CONSTRUÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE UM DETECTOR DE IONIZAÇÃO
GASOSA PARA INSTRUMENTAÇÃO NO ENSINO DE FÍSICA NUCLEAR
Cleber Adelar Boff – [email protected]
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
Naturais e Matemática, PPGEN.
Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03 – Vila Carli. CEP 85040-080 Guarapuava – PR.
Guarapuava - Paraná
Rodrigo Oliveira Bastos – [email protected]
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Departamento de Física.
Guarapuava - Paraná
Fábio Luiz Melquiades – [email protected]
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Departamento de Física.
Guarapuava - Paraná
Resumo: A grande dificuldade para o Ensino de Física Moderna, principalmente a
Física Nuclear, no Ensino Médio, é a instrumentação. Entre os motivos está a falta de
laboratórios nas escolas e a falta de preparo e tempo dos professores para usá-los, ficando
em muitos casos em segundo plano. O presente trabalho teve por objetivo construir um
detector de ionização gasosa (câmara de ionização) de baixo custo, que tenha amplo acesso
aos laboratórios didáticos do Ensino Médio e Superior do Brasil. Este dispositivo tem como
base a montagem de WENZEL (2014) ligeiramente modificada. Além da montagem
apresentam-se também algumas medidas realizadas com a mesma, indicando sua estabilidade
e sensibilidade para experimentos didáticos. As atividades realizadas comprovaram que o
equipamento possui sensibilidade e estabilidade suficiente, para posteriores experimentos
didáticos em práticas de ensino, podendo servir de suporte para o desenvolvimento de
diversas atividades associadas à Física Nuclear.
Palavras-chave: instrumentação nuclear, câmara de ionização, ensino de física nuclear.
1
INTRODUÇÃO
A introdução da Física Moderna no Ensino Médio tem sido motivo de estudos de vários
pesquisadores, formulando e avaliando propostas que auxiliem para a transformação da
realidade escolar, visando sanar dificuldades encontradas na compreensão dos fenômenos
ligados à Física Moderna.
Uma das grandes dificuldades para o Ensino de Física Moderna, e principalmente da
Física Nuclear, no Ensino Médio, é a instrumentação, sendo que a sugerida nos materiais
didáticos do ensino médio, se é que existe alguma, envolve processos que simbolizam o
fenômeno real (simulações) e não usam realmente instrumentação nuclear. Segundo Silva
(2012) a instrumentação no ensino de Física Moderna tem se restringido a simulações
computacionais que, ao longo dos anos, têm sido desenvolvidas e utilizadas tanto pelo seu
potencial pedagógico quanto para reduzir custos e sanar as dificuldades logísticas das
atividades experimentais.
No ensino de Física a experimentação muitas vezes fica em segundo plano, e
certamente entre os motivos para que isso ocorra está à falta de laboratórios nas escolas e a
falta de preparo e tempo dos professores para usá-los. Associado a isso, a dificuldade de
acesso dos professores a experiências de Física Moderna, trazem consequências aos processos
de ensino e de aprendizagem. A montagem de um laboratório de Física Moderna desempenha
uma função importante, pois o mesmo pode ajudar na compreensão de conceitos complexos.
Segundo Silva (2012), apesar de serem consideradas um importante complemento às
aulas expositivas e ao estudo individual do aluno, atividades experimentais sobre Física
Nuclear são, de difícil acesso, sendo raramente encontradas em todos os níveis de ensino.
Atividades experimentais de Física Nuclear utilizando radiações ionizantes têm vários
inconvenientes.
Todo experimento em física nuclear envolve alguma fonte de radiação ionizante e algum
detector dessa radiação. Para uso no ensino, em geral as fontes devem ser seladas, ou quando
não seladas, devem possuir meia-vida curta e atividades que não demandem maiores cuidados
no que diz respeito à proteção radiológica, já que o objetivo é que sejam manipuladas pelos
alunos. No caso dos detectores, os mesmos devem ser sensíveis o suficiente para medir a
radiação dessas fontes.
O presente trabalho teve por objetivo construir um detector de ionização gasosa (câmara
de ionização) de baixo custo e que tenha mais amplo acesso aos laboratórios didáticos do
Ensino Médio e Superior do Brasil. Este dispositivo tem como base a montagem de
WENZEL(2014) ligeiramente modificada devido à dificuldade para encontrar um
componente eletrônico citado pelo autor. O projeto original cita a utilização de um transistor
darlington NPN, MPSW45A, difícil de ser encontrado no Brasil. Após algumas tentativas
verificou-se que este componente poderia ser substituído por dois ou três transistores NPN de
uso geral (BC548 ou BC549) montados em configuração Darlington. Além da montagem
modificada da câmara de ionização proposta por WENZEL, apresentam-se aqui algumas
medidas realizadas com a mesma, indicando sua estabilidade e sensibilidade para a realização
de experimentos didáticos. Dessa forma, verificou-se a possibilidade de uso da câmara de
ionização construída como uma ferramenta em práticas de ensino.
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MÉTODO
Detectores a gás são geralmente classificados em três categorias: Câmara de ionização,
contador proporcional e contador Geiger-Mueller. O nosso estudo se restringirá à câmara de
ionização, uma das técnicas mais antigas e mais utilizadas na detecção de radiação ionizante.
O princípio básico dessa técnica é o de coleta de cargas, criadas pela ionização direta do gás,
devido ao campo elétrico estabelecido entre dois eletrodos: negativo (catodo) e positivo
(anodo).
Entre os dois eletrodos é aplicada uma diferença de potencial e quando uma partícula
penetra na câmara provoca a ionização do gás contido no seu interior. Os íons formados se
deslocam para o eletrodo com a polaridade contrária, estabelecendo-se assim uma corrente. A
câmara proposta trabalha em regime contínuo, onde o sinal gerado pelo detector corresponde
à taxa média de partículas que ionizam o gás.
A Figura 1 apresenta um diagrama esquemático da câmara de ionização proposta e seu
circuito amplificador.
Voltímetro
Câmara de
ionização
BC548
BC548
BC548
Figura 1 – Diagrama esquemático da câmara de ionização e circuito amplificador constituído
de três transistores de uso geral ligados em configuração Darlington.
2.1 Materiais utilizados
A estrutura simples dos detectores gasosos permitem projetar câmaras de ionização de
diferentes tamanhos e geometrias. Utilizou-se neste trabalho uma câmara de geometria
cilíndrica. Os materiais utilizados de acordo com a Figura 2 são: uma lata fazia de 500g; duas
baterias de 9V; três transistores BC548; um resistor de 1k; um clipe de papel; epóxi; dois
pedaços de fio de 30cm; conectores banana (preto e vermelho); dois conectores para bateria;
multímetro; tesoura; estilete ou alicate; ferro de solda; papel alumínio; tela metálica;
camisinha de lampião; fita adesiva.
Figura 2 – Materiais utilizados na construção da câmara
2.2 Procedimentos
Para a construção da câmara, a lata de 500g utilizada foi furada no seu centro. O fio de
metal niquelado do clipe foi utilizado como eletrodo central da câmara. Para isso, trabalhouse com o clipe de papel e o alicate para deixar o metal do clipe o mais reto possível. Após
dobrar-se a base (pino do meio) de um dos transistores, em um ângulo de 90º, soldou-se o
clipe na base (Figura 3a). O comprimento do eletrodo central deve ser mais curto que o
comprimento da lata. Com uma pequena quantidade de massa epóxi o transistor foi fixado na
lata (Figura 3a e 3b). Ao fixar o transistor na lata deve-se tomar cuidado para que a massa
epóxi não toque nas pernas do transistor. A base do transistor, assim como o eletrodo central,
também não deve tocar na lata, e deve estar bem centralizado (Figura 3c).
Figura 3 – (a) Transistor com epóxi e soldado no clipe. (b) Transistor colado na lata.
(c) Vista de dentro da lata, com fio centralizado.
Na montagem do restante do circuito foi soldado o resistor na lata e os outros
transistores da seguinte forma: a base do segundo transistor soldado no emissor do primeiro,
que já está colado na lata; e a base do terceiro soldado no emissor do segundo. Os coletores
dos três transistores foram soldados entre si. A Figura 4a, ilustra este procedimento.
Depois disso, foi soldada a outra extremidade do resistor no polo positivo (vermelho)
da bateria, e o negativo (preto) foi soldado no emissor do terceiro transistor. Com os
conectores banana (preto e vermelho), soldados nas extremidades dos fios de 30cm, foi
soldado o fio com o conector vermelho na extremidade do resistor (junto com o polo positivo
da bateria), e o fio com o conector preto junto com os coletores dos três transistores. A Figura
4b, ilustra este procedimento.
Figura 4 – (a) Resistor e transistores soldados. (b) Fios conectados aos dispositivos.
Para cobrir o lado aberto da lata, denominado janela do detector, foi utilizada uma tela
metálica presa com fita adesiva. A janela de tela metálica protege o eletrodo central de
campos elétricos externos e, ao mesmo tempo, permite a entrada de partículas alfa no volume
sensível do detector.
Para testar a câmara construída utilizou-se uma camisinha de lampião. Muitas camisinhas
de lampião possuem o elemento Tório em sua composição para aumentar a luminosidade, e o
isótopo do Tório Th-232 é pai de uma série radioativa natural, sendo fonte de radiação alfa,
beta e gama.
Conectando a câmara a um voltímetro digital observa-se que a leitura cai para apenas
alguns volts, como pode ser visto na Figura 5a. Ao aproximar uma camisinha de lampião do
papel alumínio observa-se que a tensão no voltímetro aumenta, conforme mostrado na Figura
5b.
Como o ganho do circuito amplificador é muito grande, o mesmo deve ser protegido por
uma gaiola de Faraday para evitar a influência de campos elétricos escusos. Assim, após a
conclusão da câmara, foi soldada outra lata, de acordo com a Figura 5c, de tal forma que os
transistores fiquem isolados, evitando assim influencia de outros agentes capazes de alterar os
resultados.
Figura 5 – (a) Câmara pronta com voltímetro conectado e indicando a leitura mínima. (b)
Câmara com camisinha de lampião encostada na janela de alumínio e com a medida indicada.
(c) Câmara com janela de tela metálica e lata isolando o circuito amplificador.
2.3 Resultados
Foram realizadas duas séries de medidas da voltagem no detector em função da distância
entre o detector e a camisinha. Uma série de medidas foi realizada com a janela de papel
alumínio e a outra série de medidas realizada com a janela sem o papel alumínio. Nas duas
séries de medidas realizadas, a camisinha estava fora da embalagem e os resultados são
indicados na figura 6.
Figura 6 – Gráfico das medidas da voltagem no detector em função da distância entre o
detector e a camisinha
Com janela de tela metálica a radiação alfa alcança o volume sensível do detector a partir
da distância correspondente ao alcance das partículas alfa mais energéticas da série do Th232, conforme pode ser constatado no gráfico da figura 6.
A diferença entre os dois gráficos mostra que as partículas alfa provenientes da camisinha
são capazes de penetrar a barreira do papel alumínio quando a camisinha é aproximada cerca
de 3 cm.
Fica evidente no gráfico da figura 6 que as medidas com e sem janela de alumínio se
diferenciam a partir da distância de cerca de 7 cm. As partículas alfa emitidas pela série do
Th-232 (de energia de aproximadamente 4 MeV a 9 MeV) têm alcance variando de
aproximadamente 3 cm a 8 cm.
As atividades que foram realizadas sugerem que o equipamento construído possui
sensibilidade e estabilidade suficientes para o posterior planejamento de outros experimentos
didáticos.
3
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino de Física de Nuclear no Brasil é ainda incipiente. A literatura existente sobre o
tema é, geralmente, dirigida à apresentação de tópicos e a instrumentação se restringe a
simulações.
Neste trabalho apresentamos a montagem de uma câmara de ionização de baixo custo, de
fácil construção e manuseio, tornando possível sua utilização na maioria das instituições de
ensino. Além da montagem modificada da câmara de ionização proposta por WENZEL,
apresentam-se aqui algumas medidas realizadas com a mesma, indicando sua estabilidade e
sensibilidade suficientes para a realização de experimentos didáticos. Dessa forma, verificouse a possibilidade de uso da câmara de ionização construída como uma ferramenta em práticas
de ensino. Este aparato experimental pode servir de suporte para o desenvolvimento de
diversas atividades associadas à Física Nuclear.
Recentemente foi encontrado no mercado brasileiro o transistor NPN darlington BC 517,
possibilitando a construção do modelo original de WENZEL. Com a realização de alguns
testes, utilizando este transistor, verificou-se que a câmara de ionização comportou-se
satisfatoriamente, ficando como sugestão para futuras montagens.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
WENZEL,
C.
Radon
Detector
for
the
Student.
Disponível
<http://www.techlib.com/science/ionchamber.htm>. Acesso em: 01 de março de 2014.
em:
SILVA, N. C., Laboratório virtual de Física Moderna: Atenuação da radiação pela matéria.
Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 29, n. 3, p. 1206-1231, 2012.
CONSTRUCTION AND CHARACTERIZATION OF A GAS IONIZATION
DETECTOR FOR INSTRUMENTATION IN THE NUCLEAR PHYSICS TEACHING
PROCESS
Abstract: The main difficulty for the Teaching of Modern Physics, especially in high schools,
is the instrumentation. The reasons for that include the lack of laboratories in schools and the
lack of preparation and time of teachers to use it, what makes the instrumentation to be left
for second plan. The objective of this study was to build a low cost gas ionization detector
(Ionization chamber), in order to provide a wide access to laboratories of high schools and
higher education in Brazil. This device is based on the method of WENZEL (2014) but with a
slightly modification. Besides its assembly, some measurements performed on the ionization
detector have been presented, which have indicated its stability and sensitivity to educational
experiments. The activities performed have demonstrated satisfactory stability and sensitivity
of the equipment for future teaching practices of educational experiments, which may also
serve to support the development of various activities associated with Nuclear Physics.
Keywords: nuclear instrumentation, ionization chamber, teaching nuclear physics.
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