A DEFESA DE DIREITOS NO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL –
SUAS E O NEOLIBERALISMO: LUTA DOS/AS TRABALHADORES/AS DO SUAS
Alice Lucas dos Santos1
Marciana Alexandre2
RESUMO: Neste artigo será abordada a questão do trabalho no Sistema Único de Assistência Social
– SUAS, compreendendo a política de assistência social como política de direito social no contexto de
retração neoliberal. Através da pesquisa bibliográfica e documental, o presente texto apresenta a crítica
à contrarreforma implementada pelo Estado brasileiro pós Constituição de 1988 e a situa a
implementação do SUAS neste contexto contraditório. Finaliza apresentando as lutas do Fórum
Nacional de Trabalhadores/as do Sistema Único de Assistência Social – FNTSUAS como espaço de
organização política dos/as trabalhadores neste contexto.
PALAVRAS CHAVE: Direito; assistência social; neoliberalismo; trabalhadores do SUAS
INTRODUÇÃO
Este artigo foi elaborado através de debates favorecidos por meio do Núcleo Temático:
Política de Assistência Social - a gestão do trabalho no Sistema Único de Assistência Social SUAS, disciplina constituinte do Projeto Político Pedagógico do curso de Serviço Social da
UNIOESTE, ministrado pela docente Dra. Esther Luíza de Souza Lemos, orientadora do
presente artigo. Tendo como contribuição as observações obtidas na aproximação com campo
de estágio em Serviço Social.
Considerando a necessidade de pensar a política de assistência social no contexto da
retração neoliberal, as categorias de análise assentadas na realidade histórica brasileira e seus
movimentos de luta em prol da garantia de direitos, propõe-se neste estudo aprofundar e
contribuir com a discussão sobre o SUAS (Sistema Único de Assistência Social), tendo em vista a
importância dos marcos regulatórios legais no âmbito dos direitos fundamentais do cidadão,
compreendendo que a assistência social é um dos pilares da seguridade social brasileira.
1
2
Acadêmica da 3ª serie do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –UNIOESTE
- Campus de Toledo; e-mail: [email protected]
Acadêmica da 4ª serie do curso de Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
UNIOESTE - Campus de Toledo, e-mail: [email protected]
1
A metodologia a ser utilizada será a pesquisa bibliográfica, considerando que a temática
do trabalho é algo relativamente nova, pois as discussões depreendem substancialmente da Norma
Operacional Básica- Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social (NOB/RH/
SUAS, 2006) e dos esforços empreendidos para organização dos/as trabalhadores/as a partir de
2009. Deste modo, o presente artigo busca expor brevemente o contexto do trabalho e do direito e
sua configuração no Estado burguês, no contexto de democratização da sociedade brasileira.
Desse modo, expõe-se que é necessária uma perspectiva de totalidade para apreensão das
contradições, ao mesmo tempo reconhecimento de direitos sociais e retração neoliberal e suas
implicações sobre o conjunto dos/as trabalhadores/as.
DIREITO SOCIAL NO CONTEXTO NEOLIBERAL
É inegável as conquistas civilizatórias na sociedade brasileira, principalmente ao
serem reconhecidas na Constituição Federal de 1998, conforme o artigo 6º onde expressa que:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988, p. 7).
Os direitos sociais revelam a relação entre Estado e sociedade atrelada a um projeto de
Estado Social e nestes enfrentamentos inclui-se também o reconhecimento dos direitos civis e
políticos (COUTO, 2004).
Logo, o Estado na sua configuração atual é um Estado burguês dado o contexto
histórico de sua formação, assim
o Direito não pode ser compreendido fora da sociedade que o contém, e esta, da mesma
forma, é uma abstração se desconsiderarmos as formas concretas de produção e reprodução
material da vida sobre a qual repousam.[...] (IASI, 2011, p. 175)
Portanto falar sobre Estado Democrático de Direito não é algo tão simples, porque se
deve considerar o fato de que a história é dialética, e para, além disso, analisar que as relações
sociais em cada momento histórico são para produzir a existência das condições materiais.
Então essa totalidade, do qual o direito pertence se define pela produção e reprodução da vida
social, logo com base em COUTO (2004) podemos dizer que os direitos são constitutivos de
um patamar de sociabilidade, que envolve as formas de relação estabelecidas, e os
2
movimentos tensos de reconhecimento em lei, “[...] protegidos pelo Estado e, [...] explicitados
na vida dos sujeitos concretos.” (COUTO, 2004, p. 37).
Nesse sentido, com base em IASI (2011) na conjuntura histórica do Estado
Democrático de Direito deve haver a indissociabilidade do econômico e social ao
considerarmos a especificidade deste momento histórico, no qual há relações contraditórias no
palco da luta de classes, e expressa as relações sociais constituídas na materialidade histórica
do sistema capitalista, sendo que essas relações materiais fundamentam também “[...] as précondições para que se possam estruturar as relações sociais que constituem a base do próprio
capital.” (IASI, 2011. p. 178).
Logo, o direito se constitui
Na contradição com o movimento permanente de transformação de todos os elementos que
o circundam e perpassam, as formas Políticas, as relações sociais, as formas de consciência
e, principalmente, o desenvolvimento das forças produtivas materiais. Isso significa que as
mudanças ocorridas em qualquer parte da totalidade acabam por incidir sobre o direito e
sua pretensão de imutabilidade. Da mesma forma, as alterações no direito podem incidir na
dinâmica da totalidade, muitas vezes de forma decisiva. (IASI, 2011, p. 181)
No contexto brasileiro, é por meio da ativação política que a sociedade civil se vincula aos
espaços públicos democráticos (NOGUEIRA, 1999), no contexto das lutas e forças antagônicas
(SILVA, 1995) e dos conflitos e lutas sociais, sobretudo no contexto da “década perdida”
(WANDERLEY, 1999), resistindo a ofensiva do capital. Os avanços da década de 1970 galgaram
níveis de mobilização de diversos segmentos da sociedade, (TEIXEIRA; BRAZ, 2009) fator que
possibilitou o avanço qualitativo e substantivo do Estado, pois culminou em certa atrofia
autoritária no campo da política visto que os movimentos sociais surgem no bojo do
autoritarismo, momento em que se esgotava o modelo de desenvolvimento que fazia glória ao
capitalismo, de modo que dos anos 1970 em diante o próprio neoliberalismo busca responder a
crise do Estado e reconstituir a centralidade no mercado. Ao mesmo tempo houve a crise de
esquerda, pois se as mudanças impactaram a estrutura da sociedade desgastou-se também a
própria organização sindical dos trabalhadores (NOGUEIRA, 1999).
Contudo, tal contexto expressa que mesmo com a Constituição de 1988, no qual entre
outros aspectos ocorreu a defesa dos direitos no Brasil e as inovações políticas e
institucionais, o Estado através de seus mecanismos continua a ser representante dos
3
interesses burgueses, pois suas estratégias e táticas são para manter o status quo e exercer o
controle social sob a sociedade no capitalismo. Fato observável no próprio período de “[...]
transição democrática fortemente controlada pelas elites para evitar a constituição de uma
vontade radicalizada” (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p138).
Nesse sentido, pensando na seguridade social, conforme Boschetti (2009) no Brasil, a
mesma está baseada no modelo beveridgiano e no modelo bismarckiano, onde seus princípios
orientam um sistema público de saúde universal, e um sistema previdenciário, que restringe
este aos contribuintes, bem como limita a assistência social a quem dela necessitar.
Conforme a autora, isto pressupõe uma relação de atração e rejeição, que é inerente a
compreensão de seguridade social que foi instituída e desenvolvida, ou seja, existe uma tensão
entre assistência social e trabalho que agudiza-se no contexto neoliberal.
Nesse sentido, Couto (2004) coloca que a década de 1980 e 1990 ocorre uma
padronização de contrassenso no contexto da transição democrática e da organização Política
e jurídica, como tentativa de estabelecimento de novas relações sociais. Pois nas palavras da
autora o paradoxo localiza-se na
[...] relação entre os avanços políticos e sociais e as definições de diretrizes
macroeconômicas que concebem as políticas sociais como consequências do
funcionamento da economia, e sendo assim acabaram por desfigurar os princípios
orientadores das mesmas.
(Draibe, 1993; Fiori,1995ª; Fagnani, 1999 apud COUTO,
2004, p. 140.)
As reformas constitucionais, segundo Behring e Boschetti (2008), foram possíveis por
duas condições gerais: a crise econômica dos anos 1980 e as marchas e contramarchas do
processo de democratização do país. Este contexto da contrarreforma é possibilitado
marcadamente no governo de 1990 e possibilitado pelos demais.
Tendo em vista que nos anos 1980 ocorreu a crise fiscal do Estado, Pereira (2003),
como interlocutor do Estado burgués expõe que seria necessário reformá-lo, com uma
compreensão de restrição das funções do Estado como elaborador de bens e serviços. Deveria
restringir-se às funções de regulador, com implicações de redução no financiamento de
atividades relacionadas com as externalidades ou direitos humanos básicos e na elevação da
concorrência internacional das indústrias locais, isto porque com ajuste fiscal e as
privatizações. Propõe a reforma administrativa, na qual o serviço público transformar-se-ia
4
em algo mais “enxuto” com o capitalismo contemporâneo. A reforma se manifestaria em uma
mudança embasada na “[...] democracia [...] mais participativa ou mais direta, e a
administração pública burocrática deveria ser substituída por uma administração pública
gerencial.” (PEREIRA, 2003, p. 25).
Contudo Soares (2003) expõe que as consequências desse ajuste neoliberal, além dos
aspectos econômicos, envolveu também uma redefinição global do cenário político institucional e
das relações sociais, pois causaram mudanças no mundo do trabalho3. Houve um processo de
globalização da pobreza, onde tanto países ricos quanto os mais pobres sofreram as consequências
desses ajustes, entretanto, os países periféricos foram os mais afetados.
Além disso, agravaram-se as expressões da “questão social”4, centrados no campo do
trabalho e polarizados pelas situações de desigualdade e miséria que se assemelham às vivenciadas
no passado, diminuindo e/ou faltando mecanismos de proteção social e outras situações as quais a
população vem sofrendo. Simultaneamente, agravam-se as contradições com o “[...] desmonte
adicional das políticas sociais ou mecanismos de proteção social [...]”. (SOARES, 2003, p. 25).
Argumenta-se que, um dos impactos sobre as políticas sociais brasileiras foi a combinação
do “[...] desmonte de políticas sociais dirigidas aos mais pobres ou ‘excluídos’ (como assistência
social) com ‘reformas’ constitucionais que reduziram os direitos constituídos ao longo de décadas
e consagradas na Constituição de 1988.” (SOARES, 2003, p. 34).
Deste modo (BEHRING; BOSCHETTI, 2008) expõe também que o impacto da
contrarreforma do Estado nas políticas públicas,
[...] acabou tendo impacto pífio em termos de aumentar a capacidade de implementação
eficiente de políticas públicas, considerando sua relação com a política econômica e o boom
da dívida pública. Houve uma forte tendência de desresponsabilização pela política social –
em nome da qual se faria a “reforma” –, acompanhada do desprezo pelo padrão
constitucional da seguridade social. Isso ocorreu vis-à-vis um crescimento da demanda
social, associado ao aumento do desemprego e da pobreza, aprofundados pela
macroeconomia do Plano Real. Isso significou uma ausência de política social? Claro que
não, mas as formulações de política social foram capturadas por uma lógica de adaptação
ao novo contexto. Daí decorre o trinômio do neoliberalismo para as políticas sociais –
privatização, focalização/seletividade e descentralização [...] (BEHRING; BOSCHETTI,
2006, p. 155, grifos das autoras).
3
4
“Informalidade no trabalho, o desemprego, o subemprego, a desregulamentação trabalhista [...].” (SOARES,
2003, p. 20)
Compreendida aqui como as contradições e antagonismos advindos da relação capital/trabalho, ver NETTO (2001).
5
Nesse sentido, Couto (2004) coloca que se deteriorou “[...] qualitativamente e
quantitativamente o sistema de proteção social as duras penas construído no Brasil [...]”
(PEREIRA, 2000 apud BOSCHETTI, 2004, p. 153) de modo que, o Estado baseado nos
aspectos contra reformistas, concentra-se na lucratividade, privatiza setores de proveito
público (incluindo saúde, educação e previdência social) e demarca uma aversão ao pacto
social dos anos de crescimento, voltando-se para uma ideologia individualista, consumista e
hedonista ao extremo (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Com base em Couto (2004) soma-se
o fato de que a política social dos governos após o período de 1985 é acompanhada pela
retomada de práticas clientelistas.
Observa-se que, conforme Yazbek, Martinelli, Raichellis (2008) isto representa na
dinâmica neoliberal o progresso do ideário da ‘sociedade solidária’ bem como sugere a
condução do modo de enfrentamento da pobreza e da exclusão social.
Recolocam-se em cena práticas filantrópicas e de benemerência, ganhando relevância o
nonprofit sector como expressão da transferência à sociedade de respostas às sequelas da
questão social provocadas pelo ajuste macroeconômico. Preocupante, nesse contexto, é o
distanciamento do ‘modelo’ universalista de políticas sociais e dos parâmetros públicos como
medida da construção de direitos. (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELLIS, 2008, p. 22)
Portanto, “[...] as políticas sociais retomam seu caráter liberal e residual; “[...]
(COUTO, 2004, p. 70) e com base em SOARES (2003) pode-se dizer que isto implica no fato
de que “[...] os direitos sociais perdem identidade e a concepção de cidadania se restringe,
aprofunda-se a separação público-privado” [...]” (SOARES, 2003, p.13) , então é nesse
sentido que políticas de saúde, educação, alimentação, trabalho e o salário passam a ser
mercantilizadas. Desse modo, o não acesso aos direitos básicos deixa de ser um problema do
Estado, pois agora integra mais um problema a ser resolvida no âmbito do privado, numa
concepção de concessão de menor relevância a função do Estado.
Nos termos de Iamamoto, configura-se aí uma “hipertrofia do Estado”5 , onde a uma
crise de presença do Estado na sociedade favorece o individualismo pragmático e aumenta o
5
[...] no capitalismo tardio, a maior suscetibilidade às crises atribui ao Estado a função de administração das
crises com políticas anticíclicas,[...] Essa função é acompanhada de uma vasta ofensiva ideológica para
integrar o trabalhador a sociedade como ‘consumidor’, buscando, ainda, transformar qualquer rebelião em
‘reformas’ que o Estado possa absorver.[...] IAMAMOTO(2010, p. 121)
6
descrédito nos serviços sociais públicos, até mesmo porque, conforme Iamamoto (2010), o
Estado desempenha sua função coercitiva, para sustentar a estrutura de classes e a reprodução
das relações sociais, mantendo sua função integradora entre as classes.
Como os/as trabalhadores/as do SUAS vivenciam tais contradições? Veremos a seguir
uma aproximação a esta questão.
TRABALHADORES/AS DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTENCIA SOCIAL-SUAS
NA DEFESA INTRANSIGENTE DOS DIREITOS
Para Raichelis (2010) a implementação das políticas sociais é um jogo complexo de
conflitos e tensões, pois envolve interesses distintos e projetos estratégicos diferentes. Assim,
as formas de enfrentamento às crises do capital implicam o enfrentamento às manifestações
da “questão social” e desencadeiam respostas da sociedade, da classe trabalhadora e dos
movimentos de resistência em defesa dos direitos conquistados historicamente.
Considerando que a política de assistência social é um campo de trabalho
multiprofissional e interdisciplinar (RAICHELIS, 2010), o/a trabalhador/a do SUAS
encontra-se inserido na relação contraditória que evidencia o aprofundamento da perspectiva
neoliberal. Com base na discussão da Câmara Técnica de Assistência Social do Conselho
Regional do Serviço Social - CRESS-PR (2013) os ranços de intervenções tecnicistas ainda
pairam sobre o campo da assistência social, porém a direção social imposta tem sido a defesa
de política de assistência social como política de direito no âmbito da Seguridade Social. Este
desafio se faz presente diante da perspectiva de alargamento dos direitos socioassistenciais.
Nesse sentido, a discussão a seguir tem o propósito de analisar as funções, as maneiras
de operacionalização dos trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social-SUAS, e com
isso discutir o processo de efetivação dos direitos, entendendo que a questão de concretização
de direitos deve ser tomada de forma conjunta e interdisciplinar entre os profissionais que
atuam na Política Nacional de Assistência Social – PNAS (2004) exigida na Lei Orgânica de
Assistência Social- LOAS (1993).
Assim, antes de tudo se deve compreender de modo breve o conceito da política de
assistência social no Brasil e seus desafios. A qual se constitui historicamente, por debates,
discussões com o protagonismos de trabalhadores, especialmente assistentes sociais.
7
No contexto de democratização das relações sociais no Brasil, em 1988 definiu-se uma
nova concepção de política de assistência social, distanciando-se de ideias filantrópicas, de
ajuda mútua e de ações caritativas. Neste sentido a Constituição Federal, em 1988, confere à
assistência social o status de política pública, garantida constitucionalmente no tripé da
seguridade social composta pelas políticas de saúde, previdência social e assistência social.
A Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS sancionada em 1993, pelo então
presidente Itamar Franco, regulamentando os artigos 203 e 204 da Constituição Federal, é
definida como direito do cidadão e dever do Estado. Tais garantias, no art.4 da LOAS (1993)
devem ser orientadas pelos seguintes princípios:
I supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade
econômica; II universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação
assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III respeito à dignidade do cidadão, à sua
autonomia e ao direito a benefícios e serviços de qualidade, vedando-se qualquer comprovação
vexatória de necessidade; IV igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação
de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V divulgação
ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos
oferecidos pelo poder público e dos critérios para sua concessão. (BRASIL, 1993, p. 11).
Além destes princípios que devem reger todas as ações assistenciais realizadas pelo
Estado e de forma complementar por organizações da sociedade civil, o art. 5º da lei em
questão define as seguintes diretrizes:
I descentralização político administrativa para os Estados, o Distrito Fedreal e os Municípios,
e comando único das ações em cada esfera do governo; II participação da população, por
meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em
todos os níveis; III pimazia da responsabilidade do Estado na condução da política de
assistência social em cada esfera de governo. (BRASIL, 1993, p. 12).
Embora o artigo 6ª da LOAS defina que as ações devessem ser organizadas em um
Sistema Descentralizado e Participativo de Assistência Social, apenas em 2005 se
regulamenta o Sistema, após intensa mobilização na IV Conferência Nacional de Assistência
Social em 2003.
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A Norma Operacional Básica – NOB/SUAS (2005)6 estabeleceu os parâmetros de
operacionalização da gestão da política de assistência e a normatização para a implantação do
Sistema Único de Assistência Social – SUAS, através de Resolução do Conselho Nacional de
Assistência Social – CNAS. Logo em seguida houve a mobilização nacional para que as conquistas
da Política Nacional de Assistência Social e da NOB-SUAS fossem reconhecidas legalmente.
Com a defesa de trabalhadores e gestores da política da assistência social, no ano de
2011, foi sancionada a chamada Lei do SUAS (Lei nº 12.435/2011) que alterou positivamente
a LOAS incluindo os ganhos até então do SUAS. A definição legal, atribuiu relativa
segurança normativo-jurídica e possibilitou a ampliação de um direito positivo e reclamável,
permitindo assim maior densidade política na área da assistência social. Diante deste
reconhecimento o “SUAS constitui-se como um sistema integrado, descentralizado e
participativo envolvendo os serviços socioassistenciais de órgãos públicos e entidades não
governamentais, tendo a família como foco de prevenção e o território como base da
estrutura”.(BRASIL, 2011)
Neste movimento, após três anos de efetivação da lei 12.435/11, o SUAS ainda
procura consolidar os avanços normativos conquistados para a gestão e consolidação da rede
socioassistencial, através de uma agenda política que qualifique e efetive a visibilidade da
gestão do trabalho como um componente indutor central na consolidação do SUAS.
(SILVEIRA, 2011).
O tema da gestão do trabalho foi desenvolvido a partir do debate sobre a necessidade e
da aprovação da Norma Operacional Básica Recursos Humanos- NOB/RH – 2006. Sem os/as
trabalhadores/as o SUAS não acontece. Neste sentido, o reconhecimento de quem são estes
trabalhadores e sua valorização é fundamental para que o mesmo ocorra a partir de seus
objetivos, princípios e diretrizes.
Além disto, compreender de que modo se organiza a gestão do trabalho no SUAS é
essencial para tratar da interdisciplinaridade, já que para efetivação de direitos é indispensável
6
Atualmente está em vigência a nova Norma Operacional Básica do SUAS – NOB-SUAS/ 2012, aprovada
pela Resolução CNAS nº 33, de 12 de dezembro de 2012.
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o trabalho de uma equipe técnica comprometida e que se coloque como defensora dos
direitos7.
Os trabalhadores do SUAS constituem-se como executores e gestores da Política de
Assistência Social, são profissionais que, pela natureza da atividade, devem defender de
forma efetiva os direitos humanos. Trabalhar em conjunto e de forma articulada se faz
necessário, “o trabalho cotidiano requer que os trabalhadores que compõe o SUAS utilizem-se
da intersetoriedade e dialoguem com outras políticas setoriais como: a política de educação,
saúde, previdência, trabalho, meio ambiente, segurança e habitação, na direção de mediar o
acesso dos cidadãos aos direitos sociais.”(SILVEIRA, 2011).
No entanto, não se pode deixar de pontuar, que atrelado a esse processo de
normatização da política, os aspectos do neoliberalismo implicam na execução do trabalho,
pois veja o contexto implícito da década de 1990 de cortes nos gastos públicos e salários
permanecem nos anos atuais e implicam nas condições objetivas do trabalho. Conforme
Soares (2003) ocorre o aumento da desigualdade, bem como, o aumento do numero de
pobreza e o aumento da informalização e da inserção em serviços precários por conta de
medidas de restruturação e flexibilização do mercado de trabalho, pode se citar ainda a
amplitude do desemprego e a transferência de mão de obra de atividades de maior
produtividade para outras de produtividade e rendas mais baixas, refletindo aí a desigual
distribuição de renda, agregando-se novas expressões da “questão social”.
Além disso, a “nova morfologia do trabalho” se expressa pelo aumento de
trabalhadores flexibilizados, informalizados, precarizados, pauperizados, desprotegidos de
direitos e desprovidos de organização coletiva. (RAICHELIS, 2010). Portanto, além desse
viés ressalta-se também que o agravamento da “questão social” decorrente do processo de
reestruturação produtiva e da adoção da prerrogativa neoliberal repercute na vida dos usuários
e no conjunto de trabalhadores do SUAS, que sofrem os impactos das transformações que
aflige o trabalho assalariado e submetem a atividade profissional aos dilemas da alienação.
Portanto, para a autora em tela a questão do trabalho e dos trabalhadores do SUAS é
um dos grandes desafios a serem enfrentados, pois envolve as questões que atingem o mundo
7
Entende-se que a defesa de direitos no âmbito da política de assistência social considera a defesa de direitos
sociais como integrante da defesa dos direitos humanos.
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do trabalho, o Estado, a política pública contemporânea , bem como o histórico da
desprofissionalização na área da assistência, que perpassa a cultura patrimonialista,
clientelista, autoritária e o primeiro – damismo que persiste (re)atualizado e com novas
estratégias de (re)legitimação.
Enfrentamentos dos/as trabalhadores/as do SUAS
Diante do contexto adverso proporcionado pelo neoliberalismo, onde paira
desmobilização dos movimentos sociais, as condições de precarização e informalização do
trabalho, os/as trabalhadores/as do SUAS tem enfrentado as contradições e desafios. Destaca-se
no presente texto a estratégia organizativa de criação do Fórum Nacional dos/as Trabalhadores/as
do Sistema Único de Assistência Social – FNTSUAS. Esta possibilidade ocorreu
na VII
Conferência Nacional de Assistência Social em 2009 motivada por dificuldades destes
trabalhadores/as em pautar suas demandas, afim de discutir e travar embates/enfrentamento
acerca da precarização das condições e relações de trabalho na Política de Assistência Social.
Em abril de 2012 foi aprovada sua Carta de Princípios e Regimento Interno,
explicitando seus objetivos e forma de organização. A partir deste, tem se organizado Fóruns
Estaduais, Regionais, Municipais e Distrital de Trabalhadores/as do SUAS (CFESS, 2014).
Conforme o Regimento Interno do FNTSUAS, este se constitui como um espaço
coletivo de organização política dos trabalhadores do SUAS, que possui caráter permanente e
envolve trabalhadores de diversos níveis de escolaridade que atuam na Política de Assistência
na rede socioassistencial pública quanto privada.
Os enfrentamentos perpassam pelas lutas em torno das condições de trabalho e da
qualidade dos serviço prestados à população envolvendo a garantia de equipes de referência e
o investimento na política de educação permanente dos/as trabalhadores do SUAS. Nesse
sentido, defende-se que a própria consolidação do SUAS constitui-se como alicerce das lutas,
visto que as propostas de FNTSUAS no contexto de suas atividades dizem respeito às ações
socioassistenciais, no planejamento, na gestão, financiamento e no controle social.
O FNTSUAS tem como atribuição articular e mobilizar os trabalhadores na defesa do
SUAS, posicionar-se criticamente no processo de implementação e avaliação da Política
Nacional de Assistência Social, bem como acompanhar junto ao Congresso Nacional a
11
tramitação de projetos de lei referentes à Política Nacional de Assistência Social e de interesse
dos/as trabalhadores. Também tem como ação estratégica requisitar e
orientar o
posicionamento da Frente Parlamentar de Assistência Social, acompanhar e discutir os editais
para concursos e seleções públicas, articular e participar nas negociações por Plano de Cargos,
Carreiras e Salários para todos os trabalhadores do SUAS.
Tem como objetivo manter o diálogo permanente junto ao Conselho Nacional de
Assistência Social - CNAS, Comissão Intergestora Tripartite – CIT, autoridades públicas
constituídas, gestores nacionais e outros envolvidos no interesse coletivo dos/as trabalhadores/as
do SUAS, articular e dialogar com movimentos sociais no aspecto de defesa de direitos humanos
e da classe trabalhadora, promover a formação política dos/as trabalhadores/as do SUAS,
fomentar o debate sobre Segurança do Trabalho e sobre a Saúde do trabalhador do SUAS. Estes
objetivos estratégicos tem orientado o FNTSUAS como espaço coletivo e que pode ser um
instrumento de resistência no contexto restritivo de direitos na conjuntura neoliberal.
CONCLUSÃO
Ganhos políticos e sociais são efetivados com a constituição federal, as políticas
sociais são acrescidas, a concepção do direto foi compreendido como direito do cidadão e
dever do Estado, entretanto a política social com o neoliberalismo sofre um ataque que
expressa a contradição posta na ordem burguesa. A classe trabalhadora perde direitos e os/as
trabalhadores do SUAS também. Ao mesmo tempo que lutam pela efetivação da política de
assistência social como política de direito também precisam lutar pelo reconhecimento dos
seus direitos como trabalhadores e trabalhadoras.
O/a trabalhador/a se vê na lógica capitalista sem proteção e direitos, o trabalho e seu
sentido se deterioram para uma concepção abstrata, se vê desprendido/a do processo de
criação e com isso se desumaniza, tornando-se sua força de trabalho mais uma mercadoria no
processo de produção capitalista.
Neste sentido compreende-se que o direito no Estado neoliberalizante assume um
caráter paliativo, que coloca apenas algumas demandas da classe trabalhadora com intuito de
responder algumas responsabilidades sociais para manter a ordem, combater e desmobilizar as
lutas sociais. A política social neste contexto representam os interesses das forças dominantes,
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buscando o controle da força de trabalho, com não pode ser impermeável, a disputa de
projetos societários se dá neste contexto.
O trabalho no âmbito do SUAS constitui-se como espaço de luta e dessa de direitos.
Com a adoção do modelo político neoliberal, atrelado ao modelo de desenvolvimento
econômico, a atenção às populações em situação de pobreza, vulnerabilidade e risco pessoal e
social, exige dos profissionais uma posição crítica. Frente a esta sociedade, a organização
dos/as trabalhadores é necessária para buscar a ampliação e consolidação de direitos na
perspectiva contrária a retração neoliberal.
REFERENCIAS
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