Fabio Ribeiro da Silva DOENÇA DE CROHN FISIOPATOGENIA E TERAPÊUTICA São Paulo 2007 Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas Fabio Ribeiro da Silva DOENÇA DE CROHN FISIOPATOGENIA E TERAPÊUTICA Trabalho apresentado à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, do curso de Farmácia/FMU, sob orientação do Prof. Dr. Paolo Ruggero Errante. São Paulo 2007 Fabio Ribeiro da Silva DOENÇA DE CROHN FISIOPATOGENIA E TERAPÊUTICA Trabalho apresentado à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, do curso de Farmácia da FMU, sob orientação do Prof. Dr. Paolo Ruggero Errante. Aprovado pela banca examinadora constituída pelos professores: _____________________________________________________________________ Prof. Dr. Paolo Ruggero Errante FMU – Orientador ______________________________________________________________________ Prof. Mestra Cristiane Rocha de Farias FMU ______________________________________________________________________ Prof. Dra. Walkyria Sigler FMU Dedico esse trabalho aos meus pais, irmãos, familiares e amigos que pacientemente estiveram ao meu lado ao longo destes anos ajudando-me a superar todas as adversidades. Agradeço a Deus por ter me dado as condições necessárias a fim de concluir mais esta etapa da minha vida e por ter colocado as pessoas certas ao meu lado, a fim de me orientarem nestes anos. “Deus nos fez perfeitos e não escolhe os capacitados, capacita os escolhidos”. Fazer ou não fazer algo, só depende de nossa vontade e perseverança. (Albert Einstein) Resumo A doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal de caráter crônico. É uma enterite granulomatosa, transmural de etiologia desconhecida que pode acometer qualquer parte do trato gastrintestinal, tendo maior incidência no íleo. O curso da doença é variável e o prognóstico da doença depende do grau de gravidade do quadro clínico e das complicações freqüentes. Os pacientes podem passar por períodos assintomáticos e entrarem em remissão como também podem sofrer recidivas da doença. A incidência da doença de Crohn vem aumentado, principalmente nos países desenvolvidos ou urbanizados, surge por volta da segunda ou terceira década da vida. Os sintomas são variáveis e o diagnóstico definitivo nem sempre é uma tarefa fácil. A tecnologia e avanço da medicina propiciaram ao diagnóstico eficaz, entretanto, o mesmo deve ser avaliado juntamente com os dados clínicos obtidos na anamnsese clínica. O tratamento é contínuo e extremamente importante aos pacientes acometidos com a doença de Crohn. Existem casos em que o tratamento medicamentoso não tem sucesso ou surgem complicações ao longo da doença, sendo necessário a indicação cirúrgica. A cirurgia não promove a cura, mas é indicada para sanar complicações. As recidivas podem surgir mesmo após as intervenções cirúrgicas, e mais de uma cirurgia ao longo do tempo é possível. Cerca de 50% dos pacientes diagnosticados com doença de Crohn sofrem em algum momento da vida intervenção cirúrgica. É necessário atenção quanto a saúde nutricional do paciente, pois a doença leva ao déficit nutricional. Para o controle deste problema é indicado a suplementação e exames periódicos como indicadores de bom prognóstico da doença. A alimentação restrita e equilibrada também evitam complicações da doença. Palavras – chave: Doença de Crohn, doença intestinal inflamatória, auto-imunidade, quebra de tolerância imune. Lista de Figuras Figura 1: Sistema digestivo....................................................................................................16 Figura 2: Epitélio do estômago...............................................................................................23 Figura 3: Epitélio do intestino delgado.................................................................................. 25 Figura 4: Epitélio do intestino delgado.................................................................................. 26 Figura 5: Epitélio do intestino grosso.....................................................................................28 Figura 6: Porção de transição ileocecal...................................................................................43 Figura 7: Fístula intestinal.......................................................................................................49 Figura 8: Fístula enterovaginal................................................................................................50 Figura 9: Microscopia em tecidos intestinais da doença de Crohn..........................................53 Figura 10: Controle Médico......................................................................................................57 Figura 11: Esquema de biotransformação do pró-fármaco recíproco sulfassalazina ..............59 Figura 12: Molécula de azatioprina......................................................................................... 61 Lista de Abreviaturas Anti-TNF-α → Anti- fator de necrose tumoral alfa ANCA → Anticorpo antinuclear ASCA → Anticorpo antisaccharomyces HCL → Ácido clorídrico HLA → Human leukocyte antigen (Antígeno leucocitário humano) IFN-γ → Interferon gama NK → Natural Killer ( Assassina natural) TGF-β → Fator transformador de crescimento beta Th1 → T helper 1 ou T auxiliar 1 Th2 → T helper 2 ou T auxiliar 2 5-ASA → Ácido 5-aminossalicílico Sumário 1.0. 2.0. 3.0. 4.0. Introdução.....................................................................................................................12 Objetivos........................................................................................................................14 Materiais e método.......................................................................................................15 Anatomia do sistema digestivo....................................................................................16 4.1.1. Boca........................................................................................................17 4.2. Faringe e esôfago...................................................................................................17 4.3. Estômago...............................................................................................................18 4.4. Intestino delgado...................................................................................................18 4.4.1. Duodeno..................................................................................................19 4.4.2. Jejuno e íleo...........................................................................................19 4.5. Intestino grosso......................................................................................................20 5.0. Histologia do trato digestivo...........................................................................................21 5.1. Camadas da parede................................................................................................21 5.2. Histologia do estômago.........................................................................................22 5.3. Histologia do intestino delgado.............................................................................24 5.4. Histologia do intestino grosso...............................................................................27 6.0. Fisiologia do trato gastrintestinal..................................................................................29 6.1. Inervação extrínseca do trato gastrintestinal.........................................................29 6.2. Inervação intrínseca do trato gastrintestinal..........................................................30 6.3. Hormônios gastrintestinais....................................................................................30 6.4. Efeitos parácrinos..................................................................................................31 6.5. Efeitos neurócrinos................................................................................................31 6.6. Fisiologia do estômago..........................................................................................31 6.7. Fisiologia do intestino delgado..............................................................................32 6.8. Fisiologia do intestino grosso................................................................................33 7.0. Sistema Imune..................................................................................................................34 7.1. Imunidade inata e imunidade adaptativa...............................................................35 7.2. Tolerância imunológica.........................................................................................37 7.2.1. Tolerância dos linfócitos T e B...............................................................37 7.3. Doença auto-imune................................................................................................38 8.0. Doença de Crohn..............................................................................................................42 8.1. Histórico.................................................................................................................42 8.2. Epidemiologia........................................................................................................44 8.3. Etiologia.................................................................................................................44 8.3.1. Associação dos genes HLA e a doença de Crohn...................................45 9.0. Manifestações clínicas......................................................................................................47 10.0. Complicações..................................................................................................................51 11.0. Morfologia...................................................................................................................... 52 12.0. Diagnóstico......................................................................................................................54 13.0. Tratamento.....................................................................................................................56 13.1. Drogas anti-inflamatórias, imunossupressoras e antibióticos..............................58 13.2. Tratamentos biológicos........................................................................................62 13.3. Tratamentos cirúrgicos.........................................................................................62 14.0. Conclusão........................................................................................................................64 15.0. Referências......................................................................................................................65 12 1.0. Introdução A doença de Crohn foi descrita pela primeira vez no ano de 1932, pelo Doutor Burril B. Crohn, na cidade de Nova York – EUA, como sendo uma inflamação crônica do intestino delgado, que deixava cicatrizes na parede intestinal. Acreditava-se que este distúrbio idiopático, ou seja, de causa obscura e desconhecida, se limitasse ao íleo terminal (porção final distal do intestino delgado), e por este motivo foi inicialmente descrita e conhecida como “ileíte terminal”. Atualmente, sabe-se que as manifestações desta patologia não se restrigem somente a porção final do intestino delgado, mas também podem afetar qualquer porção do trato digestivo, ou seja, do trato gastrintestinal (STEVENS; LOWE, 2002; COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000). A doença de Crohn pode se manifestar em qualquer idade, entretanto, a sua maior prevalência diagnóstica se dá entre os 20 a 35 anos de idade, podendo surgir também na infância e na terceira idade. As mulheres são menos afetadas em relação aos homens. Inicialmente foi notado que nos EUA, havia uma maior prevalência do acometimento da doença entre os judeus, mas atualmente sabe-se de que a freqüência desta doença é maior entre países do norte da América e Europa, ocorrendo progressivamente um crescimento considerável em todo o mundo. A participação de fatores ambientais, genéticos e imunológicos também são levados em consideração (COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000). O intestino normal possui um comportamento dinâmico de inflamação fisiológica, e isto resulta em um equilíbrio entre os supostos fatores que podem ser ativadores ou desencadeantes, precursores da doença de Crohn. Dentre todas as suposições e hipóteses, leva-se em maior consideração o fator imunológico, onde mudanças consideráveis nesse sistema levam a efeitos sistêmicos e geram a doença auto-imune. Em indivíduos normais existem lesões transitórias na mucosa que podem ter sido causadas, por exemplo, por infecções bacterianas, virais, toxinas ambientais ou alguns tipos de drogas como os anti-inflamatórios não esteroidais; entretanto, nesses indivíduos esse acontecimento é rapidamente solucionado com reparação completa da mucosa tecidual. Entretanto, em indivíduos predispostos geneticamente, ou com imunoregulação ampliada ou exacerbada, resulta em inflamação crônica, que acarreta lesões graves da mucosa, destruição e fibrose. Porém, os fatores ambientais resultariam em processos iniciais ou em recidivas da doença (COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000; STEVENS; LOWE, 2002). A doença de Crohn está incluída entre as demais como síndrome da má absorção, porque é no intestino delgado que ocorre a absorção dos nutrientes essenciais e básicos para o bem estar do indivíduo (STEVENS; LOWE,2002). 13 As manifestações clínicas e a localização da doença são fatores de suma relevância para o diagnóstico da doença de Crohn. O diagnóstico geralmente é mensurado em conjunto com a anamnese, apresentações e observações clínicas, juntamente com exames específicos ou conjuntos (SGANZERLA, 2006). 14 2.0. Objetivos Descrever a doença inflamatória intestinal de Crohn, dando maior ênfase a sua etiofisiopatogenia e diagnósticos, tratamentos disponíveis, complicações e convivência com a doença. 15 3.0. Materiais e Método Esta pesquisa foi realizada através de revisões bibliográficas de livros, artigos, periódicos e revistas, incluindo também pesquisas via internet. Fases da pesquisa: •Pesquisa bibliográfica, •Coleta de dados, •Organização de informações e síntese de dados, •Elaboração do trabalho e inclusão de imagens. 16 4.0. Anatomia do Sistema Digestivo Figura 1: Sistema digestório Fonte: Manual Merck: Saúde para a família, 2007. 17 O sistema digestório (Figura 1), é responsável em modificar o alimento ingerido de forma a oferecer ao organismo os nutrientes necessários e essenciais. O processo de digestão inclui processos mecânicos e bioquímicos ao longo do trato digestivo, afim de que o alimento possa atravessar a membrana do trato gastrintestinal e assim ser distribuído pelo demais sistemas. O sistema digestivo é formado por um tubo chamado de trato gastrintestinal, e este é dividido em partes ou regiões especializadas que agem de forma específica, a fim de digerirem o alimento e proporcionar ao organismo a distribuição necessária de energia. As regiões pertencentes ao trato gastrintestinais são boca, faringe, esôfago, estômago, intestino delgado e intestino grosso. O trato digestivo é revestido por membrana mucosa, delgada e úmida; assim há proteção do trato e produção de muco (SPENCE, 1991). 4.1. Boca É a primeira porção do trato digestivo, estendendo-se dos lábios até a bucofaringe. Aqui se encontram os dentes e a língua que iniciarão o processo de digestão do alimento ingerido, facilitando assim, a ação das enzimas que atuarão sobre o bolo alimentar ao longo do trato digestivo. 4.2. Faringe e esôfago A faringe está situada no final da cavidade oral, sendo um canal, comum ao sistema digestivo e respiratório. Por ela passam os alimentos com destino ao esôfago e o ar com destino a laringe. Na faringe ocorre as contrações musculares envolvidas na deglutição. O esôfago liga a faringe ao estômago, sendo localizado atrás da traquéia, localizando-se entre os pulmões e coração, e passa através do diafragma pelo chamado hiato esofágico. É no esôfago que o alimento inicia o seu percurso a partir do peristaltismo dos músculos da parede. Na porção superior do esôfago estão os músculos esqueléticos e na inferior os músculos lisos (SPENCE, 1991). 18 4.3. Estômago O estômago é uma dilatação do canal alimentar entre o esôfago e o duodeno. Está situado abaixo do diafragma tendo a sua porção maior a esquerda do plano mediano. Este órgão pode ser dividido em quatro partes: a) Óstio cárdico (local de transição entre esôfago e o estômago), b) Fundo ou tuber, c) Corpo (A parte maior do estômago), d) Antro (situado entre a incisura angular e o piloro). O óstio cárdico é a parte de uma prega da mucosa que age como um esfíncter na parte superior do estômago, já o piloro é um esfíncter responsável em controlar o quimo para o duodeno. O estômago possui uma curvatura direita menor de forma côncava na borda interna e uma curvatura maior na borda externa (SOBOTTA, 1995). O estômago está envolvido pelo peritônio, com a porção superior não recoberta, ou seja, com a porção superior nua. A curvatura menor está ligada a face inferior do fígado, denominado por omento menor. As camadas se juntam na grande curvatura para formarem o omento maior (SPENCE, 1991). A irrigação do estômago é feita de pequena curvatura gástrica esquerda, ramo do tronco celíaco, que se anastomosa com a gástrica direita, ramo da gastroduodenal, ainda as gástricas curtas; e grande curvatura as gastromentais, esquerda, ramo da esplênica, e direita, ramo da gastroduodenal. A inervação é feita pelos nervos principais gástrico anterior e principal gástrico posterior e plexos nervosos, provenientes do gânglio e do plexo celíaco (GARDNER; GRAY; O’RAHILLY, 1998). 4.4. Intestino delgado O intestino delgado é formado pelo duodeno, jejuno e íleo. É um tubo, cuja porção mais longa do trato digestivo possui de 2,5 cm de diâmetro e 6 m de comprimento. Liga-se ao intestino grosso pela valva ileocecal, sendo revestido por epitélio cilíndrico simples com células especializadas para realizarem o processo de absorção, fundamental neste trecho. A túnica mucosa possui vilosidades, exclusiva deste trecho do trato digestivo, e isso aumenta a área de 19 absorção e digestão. Cada vilosidade com tecido conjuntivo possui capilar linfático (quilífero) (SPENCE, 1991; TORTORA, 2003). 4.4.1. Duodeno O duodeno é a primeira porção do intestino delgado, que pode ser dividido em quatro porções: Superior, Descendente, Inferior e Ascendente. Na porção superior há uma dilatação após o piloro, conhecida como bulbo duodenal. A transição do duodeno para jejuno é marcada pela flexura duodeno-jejunal. O duodeno é um órgão retro-peritonial, localizado quase que totalmente junto a parede posterior do abdômen. É nesta porção que grande parte das enzimas digestivas atuam, provenientes dos ductos pancreáticos e dos ductos colédoco do fígado. Ambos ductos são abertos no duodeno numa região chamada de papila maior (SPENCE, 1991; SOBOTTA, 1995). A irrigação é feita por artérias provenientes de plexos que acompanham as artérias que irrigam o duodeno e recebem o mesmo nome (SOBOTTA, 1995). 4.4.2. Jejuno e íleo O jejuno possui um maior aporte sanguíneo e coloração mais avermelhada em relação ao íleo. Ambos são bastante móveis, e são presos a parede posterior do mesentério, e isso confere maior mobilidade. São peritonizados e responsáveis pela maior parte da absorção dos nutrientes. A superfície de absorção nestas áreas é aumentada devido a vilosidades, microvilosidades. A irrigação destes órgãos é feita por ramos da artéria mesentérica superior, que emite o ramo íleoceco-cólica (SPENCE, 1991). Corresponde à maior porção do intestino delgado, responsável pela absorção dos nutrientes resultantes da digestão, além de água e eletrólitos (SPENCE, 1991). O jejuno é o trecho inicial, mais espesso, mais rosado, e mais calibroso. Possui trânsito rápido, estando geralmente vazio, daí o nome jejuno. Possui pregas circulares mais freqüentes e evidentes; folículos linfáticos na mucosa. O jejuno se encontra na região da cicatriz umbilical (SPENCE, 1991). O íleo é o trecho médio e final, mais fino, pálido-acinzentado. Possui pregas circulares menos freqüentes e folículos linfáticos com células agrupadas nas placas de Peyer. O íleo se situa na pelve (numa posição acima da bexiga urinária) e na região inguinal (SPENCE, 1991). 20 4.5. Intestino grosso É o local onde há absorção de água e secreção de muco que lubrificam as fezes. As partes do intestino grosso são ceco, cólon, reto e o canal anal. O intestino grosso tem cerca de 6,5 cm de diâmetro e cerca de 1,5 m de comprimento, e sua extensão vai do íleo ao ânus. É revestido por um epitélio cilíndrico simples com células absorventes e células secretoras de muco ou células calciformes, e possui túnica mucosa denominada papila ileal. O intestino grosso inicia-se no ceco, trecho de comunicação entre intestino delgado e intestino grosso. Após este trecho tem-se o apêndice vermiforme que possui nódulos linfáticos em grande número. Em seguida estende-se para cima e aí, tem-se o colo. O colo é dividido em colo ascendente, colo transverso, colo descendente e colo sigmóide. Após a seqüência de colo, tem-se o reto e finalmente o canal anal. O canal anal possuí as pregas da túnica mucosa disposta em pregas longitudinais, e epitélio estratificado pavimentoso, é a região onde se encontram os esfíncteres na junção com o reto (SPENCE, 1991; TORTORA, 2003). 21 5.0. Histologia do trato digestivo O canal alimentar é integrante do sistema digestório ou digestivo no que se diz a respeito à manutenção e equilíbrio do organismo. Esse sistema é formado pelo trato digestivo e suas glândulas anexas, e sua principal função é remover dos alimentos ingeridos as substâncias ou metabólitos necessários e essenciais ao desenvolvimento do organismo, e assim absorver os mesmos. Em contrapartida, o trato digestivo forma uma barreira de proteção ao organismo, entre meios externo e interno. Todo o processo se inicia na cavidade oral onde o alimento é triturado pelos dentes, através da mastigação e umedecido pela saliva contendo amilase salivar, e então, neste momento inicia-se o processo de digestão; processo este que prossegue a partir da cavidade oral ao estômago e intestino. O intestino delgado é o local onde ocorre maior parte da absorção dos nutrientes básicos e essenciais e os metabólitos gerados ao longo do processo digestivo, sendo assim, como tendo-se como prevalência maior de acometimento a região do intestino delgado na doença de Crohn, dar-se-á maior ênfase a este ponto no que se diz respeito a sua histologia. No intestino grosso há absorção de água e formação das fezes que se tornam semisólidas, facilitando sua excreção (COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000; GARTNER; HIATT, 2002 ). O tubo digestivo possui características estruturais comuns, sendo formado por quatro camadas principais, também conhecidas como túnicas. Estas camadas são a mucosa, a submucosa, a camada muscular e a camada serosa. Descrever-se-á os principais pontos das camadas citadas, no prosseguimento do texto (JUNQUEIRA, 1995). 5.1. Camadas da parede A mucosa é a camada mais interna que reveste a luz do tubo digestivo, sendo uma região úmida que mantém contato com o meio externo. Tem-se aqui o epitélio mais o tecido conjuntivo frouxo de sustentação. Esta camada ou túnica é um conjunto de tecidos, de diversas características, onde o epitélio é espesso e uma região de atrito, tendo a região de absorção epitélio mais delgado. O tecido conjuntivo frouxo possui características de defesa, possui variados vasos sanguíneos e linfáticos, e também fibras musculares lisas. O tecido linfóide é formado por um aglomerado de leucócitos, e as glândulas atuam acopladas aos leucócitos, sendo todas tubulosas. O tecido muscular liso é conhecido por muscular externa, tendo aqui uma divisão entre camada circular interna e longitudinal externa. 22 A submucosa é formada por um tecido conjuntivo frouxo e denso rico em vasos sanguíneos e linfáticos. É composta por nervos, fibroblastos, matriz celular e colágeno. A camada muscular externa é composta basicamente por musculatura lisa, e é responsável em agir no peristaltismo do tubo digestivo. Assim há aumento do contato com células absortivas com o bolo alimentar, que é dependente das coordenação de plexos nervosos. Os plexo nervosos e vasculares estão entre as camadas musculares. A adventícia ou serosa é a camada mais externa do canal alimentar, sendo composta por tecido conjuntivo frouxo com a presença de células adiposas e vasos sanguíneos e linfáticos. As regiões suspensas pelo peritônio possuem a serosa, as regiões aderidas firmemente às estruturas de fibras do tecido conjuntivo possuem uma adventícia (STEVENS; LOWE, 2001). 5.2. Histologia do estômago O estômago é um órgão de forma sacular, onde o alimento (quimo) passa vindo do esôfago, sendo retido, reduzido, macerado e enfim, digerido. É composto de quatro camadas concêntricas, a mucosa, submucosa, muscular externa e adventícia. Na submucosa e mucosa, pode-se visualizar pregas, também chamadas de rugas, e estas por sua vez desaparecem com o estômago distendido. A mucosa gástrica é revestida por epitélio simples cilíndrico- não caliciformes (Figura 2) capaz de produzir muco que protege as paredes de revestimento estomacal, oferecendo ao órgão maior proteção ao baixo pH e autodigestão. Estas células se estendem para as criptas gástricas. As glândulas gástricas estão localizadas na lâmina própria do estômago, e podem ser cárdicas, fúndicas ou pilóricas, isso dependendo da sua localização, e são formadas pelas células parietais (secretoras de HCL nos canalículos intracelulares), células principais (secretoras das enzimas pepsina, renina e lípase – localizadas nas glândulas fúndicas), células mucosa do colo (secretora de muco - localizadas no colo das glândulas gástricas), células enteroendócrinas (pertencentes ao sistema neuroendócrino difuso) e células fonte (que originam todas as células epiteliais da mucosa gástrica (GARTNER; HIATT, 2002). 23 Figura 2: Epitélio do estômago Revestimento de epitélio cilíndrico simples. Presença de células musculares lisas que partem da muscular da mucosa, no tecido conjuntivo frouxo da mucosa. Fonte: LABORATÓRIO DE HISTOLOGIA ANIMAL E COMPARADA, 2007. 24 5.3. Histologia do intestino delgado Na porção final do estômago se encontra o esfíncter pilórico, e este, se abrindo dá passagem do quimo ao intestino delgado, que iniciará o processo maior de digestão, ou seja, da absorção dos nutrientes. No intestino delgado há secreção de diversas enzimas que completam o processo digestivo. Este órgão é composto por três regiões duodeno-jejuno-íleo, e sua mucosa apresenta pregas, também chamadas de vilos, que têm sua morfologia decrescente ao longo do duodeno-jejuno-íleo. A submucosa contém vasos, tecido linfóide e nervos e no duodeno pode-se visualizar as células de Brunner (secretoras de muco). O intestino delgado caracteriza-se por possuir mucosa saliente com vilosidades digitiformes, revestida por epitélio colunar com células caliciformes (Figuras 3 e 4), células superficiais absortivas. Na lâmina própria visualiza-se o tecido conjuntivo frouxo, com glândulas conhecidas como criptas de Lieberkühn, e no íleo as placas de Peyer. Na muscular externa visualiza-se túnicas de músculo liso, circular interna, longitudinal externa e duas camadas separadas pelo plexo mioentérico de Auerbach. O duodeno é envolvido por camada serosa e adventícia e o jejuno e o íleo é envolvido por camada serosa somente (STEVENS; LOWE, 2001). 25 Figura 3: Epitélio do intestino delgado. Presença de vilosidades intestinais revestidas por epitélio cilíndrico simples com células caliciformes e planura estriada. Abaixo do epitélio, há tecido conjuntivo frouxo rico em vasos sangüíneos. Fonte: LABORATÓRIO DE HISTOLOGIA ANIMAL E COMPARADA, 2007. 26 Figura 4: Epitélio do intestino delgado. Vilosidades intestinais revestidas por epitélio cilíndrico simples com células caliciformes e planura estriada. Abaixo do epitélio, tecido conjuntivo frouxo rico em vasos sangüíneos e a presença de células musculares lisas, que partem da muscular da mucosa, auxiliando na sustentação das vilosidades intestinais. Fonte: LABORATÓRIO DE HISTOLOGIA ANIMAL E COMPARADA, 2007. 27 5.4. Histologia do intestino grosso O intestino grosso é um órgão especializado na absorção de água e sais, além de secretar muco; assim modifica o metabólito gerado na digestão em conteúdo semi-sólido para posterior eliminação. É constituído pelo ceco, cólon (ascendente, transverso e descendente), cólon sigmóide, reto e canal anal. As regiões do intestino grosso são idênticas quanto a características histológicas, exceto o canal anal. A mucosa apresenta pregas especializadas, glândulas tubulares longas e estreitas, epitélio simples cilíndrico com células caliciformes e células cilíndricas (Figura 5). Na lâmina própria apresenta criptas de Lieberkün mais longas do que as do delgado, compostas de células fonte e muitas células caliciformes. A submucosa se apresenta semelhantemente ao delgado (jejuno-íleo). A camada muscular externa se apresenta com túnicas de músculo liso circular interna e longitudinal externa e o plexo de Auerbach se encontram entre as duas camadas. O colo possui as camadas serosa e adventícia. O apêndice apresenta a mesma estrutura básica do intestino grosso. O canal anal apresenta pregas longitudinais, o epitélio muda de simples cilíndrico para simples cúbico nas válvulas anais e na porção distal da válvula se apresenta o epitélio estratificado pavimentoso e mais adiante, no orifício do ânus se apresenta o epitélio estratificado pavimentoso queratinizado. A submucosa do canal anal é altamente vascularizada e a muscular externa forma o esfíncter anal interno, havendo também, uma camada adventícia de conecção entre o ânus e estruturas vizinhas (STEVENS; LOWE, 2001). 28 Figura 5: Intestino grosso (Epitélio) Presença de epitélio cilíndrico simples com células caliciformes e planura estriada e tecido conjuntivo frouxo (sub-epitelial). Grande quantidade de células caliciformes. Fonte: LABORATÓRIO DE HISTOLOGIA ANIMAL E COMPARADA, 2007. 29 6.0. Fisiologia do trato gastrintestinal A digestão e a absorção gastrintestinal depende de vários mecanismos que ocorrem ao longo dos segmentos do tubo do trato gastrintestinal. As funções do trato gastrintestinal são reguladas por mediadores químicos e hormônios que são transportados pelo sangue, substâncias com efeitos parácrinos que se infiltram pelo líquido intersticial, e neurócrinos que são liberados pelos neurônios. A regulação neural é realizada através de inervações intrínsecas e extrínsecas e as informações ocorridas ao longo do trato gastrintestinal são conduzidas por nervos do sistema autonômico (simpático e parassimpático). O músculo liso é responsável em oferecer motilidade ao trato gastrintestinal, encontrando-se na camada interna, circular e externa longitudinal. Entre as camadas circular e longitudinal se encontram o plexo mioentérico. O plexo mioentérico juntamente ao plexo submucoso fazem parte da composição do sistema entérico, que recebe e envia as informações aos nervos extrínsecos conduzindo desta forma, sinais ao longo do trato gastrintestinal. Dentre as muitas atividades exercidas pelo trato gastrintestinal, existem quatro principais, que são a motilidade, secreção, digestão e enfim, absorção. A motilidade se refere às contrações dos músculo do trato gastrintestinal, relevante à condução do alimento ingerido por todo o segmento. As secreções são altamente essenciais e especializadas, sendo reguladas a exercerem seu papel na digestão. A digestão se refere a degradação química, para que assim, o alimento possa chegar ao sangue e ser distribuído aos compartimentos necessários. Enfim, temos a absorção dos nutrientes, minerais, água, eletrólitos, água e vitaminas (GANONG, 1998). 6.1. Inervação extrínseca do trato gastrintestinal O trato gastrintestinal possui os sistemas simpático e parassimpático de inervação. Esses sistemas em conjunto com o sistema entérico (intrínseco) forma o sistema nervoso autonômico. A atividade colinérgica parassimpática aumenta a atividade do músculo liso intestinal e a atividade noradrenérgica simpática a reduz, e em contrapartida provoca contração dos esfíncteres. As fibras pré-ganglionares são parassimpáticas e as pós-ganglionares são simpáticas. Várias fibras simpáticas pós-ganglionares terminam em neurônios parassimpáticos, e a norepinefrina aí secretada causa inibição da secreção de acetilcolina, pois ativam os receptores pré-sinápticos α2.. Há outras fibras simpáticas que terminam em músculo liso e outras que inervam em vasos sanguíneos, causando aqui vasoconstrição (CISTERNAS, 1999). 30 6.2. Inervação intrínseca do trato gastrintestinal A inervação intrínseca é formada por dois plexos neuronais intramurais (plexos submucoso e mioentérico) que estão conectados entre si e são constituídos por células e fibras nervosas. A função destes plexos consiste em regular a contração da musculatura lisa e a secreção das glândulas exócrinas. Os neurônios sensoriais, motores finais e interneurônios são pertencentes ao plexo entérico. Os neurônios sensoriais recebem as informações através de receptores associados, os interneurônios geram e modificam as respostas motoras e integram as respostas sensoriais com as motoras. A inervação extrínseca se relaciona ao plexo entérico, de modo que a informação sensorial é processada e as respostas motoras são ativadas, afim de buscar atividade adequadas ao estimulo. O plexo mioentérico controla em parte os movimentos do tubo gastrintestinal, e o plexo submucoso controla a secreção da maior parte das glândulas. O sistema nervoso central influencia a função do sistema entérico através de neurônios motores eferentes do sistema nervoso que inervam o trato gastrintestinal. Os nervos entéricos mantêm atividade intestinal controlada, atuando de forma propulsiva, ativando o peristaltismo e complexo mioelétrico migratório, controlando a atividade das células secretoras. O sistema nervoso entérico possui muitos mediadores, tais como, acetilcolina, óxido nítrico, peptídeo intestinal vasoativo, encefalinas e serotonina (JOHNSON, 2000). 6.3. Hormônios gastrintestinais A gastrina é produzida pelas células G, localizadas nas paredes laterais das glândulas da porção antral da mucosa gástrica. Estimula secreção ácida, e o crescimento das glândulas oxínticas da mucosa. A colecistocinina liberada na porção duodenal-jejunal estimula a contração da vesícula biliar, secreção de enzimas pancreáticas, bicarbonato pancreático, e crescimento do pâncreas exócrino e em contrapartida inibe o esvaziamento gástrico. A secretina liberada no duodeno estimula a secreção de bicarbonato pancreático, bicarbonato biliar, crescimento do pâncreas exócrino e secreção de pepsina, e em contrapartida inibe a secreção ácida gástrica e o efeito trófico da gastrina. O peptídeo inibidor gástrico liberado no dudeno-jejuno estimula a liberação de insulina e inibe a secreção ácida gástrica. A motilina liberada no duodeno-jejuno estimula a motilidade gástrica e intestinal. Os hormônios candidatos não são considerados hormônios propriamente ditos, entretanto, são peptídeos isolados. O polipeptídeo pancreático 31 inibe a secreção de enzimas pancreáticas e de bicarbonato. O peptídeo Y liberado na mucosa do íleo-cólon por refeições e principalmente por gorduras, atua também, de forma indireta na inibição da estimulação meural do estômago. O enteroglucagon presente no intestino delgado distal é liberado no sangue e pode funcionar como liberador de insulina e inibidor da secreção e esvaziamento gástrico (GANONG, 1998). 6.4. Efeitos parácrinos Os parácrinos são liberados como os hormônios, porém são sintetizados em células endócrinas, e não atingem a circulação. Atuam diretamente sobre as células por difusão simples, ou talvez, por migração por capilares. A somastatina liberada na mucosa gastrintestinal inibe a liberação da gastrina e/ou outro hormônio peptídeo, e inibição da secreção gástrica ácida. A histamina liberada pelas glândulas oxínticas da mucosa e célula enterocromafim estimula a secreção gástrica ácida (JOHNSON, 2000). 6.5. Efeitos neurócrinos Os efeitos neurócrinos são promovidos por peptídeos que se localizam em nervos ao longo de toda a mucosa e músculo liso do tubo digestivo. O peptídeo intestinal vasoativo é liberado na mucosa e músculo liso do trato gastrintestinal e age no relaxamento dos esfíncteres, relaxamento do músculo circular do tubo digestivo, na estimulação da secreção intestinal e secreção pancreática. A bombesina ou peptídeo liberador da gastrina é liberada por estimulação vagal e parece mediar a liberação de gastrina. A encefalina liberada na mucosa e músculo liso estimula a contração do músculo liso e inibe a secreção intestinal (JOHNSON, 2000). 6.6. Fisiologia do estômago O alimento ingerido passa pelo esôfago e adentra o estômago, atingindo a primeira porção do estômago, chamado de corpo do estômago. O corpo é uma região receptiva, onde o estômago sendo elástico, armazena o alimento chegado. As glândulas gástricas entram em ação, afim de iniciarem a degradação do alimento ingerido. O peristaltismo ocorre a partir da de ondas fracas e ondulantes neste trecho do estômago e tende a aumentar ao longo do órgão, conforme o alimento se dirige ao antro-piloro. Conforme as ondas se propagam, há mistura com as secreções gástricas, e a massa alimentar vai sendo aos poucos reduzida, indo lentamente ao antro. Chegado 32 ao antro, a intensidade das ondas aumentam, e o alimento juntamente as secreções, tornam-se fluidos, dando origem ao quimo. Embora as ondas peristálticas estejam altas neste trecho, em seguida têm-se a abertura do duodeno no piloro, nesta porção há o esfíncter pilórico que se opõem a deixar o quimo ir adiante, entretanto, as contrações aumentam ao longo do corpo-antro, aumentando-se assim a pressão contra o piloro e o quimo é então, empurrado ao duodeno. O esvaziamento gástrico se dá pela fluidez do quimo, pela quantidade do mesmo já presente no intestino delgado e pela presença de ácidos irritantes no intestino delgado, uma região alcalina. Quando o intestino delgado está cheio, ocorre um reflexo enterogástrico do duodeno ao estômago, afim de inibir o peristaltismo,e aumentar a intensidade de contração do esfíncter pilórico. Em contrapartida, a neutralização do ácido proveniente do estômago, ocorre através de um reflexo enterogástrico inibindo as ondas peristálticas no estômago, fechando o esfíncter pilórico, interrompendo o esvaziamento gástrico e protegendo o duodeno da ação de ácidos em seu meio. Quando gorduras atingem o intestino delgado, diversos hormônios da mucosa, inclusive a colecistocinina, secretina e outros, passam para o sangue e atingem o estômago, resultando na inibição do peristaltismo e diminuição de seu esvaziamento gástrico. O músculo liso gástrico relaxa o estômago, afim de acomodar o volume de alimento ingerido, se contrai para misturarem o alimento com o suco gástrico, reduzir o tamanho das partículas, e conduzir o alimento ao duodeno com velocidade controlada (GUYNTON, 1998; CISTERNAS, 1999). 6.7. Fisiologia do intestino delgado O intestino delgado é o mais extenso do sistema digestivo, tendo a sua porção proximal pelo piloro e a sua porção distal pelo esfíncter íleo-cecal que o separa do ceco. Este esfíncter continua fechado e seu relaxamento se dá somente quando há esvaziamento do conteúdo do intestino delgado para o intestino grosso. A mucosa do intestino delgado contém nódulos linfáticos que se encontram solitários, e no íleo em especial, há nódulos linfáticos agregados ( placas de Peyer). Há glândulas intestinais tubulares simples (criptas de Lieberkün) em toda a extensão do intestino delgado. No duodeno há a presença das células de Brunner (secretora de muco-mucinas), acinotubulares e espiraladas. Há também na mucosa intestinal células enterocromafins e válvulas coniventes. O intestino delgado é recoberto por vilosidades, e as superfícies livres das células do epitélio das vilosidades, dividem-se em microvilosidades. As contrações do intestino delgado se dão por ondas lentas, de despolarização da musculatura lisa e esta freqüência tende a diminuir do jejuno ao íleo. Ondas peristálticas muito intensas não são observadas em pessoas normais, mas ocorrem quando há obstrução intestinal. Após cirurgias 33 abdominais ou traumas, o íleo torna-se adinâmico, pois há redução na motilidade do músculo liso, assim, o conteúdo gástrico têm dificuldade em prosseguir ao intestino grosso, então o intestino delgado fica cheio de gás e líquidos, além de estar distendido. Após algumas horas o peristaltismo volta, entretanto, a atividade no cólon demora alguns dias para se estabelecer. O íleo adinâmico pode ser amenizado, com a utilização de sonda nasal, afim de drenar o conteúdo do intestino delgado. Assim, após alguns dias o peristaltimo retorna a funcionar (CISTERNAS, 1999). 6.8. Fisiologia do intestino grosso A absorção é finalizada no intestino delgado, e certo volume (conteúdo intestinal) que não foi absorvido segue ao intestino grosso, esvaziando o íleo. No ceco e no cólon ascendente há predomínio de movimentos peristálticos ou propulsivos, onde o conteúdo intestinal é impulsionando e retropulsionando, favorecendo a absorção de água e eletrólitos nesta região. No cólon transverso e descendente há predomínio de movimentos de segmentação, e nos segmentos distais do cólon observa-se um terceiro tipo de atividade motora propulsiva. No cólon sigmóide há contrações de alta amplitude que se propagam no sentido caudal, e estão relacionadas com as refeições e desejo de defecar e que desaparecem no momento do sono. Quando há contração generalizada dos segmentos distais do cólon há impulsionamento da massa fecal até ao reto. A atividade de contração do músculo liso colônico se dá pela ação de diferentes estímulos que são capazes de elevar os níveis de cálcio intracelular, como a interação de receptores da membrana plasmática com neuromensageiros liberados pelos neurônios motores mioentéricos, substâncias endócrinas ou de ação parácrina e ativação de canais de cálcio operados por estiramento (JOHNSON, 2000; GUYNTON, 1988). 34 7.0. Sistema imune O sistema imune é um sistema de defesa e de manutenção da homeostasia fisiológica, composto de órgãos e células especializadas a fim de proporcionarem mecanismos necessários para a defesa do organismo frente aos mais variados (antígenos) que podem ser de origem microbiana patogênica ou não, ou celular alterada. Essa resposta visa a eliminação deste antígeno a fim de restabelecer a homeostasia ou equilíbrio imune. O sistema imune é essencial a sobrevivência humana, e sua ausência impede que o ser humano permaneça em vida. Sem um sistema imune atuante, pequenas infecções podem ser fatais. Todos os seres humanos são expostos a infecções, principalmente nos primeiros anos de vida, e esse primeiro contato é lento, afim de formar uma resposta primária ao organismo infectado. O contato com antígenos ou substâncias estranhas estimulam o sistema imune a identificar essas substâncias como “não próprias” e produzirem proteínas específicas que são capazes de reconhecer tais substâncias em contatos posteriores. Os anticorpos são proteínas que reconhecem porções específicas (epítopos) dos antígenos patogênicos, levando a uma resposta rápida de destruição deste microrganismo. Os antígenos são substâncias químicas capazes em induzir resposta imune específica. As proteínas atuantes como anticorpos ou imunoglobulinas participam da resposta específica imune. Há vários tipos de células participantes da resposta imune; tais como os leucócitos ou glóbulos brancos que se dividem em linfócitos, monócito e granulócitos. Os linfócitos são divididos em grupos principais como B , T e NK. Os linfócitos B responsáveis pela produção dos anticorpos ou imunoglobulinas originam-se na medula-óssea, e os linfócitos T responsáveis pela regulação e bom funcionamento do sistema imunológico originam-se na medula óssea e maturam no timo. Enquanto o linfócito tipo NK é responsável pela resposta imune inespecífica, os linfócitos B e T são responsáveis em produzirem resposta imune específica, após serem estimulados por algum epítopo de antígeno específico. Os linfócitos T subdivide-se em três subtipos de células, células T auxiliares, supressoras e citotóxicas. As células T auxiliares atuam na regulação do sistema auxiliando as células B e T a apresentarem uma resposta mais efetiva. As células T supressoras inibem a resposta alguma dada função imune e as células T citotóxicas atuam na destruição e eliminação de células danificadas ou alteradas. As células NK (Natural Killer) podem matar células infectadas, mesmo se esta estiver na ausência de anticorpos. Os linfócitos são células pertencentes ao tecidos linfóides e constituintes de alguns órgãos. Os órgãos linfóides são distinguidos por dois grupos, órgão linfóide primário e secundário. Os órgãos primários são aqueles onde ocorrem a diferenciação dos linfócitos e os órgãos secundários são aqueles onde o 35 antígeno é encontrado e onde há resposta imune específica (ROITT; BROSTOFF; MALE, 2003). Os monócitos sofrem amadurecimento e se tornam macrófagos que são células altamente fagocitárias (fagócitos mononuclear). Os granulócitos se dividem a partir de suas características de coloração em neutrófilos, basófilos e eosinófilos. Os neutrófilos participam das reações mediadas pelos complexos antígeno-anticorpo-complemento e possuem mecanismo de fagocitose semelhante ao dos macrófagos. Os eosinófilos estão presentes no sangue em menor quantidade e aumentam de número em processos alérgicos e parasitários. Os basófilos e mastócitos teciduais também fazem parte da resposta alérgica. É complexo o funcionamento do sistema imunológico, e dentre o suas interações pode-se citar as principais que são as células apresentadoras de antígenos, os linfócitos T CD4 (T auxiliar), os linfócitos T CD8 (citotóxico) e os linfócitos B. Resumindo, o processo imune inicia-se com a presença de um antígeno; a célula apresentadora de antígeno processa o antígeno e o apresenta ao linfócito T CD4, que o identifica através dos receptores de membrana. Essa célula é ativada, e desencadeia o processo de expansão clonal e ativação dos linfócitos B e linfócitos T CD8. A partir deste ponto, os linfócitos B iniciam o processo de multiplicação e diferenciação que resultam em anticorpos específicos contra a infecção. Os linfócitos T CD8 atuam como citotóxicos, afim de eliminarem as células danificadas (PEAKMAN; VERGANI, 1999). 7.1. Imunidade inata e imunidade adaptativa Para que a resposta imune ocorra, primeiramente tem-se a presença de um patógeno, que precisa ser reconhecido pelo sistema imune, afim deste produzir a resposta necessária para aniquilar o antígeno presente e impedir infecção no organismo. Sendo assim, há dois tipos de respostas imunes, as respostas imunes inata ou natural e as respostas imunes adaptativas. A diferença entre ambas se diz ao fato de que a resposta imune adaptativa é altamente específica a determinado antígeno, ao passo que a resposta imune inata não. A resposta imune inata é a primeira a agir e prepara o caminho para que a resposta imune adaptativa possa acontecer. A resposta imune adaptativa é mais eficiente, pois memoriza o patógeno, tornando-se cada vez mais eficaz e específica a posteriores contatos. O epítopo é a porção do antígeno, no qual o anticorpo se liga. Para imunização de um antígeno tem-se os linfócitos T e B, sendo que cada célula B é capaz de criar um receptor de superfície específico para cada antígeno e os linfócitos T são capazes de criar vários tipos de imunoglobulinas, afim de responderem ao estímulo antigênico. Mas antes que o sistema imune seja ativado, o antígeno depara-se com alguns 36 obstáculos a saber. Esses obstáculos podem ser divididos em inespecíficos e específicos e podem atuar de forma conjunta a proteger o organismo. Dentre os inespecíficos há as barreiras físicas (por exemplo, pele, tecidos, superfícies mucosas), que protegem o corpo de seu ambiente externo e as barreiras químicas (por exemplo, enzimas digestivas, lisozima, secreções da pele, suor), células fagocitárias e proteínas do sistema complemento. Já o sistema específico não é tão eficaz como o inespecífico, requerendo certo tempo para desenvolver-se contra o antígeno. A obtenção da imunidade específica por um organismo pode ser adquirida por forma natural ou artificial. Artificialmente tem-se vacinas específicas, e naturalmente tem-se a estimulação antigênica frente a resposta imune, mediada por células e anticorpos (PARHAM, 2001; CARVALHO; ALMEIDA, 2001). Há dois tipos de imunidades, a imunidade inata ou natural e a imunidade adaptativa. A imunidade inata é a primeira a agir quando há estimulação antigênica, se encontra interligada a resposta específica e mediadores. Os glóbulos brancos, especificamente os macrófagos reconhecem os antígenos e liberam citocinas, principalmente as interleucina 1 e o fator de necrose tumoral. Essas citocinas liberadas agem no endotélio vascular, causando dilatação, exsudação e ativação da expressão das moléculas de adesão sobre as células, estimulam a síntese e secreção do óxido nítrico que aumenta a permeabilidade vascular. Os leucócitos aderidos ao endotélio migram ao local onde se encontram os patógenos e fagocitam e destroem suas células. As células T virgens expressam CD4 ou CD8 ao antígeno apresentado, induzindo sua proliferação. As células T CD8 tornam-se células citotóxicas e destroem as células infectadas e as células T CD4 produzem citocinas desenvolvendo-se em T helper 1 e T helper 2. As células T helper 1 ou auxiliares do tipo 1 se proliferam e se transformam em células liberadoras de citocinas de ativação de leucócitos (macrófagos, NK), CD8 e células T helper 2, e assim, induzem a síntese de imunoglobulinas. Em seguida, os anticorpos ativam a cascata do complemento e os macrófagos fagocitam os antígenos. As células de memórias do sistema imune adaptativo são ativadas rapidamente e agem sobre o antígeno que induziu a sua formação inibindo assim a infecção (RANG, et al., 1997). 37 7.2. Tolerância imunológica A tolerância imunológica é de um estado de não-reatividade específica a determinado antígeno. Esse mecanismo é necessário para impedir a reatividade contra as células próprias do organismo. Sendo que, o sistema imune gera uma variedade de receptores antígeno-específico, e alguns podem se tornar reativos. A tolerância pode ser ativada por antígenos não-próprios, entretanto, a auto-tolerância é responsável em impedir um ataque contra as células próprias do organismo. A auto-agressão ocorre quando o sistema imune gera receptores antígenosespecíficos, que se tornam auto-reativos. Essas células portadoras destes receptores devem ser eliminadas. No início as células T são capazes de reconhecer qualquer antígeno, e a tolerância é induzida quando o receptor é expresso e de fato há reconhecimento do antígeno próprio. Os mecanismos de indução e manutenção do sistema imune são de extrema importância, pois a partir deste ponto pode-se distinguir entre o próprio do não-próprio. Os linfócitos imaturos são mais susceptíveis a indução da tolerância do que as células maduras ou funcionamente competentes. Ao longo da maturação normal os linfócitos passam de um estágio pelo qual o reconhecimento antigênico induz a morte ou inativação. Isso é importante para a manutenção da auto-tolerância. A tolerância central é o processo pelo qual as células T e B imaturas ganham tolerância a antígenos próprios. A tolerância periférica é o processo pelo qual os linfócitos maturos adquirem a antígenos próprios nos tecidos periféricos a partir da sua eliminação por falta de sinais de co-estimulação, ativação e morte programada. A tolerância periférica é importante pelo fato de que os linfócitos auto-reativos não podem totalmente ser eliminados pelo mecanismo central, ausência da maior parte de antígenos próprios nos órgãos linfóides (ROITT; BROSTOFF; MALE, 2003). 7.2.1. Tolerância dos linfócitos periféricos T e B É o mecanismo de tolerância das células T aos antígenos tecido-específicos que não estão presentes no timo. Os mecanismos que fazem parte da tolerância dos linfócitos T são a anergia clonal, morte celular induzida pela ativação resultante da estimulação de antígenos próprios, supressão dos linfócitos T auto-reativos pelas células T regulatórias e ignorância clonal. Na anergia clonal devida à falta de co-estimulação, as células apresentadoras de antígenos apresentam antígenos próprios às células específicas e as células T podem se tornar anérgicas. No mecanismo de morte celular induzida pela ativação resultante de estimulação de antígenos próprios, os antígenos presentes podem estar em alta concentração estimulando assim, as células 38 T específicas e eliminando-as por apoptose mediada pelo Fas. Os defeitos herdados aqui resultam em imunidade sistêmica, pois a produção de fator de necrose tumoral induz a morte celular. No mecanismo da supressão dos linfócitos T auto-reativos pelas células T regulatórias Alguns linfócitos T reativos e antígenos próprios podem não ser deletados, mas podem ser inibidos por citocinas imunossupressoras , como a Interleucina-10 ou fator de crescimento – β. No mecanismo de tolerância de ignorância clonal há falta de resposta e poderá evitar reações auto-imunes da parte de muitos antígenos próprios (ABBAS; LICHTMAN; POBER, 2000). A tolerância periférica nos linfócitos B que reagem a antígenos de linfócitos B helper entram em anergia como na medula-óssea. Alguns tornam-se incapazes de ativar a tirosina quinase e outras sofrem o decréscimo de Ig de membrana. Alguns linfócitos B auto-reativos podem ser funcionalmente competentes, mas não haverá produção de anticorpos devido a deleção dos linfócitos T helper. Quando ocorrem falhas nos mecanismos de tolerância aos antígenos próprios, então surge a doença auto-imune. Mesmo possuindo os mecanismos centrais e periféricos de deleção linfocitária auto-reativa, tem-se sempre linfócitos maturos recirculantes reativos ao corpo, implicando na regulação que impede a resposta humoral ou celular (ABBAS; LICHTMAN; POBER, 2000). 7.3. Doença auto-imune O surgimento das doenças auto-imunes independem das condições econômicas, sendo comum tanto em países industrializados quantos em países ainda em desenvolvimento. No Brasil aproximadamente 10 % da população é portadora de algum tipo de doença auto-imune, sendo que, dependendo da anomalia pode levar à incapacidade física. Sua origem deriva da ação de vários fatores, não há um fator isolado que determine a causa da doença auto-imune. A doença auto-imune se dá por alterações multicasuais que sultam em falha imunológica fazendo com que o organismo responda de forma exacerbada e cause auto-agressão tecidual, sendo essas lesões locais ou sistêmicas. Os anticorpos atuam aderindo-se as membranas dos antígenos ativando proteínas plasmáticas do sistema complemento, no qual estimulam em reações em cadeia, que resultam em destruição celular e necrose do tecido, entretanto, pergunta-se o por que do não reconhecimento de componentes orgânicos próprios como próprios (PARSLOW, et al.; 2004). As doenças auto-imune são resultantes da falência dos mecanismos normais de tolerância aos auto-antígenos e estão associadas a moléculas do complexo principal de histocompatibilidade humano (HLA). Na doença de Crohn há associações genéticas quanto a presença de marcadores como HLA e TNF-α; entretanto, parece ser uma doença antigênica e não 39 possue nenhum padrão confirmatório de sua causa ser genética. Há estudos que indicam a hipótese da causa ser por infecção causada por microrganismos, como por exemplo Mycobacterium atípico da espécie paratuberculosis. Contudo, sabe-se que há uma desregulação imunológica que resulta em inflamação de caráter crônico. Sabendo-se que é necessário e que há uma microbiota normal intestinal, sugere-se que tal desregulação seja devido ao desenvolvimento de resposta imune a esses microrganismos, ao fato que, essa resposta seja anormal e exagerada. Também, sugere-se que a inflamação seja proveniente de uma via comum final de disfunção imunológica, mediada por células T helper 1 seguidos da produção de interleucinas 12 e IFN-γ, ou em controvérsia, uma contra-regulação de T helper 1 por citocinas supressoras como TGF-β ou interleucina 10. Tudo isso leva a crê, que embora tenha-se várias hipóteses e sugestões quanto ao exagero da resposta imune na doença de Crohn, verifica-se que todos levam a um mesmo ponto de via comum, onde há resposta exarcebada e resposta inflamatória devido a mediação anormal de Th 1. De forma geral, mais de um defeito é certo em cada tipo de doença auto-imune, e esses defeitos variam entre si. Todavia, a patogenia imune envolve fatores imunológicos, genéticos e microbianos, havendo vários mecanismos de falha da tolerância tanto periférica quanto central para a doença auto-imune. Tais falhas podem que podem ser na tolerância periférica, ocorrem na anergia de células T, morte celular induzida por ativação, mimetismo molecular, supressão mediada por células T, ativação de linfócitos, liberação de antígenos, extensão de epitopos, agrupamento de várias doenças auto-imune familiar, ligação de várias doenças auto-imunes ao HLA, principalmente aos de classe II. Dentre os fatores microbianos na auto-imunidade pode-se citar os vírus e outros micróbios que podem compartilhar entre si epítopos de reação cruzada, e facilitação causada por infecções microbianas na apresentação de antígenos e extensão de epítopos. Na quebra de anergia das células T , as condições ativadoras das células apresentadoras de antígenos podem suspender a anergia das células T, facilitando a expressão de co-estimuladores e produção de citocinas, isso pode estimular a produção de células T e a diferenciação destas células em efetores pró-inflamatórios nocivos que resultam em doença auto-imune contra o tecido. As células apresentadoras de antígenos podem ser ativadas por infecções, necrose tecidual e inflamação local. Alguns antígenos próprios administrados com adjuvantes fortes em experimentações demonstraram que estes podem ativar os macrófagos que passam a expressar B7-1 e B7-2, resultando em quebra de anergia e desenvolvimento de células T efetoras reativas aos antígenos próprios. A supressão do gene codificador do CTLA-4 resulta em doença auto-imune fatal, e a explicação a este fato, se diz que as células T utilizam o receptor CD28 para reconhecerem as moléculas das células apresentadoras de antígenos, e o reconhecimento de B7-1 ou de B7-2 pelo receptor alternativo 40 CTLA-4, inibe as respostas das células T e induz a anergia. Há resistência à anergia nos casos de ausência de CTLA-4, o que resulta em auto-imunidade. Na falha da morte celular induzida por ativação foi-se verificado em estudos laboratoriais com camundongos defeito na molécula indutora da morte celular, Fas ou no ligante Fas. Isso leva a incapacidade de deletar as células T CD4+ maduras por morte celular induzida por ativação. A sobrevivência e persistência das células T auxiliares específicas de antígenos próprios induzem tolerância e deletam as células T específicas. As anormalidades das células B contribuem para a auto-imunidade no camundongo com o Fas defeituoso ou do ligante Fas L. Algumas células B em via de deleção defeituosa em camundongos homozigotos com anormalidades de linfócitos B e linfócitos T contribuem à produção de auto-anticorpos. Alguns camundongos que foram inoculados com interleucina-2 (de cadeia α e β) desenvolveram esplenomegalia, linfadenopatia grave, anemias hemolíticas autoimune, auto-anticorpos anti-DNA, e em alguns desenvolveu-se doença inflamatória intestinal. Na falha da supressão mediada por células T há declínio das células T regulatórias que resultam em auto-imunidade, geralmente induzidas por antígenos próprios. Na ativação de linfócitos as células B reativas a antígenos próprios não respondem mais a estes antígenos próprios, e podem ser estimulas por ativadores policlonais (lipopolissacarídeo bacteriano) ou células T alorreativas. Ambas formas de ativação levam a produção de auto-anticorpos. Nas reações cruzadas entre antígenos próprios e estranhos, as células B específicas para antígenos próprios podem não ser estimuladas se as células T específicas para antígenos próprios estiverem ausentes, portanto, estas células B podem produzir auto-anticorpos quando estimuladas com um antígeno de reação parcialmente cruzada contendo epítopos estranhos, que são reconhecidos pelas células T auxiliares específicas e resultam em auto-imunidade. Estudos genéticos realizados em famílias de modelos animais demonstraram múltiplas suscetibilidade de genes contribuintes a doença auto-imune. Nesses estudos, embora tenha-se visto um tipo de herança não-mendeliana levou a conclusão que os genes podem ser suscetíveis e levarem ao desenvolvimento da doença autoimune, porém isso não determina se o indivíduo terá ou não propensão a contrair a doença autoimune. Contudo, observou-se fortes associações com os genes do complexo principal de histocompatibilidade de classe II e associações do HLA versus doença auto-imune. No mimetismo molecular há perda da tolerância devido a produção de clones celulares produzidos pela ativação dos linfócitos, afim de interagirem com os tecidos do hospedeiro e responderem contra o antígeno microbiano (ABBAS; LICHTMAN; POBER, 2000; BRODSKY; DPHIL, 2004; WUNDER, 2001). As doenças auto-imunes órgão-específicas caracterizam-se pela presença de autoanticorpos contra componentes específicos dos tecidos alvo. Dentre estas temos o hipotireodismo 41 auto-imune, doença de Graves, diabetes melittus do tipo 1 doença de Addison, doença de Hashimoto. Nas doenças não-órgãos específicas ou sistêmicas, os auto-anticorpos não possuem alvo específico, mas estão distribuídos por todo o corpo. Dentre estas temos artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerose sistêmica, doença mista do tecido conjuntivo e síndrome de Sjögren (WUNDER, 2001). 42 8.0. Doença de Crohn 8.1. Histórico A doença de Crohn foi descrita pela primeira vez quando Crohn, Ginzburg e Oppenheimer publicaram um estudo clínico no qual descrevia sintomas de dores abdominais, diarréia, febre, emagrecimento e anemia, presença de obstruções e fístulas. Nos anos subseqüentes passou-se a denominar-se ileíte regional, pois a partir deste ponto, a doença já não era descrita somente com manifestações íleais, e sim, com processo inflamatório em outras regiões do intestino. As doenças inflamatórias são doenças de urbanização, com maior incidência na Europa e América do Norte. Em 1967, o pesquisador Doutor Burril B. Crohn, revisou diversos trabalhos publicados nesta época e conciliou sua experiência com as doenças inflamatórias granulomatosas do intestino delgado e grosso. A partir desta época, esta patologia passa a ser conhecida como doença de Crohn (MAGALHÃES, 1993). A doença de Crohn é classificada como uma doença intestinal inflamatória. É uma doença de caráter crônico, idiopática com algumas suposições acerca de sua origem. Patologicamente, a doença de Crohn caracteriza-se por apresentar envolvimento transmural e descontínuos dos intestinos, com a presença de granulomas não-caseosos, mas com possível presença de fístulas e fissuras (COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000). Essa patologia é capaz de afetar qualquer parte do trato gastrintestinal, porém nota-se maior ocorrência no intestino delgado, na porção íleal e porção de transição ileocecal (Figura 6). As lesões causadas por esta doença podem resultar em úlceras, estenoses e fístulas ao redor da porção afetada (MAGALHÃES, 1993; HANAUER, 1997). 43 Região íleocecal Boca Esôfago Estômago Intestino grosso (Cólon) Intestino delgado Reto Ânus Figura 6: Porção de Transição ileocecal Fonte: JUHN; ELTZ; STACY, 2006. 44 8.2. Epidemiologia A doença de Crohn ocorre no mundo inteiro, mas há variação acerca da incidência e prevalência da doença entre o plano geográfico. Sabe-se que é maior a freqüência nos países desenvolvidos do ocidente, sendo muito freqüente em populações da Europa e América do Norte, sendo que atualmente há aumento considerável em todo o mundo. Há estudos que mostram a incidência da doença de Crohn na Suécia, Grã-Bretanha, América do Norte, África, Oriente Médio e Ásia. Pode ocorrer em qualquer idade, tendo maior freqüência na segunda e terceira década de vida. Embora alguns autores citem o sexo a ser mais comum pelo acometimento desta patologia, verifica-se que isto não seja tão nítido. É uma doença comum em cidades urbanas e quase que inexistente em zonas rurais. Esta doença pode ser encontrada em qualquer classe étnica, porém é maior sua prevalência sobre os judeus. Há uma hipótese de que a genética poderá trazer ao mundo algum parente com a doença, principalmente entre os filhos (MAGALHÃES, 1993). 8.3. Etiologia A etiologia ainda se encontra de forma obscura, mas há estudos que sugerem hipóteses, acerca dos possíveis fatores que levam a esta patogenia. Dos estudos realizados até o momento, obteve-se dados até agora não conclusivos. As condições sugestivas da doença de Crohn sugerem fatores ligados ao hospedeiro e fatores ambientais. Dentre algumas teorias pode-se citar alguns fatores. Os fatores infecciosos são agentes como vírus e alguns RNA vírus citopáticos, bactérias semelhantes a Pseudomonas, anaeróbios entéricos, Mycobacterium kansaii e Yersinia enterocolitica; todavia nenhum dado é definitivo para comprovação destas sugestões. Os fatores ditos imunológicos apontam para os principais na patogênese da doença, assim, evidencia-se alterações da imunidade humoral e celular, que resulta em resposta alterada e amplificada, grande número de imunoglobulinas, anormalidades na quantidade de linfócitos T e B circulantes e macrófagos respondendo de forma exacerbada. Em relação aos complexos antígeno-anticorpos circulantes sugere-se a partir de estudos que possam estar relacionados com a doença extraintestinal. Os fatores ditos psicogênicos podem influenciar a a partir do sistema nervoso, de forma profunda as funções motoras, secretoras, vasculares e metabólicas do sistema digestivo, levando a exacerbação intestinal. Os fatores emocionais mostram influência na história natural 45 da doença, visto que geralmente os pacientes que foram observados em ambulatórios são ansiosos, neuróticos, introvertidos e estressados (COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000; HANAUER, 1997; MAGALHÃES, 1993). 8.3.1. Associação dos genes HLA e a doença de Crohn Há estudos que revelam a associação da doença de Crohn com o complexo principal de histocompatibilidade. Trata-se de uma associação entre o HLA (Human Leukocyte Antigen) versus a doença. Estes genes estão localizados no braço curto do cromossomo 6, e são divididos em três regiões, classes I, classe II e classe III. A região da classe I corresponde ao HLA-A, HLA-B, HLA-C que codificam as moléculas clássicas da maioria das células nucleadas. A região da classe II é constituída pelos HLA-DR, HLA-DP, HLA-DQ codificadoras das moléculas de histocompatibilidade expressas nas superfícies dos macrófagos, linfócitos B, monócitos, células dendríticas, epiteliais e endoteliais. A região da classe III compõem os codificadores das proteínas C2, C4, fator B de complemento, fatores de necrose tumoral. Há algumas hipóteses que servem como explicação sugestivas destas associações, que as moléculas do HLA podem funcionar como receptores para alguns agentes infecciosos, e podem participar da patogenia das doenças ao selecionarem qual peptídeo antigênico será apresentado ao linfócito T. Podem causar doenças através do mimetismo molecular entre antígenos HLA e determinados microrganismos. A expressão aberrante de moléculas HLA da classe II pode desencadear mecanismos autoimunes, apresentando aos linfócitos T antígenos derivados da degradação do próprio tecido, acarretando em doenças auto-imunes e indução vigorosa da resposta das células T pela variação da afinidade das moléculas do HLA com peptídeos que levam a lesão tecidual ou repressão da resposta imune levando a persistência crônica do antígeno. O sistema HLA, como componente fundamental do mecanismo imune está envolvido no desencadeamento, manutenção, predisposição ou proteção a certas doenças do trato digestivo. A associação do HLA com as doenças gastrintestinais varia conforme a patologia, podendo ser bem estabelecida para umas (por exemplo, doença celíaca), e pouco conclusivas para outras (por exemplo, doença de Crohn e pancreatite auto-imune). Quando a associação é forte, então, o HLA se torna importantíssimo para o diagnóstico, determinação do curso clínico e resposta terapêutica. É importante, salientar que nem todos os portadores de alelos associados à susceptilidade a determinadas doenças irão desenvolve-las; e nem todos os indivíduos acometidos por uma doença serão portadores dos genes HLA associados a doença. A variabilidade genética pode variar conforme as etnias, populações envolvidas, mas há alelos prevalentes independentes da etnia. Sabendo que os grupos 46 étnicos podem apresentar variabilidades, deve-se analisar cada grupo individualmente. Na doença de Crohn as análises realizadas em associação ao HLA de classe I não foram conclusivas. Já ao HLA de classe II estão envolvidos na determinação da susceptibilidade genética para as doenças inflamatórias intestinais. Alguns estudos mostram o papel das moléculas HLA de classe II como determinantes da localização da patologia e da idade de surgimento. Os alelos HLADRB1*0701 e HLA-DRB1*04 mostraram estar associados com o acometimento ileal e o alelo HLA-DRB1*0103 foi associado ao desenvolvimento tardio da doença e manifestação colônica. Houve associação positiva para a doença de Crohn com HLA-DR7, HLA-DRB3*0301 e HLADQ4 e associações negativas com HLA-DR2 e HLA-DR3 (ANTUNES, 1999; PARSLOW, et al., 2004; STOKKERS, et al., 1999). 47 9.0. Manifestações clínicas As manifestações clínicas da doença de Crohn são dependentes da localização e extensão do acometimento da lesão do tecido agredido. Quando o acometimento é no íleo, então temos a enterite regional clássica da doença de Crohn. O diagnóstico pode ser demorado, e as crises freqüentes vão agravando o tecido agredido, e muitas das vezes resulta em complicações que levam o indivíduo a passar por intervenções cirúrgicas. Por outro lado, em alguns pacientes as crises podem se apresentar em intensidade menor e algumas das queixas podem ser evidenciadas como diarréia, vômitos, febre, emagrecimento, perda de peso, dores abdominais e palpação. O paciente pode possuir a doença e permanecer assintomático por meses e anos. A dor abdominal e a palpação são devido a inflamação transmural que pode resultar em fibrose e estreitamento da luz intestinal (COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000; BEVILACQUA, et al.; 1998). O vômito ou êmese é a expulsão forçada do conteúdo digestivo pela boca, de forma reversa ao movimento normal. O sistema autonômico atua de forma a preceder a manifestação emética, resultando em ânsia, náuseas, salivação, sudorese, alterações arrítmicas e respiratórias. Há forte contração de forma reversa nos músculos abdominais, isso diminui a pressão intratorácica, e ocorre contração contínua do antro e a ação do peristaltismo reverso forçam o conteúdo gástrico pelo esfíncter esofágico inferior ao esôfago flácido. O vômito é controlado pelo centro do vômito no bulbo, onde estímulos elétricos causa vômitos instantâneos sem ânsia, em outra área bulbar pode resultar em ânsia sem vômito. Este centro é ativados por impulsos aferentes provenientes de diversas partes do corpo. Em tese, o vômito é uma forma do corpo expulsar substâncias que podem ser nocivas e/ou tóxicas ao organismo, contudo, o vômito prolongado pode acarretar deficiências, quanto ao balanço de líquidos, eletrólitos, hipocalemia e alcalose metabólica (JOHNSON, 2000). Em alguns casos ocorre o acometimento do cólon, onde podem ser evidenciados perda de sangue fecal oculto ou pouco visível, isso pode resultar em anemia ao longo do tempo e esse quadro pode levar ao diagnóstico precoce da doença. A perda de peso é comum, devido a má absorção relacionada ao intestino delgado e da diminuição da ingestão de alimento com a finalidade de evitar os sintomas e também as crises de vômito. Podem surgir crises sistêmicas como sudorese noturna, febre, mal-estar e dores articulares. Em alguns casos o diagnóstico inicial pode ser confundido com doenças que apresentam sintomas semelhantes a doença de Crohn, dentre estas pode-se citar, apendicite aguda, síndrome do intestino irritável, colite ulcerativa e retocolite ulcerativa dentre outras (HANAUER, 1997). 48 As manifestações extra-intestinais podem surgir e são associados a sintomas da doença, incluindo artrite, eritema nodoso, piodermatite gangrenosa, úlceras aftosas da boca, uveíte, anemias, cálculos urinários, colangite esclerosante, sacroileíte, baqueteamento das pontas dos dedos, pericolangite hepática leve inespecífica. O surgimento de sinais e sintomas extraintestinais podem preceder o surgimento dos sintomas intestinais. São típicos o aparecimento laboratoriais que mostram a deficiência de vitamina B12, folato, albumina e ferro, além de apresentarem leucocitose, trombocitose, elevada taxa de hemossedimentação e presença de sangue oculto nas fezes (PARSLOW, et al., 2004). O surgimento de fístulas (Figura 7) são comuns na maioria dos pacientes e promovem ligação entre a parte acometida com vísceras pélvicas ou órgãos adjacentes, podendo também serem formados para o exterior atravessando a parede abdominal, região perianal e enterovaginal (Figura 8) (HART, 2007; PRESNER, 2007). Os pacientes portadores da doença de Crohn progressiva e prolongada fazem parte do grupo de risco a desenvolverem câncer do trato gastrintestinal, porém em menor proporção quando comparado com colite ulcerativa (COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000). 49 Figura 7: Fístula intestinal Fonte: PRESNER, 2007. 50 Fístula entre reto e vagina (enterovaginal) Figura 8: Fístula enterovaginal Fonte: HART, 2007. 51 10.0. Complicações O sangramento do trato gastrintestinal principalmente reto, pode ocorrer em alguns casos, como sendo uma manifestação comum. A hemorragia pode ser abundante, como resultado de uma inflamação profunda e ulceração de alguns vasos sanguíneos. Sangramentos de forma recidivante indicam a necessidade de intervenção cirúrgica. A doença de Crohn possui inflamação transmural, com segmentos intestinais fibrosados e com a presença de estreitamento nas paredes. A fibrose é irreversível; e também é comum haver abscessos e fístulas durante o curso da doença. As úlceras podem ocorrer, principalmente na parte final do intestino delgado. O desenvolvimento de fístulas enteroentéricas podem contribuir para problemas nutricionais e podem causar infecções bacterianas , por conta desta complicação. Os abscessos ocorrem quando há extravasamento do conteúdo intestinal para a região peritoneal, esta complicação pode ocorrer em qualquer parte da área afetada, sendo o principal ponto de origem o íleo terminal. Quando ocorre abscesso em pacientes com doença de Crohn, pode se observar febre e fortes dores abdominais. O abscesso pode ser comprovado e resolvido a partir da análise em tomografia computadorizada (HANAUER, 1997). A obstrução intestinal causa cólicas, ao contrário do íleo adinâmico que apesar de incômodo é indolor. O ponto acima da obstrução mecânica ocorrida no intestino dilata-se, enchendo-se de líquido e gás, isso causa aumento de pressão nesse trecho e compressão de vasos sanguíneos locais, resultando em isquemia local. Os sintomas subseqüentes serão sudorese, abaixamento de pressão arterial, e vômitos intensos que poderão levar a alcalose metabólica, desidratação, anemia e etc. A obstrução necessita de intervenção cirúrgica, e se não removida, poderá ser fatal (GANONG, 1999). 52 11.0. Morfologia Macroscopicamente, 40% do envolvimento morfológico da doença de Crohn se dá no intestino delgado, sendo 30% intestino delgado e cólon e 30% no cólon. A serosa é granular e cinza-escuro, o mesentério espessado, edematoso, fibrótico e a camada muscular hipertrófica. É encontrado segmentos doentes com segmentos adjacentes não envolvidos. Fissuras estreitas se formam entre as pregas da mucosa, uma amplificação das físsuras resultam em fístulas ou formação de cavidades (COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000). Microscopicamente, pode-se ver a lesão precoce com infiltrado neutrofílico focal em direção a camada epitelial, onde frequentemente pode haver transição entre a mucosa ulcerada e a mucosa normal. Esse infiltrado neutrofílico focal resulta em inflamação da mucosa intestinal (Figura 9). As camadas afetadas possuem inflamação transmural, com agregados linfóides espalhados pela parede intestinal. Alguns dos pacientes com doença de Crohn, apresentam granulomas do tipo sarcóide que podem se apresentar em todas as camadas em onde a doença se encontra em atividade ou não. Tais granulomas não-caseosos podem ser encontrados em qualquer ponto do trato gastrintestinal acometido pela doença. Pode-se apresentar nesta patologia a formação de estenoses, resultado da fibrose na muscular, submucosa e na camada mucosa (MAGALHÃES, 1993). 53 vilosidades Lâmina própria granulomas Figura 9: Microscopia em tecidos intestinais da doença de Crohn. Estes tecidos são constituídos por linfócitos, macrófagos e células epitelióides e células gigantes inflamatórias. Não apresentam necrose caseosa. Fonte: MORAES, 2005. 54 12.0. Diagnóstico O diagnóstico da doença de Crohn é variável e pode ser difícil; um único exame pode não ser suficiente para o diagnóstico devido as diferentes formas em que ela se apresenta de paciente a paciente. Em tese, o diagnóstico inclui um conjunto de ações e parâmetros por parte do médico; sendo estes, a anamnese, exame físico e exames complementares. Dentre os exames complementares é requisitado exames endoscópicos, radiológicos, laboratoriais, histológicos e ultra-sonográficos. A anamnese e o exame físico envolve a análise minuciosa de detalhes que sugerem a possibilidade do diagnóstico vir a ser uma doença inflamatória intestinal. Após esta análise clínica, segue-se à execução de exames complementares, nos quais, poderão dar o possível ou real diagnóstico. O tipo de exame requisitado pelo especialista médico é decidido de acordo com a hipótese em que o mesmo utiliza em identificar o local, ou os locais de acometimento da doença. Para examinar o esôfago e o estômago têm-se a endoscopia digestiva alta, para a região do cólon e o limite entre o cólon e o íleo a colonoscopia. Pode-se optar também por exames não invasivos, como por exemplo, os exames diagnósticos por imagem. Tem-se o exame radiológico de trânsito intestinal com contraste de bário, onde o percurso do trato gastrintestinal é preenchido e ao longo do tempo do exame é retirada várias fotos por imagem. Essas imagens podem mostrar de forma evidente a localização de possíveis lesões, suboclusões, fístulas, fissuras. No exame de trânsito intestinal pode ser visualizado ulcerações assimétricas e lineares, fissuras, presença de fístulas, possibilidade de acometimento do íleo terminal com refluxo do bário ingerido, definindo a extensão radiográfica da inflamação e a gravidade da enfermidade. A dilatação intestinal, geralmente causada pela obstrução intestinal torna o exame baritado agressivo e impede a sua realização até que o paciente possa ser reestabelecido. Em casos de obstruções, é necessário intervenção cirúrgica. Por fim, pode-se optar pela tomografia computadorizada ou ressonância magnética, onde pode-se visualizar de forma clara o interior das paredes intestinais, gânglios e alças, visualizando o espessamento das paredes , mesentério e possível cavidade de algum abscesso (MAGALHÃES, 1993; HANAUER, 1997). Por fim, se por todas estas tecnologias ainda não for possível dar-se o diagnóstico preciso, pode-se recorrer a sofisticada cápsula endoscópica, que ao ser ingerida percorre todo o trato gastrintestinal visualizando áreas da mucosa intestinal. Esse método evidencia possíveis lesões típicas doença de Crohn. Dentre outros métodos diagnósticos de maior sofisticação temos a ecoretoscopia, radiologia digital e enteroscopia de duplo-balão (SGANZERLA, 2006). 55 A endoscopia digestiva alta revela o padrão em que se encontram as paredes intestinais e se há inflamação, sendo indicada à pacientes que possuem sintomas abdominais altos. A presença de inflamação focal com a presença de úlceras aftóides e lineares com mucosa de permeio normal sugerem a doença de Crohn. A colonoscopia pode revelar alterações colônicas e avaliar os achados referentes ao íleo terminal, os achados podem estar correlacionados por exames de biópsias das mucosas em conjunto com a avaliação radiográfica dos locais afetados pela doença (HANAUER, 1997). Em testes sorológicos, pode-se analisar os marcadores sorológicos. Estes não são aprovados por nenhuma agência regulatória, porém são muito utilizados pelos especialistas, em casos indefinitivos em que a dúvida acerca do diagnóstico definitivo persiste. Esses marcadores são conhecidos por siglas como ASCA (anticorpo antinúcleo), IgA, IgG e ANCA (anticorpo antisaccharomyces). Os marcadores ASCA/IgG são os mais específicos, porém poucos sensíveis, sendo que nem todos os pacientes de Crohn apresentam valores positivos para eles; entretanto aqueles que possuem esses marcadores têm maior probabilidade de serem terem a doença de Crohn. Os marcadores Anti-OmpC/IgA são utilizados em conjunto com o ASCA parar definir a doença de Crohn. Os marcadores Anti-CBir1 são usados em conjunto com os anteriores para aumentar a sensibilidade e podem determinar os fatores de gravidade ou as possibilidades de complicações vindouras da doença (SGANZERLA, 2006). 56 13.0. Tratamento A terapia clínica visa reduzir, controlar os níveis de inflamações ocorridas no sistema gastrintestinal, que resultam em sintomas diversos, e esses sintomas devem ser tratados, já que não se sabe a real etiologia causadora da doença de Crohn. A doença de Crohn é controlada através de acompanhamentos cuidadosos pelo especialista, e às vezes envolve a necessidade de intervenção cirúrgica. Os pacientes acometidos da doença devem ter cuidado com a dieta, sendo que, em casos de acometimento ileal deve-se evitar as fibras em excesso para assim evitar-se possível obstrução, e em casos de esteatorréia, a menor ingestão de gordura melhora a diarréia, e tudo isto depende da gravidade da doença. Algumas pessoas não se sentem bem com a ingestão do leite, devido a deficiência de enzima lactase. É tida uma atenção especial quanto a dieta, no que se diz, as deficiências nutricionais. Nesses casos são indicados a nutrição de forma balanceada enteral ou parenteral, dependendo do caso (HANAUER, 1997; MAGALHÃES, 1993). O tratamento para doença de Crohn pode ser feito em etapas. A partir dos sintomas apresentados pode-se mensurar o grau da doença em leve, moderada ou grave, e isso dará condições para o médico escolher a melhor forma de aplicar a terapia adequada com a finalidade de reprimir os sintomas apresentados e induzir o paciente a remissão da doença (Figura 10) Nas fases ativas da doença o apoio, controle da tensão emocional, e a aderência a terapia medicamentosas são de extrema importância para o tratamento e controle eficaz da doença. O tratamento deve ser individualizado dependendo da localização da doença, e grau de complicação com a finalidade de diminuir a intesidade do processo inflamatório e prevenir possíveis recidivas da doença. Na terapia medicamentosa faz-se o uso associado de antiinflamatórios (ácido 5-aminossalicílico), corticosteróides (Prednisona) e imunossupressores (Azatioprina e Ciclosporina), e para diminuição e estabilização do crescimento microbiano no intestino doente fibrótico devido a processos estenosantes ou dilatantes faz-se o uso de antibióticos, sendo os mais usados o metronidazol e a ampicilina (PARSLOW; et al., 2004; MAGALHÃES, 1993). 57 Doença de Crohn – Controle Médico Atividade da doença Leve e Moderada Metronidazol Imunossupressor e / anti TNF Remissão Doença perianal Moderada e Grave Grave Corticóide via oral + antibióticos (Se houver infecção) Internação + corticóide EV Reduzir de acordo com a Metronidazol isoladamente ou com Ciprofloxacina Resposta adequada resposta Sim: Manter Mesalazina ou Imunossupressor Não: Tratar como moderada e Grave Figura 10: Controle médico Fonte: ABCD, 2007. Manter imunossupressor ou Mesalazina Sim: Corticóide VO Reduzir gradualmente Não: Tratamento com anti-TNF ou cirurgia 58 13.1. Drogas anti-inflamatórias, imunossupressoras e antibióticos As drogas mais utilizadas são os corticosteróides e a sulfassalazina. Os corticosteróides são utilizados inicialmente em doses altas variando de 60-80 mg de predinisona, por via oral ou parenteral. De acordo com a melhora da sintomatologia, a dose deve ser diminuída cuidadosamente a níveis menores e enfim, suspensas após alguns meses, e deve-se voltar a administrá-lo somente se houver recidivas da doença. A sulfassalazina também utilizada na doença de Crohn, é composta por uma sulfonamida, a sulfapiridina, e um salicilato, o ácido 5aminossalicílico (5-ASA), sendo utilizada com o objetivo de induzir o paciente a remissão da doença, sua via de administração pode ser por via oral, onde há efeito de primeira passagem e o fármaco é então metabolizado no intestino com a ajuda das bactérias com a liberação do 5-ASA, inibidor da inflamação. O 5-ASA inibe a lipooxigenase e desvia os metabólitos do ácido araquidônico para prostaglandinas, reduz o leucotrieno B4 na luz e mucosa intestinal, inibe a produção de anticorpos pelos plasmócitos, do fator de ativação plaquetária e da Interleucina-1. Enfim, o 5-ASA atua impedindo a amplificação da inflamação, reduzindo os processos que levam à inflamação, mas não inibem a inflamação propriamente dita. A sulfassalazina deve ser administrada inicialmente em pequenas doses, a fim de diminuir os efeitos colaterais. Iniciam-se com 500 mg e se necessário aumenta-se a cada dia até atingir a dose de no máximo 6 g/dia. Em períodos de remissões da doença, pode-se interromper o uso da sulfassalazina, entretanto, é válida a continuação do seu uso para evitar recidivas da doença. O 5-ASA também é comercializado nas formas de supositórios e enemas, sendo sua escolha definida conforme a localização da doença. A Olsalazina (Figura 11) é composta por duas moléculas de 5-ASA unidas por uma azo-ligação, também necessita ser quebrada pelas bactérias intestinais, tendo como resultado final duas moléculas 5-ASA no intestino grosso. Contudo, este ativo não é superior a sulfassalazina em pacientes com doença de Crohn do intestino delgado. Existem outros medicamentos no mercado como o comercial Pentasa, composto de microgrânulos de 5ASA, envolvidos por membrana de etilcelulose, não necessitando da ação bacteriana, tendo sua liberação por período prolongado e só liberada em pH alcalino. O Salofalk ou Claversal com ativo 5-ASA é envolvido por uma cápsula de liberação entérica e também não necessita da ação das bactérias intestinais. O Asacol ou Mesacol é revestido com uma resina acrílica e parece ser eficiente com menos efeitos colaterais em relação a sulfasalazina (MAGALHÃES, 1993). 59 Figura 11: Esquema de biotransformação do pró-farmáco recíproco sulfassalazina (7), em sulfapiridina (8) e 5-ASA (9). Este último é responsável pela ação terapêutica. A olsalazina (10) corresponde a duas moléculas de 5-ASA ligadas através da ligação ozóica. Fonte: CHIN; FERREIRA, 1999. 60 A azatioprina (Figura 12) é um imunossupressor utilizado com freqüência a fim de reduzir as recidivas da doença. Após absorção é convertida em 6-mercaptopurina que é o metabólito ativo, que posteriormente sofre metabolismo hepático. A dose utilizada vai até no máximo 2,5 mg/Kg/dia. É efetiva nos casos da fase aguda da doença, sendo que os períodos posteriores a esta fase são mantidas, a fim de evitar em recidivas e complicações da doença por conta da autoimunidade. O efeito terapêutico da 6-mercaptopurina na dose de 1,5 mg/Kg tem sido demonstrado em estudos; há melhora significativa nos sintomas apresentados. Dentre outras drogas imunossupressoras podem-se citar a ciclofosfamida, ciclosporina, metrotrexato e cloroquina que apresentam estudos ainda não muito definidos, e podem ser indicados a pacientes intolerantes a corticosteróides. O uso do metronidazol na fase aguda da doença de Crohn se dá devido a atuação bactericida do ativo sobre as bactérias anaeróbias localizadas nas alças dilatadas e demais segmentos em número maior que o normal , sendo utilizada em casos da doença com complicações perineais. Por fim, os antibióticos de amplo espectro devem ser utilizados somente na suspeita de crescimento demasiadamente assíduo de bactérias, ou em casos de abscessos e outras complicações (MAGALHÃES, 1993). 61 Figura 12: Molécula de Azatioprina Fonte: JOAN, 2005. 62 13.2. Tratamentos biológicos Em alguns casos graves da doença de Crohn que não respondem aos tratamentos convencionais opta-se na maioria das vezes por medicamentos de origem biológica. Estes medicamentos são capazes de prolongar a remissão dos sintomas e manter os pacientes longe das crises indesejáveis. O fator de necrose tumoral-α (TNF-α) é uma citocina responsável em promover a inflamação intestinal e em outros órgãos também, sendo assim, têm-se a opção de combater esse mal com a utilização de um anti-TNF. Dentre os anti-TNF-α presentes no mercado podem-se citar o Infliximab, que é um anticorpo monoclonal quimérico humano-murino, que se liga de modo seletivo em receptores específicos do fator de necrose tumoral-α impedindo a inflamação intestinal. É indicado para os casos de doença de Crohn moderados ou severos. Sua aplicação é realizada em ambiente hospitalar por via intravenosa 5 mg/kg em infusão única ou a mesma dosagem em aplicações subseqüentes na segunda e sexta semana posteriores a primeira aplicação (BENITEZ; OLIVEIRA FILHO; MOLINARI, 2004; SGANZERLA, 2007). 13.3. Tratamento cirúrgico Os pacientes com doença de Crohn em alguma fase da vida poderão necessitar de intervenção cirúrgica devido a complicações e recidivas dos sintomas que podem se agravar ao longo do tempo. Aproximadamente 50% dos casos que necessitam de intervenção cirúrgica são os pacientes com acometimento do intestino delgado, sendo que os pacientes com acometimento do intestino grosso têm risco menor. A cirurgia não garante cura, mas resolve complicações da doença e são uma forma de melhorar a qualidade de vida do paciente, entretanto, pode haver recidivas da doença mesmo após a cirurgia e dependendo da gravidade da doença esta intervenção pode repetir-se causando frustações no paciente. As complicações mais comum que necessitam de intervenção cirúrgica são obstrução intestinal, perfuração com abscessos, fístulas em geral e hemorragias intestinais. Antes da cirurgia deve-se verificar o estado nutricional do paciente, e a nutrição por via parenteral deve ser realizada após o procedimento. No caso de obstrução intestinal a cirurgia é indicada nos casos onde a terapia nutricional parenteral e aspiração nasogástrica não foram eficazes, nas perfurações com abscessos e fístulas que resultam em dor, febre, indisposição e perda de peso. Em sintomas sistêmicos graves, terapia clínica intolerável, e em casos de crianças com crescimento falho são indicadas as intervenções cirúrgicas. Após a cirurgia procura-se manter o paciente bem hidratado em homeostase 63 eletrolítica, administra-se os antibióticos adequados, mantém-se a nutrição parenteral, e usa-se a sonda nasogástrica afim de preparar o organismo a futura ingestão enteral (HANAUER, 1997; COTRAN; KUMAR; COLLINS, 2000). 64 14.0. Conclusão A doença de Crohn é classificada como uma doença inflamatória intestinal que pode acometer qualquer parte do trato gastrintestinal. Esse processo inflamatório é extremamente invasivo e acomete todas as camadas da parede intestinal, mucosa, submucosa, muscular e serosa. É uma doença idiopática, ou seja, não se conhece a real fonte etiológica, entretanto, sabese que há uma desregulação no sistema imunológico, e isso resulta em amplificação do processo inflamatório e de seus mediadores, e isso resulta em lesões intensas no aparelho digestivo. Há um crescente número de casos em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento. Não há uma visualização nítida em dados coletados de que haja maior prevalência da doença conforme o sexo. A doença de Crohn geralmente ocorre entre a segunda e terceira décadas de idade, e dentre os muitos fatores que podem influenciar na história natural da doença tem-se além dos fatores imunológicos, os fatores ditos emocionais, genéticos e ambientais. Os sintomas são variados de paciente a paciente, e envolvem febre, perda de peso, anorexia, dores abdominais dentre outras manifestações extra-intestinais. Os sintomas levam a complicações que muita das vezes necessitam de intervenções cirúrgicas. Dentre as complicações pode-se citar obstruções intestinais, perfurações com formação de abscessos e fístulas, hemorragia e sintomas sistêmicos graves. A doença de Crohn é uma doença auto-imune, portanto não tem cura. A intervenção cirúrgica sana complicações que podem ocorrer ao longo do percurso da doença, e é extremamente importante a adesão ao tratamento contínuo por parte do paciente. O tratamento inclui drogas anti-inflamatórias, imunossupressoras, antibióticos, corticóides e em alguns casos drogas de origem biológicas. O tratamento visa melhorar a qualidade de vida dos pacientes e impedir ou retardar recidivas da doença. 65 15.0. Referências 1. ABBAS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; POBER, J. S. Autotolerância e auto-imunidade. In: ______. Imunologia celular e molecular. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. p. 416-421. 2. ABCD. Diagnóstico e tratamento. Doença de Crohn: Controle Médico. Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn, 2007. Disponível em: <http://www.abcd.org.br/tratamento3.asp>. Acesso em: 20 Out. 2007. 3. ANTUNES, L. Auto-imunidade. In: ______. Imunologia geral. São Paulo: Atheneu, 1999. p. 99-102. 4. BAGGISH, J. Doença auto-imune. In: ______. Como funciona seu sistema imunológico . São Paulo: Quarks Books. p. 102-111. 5. BENITEZ, S.; OLIVEIRA FILHO, R. M.; MOLINARI, H. Infliximab. In: ______. 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