ISSN: 1981-3031
LITERATURA INFANTIL NA PRÁTICA DOCENTE: BREVE RELATO DE
EXPERIÊNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL
DE ENSINO DE MACEIÓ
Eudymar Floriano da Silva1
Antonieta Mírian de Oliveira Carneiro Silva2
Resumo
A literatura tem sido objeto de estudo na área da Educação no tocante ao caráter disciplinar. No
entanto, a discussão acerca do lugar da literatura infantil na formação inicial dos professores da
educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental ainda carece de mais aprofundamento.
Não é por acaso que a literatura infantil tem vivido o papel de “patinho feio” no currículo escolar. Nas
práticas pedagógicas, são recorrentes os equívocos e as inadequações no trato com a linguagem
literária e isto tem gerado e estratificado os desgostos e fastios literários dos alunos, distanciando-os
ainda mais da leitura literária. Este artigo é resultado de uma ação formativa da Secretaria Municipal
de Educação de Maceió, no ano de 2009. As discussões, embasadas em leituras bibliográficas de
Amarilha (1997), Cândido (1995), Mizukami (2003), Zilberman (2003), dentre outras, tratam de
forma sucinta do vínculo da literatura com a escola, das pertinências da linguagem literária, como
também, da contextualização do Programa de Formação Continuada da SEMED-Maceió e a
justificativa da temática literária no referido programa. Os resultados são apresentados através da fala
dos professores acerca da relevância da formação no fazer pedagógico. A conclusão enfatiza o papel e
os desafios da formação continuada de professores na rede.
Palavras-chave: Literatura Infantil - Formação Continuada - Formação de Leitor.
Introdução:
A literatura infantil tem sido campo de estudo e pesquisa na área da educação,
sobretudo na perspectiva disciplinar. Entretanto, sua função social enquanto arte - força
humanizadora e instrumento para seduzir e “formar” neófitos leitores - ainda não é tratada
com a devida ênfase.
Nas práticas dos educadores da educação infantil e dos anos iniciais do ensino
fundamental, o lugar dos gêneros literários revela lacunas na formação profissional inicial. A
ausência de discussões acerca da função social da literatura tem gerado equívocos e
1
Graduada em Pedagogia com Especialização em Educação Escolar – Coordenação Pedagógica pela UFAL.
Membro do Núcleo de Formação e Valorização Profissional – NFVP/ SEMED. E-mail: [email protected].
2
Graduada em Pedagogia com Especialização em Educação Básica pela UFAL. Integrante da Rede de
Formadores e do Núcleo de Formação e Valorização Profissional da Secretaria Municipal de Educação –
SEMED/Maceió-AL. Membro do Grupo de Contadores de Histórias da Carochinha. E-mail:
[email protected].
2
inadequações, acentuando os desgostos e os fastios literários dos alunos, distanciando-os
ainda mais da leitura literária.
A relevância da escola enquanto espaço privilegiado de múltiplas leituras é
incontestável. No entanto, tem sido comum nas práticas docentes a descaracterização da
linguagem literária, pois a compreensão de que nem toda leitura é instrumental/técnica, co m
função de ensinamento, ainda é incipiente.
Nesse contexto, são recorrentes as falácias: “as crianças não gostam de ler”; “não
gostam de ouvir histórias”; “não têm motivação para a leitura literária, pois vivem num
mundo digital”. Ora, essas falas revelam um paradoxo, pois, geralmente, quando as crianças
entram na escola gostam de poesia, de histórias e identificam-se com todo o universo lúdico e
transcendente da literatura e da arte, mas depois de certo tempo vão desgostando: por que isso
acontece? Talvez porque o que Amarilha (1997) enfatiza ainda não seja realidade nas práticas
pedagógicas. Vejamos o texto:
Proporcionar às nossas crianças o sucesso na relação com a linguagem deve
ser uma meta pedagógica maior. Nos primeiros anos escolares, a auto-estima
da criança depende em grande parte de sua relação com a leitura (Tuttle,
Paquette, 1993, p. 20). É por isso que ela deve ser o mais saudável possível,
novidadeira, surpreendente, estimulante, lúdica - e isso tudo a literatura
oferece (AMARILHA,1997, p.49).
Assim, cabe-nos indagar: por que tantas justificativas ao estranhamento dos alunos à
literatura? Como os gêneros literários são dinamizados nas práticas docentes? Quais as
leituras literárias dos educadores? Qual foi o lugar da literatura infantil na formação inicial
dos professores da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental? Como a
formação continuada pode contribuir de forma planejada no fomento de ações pedagógicas
significativas com os gêneros literários?
Estas questões serão aqui discutidas, ainda que brevemente, a partir dos
pressupostos: os gêneros literários contribuem na formação do leitor autônomo, criativo e
proficiente e a Literatura na prática docente está além do didatismo, devendo ser respeitada
sua natureza humanizadora e de arte. Nesse sentido, a formação do professor é preponderante.
Espera-se com essa socialização despertar a comunidade escolar e gestores para a
importância da formação continuada para a qualidade social da educação e enfatizar a
importância da literatura infantil na formação de neófitos leitores.
3
1- Para início de conversa: tecendo fios de história...
O vínculo da literatura infantil com a escola surge influenciado pelos valores da
classe burguesa. Mas como manifestação humana a literatura existe desde os primórdios. “A
literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os
tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de
entrar em contato com alguma espécie de fabulação” (CÂNDIDO, 1995, p.174).
O pensamento que restringe a Literatura Infantil (LI) ao surgimento da escola
burguesa sempre estará associando-a aos livros didáticos, aos ideais moralizantes e
imprimindo um olhar pragmático, utilitário e de vinculação de valores preestabelecidos. Tal
pensar desconsidera um princípio fundamental da criação literária que está ligado, tanto no
plano do conteúdo como no plano da expressão, às manifestações da tradição popular/oral. Se
considerarmos a origem da literatura infantil ligada ao surgimento da escola burguesa,
portanto aos livros didáticos, teremos um tipo de literatura para crianças. Se, ao contrário,
partirmos do pressuposto de que a literatura infantil é fundamentalmente ligada, tanto no
plano do conteúdo como no da forma, às manifestações da tradição popular, teremos outra
literatura, mais rica, complexa e humana, segundo Azevedo (1999)3.
Na perspectiva da humanização a literatura infantil assume a dimensão polissêmica,
espaço para a contradição, identificação, inferências, ilações e conexões texto-leitor (relação
com episódios da vida do aluno/leitor), texto-texto (intertextualidade-relações com outros
textos) e texto-mundo (relações estabelecidas entre o texto lido e acontecimentos globais).
E isso torna o conceito de Literatura (é) complexo, pois os sentidos da palavra
literária estão imbricados com os próprios sentidos da vida. Cândido (1995) a define como:
“Todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma
sociedade, em todos os tipos de cultura, desde que chamamos folclore, lendas, chiste, até as
formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações” (CÂNDIDO,
1995, p.174).
Em síntese, a Literatura Infantil enquanto área do conhecimento emerge da ideologia
burguesa que a trata como mero artefato da lógica sistemática analítica, que vê o mundo e as
relações humanas com o “olho” da objetividade, onde não há espaço para a transgressão, para
o incomum, o não maniqueísmo, a divergência e a multiplicidade de olhares. As discussões
postas nesse artigo estão embasadas na vertente que compreende a literatura enquanto
3
Publicado in Presença Pedagógica - Belo Horizonte - Editora Dimensão - Nº 27 - mai/ jun 1999 e em Cadernos
do Aplicação. Volume 14 Número ½. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Jan/Fev 2001.
Ricardo Azevedo, escritor e ilustrador, é doutor em Letras pela Universidade de São Paulo.
4
manifestação humana, desde que o “mundo é mundo”, independente de adjetivos. No entanto,
não são desconsideradas as especificidades da literatura infantil.
2- Pertinências da linguagem literária
O uso do adjetivo “infantil” tem sido motivo de controvérsia entre estudiosos e
pesquisadores da área. Em relação a isso, esse artigo está fundamentado em GÓES (2003,
p.11) ao dizer que “não temos o menor preconceito à especificação “Infantil e Juvenil”, pois
não a empregamos na leitura em viés de pueril ou de infantilizado; ao contrário, para nós,
infantil e juvenil, remete a exigências de clareza, lucidez, síntese, ludismo, poeticidade”.
Evidente que, em se tratando de arte e de literatura, nada impede que agrade e satisfaça ao
leitor adulto leigo ou crítico. Assim, do ponto de vista do “contrato de comunicação” e da
função social, é só literatura, mas, se considerarmos a recepção, é cabível, sim, o adjetivo
“infantil”.
A linguagem literária adquire sua inteira dimensão quando o leitor lhe atribui sentido
e a percebe enquanto objeto estético. As interpretações não se limitam ao aqui e agora e vão
além do texto. Sobre isso, afirma Amarilha (1997):
A linguagem literária organiza os fatos em forma diferente da linguagem
oral do cotidiano. Como essa roupagem tem bossa, ritmo, humor, o leitor
mirim percebe que está diante de uma maneira diferente de ser da língua. É
por essa razão que muitas vezes a criança solicita a repetição de uma mesma
história, principalmente, crianças pré-escolares. Visto que não domina m
ainda os esquemas e convenções da escrita, elas precisam ter um apoio para
aprenderem as novidades da linguagem literária - o ritmo das frases, o jogo
de sonoridade, a arrumação das palavras são para elas pontos de r eferência
no acesso à escrita (AMARILHA,1997, p.49).
Se a linguagem literária organiza e reorganiza a vida e o mundo diferente da
pedagogia oficial, então ela educa de maneira mais próxima da vida e nesse processo a
literatura atua como força humanizadora na expressão e na formação do homem. Como tal
força, há primeiro de saciar a nossa necessidade de ficção e fantasia, de reelaborar o real e de
inventar e reinventar a vida.
A literatura é despretensiosa, nem por isso ingênua; é não tendenciosa, nem por isso
neutra; parte do simples, mas não é simplória, pois tece a teia da complexidade da vida; é
libertária por excelência, porque amplia olhares e pensares; não dita fórmulas prontas; “não
5
faz cabeça”, abre cabeças; não dá resposta, faz pergunta. Vejamos a indagação de Amarilha
(1997):
Então, a literatura só pode ser considerada válida do ponto de vista
educacional quando sob controle de fichas, notas? Não, a literatura educa mas essa educação tem caráter formativo que não se presta ao domínio
escolarizado de pontos, deveres e notas (AMARILHA,1997, p.49).
Para muitos alunos o primeiro e único contato com a literatura acontece na escola e de
forma mais sistemática na sala de aula. Libertar a literatura infantil da condição de “patinho
feio” do currículo escolar é um esforço necessário no sentido de superar os equívocos que
dizem respeito a sua função social e ao seu status de arte da palavra. Então, se tratando da
leitura literária, das tramas ficcionais, qual a atribuição e contribuição dos educadores? Com a
palavra, Zilberman (2003):
[...] não é atribuição do professor apenas ensinar a criança a ler
corretamente; se está a seu alcance a concretização e expansão da
alfabetização, isto é, o domínio dos códigos que permitem a mecânica da
leitura, é ainda tarefa sua o emergir do deciframento e compreensão do texto,
pelo estímulo à verbalização da leitura procedida, auxiliando o aluno na
percepção dos temas e seres humanos que afloram em meio a trama ficcional
(ZILBERMAN,2003, p.28 e 29).
No bojo dessas discussões está uma geração de educadores que concluiu a graduação
em pedagogia sem discutir literatura. Portanto, a formação continuada, de competência
também das SEMEDs, pode e deve contribuir para minimizar lacunas conceituais e teóricas.
3 – A Formação Continuada na RPME – Maceió: concepção e contexto histórico
Na Rede Pública Municipal de Ensino de Maceió, o trabalho de Formação Continuada
teve início em 1993 após um longo período de abandono do professorado por parte da
Secretaria Municipal de Educação – SEMED. É inegável que a consolidação deste processo
foi um avanço significativo, no entanto é necessário buscar alternativas que visem à superação
da fragmentação do processo pedagógico, consequência de um processo de formação, tanto
inicial, quanto continuada, departamentalizado.
Sabendo-se que aquisição de novos saberes se encontra subordinada à produção dos
novos conhecimentos e que a maioria destes saberes é produzida desvinculada dos
profissionais que mais se utilizam deles, os professores, mais uma vez, nos vemos diante de
um dilema que acompanha as discussões em torno da relação teoria-prática.
6
A permanente dicotomia entre a teoria e a prática, entre o pensar e o fazer, sobretudo
em relação à formação inicial e a experiência docente, não se justifica uma vez que, como
aponta Mizukami (2003, p. 14) “no cotidiano da sala de aula o professor defronta-se com
múltiplas situações divergentes, com as quais não aprende a lidar durante seu curso de
formação”.
A Formação Continuada, desse modo, atua como o espaço de aprofundamento e
discussão das situações que extrapolam os conhecimentos adquiridos na formação inicial e
colocam em xeque a ação pedagógica.
Assim, fica claro que o investimento na formação dos profissionais da educação
precisa ser permanentemente voltado às diversas dimensões que compreendem esta
problemática, tais como, a formação inicial, a valorização e a formação continuada entendida
como discussão e aprofundamento, em serviço, dos saberes apreendidos ao longo da
habilitação e da experiência profissional. Por isso mesmo, enquanto direito, a formação
precisa ser fortalecida à luz das necessidades reais das escolas, respeitando as singular idades
dos sujeitos envolvidos, tendo na práxis social seu ponto de partida e de chegada para a
consolidação da apropriação de valores e saberes produzidos pela humanidade.
4 - Redimensionando práticas docentes com a Literatura Infantil
A Formação Continuada do Programa4 GESTAR I em Língua Portuguesa, que
aconteceu entre os anos de 2006 a 2008, revelou pouca intimidade dos professores com os
gêneros literários. Tal constatação gerou uma ação formativa, no ano de 2009, quando fo i
apresentada à Coordenação de Formação Continuada da Secretaria Municipal de Educação de
Maceió uma proposta de formação intitulada “A Literatura Infantil na prática docente: novo
olhar!”. Atendeu aos educadores da educação infantil e dos anos iniciais do ensino
fundamental.
A Formação teve como objetivos repensar as práticas docentes com a literatura
infantil a partir da perspectiva da humanização e para além do didatismo e do imediatismo
escolar; situar as trajetórias leitoras dos educadores e as influências destas no fazer docente;
propiciar aos educadores vivências lúdicas com as linguagens literárias orais e escritas através
4
GESTAR I - PROGRAMA GESTÃO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR - conjunto de ações articuladas
(SEMED Maceió e Ministério da Educação/MEC) com o propósito de atender aos educadores dos quartos e
quintos anos do ensino fundamental nas áreas de língua portuguesa e matemática.
7
da contação e da leitura de histórias, das cantigas, canções de ninar, quadras populares, dos
jogos lúdicos, das adivinhas, brincadeiras entre outras...
As discussões contemplaram conceito e funções da literatura; textos literários de
autoria e textos literários da tradição oral, bem como o diálogo entre estes; categorias de
leitor; a relação histórica e mal resolvida entre literatura e currículo escolar; níveis de leitura e
categorização de leitores; a literatura infantil nos livros didáticos de língua portuguesa; o
plano de expressão dos textos literários e a arte de contar histórias como instrumento de
sedução/convite para a leitura literária.
A formação iniciou-se com encontros na sede (secretaria) para um grupo de trinta
educadores da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental de dez escolas da
rede pública municipal de ensino de Maceió. Inicialmente foi apresentado um cronograma
com datas entre abril a dezembro de 2009, de maneira que foram garantidos quinze encontros
presenciais que aconteceram quinzenalmente, com duração de três horas, e para os estudos a
distância foram garantidas quinze horas, totalizando uma carga horária de sessenta horas.
Ao trabalhar o conceito e a função da literatura foi proposta uma dinâmica utilizando
o poema “Pote Azul”, da escritora alagoana Fátima Maia. O objetivo era fazer um resgate da
literatura de tradição oral e explorar o plano de expressão dos textos literários: os educadores
declamaram, cantaram, brincaram, representaram, embarcaram no “o que é? o que é?”, nas
trava-línguas, nas quadras populares... Desvendaram os segredos do pote!
Durante os encontros, houve momento para leitura individual, em grupo e
socialização de experiências. Em atividades práticas, para a contação de histórias, foram
confeccionadas dobraduras e utilizados álbuns seriados. Houve exposição de diversificado
acervo literário, no “Tapete Mágico”, entre outras estratégias de incentivo à leitura literária.
Nos “Banquetes Literários” os professores foram degustando cordel, gibis, poemas,
contos de tradição oral, modernos, clássicos, enfim... “delícias” da literatura. Muitas das
atividades vivenciadas, os educadores realizaram também com os alunos.
Interessantes contribuições da formação na prática pedagógica passaram a surgir na
fala das educadoras, como mostram relatos a seguir:
“A literatura infantil na escola não serve apenas para uma possível interpretação
do texto ou moral da história, a literatura infantil serve também para que cada criança possa
construir seu imaginário e fortalecer suas emoções”.
(...) “Sem o peso da obrigação, ler ficou ainda mais gostoso. Essa é a sensação que
tenho cada vez que conto histórias para meus alunos. O Tapete Mágico, atividade que
desenvolvi na sala de aula, foi uma sugestão do curso de formação e que me trouxe um
8
resultado imediato. Era visível o encantamento dos alunos pelos livros e pelas histórias,
todos se apoderaram dos livros de uma forma tal, que alguns até os levaram (escondidos)
para casa”.
Outras educadoras desenvolveram “A Hora do Conto”, “Teatro de Fantoches”,
“Roda de Leitura no Corredor da Escola” entre outras ações lúdicas.
Os depoimentos
revelaram a importância que teve a formação nas práticas.
“Antes da formação, nós víamos a literatura infantil como um passatempo em sala,
um motivo para as crianças ficarem quietas, como mais um gênero textual. Não usávamos a
entonação correta, enfim muita dificuldade para explorar a história. (...) “a literatura
infantil é de grande importância para nossos alunos, pois estimula a imaginação e tem o
poder de fazer as crianças viajarem através das histórias contadas, narradas e
dramatizadas.”
Como forma de incentivar os educadores participantes da formação a contar histórias,
foi realizada em uma das escolas uma sessão de contos e uma professora deu o seguinte
depoimento:
“Propiciar momentos de leitura deveria ser o ponto de partida em toda instituição de
ensino, desse modo poderemos formar cidadãos competentes e emancipados.
Com
a
formação em literatura infantil pude ampliar e aprimorar o meu modo de ouvir e contar
histórias; aprendi a vivenciar os personagens, dando-lhes vida e forma (...)”.
Houve relatos de experiência bastante significativos. Entre eles o de uma educadora/
contadora de histórias, sobre uma sessão de contos com alunos do 5º ano. A relação entre a
oralidade e o texto escrito e de como estratégias interessantes podem incentivar e desenvolver
o prazer pela leitura foram ressaltadas em sua fala. Vejamos a narrativa: “Foi contada a
história “O pescador, o anel e o rei”. Os alunos interagiram bastante com a atividade (...)
verificamos a concentração, o brilho nos olhos querendo saber o final da história rssssss. (...)
observamos o prazer que eles tiveram no momento da leitura espontânea que tinha como
suporte o livro. Foi um trabalho maravilhoso, muito gratificante”.
O olhar da formação estava direcionado aos impactos das discussões no dia-a-dia dos
professores, pois de fato a formação concretizava-se na sala de aula. Nesse sentido, o
depoimento de três educadoras de uma mesma Creche foi bastante incentivador, pois revelava
o impacto da formação em suas práticas:
“A formação nos possibilitou fazer uma reflexão acerca da maneira como vem sendo
tratada a Literatura Infantil em nossas salas de aula (...)”. Diante desta perspectiva surgiu
9
então o desejo de desenvolver um projeto com nossos alunos o qual intitulamos de: „Era uma
vez‟ (...)”.
“Um dos momentos mais importante e prazeroso do curso de formação foi a troca
de conhecimento (...). O curso serviu como uma terapia, onde nos colocamos no lugar dos
nossos alunos e voltamos a ser crianças. Brincamos, cantamos, dramatizamos, resgatamos as
cantigas de roda, as brincadeira infantis, poetizamos e deixamos a ludicidade invadir nosso
espaço.”
Outro relato importante resultou de discussão da equipe pedagógica de uma escola
dos anos iniciais do ensino fundamental:
“(...) para formar leitores é necessário descobrir o prazer de ler. Através das oficinas
viajamos pelo mundo da fantasia, da história, da música, da poesia, do conto e do reconto,
utilizando diversas linguagens em momentos repletos de descobertas e diversão.
(...) nosso papel na escola (...) mediadores de leitura capazes de semear o prazer de
ler e, consequentemente, formar leitores com poder de reflexão e capacidade crítica em
relação às questões do mundo”.
Os relatos comprovaram a relevância das discussões dos encontros de formação no
repensar de concepções e de práticas dos educadores, pois um “novo olhar” para a literatura
infantil passa pela ampliação e ressignificação de saberes para mudar os fazeres.
Conclusão
As lacunas na formação inicial não podem justificar a ausência de ações
significativas com a literatura infantil na prática docente. Por isso a formação continuada deve
ser uma busca pessoal dos educadores pelo aperfeiçoamento de suas práticas e também um
dever das SEMEDs e de outras instituições formadoras. Nesse sentido, ela assume uma
dimensão coletiva e individual/subjetiva.
Como vimos no decorrer deste breve relato, o trabalho foi marcado pela superação de
certos sofismas no tocante às falas iniciais dos educadores, isto devido à compreensão de que
os horizontes propostos pela literatura são ilimitados e suas interpretações, dada a polissemia
da palavra literária, infinitas.
O resgate da contação de histórias, dos gêneros de tradição oral, das leituras de
contos clássicos e “modernos” (de autoria), das cantigas, das quadras populares... enfim, o
universo da ludicidade literária, associado às leituras teóricas, contribuiu para (re)pensar as
10
práticas e redimensioná-las sem perder de vista a função humanizadora da literatura na
perspectiva da arte.
Ainda há muito que ser feito, como a ampliação do contingente de educadores nas
formações; a garantia de recursos financeiros e materiais; condições de trabalho que garantam
o acompanhamento mais sistemático junto aos educadores tanto nas ações desenvolvidas em
sala de aula como na transposição daquilo que é visto na formação para o ambiente de
trabalho e sensibilizar ainda mais os gestores para a importância da formação continuada para
a qualidade social da educação. Nesse contexto, dois desafios são preponderantes: a
compreensão por parte dos educadores que a formação continuada constitui-se um direito e
também um dever, e a garantia de condições por parte dos gestores para a continuidade das
ações formativas.
Dessa forma, ações significativas com a literatura infantil na prática docente passam
pela Formação Continuada que sozinha não mudará concepções nem práticas; contudo, sem
garantia da existência e permanência dela com eficiência e eficácia, dificilmente ocorrerão
mudanças.
REFERÊNCIAS
AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. 7ª ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1997 – Natal: EDUFRN.
AZEVEDO, Ricardo. Literatura infantil: origens, visões da infância e certos traços populares.
Disponível em: www.ricardoazevedo.com.br. Acesso em 31 de julho de 2011.
CÂNDIDO, Antônio. Vários Escritos. O direito à literatura. 3ª edição (revisada e ampliada), São
Paulo: Duas Cidades. 1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo, Paz e Terra, 1997.
GÓES, Lúcia Pimentel. Olhar de descoberta: proposta analítica de livros que concentram várias
linguagens. 2ª Edição (revista, aumentada e renovada). São Paulo: Paulinas, 2003.
MAIA, Fátima. Criar e Recrear. 1ªed. Maceió: Gráfica Editora Gazeta de Alagoas,1995.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11.ed - ver. atual. e ampl.- São Paulo: Global,
2003.
MIZUKAMI, Maria da Graça N. et al. Escola e Aprendizagem da Docência: processos de
investigação e formação. 1ª reimpressão. São Carlos: EdUFSCar, 2003.
Download

literatura infantil na prática docente: breve relato de experiência da