O ITA : A Vida Acadêmica (1955 a 1959) Francisco Leme Galvão – ITA-59 [email protected] Introdução: Este artigo reproduz uma palestra feita pelo autor dentro do CICLO DE PALESTRAS TECNOLOGIA E SOCIEDADE 2007 criado pelo Departamento de humanidades do ITA objetivando apresentar o tema “A criação da indústria aeronáutica brasileira através da memória de alguns de seus protagonistas”, e que por solicitação dos organizadores abordou os seguintes tópicos: “Estudando no ITA”, “O Clube de Vôo a Vela”, e “As Atividades Estudantis (CASD)” AS INSTALAÇÔES - As salas de aulas eram bastante semelhantes as atuais mas ainda não havia sido construído o E2, e eram equipadas com...quadros negros. Giz era um equipamento essencial. - A Biblioteca era um pouco menor, e já com os livros e revistas em sua grande maioria em inglês. - Os apartamentos no ”H-8” eram para quatro alunos, e tinham aos fundos uma área de terra dando para o “brise soleil” Niemeyeriano, de furinhos, e ótimo para escaladas até o teto. 1 - Estudando no ITA O TROTE - Como hoje a integração dos novos alunos era feita através do famigerado “trote” que na época se iniciava logo após a escolha do apelido do calouro, com o aprendizado da apresentação que deveria ser feita sempre que solicitada, e em posição de sentido, com a mão direita levantada: “Meu nome é: X (dava-se o apelido). Meu apelido é Y (dava-se o Nome). Venho das pastagens de Z (dava-se a cidade de origem). Caí no ITA por descuido, para gáudio dos inimigos da cultura e desgosto dos nobres veteranos. Vim para fazer o curso de (Aeroxongas, Eletroxongas,..)” No caso de minha turma, (59) não recebemos trote por este ter sido abolido experimentalmente pela Divisão de Alunos, devido aos excessos ocorridos no ano anterior, o que causou uma enorme frustração na turma 58 que havia sofrido os mesmos! Resultado: Ficamos a maioria sem apelidos e fomos colocados “no gelo” pelos veteranos! Um apartamento “organizado” Também cenário para bons bate papos OS MEIOS DE TRANSPORTE - O meio de transporte básico era a bicicleta. Todos nós tínhamos uma, e apenas dois ou três privilegiados de cada turma possuíam um automóvel (só existiam os importados). Para facilitar o transporte a turma de 57, capitaneada pelo aluno Waldir, lançou uma campanha para a compra de um Ônibus. Para se angariar fundos foram feitos os bailes “Noites de Santos Dumont”, no Aeroporto de Congonhas em S. Paulo, musicados por orquestras famosas, e convidando-se a fina flor do "society" paulistano. O ônibus foi finalmente comprado e um de seus muitos usos foi trazer visitas, como as alunas do Sedis Sapientiae para conhecer o ITA em fins de semana. AS FERRAMENTAS - O equipamento básico dos alunos de engenharia era a régua de cálculo, de preferência uma “log log” importada de 40 cm. Os alunos de aeronáutica e aerovias precisavam também de uma régua T, e de um estojo de desenho contendo tira linhas, compassos, etc. com os quais se desenhava usando tinta nanquim sobre papel vegetal, e em grandes pranchetas de madeiras que também equipavam as salas de aula. O máximo do luxo era se ter um estojo “Kern” suíço, e uma régua de cálculo americana “Picket” de alumínio! A SUECA - O equipamento de cálculo mais sofisticado existente era uma máquina de calcular eletromecânica “Friden” (sueca) capaz da maravilhosa proeza de efetuar operações matemáticas com grande número de dígitos. Era do Dept. de Projetos do Prof. Vandaele, engenheiro belga que havia trabalhado nos projetos dos aviões HL na Companhia Henrique Lage. Junto com ele trabalhavam o Perrier, um casmurro e reforçado projetista francês de quem se sabia apenas haver lutado como “maquis” na segunda guerra, e um simpático e rosado professor russo de cabelos brancos, que conhecíamos por “Popov”. O “time do Vandaele”, estava na época desenvolvendo o anteprojeto de um avião de treinamento bi posto lado a lado, bi reator, já com maquete de túnel ensaiada, e em fase de cálculo de cargas detalhado: o ITAPS A2. Régua de cálculo, prancheta e tecnígrafo Isto exigia um vultuoso trabalho de preenchimento manual de enormes planilhas de cálculos, todos feitos obviamente na “Friden”, e para o que o Departamento de Projetos do ITA estava recrutando o trabalho de estudantes. Eu e o meu colega Joaquim Pinhão, hoje dono da Nova Aeronáutica de Rio Claro, cursando o quarto ano nos candidatamos ao trabalho, e depois de entrevistados pelo Vandaele fomos aceitos com a condição de usar a sueca somente em períodos noturnos. Logo ficamos habituados ao sincopado ruído “tect..tect...te-tect” de trabalho da máquina, com a qual logo descobrimos poder executar um ritmo de samba, comandando divisões que resultassem em certa dízima periódica! E foi aí que numa noitada de cálculos, a vimos travar num súbito silencio, em meio a uma divisão absolutamente comum! Ligamos, desligamos. Apertamos teclas e tentamos de tudo, mas nada; a sueca estava como se tivesse sido mergulhado em um “fjord” nórdico. Fomos dormir apavorados e no dia seguinte às 7:30 estávamos frente ao mestre relatando o ocorrido. Mas ao invés de ver aquelas enormes sobrancelhas vampirescas se franzirem terrivelmente, vimos foi um largo sorriso seguido de um: “Popov, venez ici” O velho russo veio calmamente, e deixando seu enorme e habitual charuto num cinzeiro, desligou a máquina da tomada e tomando-a nas mãos a levantou acima dos ombros, e pausadamente sacudiu-a em várias posições para cima e para baixo como se estivesse preparando seu coquetel favorito de vodka. Religou a tomada, apanhou o charuto, e depois de duas baforadas acionou a máquina e: “prect-prect-prect-prect prect”. Ela terminou a divisão que havíamos iniciado na noite anterior. AS FERRAMENTAS DISPONÍVEIS Considerando-se os meios que hoje dispomos, como os computadores e seus programas (CAD, CFD, etc.), pode-se pensar, que a tecnologia da época era primitiva. No entanto basta considerar que os aviões da época como o jato militar "Mirage", o transporte civil "Caravelle", o avião supersônico B-58 , e o foguete lançador "Vanguard", ambos americanos, foram todos eles projetos feitos usando-se nada mais do que as réguas de cálculo e pranchetas. O mesmo é valido para todos os projetos que os precederam, como os aviões da segunda guerra, os motores a jato e os foguetes V1 e V2, etc.! No estágio que fiz em 1961 na "Sud Aviation" e no qual conheci o casal Paul Vallat responsável pelo projeto estrutural do "Caravelle" (ele da asa, e ela da fuselagem), pude verificar que lá também um estojo "Kern" era considerado um luxo! O "Caravelle" da "Sud Aviation" E com essas mesmas ferramentas, pudemos projetar na Neiva o “Regente”, o primeiro avião feito em chapa de alumínio produzido em série (120 aviões) de projeto 100% nacional, e o T-25 “Universal” (150 aviões), este ainda hoje usado na Academia da Força Aérea como treinamento básico. Lembro-me que levei semanas para inverter uma matriz 11 x 11 de números complexos, para determinar a velocidade de “flutter” do “Universal”! Anos depois o eng., Migues repetiu os cálculos usando o primeiro computador do ITA o IBM 1130, chegando a resultados praticamente idênticos. Hoje o mesmo cálculo seria feito em segundos com um “Palm top” ! USANDO TECNOLOGIAS “SEMI-NOVAS” O importante é se usar os conhecimentos, tecnologias, e ferramentas, que dispõe e que se DOMINE plenamente, mesmo que não sejam as mais modernas! Tendo vontade de fazer como diz o eng. Ozires: “É possível”. Ainda recentemente, desenvolvi três perfis para geradores eólicos para o LACTEC de Curitiba usando os mesmos métodos de aerodinâmica numérica da década de 60 que usei em minha tese de mestrado com apenas 11 pontos de controle. As condições de funcionamento ótimo das pás de aerogeradores são semelhantes às de uma asa de planador extraindo energia de uma corrente ascendente, procurou-se maximizar os resultados calculados de CL^1,5 Análise do perfil BRW 21 com programa XLFR certamente não dá para se fazer um satélite de comunicação e competir no mercado. A Embraer é um exemplo de sucesso comercial de exploração de um nicho acertado de aviões de porte médio, e outro mais recente é o da "TECSYS" de Sorocaba de nosso colega Koike, que acaba de fazer um contrato bilionário com a GE para a exportação de pás de geradores eólicos. No campo da aeronáutica temos novos nichos interessantes a serem avaliados: - O dos UAVs ou aviões não tripulados, civis e militares, em particular os do tipo HALE ou High Altitude Long Endurance Aircraft”, que poderão vir a suprir várias funções hoje fornecidas por satélites, com evidentes vantagens econômicas e logísticas. Antes de me aposentar no INPE tentei sem sucesso vender a idéia de projeto de um HALE e que poderia ser feito pelo INPE, em conjunto com a Embraer e usando a célula do moto planador da AEROMOT, o "Ximango". - O dos PAV ou "Personal Aerial Vehicle", que já tem um programa incentivado pela NASA através da "CAFE Foundation" visando se obter dentro de sete anos um avião pequeno, leve, silencioso, barato e facílimo de ser pilotado, e que “como um cavalo” deverá ter alguma inteligência própria (semi-UAV). - O das células de combustível onde no exterior a industria automobilística já investiu bilhões na tecnologia do hidrogênio, mas que ainda está incipiente quanto às aplicações aeronáuticas e especialmente quanto ao uso de combustíveis como o nosso etanol. NOVOS NICHOS TECNOLÓGICOS Em minha opinião, a engenharia nacional deveria se concentrar em novos nichos tecnológicos para os quais a tecnologia lá fora ainda não foi plenamente desenvolvida, mas evidentemente naqueles em que o nível de investimento necessário seja razoável e para os quais a margem de lucro não seja muito elevada para se evitar ser sufocado pela competição externa. Dá para se fazer um satélite de sensoriamento remoto, mas USANDO “VELHAS” TECNOLOGIAS Velhas tecnologias podem ser renovadas com novas aplicações. Um exemplo é a configuração de avião biplano que devido a um simples fator de escala, o que é pouco difundido, resulta em asas com 30% menos de volume, peso, e custo de material quando comparada à asa de um monoplano de mesma superfície alar, alongamento, e resistência. Um ganho, como que gratuito de peso, da / Cd para os três perfis tanto em condição lisa como rugosa. O perfil BR W 21 para pás de geradores eólicos A análise desses perfis usando um CFD disponível na internet com muito mais pontos de cálculo também mostrou terem os mesmos desempenho superior aos apresentados na literatura para essa aplicação, e a pedido do LACTEC estamos procedendo aos ensaios dos mesmos no túnel aerodinâmico do Lab. Feng do ITA, para confirmar estes resultados. mesma ordem de grandeza do que o que se obtém pela substituição de alumínio por compostos resina e fibra de carbono, não pode ser “a priori” descartado em um projeto. Em 1959 ao fazer o meu TG: o ante projeto de um cargueiro STOL de 20 toneladas, equivalente ao "Breguet 941" francês, verifiquei as vantagens de se usar uma configuração “a la 14 Bis” modernizada, confirmando a genialidade de Santos Dumont. Configuração “HSB” Modelo de túnel de meu TG. Um biplano "canard" com placas de pontas de asa (hoje seriam "winglets") devido a sua menor envergadura teria mais facilmente suas asas sopradas pelas hélices do que no projeto francês. Para equilibrar os grandes momentos picadores gerados pelas asas sopradas com flapes defletidos, a empenagem a frente iria colaborar para a sustentação máxima, o inverso do que ocorre com a empenagem do "Breguet", que usa até um perfil invertido ! Finalmente uma fuselagem em duplo piso como a do Boeing “Stratocruiser” servia para reduzir o arrasto induzido, que nos biplanos decresce com o aumento da distancia de entreplano entre as asas Isto foi em 59, mas ainda hoje a configuração “HSB” ou “Highly Staggered Biplane”, como o avião "Quickie" do Burt Rutan, um ultraleve de altíssima eficiência estrutural e aerodinâmica, deveria ser melhor investigada. Um "Airbus 380", com tal configuração teria uma envergadura 30% menor economizando espaço em aeroportos, fábricas, etc. Em caso de pane de um motor a guinada adversa seria a metade da de um bimotor ou de um monoplano quadrimotor de mesma potencia total. Pensando nos uso de células de combustível (SOFC diretas a álcool por exemplo) não só para APUs, e RATs, mas para a própria propulsão, o menor volume das asas não seria uma penalização devido ao consumo 50% inferior das mesmas. Para aviões de longo alcance, a redução do peso do combustível iria compensar o aumento de peso inicial decorrente da substituição das turbinas por motores elétricos e células para mover seus "eletro-fans". Enfim é de se analisar pois lá por 2020 poderemos ter células de combustível a etanol com valores de potencia por quilo, e volume por quilo, impensados nos dias de hoje. Mas voltemos ao passado! 2 – O VÔO a VELA e o CVVCTA Este ano comemoramos os 50 anos de fundação do CVVCTA, em sua sede no condomínio de Ipuã em Caçapava. O clube foi fundado por pioneiros como o saudoso prof. Lacaz, o Cel. Aldo da Rosa (fundador do INPE), Joseph Kovacs, George Münch, e outros. Favoreceu muito a convivência entre os alunos civis e os militares que pilotavam os aviões rebocadores do CTA. O prof. Vandaele foi o grande incentivador do clube e logo criou um grupo de projetos formado por alunos nos moldes dos “Akaflieg” das universidades alemãs. Ciência porque, concomitante com os campeonatos mundiais de vôo à vela ocorrem os congressos da OSTIV, “Organization Scientifique Iternationale du Vol a Voile”, reunindo engenheiros e pesquisadores do mundo todo, envolvidos em projeto e construção de planadores e meteorologia. Muitas tecnologias hoje aplicadas nos aviões foram pioneiramente desenvolvidas em planadores. As estruturas em material composto de fibra de vidro, vêm sendo usadas desde 1962 com a fabricação do planador Libelle, e o recente planador polonês "Diane" é uma das primeiras aeronaves produzida em série a ter 100% de sua estrutura em fibra de carbono. O prof. Renée Marie Vandaele Foi daí que sugiram os projetos e protótipos desenhados e construídos no ITA e por alunos do ITA (sob a liderança do Guido Pessotti): o avião rebocador “Panelinha” e o planador “Urupema”, que se tornou depois a primeira aeronave produzida em série pela EMBRAER. O avião rebocador “Panelinha” A importância do vôo à vela para a fixação da vocação aeronáutica fica evidenciada pelos nomes do núcleo inicial que constitui a EMBRAER. Ozires, Guido, Michel Cury, Garcia, Alcindo, Satoshi (vice-presidente), e outros, todos eles foram praticantes desse esporte ciência. Tecnologias de ponta Em aerodinâmica os planadores foram pioneiros no uso da cauda em forma de “T”, no desenvolvimento de novas formas de perfis de asa laminares, e de formas de fuselagens de baixo arrasto. Muito do conhecimento detalhado de fenômenos de micro meteorologia como térmicas, ondas de sotavento, turbulência atmosférica, etc. deve-se aos estudos feitos relacionados ao vôo de planadores. 3 – ATIVIDADES ESTUDANTÍS NO ITA Devido ao reduzido número de automóveis a maioria dos alunos permanecia no ITA nos finais de semana. Muitos outros sendo de estados distantes como norte e nordeste, somente iam para suas casas nas férias quando conseguiam lugar nos aviões da FAB. Isto fazia com que as atividades do CASD fossem muito intensas, e as festividades muito concorridas. Elas se iniciavam com o baile do calouro também denominado “Baile do Besouro“, pois coincidia com a época que o campus do CTA costumava ser invadido por estes insetos. O de nossa turma, aproveitando ser 59 um ano de eleições, consistiu na execução de um comício na praça em S. José com direito a palanque, e discurso do falso candidato, o Mario Lucas D´Avila, seguido de desfile. O desfile da T-59 na rua 15 em S. José Seria difícil superar, e acredito que nada irá superar o centediário da turma 58: Desenho do cinzeiro (fumava-se) das mesas do baile do besouro com o símbolo humorístico do CASD, a “Brux-ita” Durante alguns anos tivemos no inverno a já citada “Noite de Gala Santos Dumont” Cada turma ao completar mil e um dias de chegada ao ITA promovia a sua festividade de “As mil e uma noites”, tema que hoje poderia ser considerado politicamente incorreto. As “Mil e uma noites” a caráter da T-59 Aos 100 dias antes da formatura, era a vez do tradicional “Centediário” dos quinto anistas. O ROUBO E O LANÇAMENTO DO RX1 Foi no laboratório de estruturas o famoso “Elefante Branco”, que os formandos de 1958 construíram uma estrutura oca de foguete, denominado o “RX-1” com a finalidade de dar o maior trote que se tem notícia à população de S. José e arredores. O lançamento do foguete que “iria colocar em órbita o primeiro satélite brasileiro e o Brasil no ranking das potencias espaciais”, foi noticiado por semanas pela imprensa falada e escrita do vale do Paraíba. Na noite do “centediario”, um cortejo de carros precedido por bombeiros e sirenes, desfilou pela avenida central da cidade levando o RX1 em direção à praça situada atrás da matriz, onde já se apinhava uma enorme multidão de curiosos vindo de bairros, fazendas, e cidades vizinhas. Após uma hora de discursos e diálogos bilíngües simulando contatos com cabo "Canaveral", tudo transmitido por alto-falantes colocados no telhado da igreja, os alunos alguns deles vestidos com roupagens de amianto simulando astronautas e outros portando extintores, iniciaram finalmente a contagem regressiva para o lançamento 10, 9.....3, 2, 1, ZERO! As sirenes entraram em funcionamento, e na base do foguete várias granadas fumígenas se acenderam passando a expelir colunas de fumaça colorida e emitindo um ruído surdo, VRUMMMMM! O povo em torno apavorado e boquiaberto começou recuar. O "lançamento" do RX - 1 (foto Manchete). Depois de alguns minutos o barulho e a pirotecnia cessaram, e em meio ao silêncio subseqüente, do topo do foguete partiram apenas alguns “caramurus”: “Pof...Poum... Pof”! Os alunos retiraram as fantasias de astronautas, e trocando os extintores por instrumentos de fanfarra, saíram em desfile, levando a frente uma faixa com dizeres comemorativos ao “centediário” e saudando o povo de S. José dos Campos. Até hoje não sei como não foram linchados, mas o feito foi motivo de amplo noticiário da imprensa, inclusive de uma bela reportagem na revista “Manchete”. Mas o que poucos sabem, é que na véspera do lançamento, eu, Pinhão, Heitor e o saudoso Fernando de Almeida (mais conhecido como piloto e repórter das revistas de aviação), havíamos surrupiado o foguete de dentro do “Elefante Branco”, e o tínhamos escondido em meio a sacos de cimento dentro do E1 ainda em construção. A manhã do dia do “centediário” foi um martírio para nossos colegas da turma 58 desesperados com o sumiço do RX-1. Somente a tarde é que revelamos o paradeiro do foguete, cumprindo a promessa feita ao prof. Ricardo, nosso saudoso mestre de estruturas, que fora quem nos emprestara a chave do laboratório colaborando com o “roubo”. ATIVIDADES MAIS “SÉRIAS” Mas nem tudo eram apenas festividades, e muitas atividades no CASD ajudavam a construir uma base mais humana e profissionalizante dos futuros engenheiros. Marcio Porta e José Ricardo de minha turma criaram “O Suplemento” um jornalzinho feito em mimeógrafo onde semanalmente os alunos publicavam artigos, pensamentos, gozações, e até mesmo críticas ao CTA, e obviamente muitas ao restaurante. As atividades teatrais incentivadas pelos professores Rebello, Wallauchek e pelo Doutor Faleck eram intensas. O governo Federal após do sucesso da implantação da industria automobilística através do GEIA (Grupo Executivo da Industria Automobilística), lançou o GEIMA (idem da Industria de Material Aeronáutico). Incentivados pelo prof. Vandaele, vários alunos passaram a participar das palestras e discussões do Grupo apesar do cansativo e necessário bate e volta de ônibus ao Rio de Janeiro que isso exigia. Foi assim que conheci um barzinho na praça Mauá onde o Vandaele adorava saborear de madrugada um “cheiroso” sanduíche de “camembert”. Se a industria aeronáutica tivesse seguido os rumos estabelecidos no GEIMA, talvez a Aerotec, a Neiva, e a Motortec ainda existissem, e também a industria de componentes aeronáuticos fosse hoje mais exuberante. PANORAMA INDUSTRIAL A indústria automobilística deslanchava e junto com a Petrobras oferecia os melhores empregos para os formandos do ITA Nossa principal industria aeronáutica na época era a Fokker holandesa que produzia em sua fábrica no Galeão no Rio de Janeiro os treinadores S-11 para a FAB, e que se propunha a fabricar no Brasil o seu jato de treinamento S-14 o que não se concretizou. Embora já houvesse decidido a ir trabalhar na Fokker, face à proposição dessa de que deveria cancelar minha bolsa de estágio que havia recebido da ASTEF do governo francês, trocando-a por uma “provável futura e mais bem remunerada” estadia na Holanda, mudei de rumo na última hora indo trabalhar em Botucatú onde o Neiva concordou em pagar meio salário durante os seis meses de bolsa na França contra um contrato mínimo de dois anos de permanência na Neiva. ATIVIDADES POLÍTICAS As atividades do CASD eram muito pouco politizadas, mas isso pode ser uma visão de alguém que como eu na época era uma pessoa bastante alienada. Minha única experiência política tinha sido a de recolher e conduzir “eleitores de cabresto” no município de Lavrinhas no Vale do Paraíba. Estes eram apanhados de caminhonete em suas casinhas na roça e conduzidos até a boca das urnas, sendo vigiados para que a oposição não trocasse as cédulas do interior de seus envelopes . Assim era (?) a nossa democracia... Havia no entanto alguns colegas que, como membros da JUC (Juventude Universitária Católica), participavam de discussões e reuniões políticas com outros jovens da cidade, o que levou o meu colega Pedro John a convocar uma assembléia para denunciar uma alegada tentativa de “cristianização” do CASD. No último ano do curso fui escolhido como representante dos alunos da modalidade de Aeronaves, que junto com as de Eletrônica e de Aerovias formavam as três opções do curso profissional. Dentro da turma já se notava um movimento iniciado por nossos colegas de farda (eram 4) no sentido de se escolher para paraninfo o presidente Juscelino Kubitischek. Este foi reforçado por uma bela viagem de DC3 oferecida a nossa turma para conhecer as obras de Brasília, com direito a pouso no Hotel de luxo da “Novacap”. Hoje concluo que o objetivo do movimento, deveria ser o de melhorar junto ao presidente a imagem da FAB, que ficara manchada com a frustrada revolta de Aragarças promovida pelos major Paulo Victor e Capitão Lameirão. Nossa turma estava dividida em vários grupos pequenos cada um deles desejando como paraninfo um determinado professor e a assim o grupo pro Juscelino estava tranqüilo. Na reunião de escolha no entanto, eu e o João Godoy representante da Aerovias, propusemos e conseguimos, que a eleição fosse feita em dois turnos, sendo o primeiro para decidir se o paraninfo seria de dentro ou de fora do CTA. Com a união dos vários grupos que queriam professores derrotamos os juscelinistas, e no segundo turno foi então escolhido o prof. Oswaldo Fadigas. No início da noite nós três, representantes de turma, fomos convocados a comparecer ao apartamento do H19 do coronel Leal onde já estava uma coorte solene de vários militares. Lá nos foi explicado que o reitor Samuel S. Steinberg havia se antecipado e convidado o Juscelino sendo nos mostrado um telegrama vindo do gabinete da presidência em Brasília aceitando o convite e pedindo detalhes para preparação do discurso do paraninfo. Recuar a estas alturas, representaria uma desgraça para o ITA e CTA. Saímos de lá aturdidos, e convocamos uma assembléia imediata da turma, e lá pela uma da madrugada chegamos a uma decisão “salomônica”. A turma 59 abria mão da cerimônia de formatura, e sendo assim desnecessário seria haver um paraninfo. Dois dias após comunicarmos essa nossa decisão, nós fomos informados pela divisão de alunos, que tudo não passara de um mal entendido e que, o tal telegrama viera de um segundo escalão (...), e... o Juscelino não havia sequer sido informado do convite. Como disse eram tempos de democracia! Que essa grande aliança e amizade entre os corpos discente e docente continue para sempre a ser um dos distintivos do ITA. Encerrando, um lembrete parodiando o versículo Mt. 6 - 26: ...”Olhai as aves do céu, elas não calculam nem estudam, e nem com as mais sofisticadas máquinas conseguimos voar como elas”... Afinal, alguém ja ouviu falar de uma ave que houvesse morrido por estolar no pouso ou na decolagem? O prof. Oswaldo Fadigas Fontes Torres E foi assim que tivemos uma bela formatura e como paraninfo o prof. Fadigas, que até 2005 enquanto vivo, foi junto com sua esposa, um assíduo freqüentador de nossas reuniões de turma, a qual também, tem contado várias vezes com a presença de nosso mestre e homenageado da turma: o prof. Cecchini. Um "Sarcorhamphus Condor", e seus "winglets"