VIII Colóquio Internacional Marx e Engels Autor: Rodrigo Alves Teixeira Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Conhecimento e produção capitalista: elementos para a atualização teórica da teoria marxista do valor. 1. Conhecimento, produção capitalista e “trabalho imaterial” As transformações do capitalismo nas últimas décadas do século XX levaram a diversos questionamentos da teoria marxista do valor. Tal teoria, como é sabido, baseia-se no tempo de trabalho abstrato, bem como, de maneira mais ampla, na própria centralidade do trabalho na teoria social. Um dos pioneiros nesta crítica foi Habermas (1987), que questionou a centralidade da categoria trabalho para a reflexão sobre o capitalismo contemporâneo e, em seu Discurso filosófico da Modernidade , critica de forma mais explícita o que chama de paradigma da produção (2002), que ele tentou superar por meio da sua teoria da ação comunicativa. Em sintonia com Habermas, Offe (1989) questiona o trabalho como categoria sociológica chave, destacando diversas outras esferas (o “mundo da vida”, de Habermas) que seriam relevantes para entender as ações humanas, bem como a ideologia, aspirações e posições políticas de indivíduos e grupos sociais. Mesmo os autores que desenvolveram suas interpretações buscando permanecer no campo da teoria marxista, dando destaque à produção capitalista na interpretação das transformações do capitalismo contemporâneo, não o fizeram sem importantes revisões (ou o completo abandono) da teoria do valor trabalho. Podemos citar entre estes os trabalhos de Hardt e Negri (2000), que desenvolveram o conceito de “trabalho imaterial”, conceito este também desenvolvido por Gorz (2003). Os trabalhos de Hardt e Negri, bem como de Gorz, têm em comum o fato de apontarem como características-chave do capitalismo contemporâneo a importância cada vez maior da ciência, do conhecimento e da informação no processo de produção capitalista, bem como o destaque dado ao “trabalho imaterial”, que está relacionado à produção de “mercadorias imateriais” – que podem ser serviços ou bens e ativos intangíveis, como a produção do conhecimento e as inovações tecnológicas (patentes, direitos de propriedade intelectual) – e a certos setores da economia como as tecnologias da informação e comunicação, a indústria cultural, mídias digitais, etc. Na mesma linha, Castells (1999) cunhou o termo “capitalismo informacional” para caracterizar o novo capitalismo que teria emergido nas décadas finais do século XX. Cumpre mencionar ainda, para mostrar que trata-se de um “espírito de época”, que mesmo a teoria econômica neoclássica passou a destacar a importância do conhecimento para a compreensão da dinâmica econômica, com a incorporação do setor produtor de ideias aos modelos de crescimento econômico (Romer, 1986). Tanto em Hardt e Negri como em Gorz, a crítica à teoria do valor trabalho fundamentase principalmente no fato de que a medida do trabalho, pelo seu tempo, é fundamental para a mensuração do valor das mercadorias. Tais autores destacam as medidas de produtividade, que mensuram as unidades de produto por unidade de tempo de trabalho. Porém, no caso das mercadorias imateriais, que são produto do trabalho imaterial, e que se tornaram as mais importantes para a dinâmica do capitalismo contemporâneo, não é possível medir o trabalho despendido em sua produção, pois trata-se de trabalho cujo conteúdo, bem como seu produto, é cada vez mais de natureza intelectual, afetiva e artística, que tem diferenças qualitativas que impedem que se preste a comparações quantitativas, e que não pode ser mensurado em termos de unidades de tempo. Gorz defende a tese de que as mudanças no processo de trabalho teriam conduzido à perda da medida reguladora interna do capitalismo, ou seja, do valor. A teoria do valor de Marx teria então perdido seu poder de explicar o capitalismo contemporâneo. 2. Fragilidade teórica do conceito de “trabalho imaterial” Prado (2005) fez importantes e precisas críticas a Hardt e Negri, bem como a Gorz. O ponto principal desta crítica está no conceito de trabalho imaterial, que é em si um conceito estranho ao arcabouço analítico de Marx. Prado mostra bem que fundar uma interpretação da teoria marxiana no trabalho concreto, ou nas características dos valores de uso que seriam os mais importantes no capitalismo contemporâneo, é um grande erro teórico, que se fundamenta numa má interpretação que vê o trabalho abstrato apenas como gênero dos diferentes trabalhos concretos, e portanto como mera representação subjetiva, e não como abstração real. A consequência seguinte deste erro teórico, que vê o trabalho abstrato apenas como trabalho em geral, é identificar valor e valor de troca (a ilusão convencionalista), já que o valor deixa de ser visto como substância social e é reduzido à sua manifestação fenomênica, o valor de troca. Portanto, colocar como centro da análise o conceito de “trabalho imaterial”, que nada mais faz que classificar uma parcela dos distintos trabalhos concretos pelas características dos valores de uso produzidos (que seriam mercadorias imateriais), além de ter várias inconsistências em si, é um procedimento teórico completamente estranho ao pensamento de Marx. As inconsistências desta própria classificação em si são muitas. Prado aponta algumas ao criticar a correspondência entre bens e serviços com a distinção entre trabalho material e imaterial, feita por Hardt e Negri. Prado critica, por exemplo, que se trate como “trabalho imaterial” os serviços de maneira geral, visto que há serviços cujo resultado pode ser material, como um corte de cabelo. Além disso, aponta corretamente que há, por outro lado, produtos imateriais do trabalho, como música ou software, que são bens e não serviços, e que precisam de suportes materiais para serem negociados no mercado (como um CD). E, como apontado, além das inconsistências desta classificação em si, ela é um procedimento teórico completamente estranho a Marx porque, desde os primeiros capítulos de O Capital, este autor deixa claro que a lógica por trás da determinação dos valores das mercadorias e a compreensão teórica da economia política não tem qualquer relação com o valor de uso ou com as características físicas das mercadorias, mas apenas com as relações metafísicas mascaradas sob a própria forma mercadoria. Marx diz isto explicitamente na famosa seção sobre o fetichismo da mercadoria. Prado está correto ao dizer que o conceito de trabalho imaterial, ao se prender às características dos valores de uso produzidos pelo trabalho concreto, incorre no fetichismo. De nossa parte, porém, vamos fazer aqui uma proposta diferente de classificação entre valores de uso materiais e imateriais, que se não deve ser tomada como fundamento de um abandono da teoria do valor, será, entretanto, útil quando nos debruçarmos sobre a forma específica de comercialização das mercadorias imateriais, o que abre o caminho teórico para uma nova fonte de rendimento e, neste sentido, é uma atualização (e não uma refutação) da teoria marxiana do valor. i. ii. valores de uso materiais são todos aqueles que estão no plano material e, portanto, podem ser percebidos ou desfrutados de forma imediata pelos cinco sentidos humanos: tato, visão, audição, paladar, olfato1. Valores de uso imateriais são aqueles que não estão no plano material, mas no plano das ideias: trata-se de conhecimentos e informações codificadas que só podem ser de fato consumidos pela mediação de suportes materiais para seu transporte, comercialização e fruição. 2 Para ficar num exemplo bastante simples, um bolo classifica-se claramente como um valor de uso material. Mas a receita deste bolo, que pode ser um segredo de fabricação e estar protegida por regras adequadas de propriedade, é um valor de uso imaterial. Tal receita pode estar apenas na cabeça do cozinheiro, ou pode estar em algum outro suporte material (que não o próprio cérebro humano): escrita numa folha de papel e 1 Por vezes as classificações dos autores anteriores acabam por tratar como imateriais os valores de uso que não são percebidos pelo tato, embora o sejam por outros sentidos, como um concerto de música, que nos agrada pela audição. E o som, convenhamos, é sem dúvida algo do plano material. 2 Nesta classificação, os serviços, portanto, nada tem de imateriais, pois eles são mercadorias cujo consumo não se dá na forma da cristalização do trabalho concreto num objeto, mas na forma de uma atividade, da ação do trabalho humano sobre a matéria, como um corte de cabelo, uma consulta médica, um concerto musical ou uma peça de teatro. Todos estes exemplos são atividade humana que se processa no tempo e espaço e sobre a matéria, sendo, portanto, materiais. guardada dentro de um cofre, ou armazenada como arquivo digital na memória de um computador. No lugar da receita de um bolo, poderíamos ter também a receita de um medicamento (um valor de uso imaterial) e o próprio medicamento (um valor de uso material). Mas um exemplo mais próximo do novo mundo que tem sido tão debatido pelos diversos autores aqui citados seriam os novos produtos da era digital ou da informação: softwares, mídias digitais como música, filmes, etc. Um software, uma música ou um filme são todos, em última instância, informações que foram codificadas e armazenadas de maneira que possam ser acessadas ou reproduzidas em aparelhos que, por sua vez, são também valores de uso, que também devem ser adquiridos pelos consumidores. Assim, o software em si (resultado da codificação de instruções, programas), ou as músicas e os filmes (codificação de sons e imagens para a linguagem digital) são valores de uso imateriais. Trata-se de informação, meras receitas ou instruções, que serão executadas por máquinas e, portanto, o consumidor apenas pode fruir seu valor de uso por meio de suportes materiais que lhes servem de transporte e armazenamento (CDs, DVDs, pen drives, HDs) e que decodifiquem a informação (televisores, computadores, CD players, iPods), transformando-a em um resultado físico e material, que será desfrutado pelo consumidor por meio de seus cinco sentidos. Por fim, outro importante exemplo é o conhecimento que está incorporado nas mercadorias como bens de consumo ou como máquinas de uma fábrica capitalista. A ciência e a tecnologia que possibilitam criar um produto novo ou uma determinada máquina são mercadorias imateriais, que geralmente estão protegidas por patentes, como segredos industriais. Mas o próprio bem ou máquina são mercadorias materiais. Portanto, conhecimento e informação, que por sua natureza são imateriais – numa palavra, ideias – , na base da produção capitalista se tornam mercadorias imateriais, a que chamaremos de mercadorias-conhecimento. 3. A teoria marxista do valor e a produção de conhecimento. Em dois artigos recentes (Teixeira, 2009 e Teixeira e Rotta, 2012), busquei contribuir com a atualização da teoria marxista do valor tendo em vista as transformações do capitalismo contemporâneo discutidas pelos autores anteriores. O objetivo destes artigos foi propor uma abordagem alternativa a interpretações correntes sobre o papel do conhecimento na produção capitalista, e o resultado a que chegamos foi que a teoria do valor trabalho não precisa ser abandonada nem sofrer reparos significativos diante das transformações do capitalismo recente, mas apenas ser atualizada com a teorização de uma nova fonte de rendimento: a renda do conhecimento. O próprio Prado (2005), que fez críticas precisas e contundentes à interpretação de Gorz e Hardt e Negri sobre a teoria do valor de Marx, desenvolveu uma argumentação que, ao final, também sugere que a teoria do valor de Marx é abalada pelo advento da pósgrande indústria, na medida em que o trabalho deixaria de ser o determinante exclusivo do valor, diante da importância crescente do conhecimento. Como Prado fundamenta sua crítica em Fausto (1989), é necessário também incorporar este autor na discussão. A questão fundamental desta crítica a Prado e Fausto é a de que, no texto dos Grundrisse sobre a maquinaria, Marx se situa no interior do processo produtivo, em que o processo de valorização e a forma social estão pressupostos, e no qual as mercadorias estão postas apenas enquanto valores de uso de gerar novos valores de uso, seus valores e o processo de valorização estão pressupostos: trata-se aqui de um processo de produção de riqueza efetiva, de valores de uso. Vejamos a frase de Marx citada por Fausto: “(...) Mas à medida em que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza efetiva se torna menos dependente do tempo de trabalho e do quantum de trabalho utilizado, do que da força dos agentes que são postos em movimento durante o tempo de trabalho.” (trecho de Marx nos Grundrisse traduzido e citado por Fausto (1989, p. 50), grifos meus. Isso não permite, a nosso ver, a conclusão de Fausto logo a seguir: “Poder-se-ia entender que o termo chave aqui é “durante”. A valorização não é mais cristalização de um tempo posto. Ela se dá no tempo. De certo modo, o tempo volta à sua imediatidade. A ‘valorização’ se liberta do tempo de trabalho, mas com isto ela não será mais valorização.” Fausto (1989, p. 50), grifos do autor. Em primeiro lugar, vemos que há aqui uma transposição, a nosso ver indevida, de Fausto. Enquanto Marx fala da produção de valores de uso no interior do processo produtivo (riqueza efetiva), ele transpõe sua conclusão para o plano da valorização, que em nenhum momento aparece no texto de Marx. É isso que o leva a desenvolver a argumentação, a nosso ver equivocada, da mudança da substância do valor. Em segundo lugar, vamos refletir sobre o destaque que Fausto dá à passagem de Marx acima, quando diz que o termo chave é “durante”. Concordamos com a análise de Fausto de que o este é o termo chave. Contudo, não é a “valorização” que se dá agora “no tempo” e não mais como cristalização de um tempo posto. É a produção de riqueza efetiva, de valores de uso, que se dá “no tempo”. Outra frase sobre a qual se assenta a interpretação de Fausto é a seguinte: “(...) O roubo de tempo de trabalho alheio sobre o qual repousa a riqueza atual aparece como base miserável diante dessa [base] que se desenvolve pela primeira vez criada pela própria grande indústria. Logo que o trabalho em forma imediata deixa de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixa e deve deixar de ser a sua medida e por isso o valor de troca deve deixar de ser a medida do valor de uso. O sobretrabalho da massa deixou de ser condição para o desenvolvimento da riqueza universal, assim como o não trabalho de poucos para o desenvolvimento da força universal do cérebro humano. Com isto, cai a produção fundada no valor de troca e o próprio processo de produção imediato se despoja da forma do carecimento e da posição”. (Marx (1986); traduzido e citado por Fausto (1989, p. 53), grifos meus). Fausto interpreta a frase acima como se o roubo de tempo de trabalho, que é a base da valorização, se revelasse miserável porque o trabalho humano deixa de ser a fonte da riqueza. Novamente, achamos ser incorreto interpretar a “riqueza atual” como “valorização”. O que Marx diz, a nosso ver, é apenas que o roubo de tempo de trabalho é uma base miserável para a riqueza atual, e que esta riqueza é a produção de valores de uso. Assim, a nosso ver, ao falar que a riqueza repousa no tempo de trabalho alheio, Marx quer dizer que a produção de valores de uso no capitalismo, o quanto o capitalista estará disposto a produzir de valores de uso, depende de quanto trabalho alheio se pode explorar (da taxa de mais-valia e da taxa de lucro). O que quer dizer que a produção de valores de uso no capitalismo pressupõe a valorização, porque a finalidade da produção é a valorização: é a possibilidade de explorar trabalho alheio valorizando seu capital que leva o capitalista a aplicá-lo na produção de valores de uso. Se não houver esta possibilidade, o capitalista vai deixar seu capital na forma líquida, ou pode até mesmo fechar as portas de sua fábrica e deixar as máquinas paradas, sem produzir valores de uso, ainda que isso seja irracional do ponto de vista do atendimento das necessidades humanas. Entretanto, com o desenvolvimento das forças produtivas por meio do avanço do conhecimento, torna-se cada vez menos necessário o trabalho em forma imediata (trabalho concreto) para a produção da riqueza (valores de uso). Desta forma, o sobretrabalho da massa deixa de ser a condição para o desenvolvimento da riqueza universal, ou seja, de valores de uso. O que significa que o avanço das forças produtivas é tal que, no limite, pode-se chegar a prescindir completamente do trabalho humano, como trabalho concreto, para se produzir valores de uso, e assim o desenvolvimento da riqueza (aumento da produção de valores de uso) se tornaria independente da possibilidade de o capitalista obter sobretrabalho, ou seja, se torna independente da possibilidade de o capitalista obter lucros e, assim, se torna independente da própria forma capital. Mas se torna independente enquanto possibilidade: ainda que se tenha um enorme potencial de gerar riqueza efetiva (valores de uso) empregando o mínimo de trabalho humano, se a forma capital permanece, caso não haja possibilidade de vender a produção com lucro (na forma dinheiro, ou seja, riqueza abstrata) o capitalista pode deixar as máquinas paradas, sem produzir valores de uso. O mesmo tipo de transposição, a nosso ver indevida, é feito por Prado, na seguinte passagem: “Como consequência desse desenvolvimento [a ciência aplicada à produção – RT], segundo Marx, a medida da riqueza tem de deixar – e deixa – de se basear exclusivamente no mero tempo de trabalho reduzido à abstração dos tempos de trabalhos particulares aplicados na produção de mercadorias. ‘Nessa transformação, não é nem o trabalho imediato que o homem executa, nem o tempo que ele trabalha, mas a apropriação da sua própria força produtiva universal, sua compreensão da natureza e sua dominação dela através da sua existência como corpo social – em uma palavra, é o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como o grande pilar da produção e da riqueza.’ (Marx 1973, p. 705). Dito de outro modo, o tempo de trabalho socialmente necessário – que se configurava como valor – não fornece mais uma base de regulação (por meio do preço de produção) do funcionamento anárquico do modo de produção capitalista, ou seja, para a alocação de recursos e para a formação dos preços de mercado” (Prado 2005, p. 102). Veja-se que ele também passa, sem mediação, do trabalho imediato (trabalho concreto) e da produção de riqueza (valores de uso) para o plano do trabalho socialmente necessário (trabalho abstrato) e dos preços de produção (valor). Esta transposição não está, a nosso ver, em passagem alguma do texto de Marx. 4. 4. Conclusões Pelo exposto, nossas conclusões podem ser assim resumidas: 1) Não se deve confundir a renda do conhecimento como juros, mas reconhecê-la como uma nova forma de rendimento cuja natureza é semelhante à da renda da terra, como renda diferencial. Adicionalmente, ao se difundir certa tecnologia por todas as empresas de um mesmo setor, persistirá ainda a renda do conhecimento como renda absoluta, pelo monopólio. 2) A análise precedente da renda do conhecimento, se estiver correta, mostra que ela é apenas redistribuição do valor gerado na produção, ou seja, aquele que tem a propriedade do conhecimento, por meio de patentes ou direitos de propriedade intelectual, direitos autorais, etc., tem o poder de se apropriar de parcelas de rendas diversas, não apenas da mais-valia gerada por outros capitalistas, mas também de outras fontes de rendimento, como os salários, por exemplo quando um software é vendido a um trabalhador, já que este paga pelo software um preço acima de seu valor. 3) Não é necessário recorrer a uma noção de mudança na substância do valor ou a qualquer mudança qualitativa no processo de valorização para compreender o papel cada vez mais importante do conhecimento científico e tecnológico na produção capitalista. O papel do conhecimento na produção capitalista é o de potencializar a força produtiva do trabalho concreto, ou seja, potencializar a produção de valores de uso. A renda percebida pelos proprietários do conhecimento é simplesmente uma redistribuição do valor gerado na esfera da produção, não sendo de forma alguma uma nova fonte de valor. 4) Ainda que se possa falar em um terceiro momento que sucede à grande indústria do ponto de vista da subsunção do trabalho ao capital, com a subsunção intelectual, isto se refere apenas à interação do homem com os instrumentos de trabalho na esfera da produção, ou seja, ao trabalho concreto, não devendo esta análise ser transposta para o plano da valorização, que continua, em nossa opinião, sendo fundamentada na extração de mais-valia e no tempo de trabalho abstrato. 5) A noção de desmedida do valor à qual se refere Prado, quando escreve que o tempo de trabalho deixa de ser a medida da riqueza na fase da pós-grande indústria, e mais ainda, que o tempo de trabalho deixa de ser determinante exclusivo do valor, não é, em nosso entendimento, correta. Tal desmedida precisa ser melhor qualificada. Marx trata em vários momentos da existência de desvios de preços de produção com relação aos valores, e também de desvios dos preços de mercado com relação aos preços de produção. Estes desvios significam simplesmente redistribuições do valor gerado e jamais representam criação de valor por outra fonte que não o tempo de trabalho abstrato. O que se pode dizer é que, sendo a produção e circulação das mercadorias conhecimento responsável por uma parcela cada vez mais importante do processo de valorização capitalista, e sendo que tais mercadorias alcançam preços muito acima do que se justificaria pelo tempo de trabalho necessário à sua reprodução, tais desvios se tornam cada vez mais acentuados. Assim, se ao falarmos em desmedida estivermos nos referindo apenas a desvios de preços com relação a valores, então ela não é um fenômeno novo e característico apenas do capitalismo contemporâneo, embora a proeminência obtida pelas mercadorias conhecimento possa acentuar tais desvios. Em suma, a tese defendida neste artigo permite tratar a produção capitalista do conhecimento e o papel do conhecimento na produção capitalista dentro da teoria marxista do valor, sem a necessidade de lhe fazer qualquer reparo, especialmente quanto ao seu fundamento, segundo o qual o valor das mercadorias é determinado pelo tempo de trabalho abstrato necessário à sua reprodução. 5. Referências Chesnais, F. (2005). O capital portador de juros: Acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In Chenais, F., editor, A Finança Mundializada. Xamã, São Paulo. Fausto, R. (1987). Marx: Lógica e Política. Tomo I. Brasiliense, São Paulo. Fausto, R. (1988). Marx: Lógica e Política. Tomo II. Brasiliense, São Paulo. Fausto, R. (1989). A pós-grande indústria nos Grundrisse (e para além deles). Revista Lua Nova, 19. Haddad, F. (1998). Em Defesa do Socialismo. Vozes, Petrópolis. Coleção Zero à Esquerda. Hardt, M. & Negri, A. (2001). Império. Record, Rio de Janeiro. Marx, K. (1973). 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