Valor Economico – Inequality in Brazil http://www.valor.com.br/cultura/3841666/renda-e-suas-explicacoes 02/01/2015 às 05h00 A renda e suas explicações Por Ana Luiza Farias | Para o Valor, de Washington Fila para entrar em feira de empregos promovida em Carapicuíba: entre 1995 e 2012, a proporção de pessoas com contrato formal de trabalho cresceu de 48% para 58% Muito se discute a importância de programas sociais, em especial o Bolsa Família, para a redução da desigualdade no Brasil. O assunto também tem merecido a atenção de estudiosos no exterior, como Nora Lustig, professora de economia latino-americana da Universidade Tulane, nos Estados Unidos. Em suas análises, concluiu que fatores ligados ao mercado de trabalho foram ainda mais expressivos para os avanços registrados pelo Brasil desde a estabilização econômica, em meados dos anos 1990. Entre eles estão reajustes reais do salário mínimo e a redução dos ganhos gerados pelo aumento do nível de escolaridade do trabalhador. Nas contas de Nora, programas de transferência de renda responderam por 20% da queda da desigualdade, enquanto mudanças no mercado de trabalho foram responsáveis por mais de 60%. O restante pode ser atribuído a fatores demográficos, como diminuição do tamanho das famílias e aumento da população em idade economicamente ativa. "A disparidade dos salários diminuiu porque a remuneração dos trabalhadores mais pobres aumentou mais rapidamente do que a dos profissionais mais bem pagos. Os salários daqueles com remuneração mais baixa subiram em função da política de valorização do salário mínimo e da expansão de empregos formais, acompanhada pelo aumento da demanda por trabalhadores menos qualificados provocada pelo boom das commodities." O salário mínimo, fator-chave nesse processo, mais do que dobrou em termos reais entre 1995 e 2012, com crescimento de 103%. A relevância desse aspecto representa um desafio a ser enfrentado pelo novo governo, que pode não ter espaço para manter os reajustes reais. Na visão de Riodan Roett, diretor do programa de Estudos Latino-Americanos da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, "os bons tempos são coisa do passado, e isso vai impactar a política social" do governo. Especialista em política e economia brasileiras, Roett justifica sua avaliação com a observação de que a tendência de alta da inflação se delineia em um cenário de recessão iminente, déficits fiscal e das contas externas expandidos e mercado de trabalho em aparente enfraquecimento. "O desemprego está fadado a aumentar", diz. [Por enquanto, porém, o que há é uma certa acomodação dos números de desemprego. Em outubro, a taxa de 4,7% da população economicamente ativa, calculada pelo IBGE, foi a menor para esse mês desde o início da série histórica, em 2002, e ficou abaixo da estimativa média de 4,8% constatada pelo Valor Data junto a 18 instituições financeiras e consultorias. Foi a menor, também, que os 4,9% de setembro e ficou abaixo dos 5,2% registrados em outubro de 2013]. E tem-se ainda a redução do investimento. Segundo relatório do Banco Mundial, o crescimento do PIB contraiu-se 2,1% no período 2011-2013 quando comparado com 20032008. A situação é ainda mais delicada porque, enquanto o consumo e os gastos públicos subiram em ritmo superior ao do PIB nos últimos três anos, o investimento andou na direção oposta. Entre 1995 e 2012, a desigualdade de renda no Brasil teve redução de 17%. Nesse período, o índice de Gini caiu de 0,59 para 0,52 (o índice varia de 0 a 1, sendo 1 o nível máximo de concentração de renda). Estudo publicado recentemente pela Iniciativa de Pesquisa Internacional sobre Brasil e África (Iriba, na sigla em inglês) também aponta para a predominância dos aspectos do mercado de trabalho nessa evolução. Os autores Francisco Ferreira, Sergio Firpo e Julian Messina acreditam que o processo de redução da desigualdade no Brasil se estende para adiante de efeitos dos programas de redistribuição de renda e também dos reajustes do salário mínimo. Atribuem a maior equalização da renda à redução da diferença de remuneração entre trabalhadores com diferentes níveis educacionais, entre homens e mulheres, entre trabalhadores brancos e negros ou pardos, e entre trabalhadores urbanos e rurais. "Outro 'gap' cuja redução contribuiu para a equalização geral [da renda no Brasil] foi aquele existente entre os trabalhadores da economia formal (com carteira assinada) e informal (sem carteira assinada)." Esse movimento, entendem, é resultado da expansão da economia, que reduziu o desemprego e aumentou o poder de barganha dos trabalhadores, e também de um amadurecimento institucional, com forte atuação fiscalizadora do Ministério do Trabalho e Emprego e, principalmente, do Ministério Público do Trabalho nas últimas duas décadas. No que diz respeito ao salário mínimo, o estudo assinala a importância dos reajustes reais, em especial a partir de 2004, mas mostra que, paralelamente, houve crescimento da parcela dos trabalhadores que têm renda inferior ao piso estabelecido pelo governo. Entre 1995 e 2012, a proporção de trabalhadores que recebem menos do que o salário mínimo subiu de 12% para 17%. Isso indicaria que a duplicação do mínimo real provou ter sido grande para ser acompanhada por um crescimento da sua cobertura. É também relevante, contudo, o fato de que a proporção de trabalhadores com contrato formal de trabalho cresceu de 48% para 58% no mesmo período. http://www.valor.com.br/cultura/3841664/diminui-o-premio-para-quem-estuda-mais 02/01/2015 às 05h00 Diminui o prêmio para quem estuda mais Por Ana Luiza Farias | Para o Valor, de Washington Um dos fatores que contribuíram para a redução da desigualdade no Brasil nos últimos anos foi a diminuição do "prêmio" de educação - em outras palavras, dos ganhos salariais relacionados com o aumento do nível educacional. Yang Wang, pesquisadora do departamento de economia da Universidade de Tulane, estudou a distribuição salarial brasileira entre 2002 e 2011, com foco nos trabalhadores homens com idade entre 16 e 65 anos. Identificou aumento de 11,1% no valor da hora trabalhada nesse período, mas verificou também que o aumento teve diferentes magnitudes, de acordo com os diversos níveis educacionais dos trabalhadores. Os salários que mais aumentaram foram os dos profissionais com nível mais baixo de escolaridade, o que contribuiu para a redução da desigualdade de renda como um todo. Apesar do impacto majoritariamente positivo do aumento da escolaridade da população, a pesquisa indicou que trabalhadores com nível superior sofreram queda nos valores absolutos reais de remuneração. Yang aponta potenciais riscos associados a esse achatamento salarial dos profissionais mais qualificados. "O custo de oportunidade da educação terciária são o esforço e o tempo do indivíduo, enquanto o benefício é a perspectiva de um mercado de trabalho melhor no futuro. Se o benefício potencial diminui, as pessoas podem optar por entrar no mercado de trabalho mais cedo, em vez de ir para a universidade." O resultado pode ser a redução da média dos anos de escolaridade dos trabalhadores, com impacto na qualificação da força de trabalho e na produtividade da economia. Para Nora Lustig, não está claro se a redução dos salários dos trabalhadores de maior escolaridade ficou concentrada entre os profissionais mais jovens ou os mais experientes. Se o principal impacto tiver ocorrido entre os mais jovens, isso indica, em sua opinião, que a educação superior tem perdido qualidade. Estaria aí um motivo de preocupação, pelos presumíveis reflexos sobre a acumulação de capital humano no futuro, uma vez que os mais jovens se sentiriam desestimulados a ir para a universidade. Se o achatamento estiver sendo puxado pelos trabalhadores mais experientes, isso pode significar que suas habilidades estão obsoletas. Se for esse o caso, diz Nora, o problema tende a se aprofundar com o envelhecimento da população. "Qualquer que seja a explicação, a redução dos salários dos profissionais com nível superior pode ser consequência do crescimento econômico lento. Se o Brasil conseguir seguir um caminho de crescimento sustentável, com inflação baixa, a redução da desigualdade pode continuar, com melhorias salariais em todos os setores." Outro fator para a redução da desigualdade foi a expansão do acesso à educação desde os anos 1980, intensificado mais recentemente. Entre 2002 e 2011, as parcelas de trabalhadores com 0-3 e 4-7 anos de educação diminuíram de 17% para 12,9% e de 30% para 20% respectivamente. Nesse período, a participação de trabalhadores com nível médio e superior subiu de 27,8% para 38,4% e de 8,1% para 10,3%. Esse aumento ajuda a explicar a queda do "prêmio educacional". Uma das hipóteses é que a oferta de profissionais com maior nível educacional tenha crescido mais do que a demanda por esse perfil de trabalhador, comprimindo os salários reais.