APRESENTAÇÃO
Liberalização, integração e globalização freqüentam os noticiários
cotidianos, onde aparecem nos discursos veementes de manifestações populares nem sempre pacíficas. Jose Bové, o agricultor francês
que investiu com seu trator contra a vitrine do McDonald’s, é, talvez, a melhor expressão caricata desse fenômeno. Com maior pompa e circunstância, acontecimentos como o Fórum Econômico
Mundial em Davos e o Fórum Social Mundial de Porto Alegre têm
na globalização sua própria razão de ser.
Embora nem sempre claro, o pressuposto dessas manifestações
é que, para o bem ou para o mal, os processos de liberalização e
integração das relações econômicas e financeiras mundiais são os
grandes responsáveis pelas transformações sociais que ocorrem dentro de cada país. Para aqueles que a vêem positivamente, a globalização
constitui um processo inexorável decorrente das inovações nas
tecnologias de informática e comunicação que trará grandes benefícios para os países que dela souberem aproveitar. Para os que têm
dela uma visão negativa, a globalização desestrutura as economias
menos competitivas, reduzindo as oportunidades de emprego e os
salários, sobretudo entre os segmentos menos qualificados da sociedade. Para se evitar maiores desigualdade e desemprego, há que se
resistir à globalização pela proteção comercial.
Vista de perspectiva mais abstrata, essa controvérsia está na
própria origem da economia enquanto ciência e a resposta a sua
questão fundamental — qual seja, os efeitos da proteção comercial
sobre o emprego e a distribuição de renda — encontra-se ainda hoje
em aberto. Aceitando-se as hipóteses de concorrência perfeita em
todos os mercados é possível demonstrar que a liberalização do comércio internacional aumenta a eficiência e a capacidade produtiva
da economia. Nada garante, contudo, que todos terão melhorias de
bem-estar com a liberdade de comércio. Para alguns segmentos, a
liberdade de comércio pode significar menores salários ou rendimentos.
Quando abandonamos a hipótese de concorrência perfeita e
admitimos a possibilidade de segmentação e poder monopolístico
nos mercados de trabalho, financeiro e de bens, os resultados teóricos tornam-se ainda mais ambíguos. Nesse caso, nem mesmo a garantia de eficiência e maior capacidade produtiva estaria assegurada.
Desprovidos de certezas teóricas, a alternativa que resta é a avaliação empírica dos impactos da liberalização comercial sobre os níveis e distribuição de renda e emprego em cada economia. Técnicas
adequadas às avaliações empíricas dessa natureza foram bastante desenvolvidas nos anos recentes e, dentre essas, os modelos de equilíbrio geral computáveis são hoje reconhecidos como a melhor ferramenta disponível.
Este livro utiliza um modelo de equilíbrio geral computável
para analisar os efeitos de políticas de liberalização comercial sobre o
mercado de trabalho no Brasil. O grande desafio técnico para a utilização desses modelos é conciliar o detalhamento requerido pela
análise com as estatísticas disponíveis. Além disso, para assegurar a
relevância política da análise é preciso traduzir os resultados técnicos em linguagem comum de forma a permitir que amplos setores
da sociedade sejam informados sobre as conseqüências de alternativas diversas de política comercial disponíveis.
O livro enfrenta com sucesso esses desafios. Sua grande contribuição empírica está no detalhamento dado à estrutura de emprego,
salários e renda familiar em um modelo de equilíbrio geral computável
para a economia brasileira que tornou possível cálculos bem mais
rigorosos quanto aos efeitos da política comercial sobre o emprego e
a distribuição de renda. Além disso, a organização do livro e a apre-
sentação dos resultados respondem com sucesso ao desafio de informar um público mais amplo.
Para a política econômica, a grande contribuição do estudo
está no resultado das simulações, mostrando que a liberalização comercial ocorrida na primeira metade da década de 1990 teve efeitos
pouco significativos sobre a estrutura de produção, emprego e rendimentos da economia brasileira. No desempenho do mercado de
trabalho, teria havido um pequeno efeito no sentido de melhorar a
distribuição de renda e reduzir a incidência de pobreza. Esses resultados, embora frustrantes na medida em que reduzem a importância
do processo de globalização para a economia, trazem implicações
importantes para a política comercial, sinalizando para a possibilidade e necessidade de uma postura menos defensiva por parte do
governo brasileiro.
Apresentar este livro é, para mim, motivo de dupla satisfação.
Primeiro, por se tratar de um estudo que insere o IPEA no debate
atual sobre a política econômica brasileira, trazendo uma mensagem
positiva e afirmativa. Segundo, por expressar o sucesso da atuação
conjunta das Diretorias de Estudos Macroeconômicos e de Estudos
Sociais do IPEA, mérito que deve ser creditado a Honorio Kume e
Carlos Henrique Corseuil.
Por fim, gostaria de deixar registrado que o projeto de pesquisa
que deu origem a esse livro foi realizado ao longo de 2001 e 2002,
durante a gestão de Roberto Borges Martins como Presidente do
IPEA. A iniciativa e a liderança intelectual do projeto couberam a
Ricardo Paes de Barros, então Diretor de Estudos Sociais do IPEA.
Eustáquio J. Reis
Diretor de Estudos Macroeconômicos do IPEA
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