REGRAS PRESCRITIVAS EM GRAMÁTICAS TRADICIONAIS DE REFERÊNCIA: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS Rodrigo Alves Silva (bolsista do ICV); Marcelo Alessandro Limeira dos Anjos (Orientador, Depto de Letras - UFPI) INTRODUÇÃO O objetivo geral deste trabalho é discutir o status normativo de gramáticas ditas ‘normativas’, segundo a assertiva de Neves (2011). Os objetivos específicos são: identificar a quantidade de regras prescritivas por componente das gramáticas (fonética/fonologia, morfologia, sintaxe etc.); verificar a média entre o número de regras e o número de páginas de cada componente; confrontar o número de regras prescritivas entre as cinco gramáticas e, em seguida, identificar a proporção de regras que obrigam, proíbem ou permitem determinado uso linguístico. Este trabalho dialoga com outras duas pesquisas de mesma natureza. Uma delas analisa gramáticas ‘mercadológicas’ e a outra, consultórios gramaticais. Destarte, neste trabalho, pretendese também correlacionar os resultados aqui expostos com as outras duas pesquisas mencionadas, no intuito de perceber também possíveis convergências e divergências e, a partir destas, rediscutir o caráter normativo de cada uma das três classes de materiais. METODOLOGIA Para o desenvolvimento da pesquisa, catalogaram-se regras prescritivas em cinco gramáticas tradicionais de referência:a de Rocha Lima (2011); a deCunha e Cintra (2008); a de Luft (2012); a de Bechara (2009); e a de Melo (1980).A coleta e a análise dos dados obedeceram às seguintes etapas: 1) catalogação das regras prescritivas nas cinco gramáticas mencionadas; 2) identificação do número de regras em cada gramática, por componente; 3) verificação da média entre o número de regras e o número de páginas; 4) identificação da proporção das regras que proíbem, obrigam ou permitem. RESULTADOS E DISCUSSÃO Análise quanto ao número de regras Segue, abaixo, um quadro com o número de regras das cinco gramáticas, divididas por compêndio gramatical e com a média de regras pelo número de páginas por componente. Assim, tem-se: antes da barra, o número de regras; depois da barra, o número de páginas; entre parênteses, a média entre os dois; em negrito, os maiores números de regras de cada gramática. Quadro 1: Número de regras nas cinco gramáticas por componente gramatical. Componente Fonética/Fonologia Morfologia Sintaxe Estilística Ortografia TOTAL Fonte: o autor Rocha Lima 4/62 (0,06) 13/172 (0,07) 54/282 (0,2) 1/80 (0,01) _ 72 Cunha e Cintra 0/38 96/444 (0,2) 16/106 (0,1) 2/66 (0,03) 16/38 (0,4) 130 Luft Bechara Melo 0/21 3/91 (0,03) 7/85 (0,08) 0/11 68/51 (1,3) 91/296 (0,3) 87/199 (0,4) 0/30 3/24 (0,1) 5/78 (0,06) 35/132 (0,2) - - - 10 246 43 O quadro mostra que as gramáticas de Bechara e Cunha e Cintra são as que mais possuem regras. No entanto, reforça-se que o número de regras é baixo, quando se compara com o número de páginas de cada gramática (as duas são as maiores em termos de páginas). No outro extremo, fica a gramática de Luft, contendo o menor número de regras. Nas cinco gramáticas, obteve-se um total de 501 regras prescritivas. Retomando as pesquisas paralelas mencionadas na Introdução, notam-se divergências quanto ao número de regras nos três tipos de materiais. Nas gramáticas tradicionais mercadológicas foi encontrado um total de 663 regras prescritivas. Nos consultórios gramaticais foram encontradas 169 regras prescritivas. Com esses dados, é possível perceber que as gramáticas tradicionais mercadológicas são as que mais possuem regras prescritivas, em seguida as gramáticas de referência e, por último, os consultórios gramaticais. Análise quanto aos valores expressos Nesta análise, toma-se como base, principalmente, a proposta de Nascimento (2010) sobre modalidade deôntica Para a classificação das regras, levou-se em consideração não só a estrutura de modalidade deôntica, mas também o enunciado como um todo. Apresenta-se, então, um gráfico para representar essa proporção de regras entre as cinco gramáticas tradicionais de referência. Gráfico 1: Número de regras quanto ao valor expresso nas cinco gramáticas. 120 100 80 Obrigação 60 Proibição 40 Permissão 20 0 Rocha Lima Cunha e Cintra Luft Bechara Melo Fonte: o autor Diante do gráfico acima, percebe-se que, praticamente em todas elas, o número de regras permissivas (menos prescritivas) é consideravelmente maior, o que confirma a hipótese de que esses compêndios, considerados normativos, de fato não o são genuinamente, pois as regras que tendem aser mais prescritivas, as que indicam obrigação e proibição, estão em menor quantidade. Comparando-se as três classes de materiais, constatou-se que há divergências entre elas:enquanto que as gramáticas tradicionais de referência tendem a permitir determinados usos, as gramáticas mercadológicas e os consultórios gramaticaistendem a obrigar e proibir (muito mais obrigar) usos linguísticos. Isso mostra que tais materiais ainda pretendem “obrigar” o falante/escritor a fazer uso da norma-padrão. CONCLUSÃO No confronto entre as gramáticas tradicionais de referência, percebeu-se, como divergência, que o número de regras se diferencia uma da outra. Como convergência, viu-se que, em quase todas elas, há uma tentativa de fugir do prescritivismo propriamente dito, pois possuem mais regras permissivas. No confronto entre as três classes de materiais, notou-se que as gramáticas mercadológicas são as que possuem mais regras, mesmo que essas sejam pouco numerosas em relação ao número de páginas, e que os consultórios gramaticais são os que possuem menos regras, mas essas se apresentam na totalidade dos consultórios. Além disso, as gramáticas mercadológicas e os consultórios gramaticais são os que mais obrigam ou proíbem usos linguísticos. Esses dados levam à conclusão de que essas gramáticas consideradas normativas de referência não são genuinamente ‘normativas’, o que corrobora a tese de Neves (2011), e que os consultórios e as gramáticas mercadológicas apresentam uma tendência maior para a prescrição, permitindo pensar em um continuum de prescrição, que vai da menor prescrição (gramáticas de referência), passando pelas ‘mercadológicas, e chegando aos consultórios, o quais, mesmo com a menor quantidade de regras, apresentam maior quantidade de enunciados prescritivos, inclusive na configuração dicotômica certo x errado. A ideia de continuum, a fim de evidenciar o que de fato predomina em cada objeto analisado, mormente nas gramáticas mercadológicas e nos consultórios, precisa ser reforçada, em outras pesquisas, pela análise de outros tipos de enunciados, sobretudo aqueles em que prevalece a descrição. APOIO UFPI; Pró-reitoria de pesquisa (Coordenadoria de Pesquisa; ICV); Grupo de Pesquisa As normas linguísticas no/do Brasil: história pesquisa e ensino (UFPI/CNPq). REFERÊNCIAS BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 51. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011. LUFT, Celso Pedro. Moderna gramática brasileira. 2ª ed. São Paulo: Globo, 2002. MELO, Gladstone Chaves de. Gramática fundamental da língua portuguesa: de acordo com a nomenclatura gramatical brasileira. 3. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do. A modalização deôntica e suas peculiaridades semânticopragmáticas. In: Fórum Linguístico, Florianópolis, n. 1, p. 30-45, 2010. NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática estudar na escola? 4. ed. São Paulo: Contexto, 2011. Palavras-chave: Gramáticas de referência.Regras prescritivas.Modalidade deôntica.