O ITA : A Vida Acadêmica
(1955 a 1959)
Francisco Leme Galvão – ITA-59
[email protected]
Introdução:
Este artigo reproduz uma palestra feita pelo
autor dentro do CICLO DE PALESTRAS
TECNOLOGIA E SOCIEDADE 2007 criado
pelo Departamento de humanidades do ITA
objetivando apresentar o tema “A criação da
indústria aeronáutica brasileira através da
memória de alguns de seus protagonistas”, e
que por solicitação dos organizadores
abordou os seguintes tópicos: “Estudando no
ITA”, “O Clube de Vôo a Vela”, e “As
Atividades Estudantis (CASD)”
AS INSTALAÇÔES - As salas de aulas eram
bastante semelhantes as atuais mas ainda
não havia sido construído o E2, e eram
equipadas com...quadros negros. Giz era um
equipamento essencial.
- A Biblioteca era um pouco menor, e já com
os livros e revistas em sua grande maioria em
inglês.
- Os apartamentos no ”H-8” eram para quatro
alunos, e tinham aos fundos uma área de
terra dando para o “brise soleil” Niemeyeriano,
de furinhos, e ótimo para escaladas até o teto.
1 - Estudando no ITA
O TROTE - Como hoje a integração dos
novos alunos era feita através do famigerado
“trote” que na época se iniciava logo após a
escolha do apelido do calouro, com o
aprendizado da apresentação que deveria ser
feita sempre que solicitada, e em posição de
sentido, com a mão direita levantada:
“Meu nome é: X (dava-se o apelido).
Meu apelido é Y (dava-se o Nome).
Venho das pastagens de Z (dava-se
a cidade de origem).
Caí no ITA por descuido, para gáudio
dos inimigos da cultura e desgosto
dos nobres veteranos. Vim para fazer
o curso de (Aeroxongas, Eletroxongas,..)”
No caso de minha turma, (59) não recebemos
trote por este ter sido abolido
experimentalmente pela Divisão de Alunos,
devido aos excessos ocorridos no ano
anterior, o que causou uma enorme frustração
na turma 58 que havia sofrido os mesmos!
Resultado: Ficamos a maioria sem apelidos e
fomos colocados “no gelo” pelos veteranos!
Um apartamento “organizado”
Também cenário para bons bate papos
OS MEIOS DE TRANSPORTE - O meio de
transporte básico era a bicicleta. Todos nós
tínhamos uma, e apenas dois ou três
privilegiados de cada turma possuíam um
automóvel (só existiam os importados).
Para facilitar o transporte a turma de 57,
capitaneada pelo aluno Waldir, lançou uma
campanha para a compra de um Ônibus.
Para se angariar fundos foram feitos os bailes
“Noites de Santos Dumont”, no Aeroporto de
Congonhas em S. Paulo, musicados por
orquestras famosas, e convidando-se a fina
flor do "society" paulistano.
O ônibus foi finalmente comprado e um de
seus muitos usos foi trazer visitas, como as
alunas do Sedis Sapientiae para conhecer o
ITA em fins de semana.
AS FERRAMENTAS - O equipamento básico
dos alunos de engenharia era a régua de
cálculo, de preferência uma “log log”
importada de 40 cm. Os alunos de
aeronáutica e aerovias precisavam também
de uma régua T, e de um estojo de desenho
contendo tira linhas, compassos, etc. com os
quais se desenhava usando tinta nanquim
sobre papel vegetal, e em grandes pranchetas
de madeiras que também equipavam as salas
de aula.
O máximo do luxo era se ter um estojo “Kern”
suíço, e uma régua de cálculo americana
“Picket” de alumínio!
A SUECA - O equipamento de cálculo mais
sofisticado existente era uma máquina de
calcular eletromecânica “Friden” (sueca)
capaz da maravilhosa proeza de efetuar
operações matemáticas com grande número
de dígitos. Era do Dept. de Projetos do Prof.
Vandaele, engenheiro belga que havia
trabalhado nos projetos dos aviões HL na
Companhia Henrique Lage.
Junto com ele trabalhavam o Perrier, um
casmurro e reforçado projetista francês de
quem se sabia apenas haver lutado como
“maquis” na segunda guerra, e um simpático
e rosado professor russo de cabelos brancos,
que conhecíamos por “Popov”.
O “time do Vandaele”, estava na época
desenvolvendo o anteprojeto de um avião de
treinamento bi posto lado a lado, bi reator, já
com maquete de túnel ensaiada, e em fase de
cálculo de cargas detalhado: o ITAPS A2.
Régua de cálculo, prancheta e tecnígrafo
Isto exigia um vultuoso trabalho de
preenchimento manual de enormes planilhas
de cálculos, todos feitos obviamente na
“Friden”, e para o que o Departamento de
Projetos do ITA estava recrutando o trabalho
de estudantes. Eu e o meu colega Joaquim
Pinhão, hoje dono da Nova Aeronáutica de
Rio Claro, cursando o quarto ano nos
candidatamos ao trabalho, e depois de
entrevistados pelo Vandaele fomos aceitos
com a condição de usar a sueca somente em
períodos noturnos.
Logo ficamos habituados ao sincopado ruído
“tect..tect...te-tect” de trabalho da máquina,
com a qual logo descobrimos poder executar
um ritmo de samba, comandando divisões
que resultassem em certa dízima periódica!
E foi aí que numa noitada de cálculos, a
vimos travar num súbito silencio, em meio a
uma divisão absolutamente comum! Ligamos,
desligamos. Apertamos teclas e tentamos de
tudo, mas nada; a sueca estava como se
tivesse sido mergulhado em um “fjord”
nórdico.
Fomos dormir apavorados e no dia seguinte
às 7:30 estávamos frente ao mestre relatando
o ocorrido. Mas ao invés de ver aquelas
enormes sobrancelhas vampirescas se
franzirem terrivelmente, vimos foi um largo
sorriso seguido de um: “Popov, venez ici”
O velho russo veio calmamente, e deixando
seu enorme e habitual charuto num cinzeiro,
desligou a máquina da tomada e tomando-a
nas mãos a levantou acima dos ombros, e
pausadamente sacudiu-a em várias posições
para cima e para baixo como se estivesse
preparando seu coquetel favorito de vodka.
Religou a tomada, apanhou o charuto, e
depois de duas baforadas acionou a máquina
e: “prect-prect-prect-prect prect”. Ela terminou
a divisão que havíamos iniciado na noite
anterior.
AS FERRAMENTAS DISPONÍVEIS
Considerando-se os meios que hoje
dispomos, como os computadores e seus
programas (CAD, CFD, etc.), pode-se pensar,
que a tecnologia da época era primitiva.
No entanto basta considerar que os aviões da
época como o jato militar "Mirage", o
transporte civil "Caravelle", o avião
supersônico B-58 , e o foguete lançador
"Vanguard", ambos americanos, foram todos
eles projetos feitos usando-se nada mais do
que as réguas de cálculo e pranchetas.
O mesmo é valido para todos os projetos que
os precederam, como os aviões da segunda
guerra, os motores a jato e os foguetes V1 e
V2, etc.!
No estágio que fiz em 1961 na "Sud Aviation"
e no qual conheci o casal Paul Vallat
responsável pelo projeto estrutural do
"Caravelle" (ele da asa, e ela da fuselagem),
pude verificar que lá também um estojo "Kern"
era considerado um luxo!
O "Caravelle" da "Sud Aviation"
E com essas mesmas ferramentas, pudemos
projetar na Neiva o “Regente”, o primeiro
avião feito em chapa de alumínio produzido
em série (120 aviões) de projeto 100%
nacional, e o T-25 “Universal” (150 aviões),
este ainda hoje usado na Academia da Força
Aérea como treinamento básico.
Lembro-me que levei semanas para inverter
uma matriz 11 x 11 de números complexos,
para determinar a velocidade de “flutter” do
“Universal”!
Anos depois o eng., Migues repetiu os
cálculos usando o primeiro computador do
ITA o IBM 1130, chegando a resultados
praticamente idênticos. Hoje o mesmo cálculo
seria feito em segundos com um “Palm top” !
USANDO TECNOLOGIAS “SEMI-NOVAS”
O importante é se usar os conhecimentos,
tecnologias, e ferramentas, que dispõe e que
se DOMINE plenamente, mesmo que não
sejam as mais modernas!
Tendo vontade de fazer como diz o eng.
Ozires: “É possível”.
Ainda recentemente, desenvolvi três perfis
para geradores eólicos para o LACTEC de
Curitiba usando os mesmos métodos de
aerodinâmica numérica da década de 60 que
usei em minha tese de mestrado com apenas
11 pontos de controle.
As condições de funcionamento ótimo das
pás de aerogeradores são semelhantes às de
uma asa de planador extraindo energia de
uma corrente ascendente, procurou-se
maximizar os resultados calculados de CL^1,5
Análise do perfil BRW 21 com programa XLFR
certamente não dá para se fazer um satélite
de comunicação e competir no mercado.
A Embraer é um exemplo de sucesso
comercial de exploração de um nicho
acertado de aviões de porte médio, e outro
mais recente é o da "TECSYS" de Sorocaba
de nosso colega Koike, que acaba de fazer
um contrato bilionário com a GE para a
exportação de pás de geradores eólicos.
No campo da aeronáutica temos novos nichos
interessantes a serem avaliados:
- O dos UAVs ou aviões não tripulados, civis e
militares, em particular os do tipo HALE ou
High Altitude Long Endurance Aircraft”, que
poderão vir a suprir várias funções hoje
fornecidas por satélites, com evidentes
vantagens econômicas e logísticas.
Antes de me aposentar no INPE tentei sem
sucesso vender a idéia de projeto de um
HALE e que poderia ser feito pelo INPE, em
conjunto com a Embraer e usando a célula do
moto planador da AEROMOT, o "Ximango".
- O dos PAV ou "Personal Aerial Vehicle", que
já tem um programa incentivado pela NASA
através da "CAFE Foundation" visando se
obter dentro de sete anos um avião pequeno,
leve, silencioso, barato e facílimo de ser
pilotado, e que “como um cavalo” deverá ter
alguma inteligência própria (semi-UAV).
- O das células de combustível onde no
exterior a industria automobilística já investiu
bilhões na tecnologia do hidrogênio, mas que
ainda está incipiente quanto às aplicações
aeronáuticas e especialmente quanto ao uso
de combustíveis como o nosso etanol.
NOVOS NICHOS TECNOLÓGICOS
Em minha opinião, a engenharia nacional
deveria se concentrar em novos nichos
tecnológicos para os quais a tecnologia lá fora
ainda não foi plenamente desenvolvida, mas
evidentemente naqueles em que o nível de
investimento necessário seja razoável e para
os quais a margem de lucro não seja muito
elevada para se evitar ser sufocado pela
competição externa. Dá para se fazer um
satélite de sensoriamento remoto, mas
USANDO “VELHAS” TECNOLOGIAS
Velhas tecnologias podem ser renovadas com
novas aplicações. Um exemplo é a
configuração de avião biplano que devido a
um simples fator de escala, o que é pouco
difundido, resulta em asas com 30% menos
de volume, peso, e custo de material quando
comparada à asa de um monoplano de
mesma superfície alar, alongamento, e
resistência.
Um ganho, como que gratuito de peso, da
/ Cd para os três perfis tanto em condição lisa
como rugosa.
O perfil BR W 21 para pás de geradores eólicos
A análise desses perfis usando um CFD
disponível na internet com muito mais pontos
de cálculo também mostrou terem os mesmos
desempenho superior aos apresentados na
literatura para essa aplicação, e a pedido do
LACTEC estamos procedendo aos ensaios
dos mesmos no túnel aerodinâmico do Lab.
Feng do ITA, para confirmar estes resultados.
mesma ordem de grandeza do que o que se
obtém pela substituição de alumínio por
compostos resina e fibra de carbono, não
pode ser “a priori” descartado em um projeto.
Em 1959 ao fazer o meu TG: o ante projeto
de um cargueiro STOL de 20 toneladas,
equivalente ao "Breguet 941" francês,
verifiquei as vantagens de se usar uma
configuração “a la 14 Bis” modernizada,
confirmando a genialidade de Santos Dumont.
Configuração “HSB”
Modelo de túnel de meu TG.
Um biplano "canard" com placas de pontas de
asa (hoje seriam "winglets") devido a sua
menor envergadura teria mais facilmente suas
asas sopradas pelas hélices do que no projeto
francês.
Para equilibrar os grandes momentos
picadores gerados pelas asas sopradas com
flapes defletidos, a empenagem a frente iria
colaborar para a sustentação máxima, o
inverso do que ocorre com a empenagem do
"Breguet", que usa até um perfil invertido !
Finalmente uma fuselagem em duplo piso
como a do Boeing “Stratocruiser” servia para
reduzir o arrasto induzido, que nos biplanos
decresce com o aumento da distancia de
entreplano entre as asas
Isto foi em 59, mas ainda hoje a configuração
“HSB” ou “Highly Staggered Biplane”, como o
avião "Quickie" do Burt Rutan, um ultraleve de
altíssima eficiência estrutural e aerodinâmica,
deveria ser melhor investigada.
Um "Airbus 380", com tal configuração teria
uma envergadura 30% menor economizando
espaço em aeroportos, fábricas, etc.
Em caso de pane de um motor a guinada
adversa seria a metade da de um bimotor ou
de um monoplano quadrimotor de mesma
potencia total.
Pensando nos uso de células de combustível
(SOFC diretas a álcool por exemplo) não só
para APUs, e RATs, mas para a própria
propulsão, o menor volume das asas não
seria uma penalização devido ao consumo
50% inferior das mesmas.
Para aviões de longo alcance, a redução do
peso do combustível iria compensar o
aumento de peso inicial decorrente da
substituição das turbinas por motores elétricos
e células para mover seus "eletro-fans".
Enfim é de se analisar pois lá por 2020
poderemos ter células de combustível a
etanol com valores de potencia por quilo, e
volume por quilo, impensados nos dias de
hoje. Mas voltemos ao passado!
2 – O VÔO a VELA e o CVVCTA
Este ano comemoramos os 50 anos de
fundação do CVVCTA, em sua sede no
condomínio de Ipuã em Caçapava. O clube
foi fundado por pioneiros como o saudoso
prof. Lacaz, o Cel. Aldo da Rosa (fundador do
INPE), Joseph Kovacs, George Münch, e
outros.
Favoreceu muito a convivência entre os
alunos civis e os militares que pilotavam os
aviões rebocadores do CTA.
O prof. Vandaele foi o grande incentivador do
clube e logo criou um grupo de projetos
formado por alunos nos moldes dos “Akaflieg”
das universidades alemãs.
Ciência porque, concomitante com os
campeonatos mundiais de vôo à vela ocorrem
os congressos da OSTIV, “Organization
Scientifique Iternationale du Vol a Voile”,
reunindo engenheiros e pesquisadores do
mundo todo, envolvidos em projeto e
construção de planadores e meteorologia.
Muitas tecnologias hoje aplicadas nos aviões
foram pioneiramente desenvolvidas em
planadores.
As estruturas em material composto de fibra
de vidro, vêm sendo usadas desde 1962 com
a fabricação do planador Libelle, e o recente
planador polonês "Diane" é uma das primeiras
aeronaves produzida em série a ter 100% de
sua estrutura em fibra de carbono.
O prof. Renée Marie Vandaele
Foi daí que sugiram os projetos e protótipos
desenhados e construídos no ITA e por
alunos do ITA (sob a liderança do Guido
Pessotti): o avião rebocador “Panelinha” e o
planador “Urupema”, que se tornou depois a
primeira aeronave produzida em série pela
EMBRAER.
O avião rebocador “Panelinha”
A importância do vôo à vela para a fixação da
vocação aeronáutica fica evidenciada pelos
nomes do núcleo inicial que constitui a
EMBRAER. Ozires, Guido, Michel Cury,
Garcia, Alcindo, Satoshi (vice-presidente), e
outros, todos eles foram praticantes desse
esporte ciência.
Tecnologias de ponta
Em aerodinâmica os planadores foram
pioneiros no uso da cauda em forma de “T”,
no desenvolvimento de novas formas de
perfis de asa laminares, e de formas de
fuselagens de baixo arrasto.
Muito do conhecimento detalhado de
fenômenos de micro meteorologia como
térmicas, ondas de sotavento, turbulência
atmosférica, etc. deve-se aos estudos feitos
relacionados ao vôo de planadores.
3 – ATIVIDADES ESTUDANTÍS NO ITA
Devido ao reduzido número de automóveis a
maioria dos alunos permanecia no ITA nos
finais de semana. Muitos outros sendo de
estados distantes como norte e nordeste,
somente iam para suas casas nas férias
quando conseguiam lugar nos aviões da FAB.
Isto fazia com que as atividades do CASD
fossem muito intensas, e as festividades
muito concorridas.
Elas se iniciavam com o baile do calouro
também denominado “Baile do Besouro“, pois
coincidia com a época que o campus do CTA
costumava ser invadido por estes insetos.
O de nossa turma, aproveitando ser 59 um
ano de eleições, consistiu na execução de um
comício na praça em S. José com direito a
palanque, e discurso do falso candidato, o
Mario Lucas D´Avila, seguido de desfile.
O desfile da T-59 na rua 15 em S. José
Seria difícil superar, e acredito que nada irá
superar o centediário da turma 58:
Desenho do cinzeiro (fumava-se) das mesas do
baile do besouro com o símbolo humorístico do
CASD, a “Brux-ita”
Durante alguns anos tivemos no inverno a já
citada “Noite de Gala Santos Dumont”
Cada turma ao completar mil e um dias de
chegada ao ITA promovia a sua festividade de
“As mil e uma noites”, tema que hoje poderia
ser considerado politicamente incorreto.
As “Mil e uma noites” a caráter da T-59
Aos 100 dias antes da formatura, era a vez do
tradicional “Centediário” dos quinto anistas.
O ROUBO E O LANÇAMENTO DO RX1
Foi no laboratório de estruturas o famoso
“Elefante Branco”, que os formandos de 1958
construíram uma estrutura oca de foguete,
denominado o “RX-1” com a finalidade de dar
o maior trote que se tem notícia à população
de S. José e arredores.
O lançamento do foguete que “iria colocar em
órbita o primeiro satélite brasileiro e o Brasil
no ranking das potencias espaciais”, foi
noticiado por semanas pela imprensa falada e
escrita do vale do Paraíba.
Na noite do “centediario”, um cortejo de carros
precedido por bombeiros e sirenes, desfilou
pela avenida central da cidade levando o RX1 em direção à praça situada atrás da matriz,
onde já se apinhava uma enorme multidão de
curiosos vindo de bairros, fazendas, e cidades
vizinhas.
Após uma hora de discursos e diálogos
bilíngües simulando contatos com cabo
"Canaveral", tudo transmitido por alto-falantes
colocados no telhado da igreja, os alunos
alguns deles vestidos com roupagens de
amianto simulando astronautas e outros
portando extintores, iniciaram finalmente a
contagem regressiva para o lançamento 10,
9.....3, 2, 1, ZERO!
As sirenes entraram em funcionamento, e na
base do foguete várias granadas fumígenas
se acenderam passando a expelir colunas de
fumaça colorida e emitindo um ruído surdo,
VRUMMMMM! O povo em torno apavorado e
boquiaberto começou recuar.
O "lançamento" do RX - 1 (foto Manchete).
Depois de alguns minutos o barulho e a
pirotecnia cessaram, e em meio ao silêncio
subseqüente, do topo do foguete partiram
apenas alguns “caramurus”: “Pof...Poum...
Pof”! Os alunos retiraram as fantasias de
astronautas, e trocando os extintores por
instrumentos de fanfarra, saíram em desfile,
levando a frente uma faixa com dizeres
comemorativos ao “centediário” e saudando o
povo de S. José dos Campos.
Até hoje não sei como não foram linchados,
mas o feito foi motivo de amplo noticiário da
imprensa, inclusive de uma bela reportagem
na revista “Manchete”.
Mas o que poucos sabem, é que na véspera
do lançamento, eu, Pinhão, Heitor e o
saudoso Fernando de Almeida (mais
conhecido como piloto e repórter das revistas
de aviação), havíamos surrupiado o foguete
de dentro do “Elefante Branco”, e o tínhamos
escondido em meio a sacos de cimento
dentro do E1 ainda em construção.
A manhã do dia do “centediário” foi um
martírio para nossos colegas da turma 58
desesperados com o sumiço do RX-1.
Somente a tarde é que revelamos o paradeiro
do foguete, cumprindo a promessa feita ao
prof. Ricardo, nosso saudoso mestre de
estruturas, que fora quem nos emprestara a
chave do laboratório colaborando com o
“roubo”.
ATIVIDADES MAIS “SÉRIAS”
Mas nem tudo eram apenas festividades, e
muitas atividades no CASD ajudavam a
construir uma base mais humana e
profissionalizante dos futuros engenheiros.
Marcio Porta e José Ricardo de minha turma
criaram “O Suplemento” um jornalzinho feito
em mimeógrafo onde semanalmente os
alunos publicavam artigos, pensamentos,
gozações, e até mesmo críticas ao CTA, e
obviamente muitas ao restaurante.
As atividades teatrais incentivadas pelos
professores Rebello, Wallauchek e pelo
Doutor Faleck eram intensas.
O governo Federal após do sucesso da
implantação da industria automobilística
através do GEIA (Grupo Executivo da
Industria Automobilística), lançou o GEIMA
(idem da Industria de Material Aeronáutico).
Incentivados pelo prof. Vandaele, vários
alunos passaram a participar das palestras e
discussões do Grupo apesar do cansativo e
necessário bate e volta de ônibus ao Rio de
Janeiro que isso exigia. Foi assim que
conheci um barzinho na praça Mauá onde o
Vandaele adorava saborear de madrugada
um “cheiroso” sanduíche de “camembert”.
Se a industria aeronáutica tivesse seguido os
rumos estabelecidos no GEIMA, talvez a
Aerotec, a Neiva, e a Motortec ainda
existissem, e também a industria de
componentes aeronáuticos fosse hoje mais
exuberante.
PANORAMA INDUSTRIAL
A indústria automobilística deslanchava e
junto com a Petrobras oferecia os melhores
empregos para os formandos do ITA
Nossa principal industria aeronáutica na
época era a Fokker holandesa que produzia
em sua fábrica no Galeão no Rio de Janeiro
os treinadores S-11 para a FAB, e que se
propunha a fabricar no Brasil o seu jato de
treinamento S-14 o que não se concretizou.
Embora já houvesse decidido a ir trabalhar na
Fokker, face à proposição dessa de que
deveria cancelar minha bolsa de estágio que
havia recebido da ASTEF do governo francês,
trocando-a por uma “provável futura e mais
bem remunerada” estadia na Holanda, mudei
de rumo na última hora indo trabalhar em
Botucatú onde o Neiva concordou em pagar
meio salário durante os seis meses de bolsa
na França contra um contrato mínimo de dois
anos de permanência na Neiva.
ATIVIDADES POLÍTICAS
As atividades do CASD eram muito pouco
politizadas, mas isso pode ser uma visão de
alguém que como eu na época era uma
pessoa bastante alienada.
Minha única experiência política tinha sido a
de recolher e conduzir “eleitores de cabresto”
no município de Lavrinhas no Vale do
Paraíba. Estes eram apanhados de
caminhonete em suas casinhas na roça e
conduzidos até a boca das urnas, sendo
vigiados para que a oposição não trocasse as
cédulas do interior de seus envelopes . Assim
era (?) a nossa democracia...
Havia no entanto alguns colegas que, como
membros da JUC (Juventude Universitária
Católica), participavam de discussões e
reuniões políticas com outros jovens da
cidade, o que levou o meu colega Pedro John
a convocar uma assembléia para denunciar
uma alegada tentativa de “cristianização” do
CASD.
No último ano do curso fui escolhido como
representante dos alunos da modalidade de
Aeronaves, que junto com as de Eletrônica e
de Aerovias formavam as três opções do
curso profissional.
Dentro da turma já se notava um movimento
iniciado por nossos colegas de farda (eram 4)
no sentido de se escolher para paraninfo o
presidente Juscelino Kubitischek. Este foi
reforçado por uma bela viagem de DC3
oferecida a nossa turma para conhecer as
obras de Brasília, com direito a pouso no
Hotel de luxo da “Novacap”.
Hoje concluo que o objetivo do movimento,
deveria ser o de melhorar junto ao presidente
a imagem da FAB, que ficara manchada com
a frustrada revolta de Aragarças promovida
pelos major Paulo Victor e Capitão Lameirão.
Nossa turma estava dividida em vários grupos
pequenos cada um deles desejando como
paraninfo um determinado professor e a
assim o grupo pro Juscelino estava tranqüilo.
Na reunião de escolha no entanto, eu e o
João Godoy representante da Aerovias,
propusemos e conseguimos, que a eleição
fosse feita em dois turnos, sendo o primeiro
para decidir se o paraninfo seria de dentro ou
de fora do CTA.
Com a união dos vários grupos que queriam
professores derrotamos os juscelinistas, e no
segundo turno foi então escolhido o prof.
Oswaldo Fadigas.
No início da noite nós três, representantes de
turma, fomos convocados a comparecer ao
apartamento do H19 do coronel Leal onde já
estava uma coorte solene de vários militares.
Lá nos foi explicado que o reitor Samuel S.
Steinberg havia se antecipado e convidado o
Juscelino sendo nos mostrado um telegrama
vindo do gabinete da presidência em Brasília
aceitando o convite e pedindo detalhes para
preparação do discurso do paraninfo.
Recuar a estas alturas, representaria uma
desgraça para o ITA e CTA.
Saímos de lá aturdidos, e convocamos uma
assembléia imediata da turma, e lá pela uma
da madrugada chegamos a uma decisão
“salomônica”. A turma 59 abria mão da
cerimônia de formatura, e sendo assim
desnecessário seria haver um paraninfo.
Dois dias após comunicarmos essa nossa
decisão, nós fomos informados pela divisão
de alunos, que tudo não passara de um mal
entendido e que, o tal telegrama viera de um
segundo escalão (...), e... o Juscelino não
havia sequer sido informado do convite.
Como disse eram tempos de democracia!
Que essa grande aliança e amizade entre os
corpos discente e docente continue para
sempre a ser um dos distintivos do ITA.
Encerrando, um lembrete parodiando o
versículo Mt. 6 - 26: ...”Olhai as aves do céu,
elas não calculam nem estudam, e nem com
as mais sofisticadas máquinas conseguimos
voar como elas”...
Afinal, alguém ja ouviu falar de uma ave que
houvesse morrido por estolar no pouso ou na
decolagem?
O prof. Oswaldo Fadigas Fontes Torres
E foi assim que tivemos uma bela formatura e
como paraninfo o prof. Fadigas, que até 2005
enquanto vivo, foi junto com sua esposa, um
assíduo freqüentador de nossas reuniões de
turma, a qual também, tem contado várias
vezes com a presença de nosso mestre e
homenageado da turma: o prof. Cecchini.
Um "Sarcorhamphus Condor", e seus "winglets"
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media:O ITA vida acadêmica - AEITA