre os indivíduos.
Considero
importante
ressaltar
que
os
estudos
sobre
representações,
possibilitaram entender as relações estabelecidas, as concepções construídas,
compartilhadas e defendidas no interior de cada grupo e entre os grupos, bem como as
mudanças e permanências promovidas socialmente. Assim, procuro mostrar que as
representações construídas em torno do conceito de desenvolvimento, influenciam a
construção da realidade social ao mesmo tempo em que são por elas influenciadas.
O debate sobre a construção desta hidrelétrica na transamazônica se revigora a
mais de vinte anos. Em 1988, no I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, a então
barragem kararaô foi contestada e este evento tomou proporções nacionais com uma
cena emblemática da índia Tuíra passando um facão no rosto do então presidente da
Eletronorte. O encontro favoreceu o reconhecimento e a visibilidade de atores sociaiscomo os diversos grupos indígenas- lutando pela garantia à terra, e às águas do rio
Xingu.
Ao longo desses anos de discussão, opiniões foram se formando fortalecendo
segmentos sociais os mais diferenciados. Além dos grupos sociais situados neste artigo,
formou-se o “Consórcio Belo Monte”, que representa a organização de onze (11)
prefeituras da Transamazônica.
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2- HIDRELÉTRICA DE BELO MONTE E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS
GRUPOS.
A performance dos grupos analisados em Altamira expressam um momento de
luta acirrada, negação e disputa de um projeto de hidrelétrica questionada a mais de
vinte anos. Os significados desses atos podem também ser compreendidos como força
teatral4 simbolizadas por eventos, construído pelos participantes, como canal de
comunicação e convencimento de suas propostas. Cito dois momentos que caracterizo
como performáticos ocorridos em Altamira. Em 2008, vários eventos foram realizados
como demonstração de poder e mobilização. Destaco como um dos momentos mais
importantes o ocorrido em maio de 2008, o Encontro dos povos do Xingu, onde se
reuniram em um ginásio de Altamira várias entidades governamentais e não
governamentais, tribos indígenas, movimento de mulheres, religiosos da Prelazia do
Xingu, etc. Este evento organizado pelo “Movimento Xingu Vivo para sempre”, tinha
como um dos seus objetivos, discutir as conseqüências da construção da Hidrelétrica
Belo Monte para as populações atingidas. Contudo, no segundo dia, um dos diretores da
Eletronorte em seu discurso de apresentação, foi ferido por um índio, gerando vários
outros momentos de conflitos, levando inclusive a população local a se posicionar, a
comentar positivamente ou negativamente sobre o ato praticado. O caso repercutiu
nacionalmente e o evento ganhou um público que deixou de ser local.
Destaco outro evento promovido por empresários e comerciantes locais, que
mobilizou no início de 2008, muitas pessoas na cidade de Altamira. Esta passeata
fechou o comércio local, paralisou atividades em instituições municipais e estaduais, e
encerrou com um show com sorteio de muitos prêmios no ponto turístico mais
importante da cidade.
4
A expressão teatral será entendida como “espetacular” no sentido atribuído por Pradier (1998), como
“uma forma de ser e falar, de cantar e de se enfeitar distinta do cotidiano” (PRADIER, 1998, p. 24.). Nos
estudos sobre performance, Victor Turner (1982) o define a partir do teatro. Nesta situação as pessoas ou
grupos representam, simbolizam papeis que correspondem a uma posição invertida em relação ao status
ou condição que ordinariamente possuem na estrutura social. Para este autor “todo tipo de performance
cultural, incluindo ritual, cerimônia, carnaval, teatro e poesia, é explicação da vida” (Turner, 1982).
.
7
Nestes eventos, os grupos FORT-Xingu e Movimento Xingu Vivo para Sempre,
procuraram mobilizar expectativas, representações de si e do outro. Os eventos em
Altamira foram decisivos como demonstração de poder, força e mobilização destes
grupos.
Nestes eventos as imagens do passado foram evocadas e articuladas ao presente,
criando outros significados. No caso dos grupos entrevistados em Altamira, os
participantes não necessariamente partilham uma experiência ou significados comuns,
mas uma posição comum quando negam ou aprovam a construção da hidrelétrica,
transformando os eventos em momentos significativos de poder e um espaço de
convencimento. As representações sociais expressam formas de visões do mundo e têm
por objetivo explicar e dar sentido aos fenômenos. Esses sentidos se manifestam em
ações especialmente aqueles evidenciados nos espaços públicos, que por excelência e o
local do jogo político, portanto lugar privilegiado das representações sociais.
Nas entrevistas realizadas, o empreendimento Belo Monte aparece nos discursos
dos grupos com diferentes concepções de justiça, desenvolvimento e progresso.
Vejamos algumas falas.
Acreditamos que a construção desta hidrelétrica trará novas perspectivas de
emprego, turismo e geração de renda, afinal os resultados de algumas barragens,
como a de ITA em Santa Catarina, nos mostraram que é possível pensarmos em
melhorias econômicas e sociais. O cidadão tem direito de escolher seu próprio
caminho, tenho impressão se assim o for, estaremos melhorando o acesso a todos
sem distinção. A justiça se fará quando todos tiverem direitos iguais (Empresário.
Entrevista gravada em 2009).
Para mim direito é uma palavra muito usada de forma indevida. Esta barragem vai
trazer benefícios e desenvolvimento econômico, vamos ter dinheiro para fortalecer
nossas instituições, melhorar nossos postos de saúde, de vigilância, hospitais. Todos
terão mais acesso a direitos fundamentais. Para mim teremos mais justiça e
qualidade de vida quando o cidadão tiver acesso a educação. Nossa cidade com a
barragem pode melhorar a educação de todos. (Prefeito. Entrevista gravada em
2009).
Nestes discursos as expressões direito, justiça e desenvolvimento são
conseqüências da chegada da hidrelétrica. A sua construção trará políticas públicas
eficazes “melhorando a qualidade de vida de todos” (Comerciante, 2009). Em outros
discursos a Belo Monte aparece como estratégia para angariar recursos econômicos e
consequentemente trazendo o bem estar da população.
8
O FORT-Xingu destaca em seus discursos que a sociedade civil da região da
transamazônica obteve uma grande vitória ao “conseguir que o edital de licitação da
hidrelétrica de Belo Monte obrigasse o consórcio vencedor a investir 500 milhões de
reais no Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) da região” (Folder de
divulgação, 2009). O PDRS trata-se de um amplo programa construído por
comerciantes, empresários locais, representantes dos governos municipais, estadual e
federal, setor produtivo e por entidades da sociedade civil. É composto de um roteiro e
de uma série de metas para alcançar o desenvolvimento sustentável. Entre estas ações
esta: a regularização fundiária, agilidade nos processos de licenciamento ambiental,
incentivo as atividades produtivas, melhoria de infraestrutura urbana, etc. Para os
representantes do FORT-Xingu, a inclusão desta obrigação no edital é uma garantia de
que os recursos serão investidos para melhorar a qualidade de vida da população que
mora na área de influência da hidrelétrica, trazendo com isso desenvolvimento.
Para Diegues (2003), o conceito de desenvolvimento é fundamentalmente
político, cada grupo de interesse ou classe social o define segundo suas próprias
perspectivas. No caso dos discursos acima, a construção da hidrelétrica é um meio
eficiente de alcançar o desenvolvimento e o crescimento econômico. A barragem então
é valorizada como instrumento, obra eficiente para se chegar a uma melhoria na
qualidade de vida da população.
Em outros discursos, desenvolvimento, qualidade de vida são expressões de
conquista e que serão garantidos com a construção da barragem.
Veja bem, o que o povo precisa é de emprego, casa, comida, roupa, segurança. A
barragem pode trazer tudo isso, mas os grupos de “revoltados” são contra o
progresso e o desenvolvimento. Temos a chance de mudar tudo isso na
Transamazônica, melhorar nossos indicadores de qualidade de vida, e esses grupos
revoltados ficam lembrando o que não deu certo! A barragem de Tucurui, quando
foi construída não havia estudos de impactos ambientais, ninguém foi ouvido, agora
se ouve desde o morador da cidade até o índio, e mesmo assim, são contra, mas não
apresentam nenhuma solução. Falam que houve desrespeito a vida humana, muitos
foram perseguidos, não receberam indenizações, ora! Os tempos são outros.
(Comerciante. Entrevista gravada em maio de 2009)
Para mim direito humano é ter comida, casa e emprego. Temos a chance de ter tudo
isso com a construção da barragem e até agora os movimentos sociais irresponsáveis
tem adiado o progresso e o desenvolvimento humano, com esta idéia de só olharem
o passado. (Comerciante. Entrevista gravada em maio de 2009).
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Para o Movimento Xingu Vivo para Sempre, impedir a construção da
hidrelétrica é um ato de justiça histórica com o passado, resgatando os direitos
fundamentais do ser humano perdidos em outros momentos de conflitos, a exemplo da
hidrelétrica de Tucurui.
A história nos mostra que essas barragens (citando como exemplo, Tucurui e
Sobradinho), foi um desrespeito aos direitos dos cidadãos, até hoje tem pessoas sem
indenização, foram expulsas de suas terras sem direito a nada. Agora dizem que
humanizaram esses projetos para a Amazônia, fizeram estudos de impactos
ambientais, etc;. Que nada, esta energia não servirá para nós, acabam com nossas
riquezas naturais, destroem o meio ambiente em nome de uma barragem que irá
atender mais ao sudeste do que aos moradores da região. Não queremos “este tipo de
progresso” (Liderança do Movimento Xingu Vivo para sempre. Entrevista gravada
em maio de 2009).
Não há nada que me convença de que será diferente esta barragem. Conseguimos
por mais de duas décadas impedir esta construção. A história neste pais é reveladora.
Os grandes projetos para a Amazônia foram para atender a elite, desrespeitaram a
constituição, não respeitando a cultura indígena, dos caboclos. Não há
desenvolvimento social nem justiça em uma construção como esta. Há interesses de
grupos econômicos. Os direitos humanos - dos mais pobres - serão novamente
negligenciados. (Padre da Prelazia do Xingu. Entrevista gravada em maio de 2009).
O desenvolvimento aparece neste discurso como um processo que foi
negligenciado historicamente, cujos atores sociais e instituições menos poderosas são
grupos locais vulnerabilizados por iniciativas de desenvolvimento que destruiram as
relações entre povos indígenas, seus territórios e culturas.
Para alguns militantes entrevistados do Movimento Xingu Vivo para sempre, o
desenvolvimento é um processo de mudança social que implica transformações das
relações econômicas e sociais e, portanto devem ser discutidos com todos os segmentos
da sociedade, para principalmente proteger os interesses de populações locais que
historicamente foram expropriadas de seus direitos. Outros militantes deste grupo,
representando as organizações não governamentais e professores de instituições de
ensino superior, apresentam um discurso sobre o desenvolvimento baseado
principalmente na conservação dos ecossistemas e dos recursos naturais, condição
básica para o desenvolvimento.
Observa-se, que as opiniões, os conceitos mesmo em se tratando do mesmo
grupo não são consensuais, contudo são socialmente elaboradas e compartilhadas,
contribuem para a construção de uma realidade comum, que possibilita a comunicação.
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Exercem, funções simbólicas e ideológicas servem de comunicação onde circulam
(Jodelet, 1991).
Na comunidade Santo Antônio, grande parte são pescadores e as entrevistas
revelaram a baixa escolaridade das famílias entrevistadas, 85% não completaram o
ensino fundamental de 1º as 4º séries, a infraestrutura na área é deficiente; não há
saneamento básico, posto de saúde e não há escola de ensino médio. Apesar de a
localidade datar de 1973 e situada próxima as estradas principais que dão acesso a
Altamira e Vitória do Xingu, os moradores se sentem “esquecidos e abandonados”
como revelaram diversas entrevistas. Um dado interessante é quanto a renda de grande
parte dos pescadores ser proveniente da venda ilegal de tartarugas e tracajás. Esta
informação não foi revelada nas entrevistas com os moradores, mas pela observação e
fontes de outros informantes compradores das tartarugas. A comunidade Santo Antônio,
apresenta escassez dos recursos naturais, resultados de muito desmatamento e da pesca
predatória.
Na maioria das entrevistas com as famílias, revelou-se a falta de informação
sobre o empreendimento e seus impactos, bem como sobre a mudança que a
comunidade sofrerá. Contudo, esta área foi visitada por pesquisadores. A Eletronorte
realizou o cadastro das famílias. Mesmo com toda a movimentação a respeito do
assunto, muitos moradores não incorporarão as mudanças radicais as quais sofrerão.
Têm sempre muita gente passando aqui e falando desta barragem, dizem que vamos sair
daqui e vamos ser indenizados, se for assim vou comprar uma casinha em Altamira.
Mas não sei o que vou fazer, na cidade. Há muita gente falando sobre esta barragem e
poucas explicações. (Morador. Entrevista gravada em junho de 2009).
Para mim, tanto faz, não tem nada neste local, moro aqui desde a fundação e se não
fosse este pequeno comércio para sobreviver morreria de fome. Quando cheguei tinha
muito peixe e tartaruga, eu era pescador. Os peixes diminuíram e proibiram a venda de
tartarugas, querem que a gente viva do que. Aqui não tem nada. (Morador. Entrevista
gravada em junho de 2009).
Toda a área da comunidade será inundada, com a construção da barragem,
contudo o isolamento desta comunidade e a falta de informação sobre a hidrelétrica é
algo contraditório com toda a pujança do debate e dos discursos presentes no cotidiano
das cidades que serão impactadas por esta construção. Outros não desejam sair, por que
lá construíram suas vidas, criaram os filhos, organizaram o vilarejo e lá estão os seus
11
entes queridos enterrados, contudo, também não apresentam uma opinião formada sobre
o empreendimento e suas conseqüências. Expressões como desenvolvimento, progresso,
não estão presentes nos discursos dos moradores entrevistados, não refletem os
discursos dos grupos. Por outra esta é uma analise que não pode ficar restrita as
entrevistas. Os moradores da comunidade Santo Antônio são pescadores sem pesca,
pois várias espécies desapareceram. É uma comunidade com escassez de recursos
naturais, solos compactados, etc.
A baixa escolaridade é uma barreira dentro do campo do desenvolvimento. As
regras, a formação de consórcios de empresas, os relatórios de impactos ambientais, são
instruções escritas, fundamentada no planejamento de um projeto, portanto excluem
populações não escolarizadas, mesmo a competência comunicativa que caracteriza
muitos militantes não é um recurso suficiente de convencimento. Portanto, a
apropriação do projeto por parte dos moradores é altamente improvável.
As narrativas e os discursos apresentados são representativos de grupos sociais
que defendem ou negam a hidrelétrica. Refletir sobre estes grupos a partir das teorias
sobre representações implica em não isolar esferas da vida social política, econômica e
religiosa. Os eventos sublinhados aqui são momentos de um processo de relações de
poder que se configuraram com a perspectiva da construção da Hidrelétrica Belo Monte.
O conflito, o drama social, as expectativas são elementos da experiência, da vivência
dos participantes destes grupos que tanto influenciam a construção da realidade social
como ao mesmo tempo são por ele influenciados. Este é o movimento das
representações.
Finalmente, a discussão sobre a energia baseada em hidrelétricas é fundamental,
pois estes são projetos que de forma profunda mudam relações sociais e econômicas na
Amazônia. Afinal, tivemos períodos não tão distantes, refiro-me principalmente às
décadas de 1980 e 1990 em que imperaram os grandes projetos para a Amazônia sem
qualquer critério de debate. Naqueles períodos conflituosos, restava para a sociedade
civil, acatar ou resignar-se, o que nem sempre aconteceu, pois foi emblemático a
construção da hidrelétrica de Tucurui e os grupos sociais que se formaram em torno
desta barragem contestando a sua construção.
Ao longo de sua história, a Amazônia tem gerado sempre mais recursos para
fora do que tem recebido como retorno; tem sido um lugar de exploração, abuso e
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extração de riquezas. Os equívocos dos planos, projetos e programas federais nas
últimas décadas encontraram resistência nas classes mais pobres e contraditoriamente
fortaleceram organizações de mulheres, camponeses, índios, etc,. São esses grupos que
penalizados em seu poder de decisão, construíram uma representação em torno da
barragem que foram elaboradas e compartilhadas e contribuíram para a construção de
um discurso comum de reação a este projeto. O debate, as discussões são ainda
necessários mesmo com o leilão que definiu o consórcio de empresas que irá construir a
barragem. As representações sobre os modelos de desenvolvimento econômico e social,
mais fortemente devem ser discutidos, socializados e simbolizados principalmente para
aqueles moradores supostamente atingidos diretamente e não integrados a racionalidade
dos planejamentos evidenciados nestes projetos.
O diálogo entre o conhecimento científico e o conhecimento dos povos
tradicionais é fundamental para a produção de novos conhecimentos e transformação
das práticas científicas e políticas de conservação. Diegues (2003) destaca em seu livro
“O mito moderno da natureza intocada”, quando se fala em modelos importados de
desenvolvimento não esta se referindo apenas à aspectos estruturais dos parques e
reservas, mas também à própria forma de pensar a relação do ser humano com a
natureza. Isto passa necessariamente em valorizar saberes tradicionais, passa por uma
revisão da própria comunidade científica em relação à imagem da ciência que desprezou
estes saberes, das instituições que herdeiras dos momentos autoritários do regime
militar, valorizaram o desenvolvimento econômico como uma discussão reservada à
esfera institucional.
A discussão cada vez mais é necessária, comunidades como a de Santo Antônio,
em que apesar do debate parecer tão profícuo sobre a hidrelétrica Belo Monte, não
conseguem perceber que suas vidas para sempre serão modificadas.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA
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