A BOAFÉ OBJETIVA E A FUNÇÃO SOCIAL
APLICADOS AOS CONTRATOS DO CÓDIGO CIVIL
THE OBJECTIVE GOOD FAITH AND SOCIAL
POWER IN CIVIL CODE CONTRACTS
Suzana Ribeiro da Silva*
RESUMO
O Código Civil de 2002 foi elaborado em observância a três princípios
básicos: a eticidade, a socialidade e a operabilidade. Surgiu uma nova teoria
geral dos contratos e uma nova interpretação dos princípios a eles aplicados. Novos princípios e institutos foram previstos, como a boa-fé objetiva
e a função social, tendo em vista as exigências da própria sociedade, que
modernizada e cada vez mais modificada, necessitava que os contratos
fossem adaptados à sua nova estrutura. A boa-fé objetiva e a função social
estão relacionadas aos princípios constitucionais da solidariedade social e
da dignidade da pessoa humana. Pretende-se demonstrar que a aplicação
dos referidos princípios orientam o agir dos contratantes e contribui para
um maior equilíbrio contratual.
203
Palavras-chave: Código Civil; Contrato; Boa-fé objetiva; Função social.
ABSTRACT
The Civil Code of 2002 was elaborated observing three basic principles:
ethics, sociability and operability. It arises a new contracts general theory
and a new interpretation of their principles. New principles and institutes
became, like the objective good faith and social power, because of the
modernized and modified society exigencies, that needed the adaptation
of contracts to her new structure. The objective good faith and the social
power are related to the constitutional principles of social solidarity and
human being’s dignity. It aims at demonstrating that the application of such
principles guide the contracting parties at how to act and contributes for
a better balance in contracts.
Keywords: Civil Code; Contract; Objective good faith; Social power.
*
Advogada especialista em Direito Civil e em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito do
Sul de Minas (FDSM). Mestranda em Direito pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo
(UNISAL – Lorena).
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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Suzana Ribeiro da Silva
1.
INTRODUÇÃO
Os princípios, ao lado das regras, são espécie de norma de direito e aplicam-se
na resolução de casos concretos. Apesar de abstratos, os princípios são comandos
que, expressos ou não, exercem funções concretas, proibindo, permitindo e possuindo aplicabilidade direta no ordenamento jurídico.
Trata o presente trabalho dos princípios da boa-fé objetiva e da função social
do contrato, aplicados às relações contratuais do Código Civil de 2002, servindo
como parâmetros de conduta dos contratantes e contribuindo para o desenvolvimento de uma nova teoria geral dos contratos.
A teoria dos contratos sofreu profunda alteração. Os princípios da autonomia da vontade, da obrigatoriedade dos contratos, da relatividade dos efeitos, que
sempre se aplicaram aos contratos do século XIX e ao Código Civil de 1916, foram
abrandados e passaram a ser aplicados com ressalvas e com menor intensidade. A
clássica teoria dos contratos, influenciada pelo direito canônico, pelo direito natural, pelas teorias de ordem política e pela Revolução Francesa, sofreu alterações,
tendo em vista novas exigências sociais e modificações nos sujeitos e nos objetos
das relações contratuais.
204
A sociedade evoluiu e deu origem ao contrato de adesão e a novos princípios
aplicáveis ao contrato. O Código de Defesa do Consumidor introduziu expressamente a observância da boa-fé objetiva e foi o pioneiro dessa nova teoria geral dos
contratos. O Código Civil de 2002 também inseriu a boa-fé objetiva e a função social
em alguns de seus artigos, consolidando uma tendência que já há algum tempo
vinha tomando espaço no ordenamento jurídico. Assim, as relações contratuais
passaram a ser exercidas em observância à eticidade, à operabilidade e à socialidade,
que são os princípios básicos de todo o Código Civil de 2002.
Pretende-se com o presente trabalho demonstrar que os princípios possuem
força normativa e aplicabilidade, mencionando-se os princípios básicos sobre os
quais foi formulado o Código Civil de 2002. Serão feitas breves considerações sobre
a atual teoria dos contratos e a evolução de seus princípios clássicos. Pretende-se,
também, abordar o princípio da boa-fé objetiva, caracterizando suas principais
funções e sua inserção no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil de
2002. Será analisado, ainda, o princípio da função social do contrato, sua previsão
pelo Código Civil e sua fundamentação na Constituição Federal.
2.
PRINCÍPIOS GERAIS DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
A palavra “princípio”, do latim principium, significa, em uma acepção vulgar,
início, começo, origem das coisas. No sentido jurídico, princípios são diretrizes
que podem ser utilizadas para preencher as lacunas da lei, fundamentá-la, ou
para esclarecer os textos legais, sendo perfeitamente reconhecidos como normas
de direito, detentores de positividade e eficácia. Ricardo Luis Lorenzetti definiu
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
princípio jurídico como “enunciado normativo, que tem uma formulação abstrata
e um procedimento de identificação próprio. Finalmente, tem funções que são
referidas à solução de problemas e orientação de comportamentos”.1
Assim, os princípios são espécie de norma de direito, possuindo força imediata, eficácia e aplicabilidade direta. São comandos de direito que expressos ou
não, ordenam, proíbem, permitem, sendo aplicados com intensidade nas decisões
judiciais. Alguns princípios têm sido valorizados e intensificados pela doutrina
e pela legislação, como os princípios da boa-fé objetiva e da função social, que,
quando aplicados aos contratos, servem de instrumentos para o desenvolvimento
social e auxiliam na busca do bem comum.
O Código Civil de 2002 foi elaborado sob a supervisão de Miguel Reale, que
com juristas de renome, como José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e Silva, Torquato
Castro e outros, desde 19672 apresentaram propostas de alterações ao Código Civil
de 1916, que já se apresentava ultrapassado pela evolução social.
O atual código manteve a estrutura do Código Civil de 1916, mas todas as suas
alterações foram elaboradas sob a observância de três princípios básicos: a eticidade,
a socialidade e a operabilidade. Esses princípios são forte expressão do culturalismo
de Miguel Reale, que como supervisor do Código Civil, deixou transparecer em
todo o novo diploma legal a influência dessa corrente de pensamento.
205
Miguel Reale entendeu o conhecimento, a ciência e o direito a partir da ação do
homem como ser cultural, fazendo parte de uma história e sempre se relacionando
com a natureza em um determinado tempo. Nessa concepção, a história deve ser
entendida não apenas como fatos do passado, mas deve ser vista em um caráter
prospectivo, ou seja, que se preocupa com o presente e com o futuro. E a pessoa não
deve ser vista como um ser abstrato, mas submerso na realidade social e histórica.
Daí advieram os princípios da eticidade, da socialidade e da operabilidade.
A eticidade é a aplicação de valores éticos aos negócios jurídicos. A ética é
uma filosofia ou uma ciência, que estabelece princípios de boa conduta e estuda
o agir do ser humano, devendo se pautar em valores morais, voltados para o bem.
Assim, todas as relações jurídicas reguladas pelo Código Civil devem ser realizadas
em observância a valores éticos.
O princípio da eticidade relaciona-se ao princípio da boa-fé objetiva, que é
um parâmetro ético das relações jurídicas, na medida em que cria deveres anexos
de proteção, lealdade, cooperação, informação, sigilo e exerce outras funções, que
1
2
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Tradução de Vera Maria Jacob de
Fradera. São Paulo: RT, 1998. 315 p.
REALE, Miguel (Org.). Anteprojeto de Código Civil. [s.l.]. [s.n.], 1972.
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serão analisadas, e que são sempre voltadas à honestidade das partes. Pelo princípio
da eticidade, valoriza-se a pessoa humana, que passa a ocupar o papel de maior
importância na relação jurídica.
A socialidade é a valorização do social e do coletivo em detrimento do individualismo do código anterior. Para Flávio Tartuce, “o Código Civil de 2002 procura
superar o caráter individualista que imperava na codificação anterior, valorizando
a palavra nós, em detrimento da palavra eu”.3 Não se desvaloriza a pessoa humana,
mas ao contrário, cada pessoa é valorizada como inserida na sociedade, integrando
e fazendo parte dela.
Esse princípio relaciona-se diretamente ao princípio da função social do
contrato, que é a necessidade de o contrato ser executado e concluído de forma
socialmente responsável, garantindo o equilíbrio social. Para Lorenzetti, o contrato
não é mais assunto individual, mas instituição social. “À sociedade interessa que
existam bons contratantes, que ajam bem, socialmente, e isso cria um novo espírito
contratual que pode ser denominado princípio de sociabilidade”4
206
O terceiro princípio do Código Civil é a operabilidade, que consiste na efetividade, na aplicabilidade dos artigos. A lei existe para ser aplicada efetivamente,
e as alterações feitas ao Código Civil de 1916 foram realizadas nesse sentido. As
cláusulas gerais, que são cláusulas abertas, dando maior margem de aplicação da
lei ao juiz, conforme sua interpretação, são exemplos do princípio da operabilidade
no Código de 2002.
Carlos Roberto Gonçalves, sobre o princípio da operabilidade, mencionando
o projeto de Miguel Reale, afirma estar implícito à operabilidade, o princípio da
concretitude,
... que é a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, mas,
tanto quanto possível, legislar para o indivíduo situado: para o homem
enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o filho enquanto
um ser subordinado ao poder familiar. Em mais de uma oportunidade
o novo Código optou sempre por essa concreção, para a disciplina da
matéria5.
Assim, o Código Civil de 2002, com suporte em seus princípios básicos, concretizou alterações necessárias aos seus dispositivos, permitindo uma adequação
da lei à evolução da sociedade.
3
4
5
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos: do Código de Defesa do Consumidor ao Código
Civil de 2002. 2. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 56.
MESSINEO, apud LORENZETTI Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Tradução de
Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo: RT, 1998. p. 551.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 25.
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
3.
A EVOLUÇÃO DO CONTRATO
A autonomia da vontade e a liberdade contratual nortearam os contratos no
século XIX e inspiraram a teoria contratual do Código Civil de 1916. A teoria dos
contratos sofreu algumas influências, como do direito canônico, em que o pacto
gerava obrigação de caráter moral e jurídico e seu descumprimento chegava a ser
pecaminoso.
Foi influenciada, também, pelo direito natural, que é a base da liberdade contratual. Conforme Cláudia Lima Marques, “é no direito natural que encontramos
a base do dogma da liberdade contratual, uma vez que a liberdade de contratar
seria uma das liberdades naturais do homem, liberdade esta que só poderia ser
restringida pela vontade (wille) do próprio homem.”6 A teoria do contrato social,
de Rousseau, que traz a idéia do contrato como base da sociedade, e a Revolução
Francesa, com seu ideal de liberdade, também influenciaram a teoria clássica dos
contratos.
A sociedade passou por uma grande evolução. Passou a ser industrializada e
massificada, dando origem aos contratos de adesão. Com esses novos contratos,
nos quais a vontade é pouco relevante, a liberdade passou a não mais assegurar a
justiça contratual. Surgiu, então, a idéia da cláusula rebus sic stantibus, que significa
que os contratos devem vigorar desde que as circunstâncias presentes no momento
da contratação permaneçam.
207
Surgiram novos princípios, consonantes à evolução da sociedade e às novas
exigências contratuais. O Código de Defesa do Consumidor inseriu em suas disposições esses princípios, que relativizam a força obrigatória dos contratos, ditada
pelo pacta sunt servanda, limitam a liberdade contratual, protegem a confiança e
os interesses legítimos das partes e equilibram as relações contratuais.
Assim, atualmente, os contratos possuem uma nova abordagem, na qual o
interesse das partes contratantes, pautados pela boa-fé objetiva, deve ser atingido
em observância da função social do contrato. Luiz Edson Fachin traduz muito
bem a nova teoria contratual:
Quem contrata não contrata mais tão-só com quem contrata, e quem
contrata não contrata apenas o que contrata, numa superação subjetiva e
objetiva dos conceitos tradicionais de partes e de objeto contratual, remodelado, inclusive, pelo sítio jurídico que pode ser ocupado pela boa-fé.7
6
7
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT,
1998. p. 41.
FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar,
2008. p. 18-19.
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Suzana Ribeiro da Silva
As novas tendências contratuais, que modificaram a interpretação e a aplicação
do contrato moderno, resultaram na alteração de seus princípios norteadores, que
foram harmonizados à nova concepção estabelecida pelo Código Civil de 2002.
Os princípios da autonomia da vontade, da obrigatoriedade dos contratos e
da relatividade dos efeitos, nessa nova perspectiva, devem ser interpretados sempre
em observância a outros dois princípios: função social e boa-fé objetiva.
3.1
Autonomia da vontade
Não há como falar em contrato sem a manifestação da vontade. Sendo o
contrato um negócio jurídico por excelência, a vontade é elemento intrínseco a
ele. A autonomia da vontade é instrumento da liberdade humana.
É interessante apontar-se a diferenciação entre a liberdade de contratar e a
liberdade contratual. A liberdade de contratar é a faculdade de se escolher se vai
realizar ou não um contrato, incluindo-se aí a liberdade de se escolher com quem
contratar. A liberdade contratual se refere ao conteúdo do contrato, à livre disposição do interesse das partes.
208
Alguns autores diferenciam as expressões autonomia da vontade e autonomia
privada, dando à primeira uma conotação subjetiva, que traduz a vontade real do
sujeito do direito. Já à autonomia privada é dado sentido mais amplo, consistindo no poder atribuído por lei aos indivíduos para a criação de normas jurídicas
capazes de definir o conteúdo e os efeitos do ato praticado. A autonomia privada
seria a conjugação do direito subjetivo com a liberdade negocial.8
A expressão autonomia privada, conforme Flávio Tartuce, torna-se mais
adequada também em razão da personalização do direito privado, com a valorização da pessoa, que passou a ser vista como o centro do direito privado, pois “a
autonomia não é da vontade, mas da pessoa.”9
A autonomia da vontade e a autonomia privada sofreram forte limitação,
tendo em vista as alterações nas relações contratuais. Os contratos em massa e o
crescimento dos contratos de adesão culminaram na diminuição da liberdade dos
contratantes em relação à escolha de contratar ou não e dos sujeitos com quem
contratar. Quanto ao conteúdo do negócio, a vontade ficou prejudicada, pois o
aderente não pode modificar as cláusulas, já preestabelecidas. Assim, nos contratos
de adesão, ainda que a vontade do aderente não tenha relevância por não poder
alterar o contrato, a autonomia privada permanece pela liberdade de escolha entre
contratar ou não e com quem contratar.
8
9
GURGEL, Fernanda Pessanha do Amaral. Liberdade e direito privado. In: NERY, Rosa Maria
de Andrade (Org.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: RT, 2006,
p. 20-21.
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos, p. 177.
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
Ressalte-se que, em todos os tipos de contrato, houve apenas uma limitação
desse princípio. Ele continua presente nas relações contratuais, mas, conforme
preceitua o art. 421 do Código Civil, “a liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato”. Merecem destaque as palavras
de Mônica Yoshizato Bierwagen a esse respeito:
Não se trata, pois, de retirar a liberdade contratual das partes, obrigando-as
a subsumir sua vontade em modelos previamente estatuídos em lei ou a
contratar ainda que não queiram; o indivíduo pode contratar com quem,
como, quando ou onde quiser e modelar as condições do contrato como
melhor lhe aprouver. Esta é a regra. No entanto, impõe-se aos contratantes
que essa liberdade seja exercida com responsabilidade, acatando comandos
explícitos, como a função social, os princípios da probidade e da boa-fé,
as vedações de ordem pública, e implícitos, como são os princípios da
obrigatoriedade, da relatividade dos efeitos, da igualdade, da supremacia
do interesse público sobre o particular, que decorrem do espírito da lei, não
bastando mais limitar-se a agir conforme a moral e os bons costumes.10
O dirigismo contratual, que é a intervenção do estado nas relações contratuais,
também é forma de limitação à autonomia privada, na medida em que restringe
a realização dos negócios à observância da supremacia do interesse público sobre
o privado, à moral, aos bons costumes, à proteção da parte mais fraca, ou seja, ao
cumprimento da socialidade.
209
Assim, pode-se dizer que o clássico princípio da autonomia da vontade ainda
se aplica às relações contratuais, mas limitado à observância da função social e da
boa-fé objetiva. Nesse sentido foi elaborado o Enunciado 23 da I Jornada de Direito
Civil, idealizado pelo Conselho da Justiça Federal:
A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil,
não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o
alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou
interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
3.2
A obrigatoriedade dos contratos
Pelo clássico princípio da obrigatoriedade dos contratos, sustentado pelo
pacta sunt servanda, os contratos existem para serem cumpridos. Essa é a regra
básica dos contratos e é ela que garante a segurança jurídica dos negócios. Orlando
Gomes definiu a obrigatoriedade dos contratos, que vigorou por muitos anos, com
suporte no individualismo:
10
BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no Código Civil.
São Paulo: Saraiva, 2002. p. 32-33.
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Suzana Ribeiro da Silva
O princípio da força obrigatória consubstancia-se na regra de que o contrato é lei entre as partes. Celebrado que seja, com observância de todos
os pressupostos e requisitos necessários à sua validade, deve ser executado
pelas partes como se estas cláusulas fossem preceitos legais imperativos.
O contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias
em que tenha de ser cumprido. Estipulado validamente seu conteúdo,
vale dizer, definidos os direitos e obrigações de cada parte, as respectivas
cláusulas têm, para os contratantes, força obrigatória.11
Esse princípio ainda se aplica às relações contratuais. O Código Civil de 2002,
em seus arts. 389, 390 e 391, prevê conseqüências ao inadimplemento das obrigações
assumidas, o que comprova a obrigação dos contratantes. O pacta sunt servanda, no
entanto, não é mais absoluto. A realidade jurídica e fática atual não permite mais a
intangibilidade do contrato, e a obrigatoriedade, ainda existente, sofre atenuações,
o que se comprova com a inserção no Código Civil da possibilidade da resolução
do contrato por onerosidade excessiva.
210
A teoria da imprevisão, agora prevista expressamente pelo Código Civil, já
era aplicada, com suporte na cláusula rebus sic stantibus. Essa cláusula advém
da fórmula contractus qui habent tractum sucessivum et dependentium de futuro
rebus sic stantibus intelliguntur, que significa que, “nos contratos de trato sucessivo ou a termo, o vínculo obrigatório entende-se subordinado à continuação
daquele estado de fato, vigente ao tempo da estipulação”.12 Assim, os contratos
têm que ser cumpridos, desde que a situação do momento da contratação não
se altere, de maneira imprevisível e de modo a dificultar o cumprimento por
uma das partes.
O Código Civil, além de incluir em seu texto a cláusula rebus sic stantibus,
ao prever a resolução por onerosidade excessiva, criou os institutos do estado de
perigo e da lesão,13 que anulam o negócio jurídico pela estipulação de obrigação
excessivamente onerosa ou desproporcional.
Assim, o princípio da obrigatoriedade dos contratos aplica-se de maneira
atenuada, pois, conforme Flávio Tartuce:
... não se pode mais admitir o contrato como antes; isolado do mundo fático e jurídico, como uma bolha revestindo as partes envolvidas na avença.
A realidade é outra e muitas são as previsões legais que antevêem a revisão
dos contratos e o abrandamento da sua força obrigatória.14
11
12
13
14
GOMES, Orlando. Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 36.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3, p. 35.
Arts. 156 e 157 do CC.
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos, p. 186.
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
3.3
A relatividade dos efeitos
Segundo o princípio da relatividade dos efeitos, o contrato só gera efeitos
entre as partes contratantes, não atingindo terceiros alheios ao contrato. Esse era o
entendimento da doutrina clássica, que sofreu grandes alterações, que resultaram
na atenuação desse princípio.
Atualmente, com o princípio da função social, que orienta todas as relações
contratuais, os contratos, muitas vezes, extrapolam as partes contratantes e geram
efeitos na sociedade. Assim, terceiros estranhos ao contrato podem ser atingidos e
sofrerem conseqüências, ainda que não sejam parte.
Um exemplo do abrandamento do princípio da relatividade dos efeitos,
citado por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, é “a violação de regras de
ordem pública e interesse social, como no caso da declaração de nulidade de
cláusula contratual abusiva, em atuação judicial do Ministério Público, na defesa
dos consumidores”.15
O Código Civil dispõe expressamente alguns exemplos de que os contratos
podem atingir terceiros. Os arts. 436 a 438 tratam da estipulação em favor de
terceiro, que ocorre quando um contratante convenciona com outro, promitente,
a concessão de um benefício econômico em favor de um terceiro, estranho ao
contrato. Os arts. 467 a 471, tratam do contrato com pessoa a declarar, que ocorre
quando um dos contratantes se reserva à faculdade de indicar um terceiro que
assuma sua posição na relação contratual, adquirindo seus direitos e assumindo
suas obrigações.
211
O Código de Defesa do Consumidor também traz exemplos de que os contratos não atingem somente as partes, ao estender o direito à reparação de danos
a todos os prejudicados, ainda que não haja relação direta de consumo com o
fornecedor. Trata-se do consumidor por equiparação, mencionado nos arts. 17
e 29 do CDC.
Cita-se, ainda, como exceção à relatividade dos efeitos, o contrato de seguro
no caso em que vítimas de acidente de trânsito demandam diretamente contra
a seguradora e não contra o segurado. Apesar de não existir relação contratual
entre a seguradora e a vítima, o Superior Tribunal de Justiça “tem entendido que
há uma espécie de estipulação a favor de terceiro, no caso a favor do prejudicado
pelo evento danoso”.16
15
16
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos.
São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 41.
TARTUCE, Flávio. Função social dos contratos, p. 194-195.
Nesse sentido há interessante julgado da Ministra Nancy Andrighi:
“A visão preconizada nestes precedentes abraça o princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I,
da CF), em que se assenta o princípio da função social do contrato, este que ganha enorme força com
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Assim, a função social do contrato contribuiu para abrandar o princípio da
relatividade dos efeitos, conforme foi reconhecido pelo Enunciado 21 do Conselho
da Justiça Federal, na I Jornada de Direito Civil:
... a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil,
constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade
dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa
do crédito.
4.
O PRINCÍPIO DA BOAFÉ OBJETIVA
O princípio da boa-fé, do latim bona fide, não pode ser definido em um único
conceito, tendo em vista a amplitude e a generalidade de seu conteúdo, bem como
os vários sentidos em que se apresenta.
212
A boa-fé subjetiva decorre da ignorância de determinado vício que macula
o negócio. O direito condiciona determinada conseqüência jurídica ao estado
psicológico do sujeito diante da relação jurídica. A boa-fé subjetiva se opõe à má-fé,
que é o conhecimento do vício. Assim, é considerado possuidor de boa-fé para
fins da indenização das benfeitorias, aquele possuidor que desconhecia os vícios
da posse. A ciência do alienante quanto ao vício oculto do bem e o surgimento
do dever de indenizar também está ligada ao estado de consciência, e, portanto, à
boa-fé subjetiva. Para que haja a aquisição da propriedade por meio de usucapião,
previsto no art. 1242, exige-se tempo, justo título e boa-fé (subjetiva).
A boa-fé objetiva, por sua vez, é um padrão de comportamento externo que
impõe um modo de agir semelhante ao do homem probo, leal, honesto, correto.
É padrão objetivo de conduta, verificável em determinado tempo e meio social ou
profissional. É o comportamento inspirado no senso de probidade, respeitando a
harmonia dos interesses das partes e as exigências do bem comum.
Alguns autores defendem que a boa-fé objetiva engloba a subjetiva, ou seja,
quem age conforme a boa fé objetiva, certamente agiria com boa-fé subjetiva, tendo
em vista que uma boa ação deve presumir uma boa intenção.17
Outros autores defendem que a boa-fé subjetiva e a objetiva são independentes.
Este é o entendimento de Cláudio Godoy:
17
a vigência do novo Código Civil (art. 421). De fato, a interpretação do contrato de seguro dentro
desta perspectiva social autoriza e recomenda que a indenização prevista para reparar os danos
causados pelo segurado a terceiro seja por este diretamente reclamada da seguradora.
Assim, sem se afrontar a liberdade contratual das partes – as quais quiseram estipular uma cobertura para a hipótese de danos a terceiros – maximiza-se a eficácia social do contrato com a simplificação dos meios jurídicos pelos quais o prejudicado pode haver a reparação que lhe é devida.
Cumpre-se o princípio da solidariedade e garante-se a função social do contrato”.
TARTUCE, Flávio. O princípio da boa-fé objetiva em matéria contratual. Apontamentos em relação
o novo Código Civil e a visão do Projeto n. 6.960/02. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br>.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
... alguém pode perfeitamente ignorar o indevido de sua conduta, portanto
obrando de boa-fé (subjetiva) e, ainda assim, ostentar comportamento
despido da boa-fé objetiva, que significa um padrão de conduta leal, pressuposto da tutela da legítima expectativa daquele com quem se contrata.
Daí dizer-se que pode alguém estar agindo de boa-fé (subjetiva), mas não
segundo a boa-fé (objetiva).18
Esse parece ser o melhor entendimento, tendo em vista que a boa-fé objetiva
é examinada externamente, não importando a convicção do sujeito. Nelson
Rosenvald, que comunga da mesma opinião, cita o caso do cantor Zeca Pagodinho,
que tinha contrato com uma empresa e prestou serviços a outra empresa concorrente, alegando posteriormente que não sabia do compromisso de exclusividade
com a primeira. Nesse caso, ainda que esteja presente a boa-fé subjetiva, houve
descumprimento da boa-fé objetiva.19
O Código de Defesa do Consumidor dispôs sobre a boa-fé objetiva em seus
arts. 4º, III e 51, IV. No art. 4º, III, a boa-fé foi inserida com a função de viabilizar
os princípios constitucionais da ordem econômica, harmonizando os interesses
dos participantes da relação de consumo.
O art. 51, IV, preceitua a nulidade de cláusulas contratuais que “estabeleçam
obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Nesse
inciso, a boa-fé objetiva foi inserida como cláusula geral, dando ao juiz aplicador
da norma maior liberdade para julgar segundo a análise do caso concreto. Assim,
na falta de previsão legal que abranja determinadas situações fáticas, o julgador
possui maiores possibilidades de realizar a justiça e declarar a nulidade de cláusulas
prejudiciais ao consumidor. A boa-fé como cláusula geral, servindo de controle
das cláusulas abusivas é instrumento de aplicação e concretização da boa-fé estipulada no art. 4º, III.
213
A previsão do princípio da boa-fé nas relações de consumo funciona como um
parâmetro ético, e quando aplicado pelo fornecedor e pelo consumidor, contribui
para uma maior efetividade dos objetivos do Código de Defesa do Consumidor,
aproximando os contratantes e possibilitando maior equilíbrio contratual.
O Código Civil de 1916 trouxe em diversos artigos a expressão boa-fé, sempre
se referindo à subjetiva, ao aspecto íntimo das partes. O Código Civil de 2002,
seguindo seus princípios informadores e axiológicos de socialidade, eticidade
e operabilidade, mencionou, expressamente, em alguns artigos, o princípio da
boa-fé objetiva.
18
19
GODOY, Cláudio apud ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa fé no Código Civil. São
Paulo: Saraiva, 2005. p. 80.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005.
p. 80-81.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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Suzana Ribeiro da Silva
O art. 113 dispõe que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Esse dispositivo se refere à
boa-fé objetiva como meio de interpretação dos negócios jurídicos, atendendo-se
ao princípio da eticidade. Trata-se de um dispositivo amplo, que determina a interpretação conforme a boa-fé objetiva de todos os atos e em todos os momentos
de realização dos negócios jurídicos.
Para impedir o abuso de direito, o Código Civil dispôs em seu art. 187:
“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes”. Nesse artigo, a boa-fé objetiva também foi imposta,
configurando-se ato ilícito aquele cometido em desacordo com ela.
A boa-fé objetiva também foi instituída como padrão de conduta dos contratantes no art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão
do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”. Sobre
esse dispositivo foi elaborado o Enunciado n. 26 do Conselho da Justiça Federal,
na I Jornada de Direito Civil: “a cláusula geral contida no art. 422 do Código
Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato
segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal
dos contratantes”.
214
Esse artigo foi inspirado no § 242 do BGB de 1900, com a seguinte redação:
“O devedor está adstrito a realizar a prestação tal como exija a boa-fé, com consideração pelos costumes do tráfego”.20 Para Nelson Rosenvald, a lei brasileira foi mais
abrangente que a alemã. Segundo o autor, o BGB vincula apenas o devedor, ao contrário do Código Civil brasileiro, que vincula à boa-fé ambas as partes contratuais,
credor e devedor. Esclarece, ainda, que a lei germânica se refere apenas à prestação
principal, enquanto o Código de 2002 abrange todas as fases da obrigação.21
Sobre esse aspecto, há divergência entre alguns autores, que consideram ser
a redação do art. 422 deficiente, pois não observou “a necessidade de aplicações
da boa-fé às fases pré-contratual e pós-contratual, com a devida extensão do regramento”.22 No mesmo sentido é a opinião de Antônio Junqueira de Azevedo,
que também considera insuficiente o artigo, “pois só dispõe sobre dois momentos:
conclusão do contrato – isto é, o momento em que o contrato se faz – e execução.
Nada preceitua sobre o que está depois, nem sobre o que está antes”.23
20
21
22
23
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil, p. 98.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil, p. 98.
ALVES, Jones Figueiredo, apud ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código
Civil, p. 99.
AZEVEDO, Antônio Junqueira, apud ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no
Código Civil, p. 99.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
Apesar das divergências doutrinárias, deve-se entender que está implícito no
art. 422 os deveres dos contratantes de agirem conforme a boa-fé objetiva não só
durante a contratação, mas também antes e após a realização do contrato, entendimento que se harmoniza com a interpretação que deve ser dada ao princípio,
inserido como cláusula geral. O enunciado n. 25 da Jornada de Direito Civil I,
promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no
período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro
Ruy Rosado, do STJ, indica neste sentido: “o artigo 422 do Código Civil brasileiro
de 2002 não inviabiliza a aplicação, pelo legislador, a aplicação da boa-fé nas fases
pré e pós-contratual.”
A boa-fé no Código Civil de 2002 é uma norma que condiciona e legitima
todas as relações jurídicas, desde a interpretação dos dispositivos legais e contratuais
até as últimas consequências dessas relações. Por esse motivo ela é imprescindível
para a realização da justiça na aplicação dos comandos legais.
4.1
Funções da boa-fé objetiva
A boa-fé objetiva possui várias funções, entre elas, a interpretativa, a integrativa
e a de controle. A função interpretativa contribui para tornar mais claro o sentido
das estipulações contratuais; a função integrativa estipula os deveres de conduta
do credor e do devedor, ainda que tais deveres não estejam previstos no contrato
e a função de controle impede o exercício abusivo de direitos subjetivos.24
215
Com a observância da função integrativa, a boa-fé objetiva cria deveres de
condutas anexos, acessórios às relações contratuais. Esses deveres evitam comportamentos desonestos, contribuindo para o adimplemento e a consecução da
obrigação em sua plenitude. Nas relações de consumo, tais deveres se impõem
tanto ao fornecedor quanto ao consumidor.
Os deveres de conduta mais significativos que devem ser mencionados são:
os deveres de proteção, de cooperação, de lealdade, de informação e de sigilo. O
dever de proteção traduz-se como o respeito à pessoa e à família do contratante,
aos próximos, ao patrimônio. É a proteção aos bens e à integridade da outra parte,
evitando a ocorrência de danos morais ou patrimoniais. O dever de cooperação ou
de assistência é o auxílio mútuo entre os contratantes. É a obrigação de contribuir
para o cumprimento contratual, não dificultando-o, mas ao contrário, facilitando-o. O dever de lealdade e confiança mútua está ligado à idéia de fidelidade,
transparência e verdade. A lealdade deve sempre estar presente nas negociações
preliminares ao contrato e no período pós-contratual. O contrato realizado com
lealdade entre as partes torna-se seguro, pois certamente os contratantes terão
24
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa fé no Código Civil, passim.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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Suzana Ribeiro da Silva
confiança no negócio. O dever de informação ou de esclarecimento é a imposição
de se comunicar à outra parte todas as características e circunstâncias do negócio.
Nas relações de consumo, em que há desequilíbrio entre as partes, o dever de
informação está sempre presente e integra-se ao próprio contrato, como meio
de correção dos desequilíbrios. O dever de sigilo também deve estar presente nas
relações contratuais, ainda que não esteja expressamente previsto. Assim, as partes
não devem divulgar dados ou informações umas das outras.
A boa-fé objetiva também exerce função controladora, repudiando exercícios abusivos de direitos, bem como o desleal não-exercício de direitos, que se
caracteriza pela conduta do titular do direito que faz acreditar que ele não seria
exercido e em seguida o exerce. Essas práticas abusivas são capazes de modificar o
negócio jurídico que será interpretado em desfavor daquele que não agiu conforme
a boa-fé objetiva.
216
O venire contra factum proprium é a prática de ato contraditório à conduta
anterior. Mudar a opinião ou o modo de atuação é um comportamento lícito e
amplamente possível. No entanto, quando a atuação anterior serve de base para
o agir alheio e a alteração pode causar prejuízo ao outro, há vedação pelo direito.
Um exemplo dessa conduta se dá com interessante julgado do tribunal gaúcho, que
determinou a condenação de empresa de molho de tomate por violar deveres éticos
antes da contratação. Ao instalar-se em determinada região, distribuiu sementes
para alguns agricultores locais, que investiram e plantaram os tomates, certos de que
a empresa compraria o produto após a colheita. A empresa, em inobservância da
boa-fé objetiva, não comprou os tomates e os agricultores foram prejudicados.25
A supressio é o não-exercício de um direito por uma determinada circunstância, que induz a outra parte ao convencimento de que tal direito não vai mais ser
exercido. O titular do direito, por sua inércia fica impedido de exercê-lo. A supressio
ocorre com a demora do exercício do direito, que induz a outra parte a achar que o
direito não mais será exercido, ainda que esteja amparado legalmente. Um exemplo
dessa conduta é a perda da propriedade do imóvel por abandono, prevista no art.
1.27626 do Código Civil. O proprietário que, por inércia, abandonar seu imóvel,
com intuito de não mais conservá-lo, deixa de exercer seu direito de propriedade
e consequentemente poderá perdê-lo para o município ou para o Distrito Federal,
observados outros requisitos da lei.
25
26
“Responsabilidade da empresa alimentícia, industrializadora de tomates, que distribui sementes, no
tempo do plantio, e então manifesta a intenção de adquirir o produto, mas depois resolve, por sua
conveniência, não mais industrializá-lo naquele ano, assim, causando prejuízo ao agricultor, que
sofre a frustração da expectativa de venda da safra, uma vez que o produto ficou sem possibilidade
de colocação” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação cível n. 591028295. Relator
Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Rio Grande do Sul, 06 de jun. de 1991. RJTJRS 154:378).
BRASIL. Código Civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 329.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
A surrectio é um comportamento reiterado por uma das partes, infundindo
na outra a expectativa de um direito inexistente no contrato. Essa conduta também foi prevista pelo Código Civil, no art. 330. O art. 327 determina como lugar
de pagamento das obrigações o domicílio do devedor, ressalvando-se estipulação
contrária. O art. 330, por sua vez, dispõe que havendo o pagamento reiterado em
outro local, haverá a presunção da renúncia do credor àquilo que foi estabelecido no
contrato. Trata-se de um exemplo da surrectio previsto expressamente pela lei.
O tu quoque caracteriza-se como a desleal constituição de direitos. Significa
que aquele que não cumprir uma cláusula não pode exigir que o outro a cumpra,
ou seja, ninguém pode invocar normas jurídicas, após descumpri-las, porque
ninguém pode adquirir direitos de má-fé. Enquadra-se no tu quoque a exceptio
non adimpleti contractus, que tem a mesma intenção, a de impedir a exigência do
cumprimento do direito por aquele que não cumpriu seu dever.
Um interessante conceito relacionado à boa-fé objetiva é a mitigação do próprio prejuízo, conhecido pela expressão inglesa duty do mitigate the loss. Segundo
essa teoria, o credor deve tomar medidas para amenizar sua perda, e nesse sentido
foi aprovado o Enunciado 169, na III Jornada de Direito Civil: “o princípio da
boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”.27
Segundo a autora da proposta do enunciado, Vera Maria Jacob Fradera, professora
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, há uma relação do princípio da
boa-fé objetiva com a mitigação do próprio prejuízo, pois ele constitui um dever
anexo de boa conduta entre os negociantes. 28 Pode ser citado como exemplo dessa
teoria os contratos bancários “não podendo a instituição financeira permanecer
inerte, aguardando que, diante da alta taxa de juros prevista no instrumento contratual, a dívida alcance montantes astronômicos”.29
217
Conforme restou demonstrado, o princípio da boa-fé objetiva possui normatividade e aplicação jurídica, estabelecendo um padrão de conduta devida entre
os contratantes, sempre ligada à eticidade.
4.2
A boa-fé objetiva e a dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa
do Brasil, estipulado no art. 1º, III, da Constituição Federal, e pode ser considerado
um princípio maior, que gera efeitos sobre todos os outros princípios e regras. Isso
porque ter dignidade é possuir o mínimo para uma vida digna. Um mínimo não
apenas patrimonial, mas um mínimo de todos os direitos fundamentais relacio-
27
28
29
BRASIL. Código Civil, p. 209.
BRASIL. Código Civil, p. 210.
BRASIL. Código Civil, p. 210.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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Suzana Ribeiro da Silva
nados pela Constituição. A dignidade da pessoa humana, nas palavras de Cláudio
Ari Mello, “não é apenas fundamento da República, como é também valor-fonte
básico do próprio sistema constitucional de direitos fundamentais”. 30
Tal princípio pode ser classificado como núcleo dos direitos da personalidade
ou como valor fundamental.31 Os direitos da personalidade são atributos inerentes
a toda pessoa e estão elencados na Constituição Federal entre os direitos fundamentais. O Código Civil de 2002, dando um passo à frente, incluiu, nos arts. 11
a 21, Capítulo II, da Parte Geral, a tutela desses direitos. A dignidade da pessoa
humana, sob esse aspecto, é o núcleo dos direitos da personalidade, havendo entre os dois conceitos profunda ligação, formando-se valores indissociáveis. “Com
efeito, a dignidade é o coração dos direitos da personalidade e elemento capaz de
justificar a existência de uma teoria que os unifique”.32
A dignidade, como valor fundamental, desempenha função de cláusula geral,
na medida em que tutela a personalidade, condiciona e conforma todo o ordenamento jurídico. Gustavo Tepedino entende que a dignidade define “nova ordem pública com funcionalização da atividade econômica aos valores existenciais e sociais
definidos na Constituição”.33 As cláusulas gerais funcionam como comunicadores
dos valores constitucionais aos direitos privados, e a boa-fé objetiva é a maneira
de se concretizar a dignidade da pessoa humana no direito das obrigações.
218
O princípio da boa-fé atuará como modo de enquadramento constitucional do Direito das Obrigações, na medida em que a consideração
pelos interesses que a parte contrária espera obter de uma dada relação
contratual, mais não é que o respeito à dignidade da pessoa humana em
atuação no âmbito negocial.34
A boa-fé objetiva, sendo um princípio que regulamenta as relações contratuais,
levando as partes a agirem com lealdade, honestidade, sem prejudicar o outro,
concilia-se com a dignidade da pessoa humana. “Esta junção boa-fé + dignidade
é responsável, também, pelo retorno ao sistema jurídico de um valor substancial:
a ética”.35
30
31
32
33
34
35
MELLO, Cláudio Ari. Contribuição para uma teoria híbrida dos direitos da personalidade. In:
SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006. p. 81.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa fé no Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2005.
p. 31-42.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil, p. 32.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil, p. 37.
FARIAS, Cristiano Chaves de ; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2008. p. 61.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil, p. 179.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
5.
A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO NO CÓDIGO CIVIL E COM
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
O princípio da função social traduz a necessidade de o contrato ser executado e concluído de forma socialmente responsável, garantindo o equilíbrio social,
devendo ser bom para o contratante e bom para a sociedade. Com a aplicação
desse princípio, a liberdade contratual produz reflexos sobre terceiros, que devem
respeitar os efeitos do contrato e também devem ser respeitados.
O Código Civil de 2002 consagrou a função social do contrato no art. 421,
já comentado quando da análise do princípio da autonomia da vontade. O art.
2035, parágrafo único dispõe que “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para
assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. Pode-se afirmar que
os dois artigos são normas de ordem pública, que não podem ser derrubadas pela
convenção das partes. Assim, um contrato que prejudica a sociedade não pode
ser considerado válido. Tartuce conceituou a função social como “regramento
contratual, de ordem pública (art. 2035, parágrafo único, do CC), pelo qual o
contrato deve ser, necessariamente, analisado e interpretado de acordo com o
contexto da sociedade”.
A função social está intimamente relacionada ao princípio da socialidade,
que interpreta as relações humanas em uma dimensão social, pressupondo que o
homem não vive sozinho, mas inserido em uma sociedade. Nesse sentido manifesta-se Antônio Jeová Santos:
219
O contrato não pode ser reduzido à simples operação econômica, em
que o automatismo e a rapidez – essa insustentável tirania da velocidade
– impedem que na celebração de contratos haja a efetiva outorga de
consentimento. É chegada a hora de conferir certa dose de sensibilidade
e considerar os contratos em sua função social, que consiste, basicamente,
em obstar que o mais fraco, premido pelas circunstâncias, se veja obrigado a aceitar o que o mais forte lhe impõe. O contrato deve satisfazer e
tutelar interesses humanos que se legitimam à medida que a necessidade
e o monopólio se agigantam.36
A função social pode ser concebida em função social interna e função social
externa. A interna impõe a necessidade de as partes se identificarem como sujeitos
de direitos fundamentais e titulares de dignidade, impedindo a subordinação do
devedor e acrescentando às partes os deveres de colaboração, lealdade, informação. A função social externa refere-se ao interesse que todo contrato possui para a
sociedade. Terceiros podem ser atingidos por contratos dos quais não são partes
e, do mesmo modo, podem violar uma relação contratual alheia.
36
SANTOS, Antônio Jeová. Função social do contrato. 2. ed. São Paulo: Método, 2004. p. 146.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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Suzana Ribeiro da Silva
A Constituição Federal de 1988 alterou a estrutura dos textos constitucionais
anteriores, que davam prioridade aos direitos individuais e valorizou os direitos sociais e coletivos. O Código Civil de 2002 foi formulado em observância à
Constituição e não pode ser interpretado isoladamente sem a influência da Carta
Magna.
O direito privado e o direito público, que sempre delimitaram as disciplinas
do direito, não são mais áreas isoladas e independentes, mas relacionam-se e interpenetram-se, de maneira a não poderem mais se dissociar. Atualmente, fala-se
em direito civil-constitucional, ou seja, as obrigações, os contratos, a família e
todos os institutos regulamentados pelo código civil devem ser interpretados sob
a ótica da Constituição Federal.
O princípio da função social do contrato possui fundamento constitucional,
sendo inspirado por vários artigos da Constituição. O primeiro deles é o princípio da dignidade da pessoa humana, incluído no inc. III do art. 1º como um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil. A dignidade da pessoa humana,
já relacionada à boa-fé objetiva, é também fundamento da função social do contrato, mais especificamente da eficácia interna da função social, que impõe aos
contratantes os deveres anexos de lealdade, proteção e informação.
220
A dignidade da pessoa humana também é mencionada pelo art. 170 da Constituição Federal como uma norma-objetivo, conforme classificação de Eros Grau.
As normas-objetivo são normas que servem de instrumentos do governo, que
são base para a implementação de políticas públicas.37Nesse sentido, a dignidade
humana recebe conotação social, devendo atingir a coletividade como um todo,
e não somente o indivíduo.
Cite-se, ainda, como base para a função social do contrato, o valor social da
livre iniciativa, também previsto no inc. IV do art. 1º e no art. 170 da CF. A livre-iniciativa é um desdobramento da liberdade. Não se resume à liberdade econômica ou
de iniciativa econômica, aplicado apenas à empresa, mas “é um modo de expressão
do trabalho e, por isso mesmo, corolária da valorização do trabalho, do trabalho
livre... em uma sociedade livre e pluralista”.38 A limitação da livre-iniciativa se dá
exatamente quando se agride a função social, conforme ensina Eros Grau:
A liberdade, amplamente considerada – insisto neste ponto - liberdade real,
material, é um atributo inalienável do homem, desde que se o conceba inserido no todo social e não exclusivamente em sua individualidade (o homem
social, associado aos homens, e não o homem inimigo do homem).39
37
38
39
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8. ed. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 146 e 177.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 186.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988, p. 187.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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A boa-fé objetiva e a função social aplicados aos contratos do Código Civil
A função social do contrato se fundamenta, ainda, no princípio da solidariedade social, previsto no art. 3º, I da Constituição Federal, que aponta como
objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade
livre, justa e solidária”. A solidariedade é uma profunda expressão da socialidade
e, nesse sentido, a Constituição determina que as pessoas se ajudem e colaborem
mutuamente na construção da sociedade. Daí a estreita ligação com a função
social do contrato, que exige a colaboração entre os contratantes, sempre visando
à sociedade em que estão inseridos.
Assim, a função social do contrato possui fundamento constitucional, não
apenas pelos artigos mencionados mas por toda conotação social em que a Constituição foi formulada. Sua interpretação sistemática nos permite afirmar que seus
princípios e regras aplicam-se à pessoa como parte da sociedade, o que inspirou
o legislador a incluir o princípio da função social do contrato expressamente no
Código Civil de 2002.
6.
CONCLUSÃO
Todas as relações contratuais, sejam civis ou decorrentes do consumo, são
influenciadas pelo direito constitucional, que penetra nas relações privadas por
meio de seus princípios, fundamentos e objetivos. Essa influência axiológica da
Carta Magna nas relações privadas inspirou a socialização do direito das obrigações,
mais especificamente dos contratos, e sob esse enfoque é que o Código Civil de
2002 foi formulado, em observância à eticidade, à socialidade e à operabilidade,
em detrimento do formalismo e do individualismo do Código Civil de 1916.
221
Assim, princípios anteriormente reconhecidos e adotados pela doutrina e
jurisprudência foram previstos expressamente pelo Código Civil de 2002, permitindo uma nova interpretação à teoria geral dos contratos.
A boa-fé objetiva foi prevista nos arts. 113, 187 e 422. No art. 113 a boa-fé
recebeu conotação interpretativa, pois se estabeleceu que os negócios fossem
interpretados conforme a boa-fé e os costumes. No art. 187, a boa-fé objetiva foi
prevista como limitadora de conduta do titular de um direito, que sempre deve
ser exercido conforme o fim econômico ou social, a boa-fé e os bons costumes. No
art. 422, por fim, foi prevista como parâmetro de conduta dos contratantes, que
devem sempre agir conforme a boa-fé, na conclusão e na execução do contrato.
Conforme já demonstrado, o princípio se estende às fases pré e pós-contratuais.
O princípio da boa-fé veio trazer aos contratantes os deveres de lealdade,
honestidade, informação, colaboração e contribuindo para a aplicação do princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
A função social do contrato, princípio com forte base constitucional, também
foi inserida no Código Civil e o contrato passou a gerar efeitos não somente aos
contratantes, mas também à sociedade.
Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, 26: 203-223, jan./jun. 2008
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Suzana Ribeiro da Silva
Esses princípios, que funcionam como cláusulas abertas, em uma análise
superficial, podem dar idéia de insegurança jurídica, pois o juiz possui maior
liberdade na resolução dos conflitos, podendo desconsiderar alguma cláusula
contratual que seja contrária à boa-fé objetiva e à função social. No entanto, a
conduta do juiz, quando julga cláusulas abertas, não pode ser arbitrária, mas
fundamentada em normas do ordenamento jurídico. Essas normas podem ser
os princípios, que possuem aplicabilidade a casos concretos, e podem, em alguns
casos, se sobrepor às regras.
A boa-fé e a função social dos contratos possuem fundamento constitucional,
culminando no princípio da solidariedade, e, quando aplicados aos contratos,
contribuem para o desenvolvimento social e para a busca do bem comum.
REFERÊNCIAS
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dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no Código
Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
BRASIL. Código Civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
222
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
v. 3.
ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para
uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo: RT, 1999.
FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contratos. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.
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