III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
REPRESENTAÇÕES DA LÍNGUA INGLESA E O DISCURSO
NEOLIBERAL EM UM MATERIAL DIDÁTICO DIGITAL DE ENSINO DE
INGLÊS PARA NEGÓCIOS: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO E A
FORMAÇÃO DO SUJEITO
Maria Inês de Oliveira Hernandez1
Introdução
Alguns acadêmicos têm apontado para o fato de que o livro didático é,
geralmente, entendido como lugar onde se apresenta um conhecimento de maneira
imparcial e neutra. Este efeito é construído por meio do trabalho do discurso da ciência
aliado ao discurso didático-pedagógico (cf. Coracini, 1999; 2003), em que se busca levar
a verdade ao aluno a fim de que, ao entrar em contato com o conhecimento puro,
resultado de uma racionalização, liberte-se da opressão e da ignorância e consiga
progredir, segundo os preceitos do Iluminismo que alicerça a instituição escolar (cf.
Usher & Edwards, 1994).
Para que possamos discutir o discurso presente no material didático analisado,
primeiro teceremos algumas considerações sobre a natureza do discurso. A partir de uma
perspectiva discursiva da linguagem, entendemos o discurso como processo em
movimento, que se dá na relação entre língua (sistema) e seu exterior, em outras
palavras, as condições históricas e sociais. Nesta perspectiva discursiva as palavras
adquirem seus sentidos a partir do posicionamento subjetivo ocupado pelos indivíduos ao
empregá-las em contextos específicos. Também é importante a constatação de que não
há discurso sem sujeito e este se forma pelo trabalho da interpelação ideológica, afetado
por suas condições históricas e sociais. Conclui-se, portanto, que todo discurso é
ideológico. Não há dizer neutro, livre de valores e posicionamentos (cf. Orlandi, 2000).
Na
visão
discursiva
também
entendemos
que
os
discursos
são
sempre
constitutivamente heterogêneos, em que em um dizer várias vozes podem ser ouvidas,
vozes que se aliam, se contradizem, concorrem entre si. Isto porque não estamos na
origem da linguagem. Quando tomamos a palavra, nossas palavras já significaram antes
em outros lugares e outros sentidos podem ser conferidos ao nosso dizer, mesmo que
1
Doutoranda na Universidade de São Paulo.
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procuremos controlar os sentidos a partir de artifícios que criam o efeito de que
controlamos a língua e seus sentidos (cf. Brandão, 1996).
Desse modo, apoiando-nos no postulado da perspectiva discursiva de que todo
discurso é ideológico e heterogêneo, entendemos que outros discursos se fazem
presentes no material didático, além do discurso didático-pedagógico e do discurso da
ciência, que confere ao material didático o efeito de objetividade e imparcialidade. Assim,
neste artigo investigaremos que outros discursos estão imbricados no material didático
analisado, que representações são construídas da língua inglesa e do sujeito implicado.
Condições de produção
Partindo da constatação de como meus alunos se interessam em interagir com a
língua inglesa por meio de materiais digitais, voltei-me para a análise do CD-ROM que
acompanha o livro didático de inglês como língua estrangeira adotado na instituição de
ensino superior em que trabalho. Esta instituição é pública e voltada para a formação
tecnológica.
Este material digital destina-se ao auto-estudo. Espera-se, desse modo, que o
aluno interaja com esta mídia de maneira autônoma e fora da sala de aula (não há
referência no livro do professor e no livro do aluno de que se deva usar o material digital
em sala de aula). O livro em questão, Business Result Pre-intermediate (Grant & Hudson,
2009), como o nome já indica, enfoca o ensino de inglês no âmbito comercial. Para cada
uma das 16 unidades do livro há uma unidade correspondente no CD-ROM. Este
apresenta as seguintes seções:
exercises and tests (exercícios de estrutura e
vocabulário), emails (apresentação de modelos de emails e exercícios de estrutura e
vocabulário), phrasebank (listas de mini trocas verbais que podem ser ouvidas também),
phrasebook (trocas verbais que o aluno importa do phrasebank), áudio (apresentação de
todas as atividades de compreensão auditiva do livro do aluno com suas transcrições) e
glossary (listas de palavras com suas pronúncias). Uma característica deste CD-ROM é
não apresentar vídeos, fotos ou figuras.
2
2
Embora a questão imagética não seja objeto deste artigo, um CD-ROM apresenta inúmeros
recursos de imagem, som e movimento, mas estes são subutilizados no CD-ROM Business Result
Pre-intermediate Interactive Workbook. Ele se apresenta como se estivesse impresso. Aliás, o
material se auto-intitula “workbook”, mas em vez de se apresentar em forma de livro, apresentase em um CD-ROM. Pensamos que isto se deva a duas razões. Primeiro, por questão financeira: é
mais barato confeccionar um CD do que um livro. Segundo, a editora atende às expectativas dos
usuários que esperam um material digital, pois cria o efeito de atual e moderno. Ademais, muitas
instituições não adotam livros que não venham com materiais digitais, como é o caso do MEC que
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Ao se considerar o contexto em que este material didático foi elaborado, devemos
levar em conta o fato de que o Business Result Pre-intermediate é produzido por uma
editora inglesa (percebida como autoridade legitimada sobre a língua e os povos de
língua inglesa), cuja proposta é ensinar inglês para estrangeiros a partir de situações de
negócios. Também é constitutivo das condições de produção deste material didático o
fato dos autores e da editora estarem localizados em uma nação européia desenvolvida e
rica. É relevante também o status que a língua inglesa desfruta na atualidade.
Língua, ideologia e poder
Pennycook (2001) faz um apanhado sobre as diferentes posições de linguistas a
respeito da presença dominante da língua inglesa ao redor do mundo, constituindo-se
como a língua franca da atualidade. O autor discorre sobre a opinião tanto dos linguistas
conservadores e liberais como a dos mais críticos, que entendem o fenômeno como um
imperialismo linguístico atrelado às forças globalizadoras das potências econômicas e
culturais anglo-americanas, especialmente dos Estados Unidos. No pensamento dos
linguistas críticos o que prevalece é a constatação de que não se pode separar a língua
de questões de saber, poder e ideologia. Isto se refere às várias esferas em que os
sujeitos utilizam a língua inglesa, aplicando-se desde às questões de sobrevivência no
cotidiano dos imigrantes em países de língua inglesa na busca por trabalho, serviços de
educação e saúde, como até ao fato da maioria das publicações científicas em vários
países ocorrer em inglês.
Ao aprender uma língua, aprendemos também as culturas dos povos que falam
aquela
língua.
Contudo,
Rajagopalan
(2005)
aponta
para
uma
atitude
menos
determinista e reprodutivista sobre a questão. Ao se dominar o inglês, o sujeito não só
reproduzirá esta língua com suas colorações ideológicas, mas também se apropriará
desta e a tornará sua, marcando-a com características de sua língua materna e de sua
bagagem cultural, promovendo uma hibridização da língua estrangeira por meio de sua
apropriação.
Acrescentaríamos,
contudo,
que
a
educação
deve
ter
um
papel
preponderante na formação de novos falantes do inglês como língua estrangeira,
encorajando no aluno uma atitude mais crítica em relação ao seu aprendizado a fim de
que, ao dominar a língua inglesa, não seja “dominado” por ela.
só recomenda a adoção de livros de inglês como língua estrangeira para as escolas públicas se
estiverem acompanhados de materiais digitais.
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A partir destas reflexões acerca da natureza da língua inglesa como língua da
comunicação global em nosso momento contemporâneo, poderemos comentar alguns
aspectos observados neste material digital. Em primeiro lugar, o que se constata é uma
tentativa de apagamento de qualquer traço ligando a língua inglesa ao povo inglês,
americano ou qualquer outra nação onde o inglês seja a língua oficial ou nacional.
Provoca-se o efeito de que a língua inglesa não tem “dono”, e por ser de todos, é neutra.
Se dizemos “tentativa de apagamento” é porque, na verdade, a relação entre a língua e
os países se fez presente por outros modos. Por mais que procuremos controlar a
linguagem, esta sempre apresenta fissuras em que sentidos imprevistos se formam.
Neste caso, o traço de união entre a língua inglesa e os países anglo-americanos se
mostrou pela ideologia do capitalismo neoliberal.
Como poderemos constatar nas próximas seções, no discurso pedagógico deste
material digital encontram-se fortemente imbricados enunciados 3 do discurso neoliberal,
que é um discurso fundador das economias anglo-americanas e que impulsionaram o
fenômeno da globalização nas últimas décadas.
Inglês : passaporte para o sucesso
Ao estudar as representações da língua inglesa na mídia, Grigoletto (2007:215)
aponta para a estreita relação entre a língua inglesa, o mundo globalizado e o mercado
de trabalho. Constrói-se na mídia a representação de que o domínio da língua inglesa
seria como um passaporte para o sucesso no mercado de trabalho, possibilitando ao
indivíduo ocupar o lugar de sujeito privilegiado da contemporaneidade, isto é, o lugar
daquele que tem o poder de mover-se sem fronteiras, de poder consumir à vontade,
além de poder escolher diferentes subjetividades.
No CD-ROM Business Result Pre-intermediate Interactive Workbook 4 é recorrente
comentar sobre as grandes empresas multinacionais:
3
Utilizamos a noção de enunciado como elaborada por M. Foucault (1997) não para designar uma
formulação, mas como uma modalidade repetível, que circula por diferentes redes de significados e
se modifica; “modalidade que lhe permite estar em relação com um domínio de objetos, prescrever
uma posição definida a qualquer sujeito possível, estar situado entre outras performances verbais,
estar dotado, enfim, de uma materialidade repetível” (op. cit., 123, 124).
4
Todas as sequências (doravante S) aqui apresentadas foram retiradas da seção “Exercises and
Tests”. Esta seção é subdividida em: working with words 1, working with words 2, business
communication 1, business communication 2, language at work 1, language at work 2 e test.
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[S.1] Microsoft specializes in computer software. (Unit 1 - working with words 1)
[S.2] Microsoft’s main competitor is Apple, who has a growing share of the market.
(Unit 1 - working with words 1)
[S. 3] Unilever operates in over 150 countries around the world.
(Unit 1 - working with words 1)
[S. 4] Siemens has 400,000 people on its staff. (Unit 2 - working with words 2)
[S. 5] Shell does not make as much money as Exxon. (Unit 6 – test)
[S. 6] I work for a large multinational company. (Unit 2 - working with words 1)
[S. 7] Yesterday I went for a job interview at Siemens.
I haven’t heard from them yet.
But I have already decided that I would like the job.(Unit 5 – language at work 2)
É interessante notar como o discurso da propaganda imbrica-se no discurso
didático ao se mencionar nomes de grandes empresas multinacionais neste CD-ROM.
Cria-se, desse modo, um efeito de que se pretende familiarizar o aluno com estas
empresas uma vez que estas representam o lugar em que poderia trabalhar, desde que
tenha o domínio da língua inglesa. Em S7 observamos o enunciador “I” explicitando seu
desejo de trabalhar numa multinacional, ecoando o desejo de muitos outros em nosso
momento contemporâneo.
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O
CD-ROM Business Result
Pre-intermediate
Interactive
Workbook
parece
construir uma promessa velada bastante ambiciosa ao sujeito que dominar a língua
inglesa: não só ocupará um lugar em uma corporação multinacional, mas ocupará altos
cargos, como notamos nas sequências abaixo:
[S. 8] (...) B: I’m from Berlim, what about you?
A: From Vancouver. What do you do?
B: I’m a marketing manager. I work for a company in Canada.
(Unit 1 - Business Communication 1)
[S. 9] What do you do? – I’m a sales manager. (Unit 1 -Business Communication 2)
[S. 10] What do you do? – I’m a sales manager. (Unit 2 -test)
[S. 11] The new director wears very stylish clothes. She likes things that are fashionable.
(Unit 4 – test)
[S. 12] Becoming the CEO of the company is my long-term ambition.
(Unit 16 – test)
Quem fala neste material e de quem se fala é, geralmente, gerente, diretor,
presidente, CEO (Chief Executive Officer) e a língua usada por eles ou para falar deles no
contexto de negócios é o inglês: língua franca do mundo dos negócios. Instaura-se,
desse modo, a necessidade de se dominar a língua inglesa àqueles que almejam sucesso
no
mundo
corporativo.
Aliás,
a
constante
presença
dos
nomes
das
grandes
multinacionais no livro e a ausência de pequenas empresas locais provocam o efeito de
que estas não são merecedoras do investimento pessoal de profissionais falantes da
língua inglesa.
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Prêmio pelo sucesso: poder de mobilidade
Ao discorrer sobre as conseqüências da globalização, Bauman (1999) explica que
enquanto as classes menos favorecidas viram-se fincadas em suas localidades,
enfrentando as conseqüências locais do movimento capitalista neoliberal, as classes
abastadas ganharam grande mobilidade (física e virtual), propiciando-lhes cruzar
fronteiras à vontade, sem restrições.
Corroborando a visão de Bauman (op. cit.), constatamos que o executivo de
sucesso representado no material didático aqui analisado tem grande mobilidade global:
[S. 13] John usually stays at the Hilton Hotel. (Unit 2 – language at work 1)
[S. 14] Where are you staying? – In the Four Seasons Hotel. (Unit 2 – test)
[S. 15] Have you booked our accommodation for the conferece in Madrid?
(Unit 16 – test)
[S. 16] Is this your first time in Madrid? (Unit 7 – test)
[S. 17] The weather was awful during our business trip to the USA.
(Unit 12 – language at work 1)
Constatamos, assim, o poder de mobilidade do executivo de sucesso ao mesmo
tempo em que esta mobilidade apresenta-se com atributos positivos, como se hospedar
em hotéis luxuosos (“The Hilton Hotel”, “The Four Seasons Hotel”). Não se fala dos
atrasos e cancelamentos dos voos ou dos trens, dos desconfortos de se viajar longas
distâncias, nem dos efeitos provocados pela distância da família e dos amigos. A
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mobilidade é apresentada como um prêmio sem defeitos. Ao falar sobre o modo de
existência da atualidade, Bauman (1999:129) explica como este se constitui na
“hierarquia do global e do local, com a liberdade global de movimentos indicando
promoção social, progresso e sucesso, e a imobilidade exalando o odor repugnante da
derrota, da vida fracassada e do atraso”.
Preço pelo sucesso: o tempo
O cobiçado prêmio da mobilidade vem acompanhado do preço a ser pago pelo
sucesso: mais tempo da vida do sujeito deve ser dedicado ao trabalho, como podemos
verificar nos segmentos abaixo:
[S. 18] Do any of the employees in your company work at weekends? (Unit 1 – Test)
[S. 19] Are you working this Saturday? (Unit 2 – language at work 1)
[S. 20] Do you work on Saturdays? (Unit 2 – language at work 1)
[S. 21] Do you work at weekends? (Unit 2 – test)
[S. 22] We don’t need to do overtime, but many people do. (Unit 9 – test)
Pela recorrência das perguntas sobre se o interlocutor trabalha nos finais de
semana e pela afirmação de que muitas pessoas trabalham nos finais de semana,
provoca-se o efeito de que isso é algo natural. Assim, notamos o efeito do trabalho do
discurso neoliberal neste material didático que gera o sentido de que esta prática, por ser
freqüente, é natural e que, portanto, o aluno de inglês/futuro executivo de sucesso deve
acatá-la com naturalidade.
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Segundo Saviani (2008: 427 e 428) o neoliberalismo caracteriza-se pelo combate
ao Estado regulador, pregando reformas trabalhistas e previdenciárias que diminuem os
direitos dos trabalhadores. Também promove a privatização dos serviços públicos, a
desregulamentação dos mercados financeiros, bem como incentiva a abertura das
economias nacionais ao mercado internacional.
Têm-se, portanto, criado condições legais para as empresas poderem trocar seu
quadro de empregados com menos custos, diferentemente da situação de até meados
dos anos setenta do século XX quando era comum um funcionário trabalhar na mesma
empresa por décadas. Ademais, criaram-se novas formas de se contratar mão de obra
que não oneram a empresa, como por exemplo terceirizando-se alguns serviços. A
formulação abaixo ilustra esta prática:
[S. 23] We are using a subcontractor to do some of the work for us. (Unit 2 – tests)
Uma das conseqüências das reformas trabalhistas que flexibilizam e facilitam a
demissão e contratação de funcionários a partir dos anos 80 é o sentimento de
insegurança gerado pela possibilidade de desemprego, aliás, este é tema recorrente no
material digital Business Result Pre-intermediate Interactive Workbook:
[S. 24] The company has to lose six employees. How do you feel about that?
(Unit 6 – test)
[S. 25] Jan has been unemployed since she left IBM last year.
(Unit 12 – language at work 1)
[S. 26] The number of unemployed rose from 1.2 million to 1.75 million.
(Unit 12 – test)
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[S. 27] The boss says I have to finish this by Monday, or there will be trouble!
(Unit 9 –language at work 1)
Como conseqüência da sensação constante de insegurança e instabilidade, gerase uma competição frenética entre os indivíduos nos ambientes de trabalho, como bem
coloca Zygmunt Bauman (2005: 40 e 41):
(...) Muitos pisos de fábrica e corredores de escritórios se tornaram palco de uma
competição acirrada entre indivíduos lutando para que os chefes os percebam e os
contemplem com um aceno de aprovação – em vez de serem, como no passado,
estufas de solidariedade proletária na luta por uma sociedade melhor. Como
descobriu Daniel Cohen, economista da Sorbonne, agora é a vez de cada
empregado mostrar, por iniciativa própria, que é melhor do que a pessoa mais
próxima, que está trazendo mais lucro para os acionistas da companhia, de modo
que valeria a pena mantê-lo quando viesse, como deveria vir, uma nova rodada de
“racionalização” (leia-se: mais demissões por excesso de pessoal).
Ao mesmo tempo em que notamos a presença de enunciados do discurso
neoliberal neste material didático, podemos também escutar vozes do discurso
desenvolvimentista, do self-made man, de séculos anteriores, que prometia progresso ao
trabalhador incansável, o que não é necessariamente verdadeiro e pode gerar
conseqüências perversas:
[S. 28] My boss says that the harder you work, the richer you get. (Unit 6 – test)
Em S28 responsabiliza-se somente o trabalhador pelo seu sucesso ou fracasso
financeiro, sugerindo a ideia de que se este não consegue se manter é incompetente ou
preguiçoso, ignorando, desse modo, os aspectos sociais envolvidos na questão.
Preço pelo sucesso: a vida familiar e a vida acadêmica
Como o sujeito de sucesso na contemporaneidade precisa dedicar grande parte de
seu tempo à sua vida profissional devido à grande instabilidade de seu posto de trabalho,
sua vida familiar e sua vida acadêmica acabam sendo afetadas. Observe as sequências
abaixo:
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[S. 29] Every Sunday the CEO calls his family in the US. (Unit 2 – language at work 1)
[S. 30] Hurbert is looking forward to his holiday next week. He is going to visit his family
in Australia. (Unit 8 – test)
Em S29 o sujeito não convive com sua família, podendo apenas telefonar uma vez
por semana. Em S30 o mesmo se repete: não há convívio familiar. Visita-se a família
apenas nas férias. Este é um sujeito interdito, sem direito à vida familiar. No passado a
família ocupava posição central na vida dos indivíduos, mas com o quadro atual de
instabilidade e com a preponderância de um novo paradigma de valores (valorização do
consumo e da mobilidade) cria-se a necessidade de se dedicar mais à vida profissional a
fim de manter uma posição no mercado de trabalho ou, quem sabe, alcançar postos mais
altos.
Não só a vida familiar é cerceada, mas a vida acadêmica também. Em geral, neste
material digital e em outros analisados 5, não se fala de escola, faculdade ou cursos em
geral. O que se constata é a presença de treinamentos voltados para as necessidades
das corporações, como notamos nas formulações a seguir:
[S. 31] A: Have you been on that time management course?
B: Yes, I have. I thought it might improve my promotion prospects.
A: Was it any good?
B: Yes, it taught me to take a step back and look at the bigger picture.
A: Does it help with managing stress?
B: Yes, and with setting goals.
A: Great. I am going on a communication skills course next week.
5
Nos CD-ROMs que acompanham os livros didáticos Market Leader (Cotton, Falvey & Kent, 2007)
e Business Start Up1 (Ibbotson & Stephens, 2006) constatamos que há um apagamento da vida
acadêmica e familiar do sujeito de sucesso.
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B: That sounds interesting.
(Unit 15 – working with words 2)
[S. 32] I am going on a time management course next week. (Unit 15 – test)
[S. 33] This course is designed to help you manage stress. (Unit 15 – test)
[S. 34] These courses will help you to improve your promotion prospects.
(Unit 15 – test)
A empresa realiza os treinamentos necessários objetivando a solução de seus
problemas, como por exemplo, treinamentos para coesão de equipe, para aprimorar a
comunicação na empresa, para gerenciar melhor o tempo e o stress. Os funcionários
precisam aprender a conviver com a tensão, com metas ambiciosas, com as grandes
demandas e com os limites do tempo se quiserem manter seus cargos ou serem
promovidos. Na constante luta pelo aumento da produtividade, alimentada pela
competição acirrada entre as empresas, não há a possibilidade de eliminar as tensões e
as demandas, o que se pode tentar fazer é ensinar os indivíduos a conviver com elas.
Práticas do neoliberalismo: redução de custos e a mobilidade das empresas
Com a globalização, verificamos o deslocamento de empresas e fábricas para
locais onde os custos de produção e de mão de obra são mais baixos. As empresas e
fábricas costumam deslocar-se para regiões onde os governos oferecem descontos nos
impostos e leis trabalhistas mais flexíveis. São deixados para trás fornecedores e
empregados que por várias razões se encontram presos às suas localidades. Os
acionistas, donos das empresas, são os menos afetados pela localização das mesmas,
uma vez que podem negociar suas ações em qualquer bolsa de valores:
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Cabe a eles [acionistas] portanto mover a companhia para onde quer que percebam
ou prevejam uma chance de dividendos mais elevados, deixando a todos os demais
– presos como são à localidade – a tarefa de lamber as feridas, de consertar o dano
e se livrar do lixo. A companhia é livre para se mudar, mas as conseqüências da
mudança estão fadadas a permanecer. (Bauman, 1999:15 e 16).
Veja como esta prática se fez presente no CD-ROM Business Result Preintermediate Interactive Workbook:
[S. 35] Our production costs dropped in 2005 when we moved to India. (Unit 12 – test)
Pela ocorrência e recorrência do enunciado de que é comum e natural que as
empresas não se finquem em uma localidade específica, mas que se mudem para um
outro lugar onde os donos alcancem mais lucros prepara-se o aluno de inglês/atual ou
futuro funcionário para esta eventualidade.
(Velhas) práticas do neoliberalismo: pressão e avaliação
Em S36 cristalizam-se práticas do capitalismo neoliberal em nosso momento
contemporâneo
marcado
pela
alta
competitividade
entre
as
corporações.
Estas
pressionam seus funcionários a produzirem mais em um período de tempo menor,
utilizando a técnica de avaliações frequentes a fim de verificar quem não se “encaixa no
perfil da companhia”, ou seja, quem não consegue cumprir as metas estabelecidas por
seus superiores.
[S. 36] 1.The company is always asking staff to improve their performance.
2. We have to set new goals every month.
3. And then we are asked to achieve those goals.
4. You have a meeting with your manager who gives you feedback.
5. You also look at ways to develop your skills.
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6. They say this is the best way to motivate the team.
(Unit 15 – working with words 1)
Repare como se procura envolver o funcionário no processo, responsabilizando-o
por eventuais futuros fracassos ao não conseguir desenvolver suas habilidades (“You also
look at ways to develop your skills”). Note como em “They say this is the best way to
motivate the team” o enunciador/funcionário exime-se da responsabilidade desta
asserção ao enunciar “they say” em vez de “I think” ou “In my opinion this...”, deixando
entrever que talvez haja opiniões antagônicas a esta. O mesmo enunciado atualizou-se
em outras formulações, como nas que se seguem:
[S. 37] We have asked our staff to improve their performance by 5% next year.
(Unit 15 – test)
[S. 38] It is important to achieve the goals that your managers sets you. (Unit 15 – test)
[S. 39] We’re asked to set new goals every three months. (Unit 15 – test)
[S. 40] Every year the management gives us feedback on our performance.
(Unit 15 – test)
A constante avaliação da atuação dos funcionários traz em si a possibilidade de os
mesmos serem demitidos, o que causa competitividade entre os funcionários, além dos
sentimentos de insegurança e ansiedade. As técnicas de pressão e avaliação remetemnos às tecnologias do poder disciplinar utilizadas desde o século XVIII por instituições
como a escola, a prisão, o quartel, o hospital e são descritas por Foucault em Vigiar e
Punir: história da violência nas prisões. Estas tecnologias procuram tornar os corpos mais
dóceis e produtivos por meio da vigilância externa, da internalização do olhar do outro e
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também pelo exame (neste caso o “feedback”). O efeito esperado é o combate à
preguiça e a melhoria da produtividade. Embora ocorram incorporações e adaptações das
tecnologias de “adestramento” das instituições da modernidade no modo como as
empresas buscam fazer com que os indivíduos produzam mais na contemporaneidade,
há aspectos bastante diferentes entre os dois contextos. Já não há mais um sentimento
de classe entre os membros daquele grupo. Agora é cada um por si. Cada um tentando
sobreviver da melhor maneira possível sem as redes de bem-estar social do Estado para
garantir apoio na doença, na velhice ou no desemprego. Conforme Bauman (1999), em
nosso momento líquido-moderno, a função do Estado é garantir a ordem policial a fim de
que o privado seja protegido e as corporações possam progredir. O Estado deve recolher
e manter à parte os excluídos, aqueles que não conseguem consumir e garantir por seus
próprios meios sua sobrevivência. Como conseqüência, não se tem mais um sentimento
de luta pela classe, pela melhoria da sociedade de modo geral, mas sim da luta
individual, da competição entre pares próximos.
Novamente, pelo processo de repetição de um enunciado do discurso neoliberal (é
preciso trabalhar mais para atingir as metas e, assim, manter-se empregado),
naturaliza-se este pensamento tornando-o algo comum e frequente. Desse modo, o
aluno de inglês/futuro ou atual funcionário de uma empresa acostuma-se com a noção de
que faz parte de seu cotidiano ser avaliado e atingir as demandas, cada vez mais
ambiciosas, que lhe são impostas por seus superiores. Para isto, deve dedicar-se de
corpo e alma ao trabalho, abdicando de setores de sua vida, e competindo acirradamente
com seus colegas a fim de provar que é mais necessário à empresa de que seu colega.
As vozes que falam no CD-ROM Business Result Pre-intermediate Interactive
Workbook partiram não só dos autores, mas dos editores e da editora também. Estes se
encontram localizados e afetados por uma cultura européia, em um país desenvolvido
cuja economia se orienta por práticas neoliberais iniciadas ainda no governo de
Margareth Thatcher, onde são falantes do inglês cuja representação na atualidade é de
língua internacional, especialmente do mundo dos negócios. Enfatizamos também o fato
desta série voltar-se para o ensino de inglês por meio de situações de negócios. É
inevitável, portanto, que o meio corporativo seja trazido à tona por meio de práticas
empresariais e representações de executivos, chefes e funcionários que favorecem uma
visão anglo-americana e neoliberal.
Considerações Finais
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DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Este material didático digital ensina não apenas a língua inglesa, como também
veicula
valores
e
posicionamentos
ideológicos
das
economias
neoliberais
anglo-
americanas, promovendo uma representação de chefe, executivo, funcionário de uma
empresa como aquele que não deve medir esforços para atender às necessidades da
companhia em que trabalha. Assim, naturalizam-se práticas como trabalhar nos finais de
semana e não ter vida familiar ou acadêmica. A flexibilização do trabalho é retratada
como recorrente e inevitável por meio da presença de dizeres sobre a terceirização, o
uso de outsourcing, subcontractors e consultants. Avulta-se, contudo, o lado perverso
desta flexibilização, que é o desemprego, a insegurança, a ansiedade, a constante
pressão e a competição no nível individual. No rol da flexibilização, acrescentamos
também a falta de comprometimento das corporações com as comunidades locais que se
sentem à vontade para transferir suas fábricas e escritórios para países e regiões que
ofereçam a possibilidade dos acionistas lucrarem mais.
No CD-ROM Business Result Pre-intermediate Intercative Workbook constrói-se
uma representação da língua inglesa como a língua franca usada por todos os povos para
tratar de negócios. É construída também uma promessa bastante ambiciosa: aquele que
domina a língua inglesa conquistará não só um lugar numa empresa multinacional, mas
ocupará um alto posto, como o de gerente, diretor ou até mesmo CEO (Chief Executive
Officer).
Ainda sobre as representações da língua inglesa, busca-se apagar as relações
desta língua com as culturas anglo-americanas por meio da ausência total de referências
a estes povos. Parece haver um interesse em representá-la como a língua falada por
todos, que não pertence a nenhum povo em especial e que, portanto, é neutra e não tem
conotações ideológicas e culturais. Nosso argumento é o de que, apesar deste processo
cuidadoso de apagamento da ligação entre língua e cultura, pela análise das condições de
produção deste material didático digital, delineia-se a ligação entre estas partes pela
presença constante da ideologia neoliberal, que é fundadora das economias angloamericanas.
Embora este CD-ROM não se destine ao uso em sala de aula, é interessante que o
professor o traga para sua aula para que seja discutido e problematizado e, assim,
promova uma não-suspensão da atitude crítica em relação aos textos didáticos, à língua
inglesa e ao modo como o ambiente de trabalho, marcadamente anglo-americano, é
representado.
III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)
DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADE
Enfim, ao ensinar inglês, este material didático digital pode ensinar também
práticas consideradas normais e naturais do mundo corporativo, indicando ao aluno como
deve se posicionar na empresa em que trabalha(rá) a fim de ser bem sucedido.
Gostaríamos de concluir reiterando a necessidade de desmistificar a noção de
material didático como repositório de saber livre de ideologias. Todo texto é ideológico e
consideramos importante e desejável encorajar nos professores e alunos a prática de
posicionar-se criticamente frente aos textos com os quais se deparam, inclusive os
didáticos, em qualquer modalidade (impressa ou digital). Do contrário, corre-se o risco
de contribuir para a naturalização e veiculação de valores e práticas que ajudam a
consolidar um tipo de visão de mundo, que nem sempre é possível e aceitável em
diferentes contextos.
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representações da língua inglesa e o discurso - IEL