POLÍTICAS PÚBLICAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA POVOS INDÍGENAS
NO BRASIL: CONSEQUÊNCIAS PARA A IDENTIDADE
PUBLIC POLICY IN HIGHER EDUCATION FOR INDIGENOUS PEOPLES IN
BRAZIL
THIAGO LUIZ DE MOURA
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS, EDUCAÇÃO E LETRAS.
PROFESSOR ORIENTADOR: THIAGO BAGATIN
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS, EDUCAÇÃO E LETRAS.
RESUMO: O presente artigo apresenta um breve histórico sobre a população indígena
no Brasil bem como algumas das políticas públicas voltadas para tais; tomando mais
a fundo as políticas na educação. Apresentar-se-á a alteração política de
responsabilidade no contexto educação para indígenas, antes da FUNAI agora para
o MEC. Também será abordado através da ótica da Psicologia Social as
problemáticas referente à identidade. Para tal utilizou-se de revisão bibliográfico, bem
como uma abordagem multidisciplinar, contando com estudos em Psicologia, História
e Antropologia.
Palavras-chave: Psicologia indígena, Políticas Públicas, Brasil, Educação.
ABSTRACT: This article presents a brief history of the indigenous population in Brazil
as well as some of the public policies aimed at such, taking a deeper point of view at
the policies in education. Will be present the change in the liability policy context for
indigenous education, before FUNAI now for MEC. Will also be addressed through the
lens of social psychology about the problematic of the identity. For this will be used the
literature review as well as a multidisciplinary approach, with studies in Psychology,
History and Anthropology.
Keywords: Indigenous Psychology, Public Policy, Brazil, Education.
Um breve histórico do povo indígena no Brasil
Segundos alguns vestígios arqueológicos, os habitantes do continente
americano descendem de populações vindas da Ásia, sendo que, segundo estudos,
os vestígios mais antigos de sua presença na América, datam de 11 a 12,5 mil anos,
no entanto, ainda não há consenso acerca do período em que teria havido a primeira
leva migratória. (FUNAI; Índios Brasileiros).
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Na America do Sul, os povos indígenas são originários de povos caçadores
que aqui se instalaram, vindo da América do Norte através do istmo do Panamá, e
que ocuparam virtualmente toda a extensão do continente há milhares de anos.
No Brasil, a presença humana está documentada no período situado entre 11
e 12 mil anos atrás. Porém, segundo novas evidências encontradas na Bahia e no
Piauí, a presença do homem em nosso país pode ser mais antiga.
Cinco séculos atrás, os portugueses chegam ao litoral brasileiro e iniciando
um processo de migração, que estendeu-se até o inicio do século XX e,
paulatinamente, estabelecendo-se nas terras antes ocupadas pelos povos indígenas.
A colonização levou à extinção muitas sociedades indígenas que viviam no
recém-dominado território, seja pelo derramamento de sangue promovido por
mosquetes; seja pelas doenças trazidas do velho continente. Os que sobreviveram,
foram forçados a matar suas raízes culturais, sendo obrigados a assimilar as
influências trazidas pelos colonizadores. (FUNAI).
Não há consenso sobre a quantidade de sociedades existentes na época do
inicio da colonização, mas estima-se que, naquele período, o número de habitantes
variava de 1 a 10 milhões de indivíduos, sendo faladas cerca de 1500 línguas.
A conquista européia causou uma ruptura demográfica e social no território
brasileiro. Logo verificou-se que os padrões de organização social e de manejo dos
recursos naturais das populações indígenas não era compatível ao padrão das
colônias européias. Surge então um movimento de deslocamento dos habitantes
nativos.
Os povos que habitavam a costa leste, na maioria falantes de línguas do
Tronco Tupi, foram dizimados, dominados ou refugiaram-se nas terras interioranas
para evitar o contato.
Atualmente, somente os Fulniô (de Pernambuco), os Maxakali (de Minas
Gerais) e os Xokleng (de Santa Catarina) conseguiram conservar suas línguas que
datam antes da colonização. (FUNAI).
Outros que também conservaram sua língua, os Guarani, que vivem
atualmente em diversos estados do Sul e Sudeste, migraram do Oeste em direção ao
litoral.
As demais sociedades indígenas que vivem no Nordeste e Sudeste do País
perderam suas línguas e só falam o português, mantendo apenas, em alguns casos,
algumas palavras, utilizadas em rituais e outras expressões culturais.
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As outras sociedades indígenas que conseguiram preservar suas línguas
vivem atualmente no Norte, Centro-Oeste e Sul do país. Nas outras regiões, elas
foram sendo expulsas à medida que a urbanização avançava. (FUNAI).
O índio hoje
O termo “índio” foi dado pelos primeiros europeus que aqui estiveram baseados
nas primeiras impressões da fisionomia dos habitantes, que lembravam os habitantes
da Índia.
Segundo o Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), vivem no país mais de 800 mil índios, totalizando 0,4% da
população brasileira, que estão distribuídos em 683 terras indígenas (63,8% do total)
e algumas urbanas (36,2%). Há relatos de 77 grupos indígenas não cadastrados,
sendo 30 destes já confirmados.
Uma mazela que aflige não somente os povos nativos, mas uma grande parcela
da população é o uso to termo “índio” como pejorativo. “Para alguns brasileiros, ela é
pejorativa por que resulta do processo exploratório da colonização, e ainda, os índios
representam indivíduos selvagens, que não gostam de trabalhar, incapazes, sem
cultura.” (Índios Brasileiros).
Segundo Gomes (2004), o índio brasileiro “tem vergonha de dizer que é índio”.
Se um paralelo for feito com a cultura norte-americana, os cidadãos têm orgulho de
suas raízes nativas, nomeando veículos, lojas de departamento e times de futebol,
basquete ou baseball com nome de indígenas famosos ou mesmo com o termo “índio”.
Lá, o termo é associado à bravura, coragem e força.
Outra questão, segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), até meados
de 2010, 92,3% dos índios não tinham documentos básicos, fato esse que impede o
acesso às políticas públicas.
A Política e o Indígena
Em 19 de Dezembro de 1973, sob o número 6.001, criou-se o Estatuto do Índio,
que tem como objetivo:
(...) regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades
indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los,
progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional. (Art. 1°, Lei 6001,
1973).
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O Estatuto prevê a salvaguarda do patrimônio físico e cultural do indígena, bem
como dispõem das normativas penais caso alguns dos deveres dispostos na Lei sejam
descumpridos.
A Lei 6.001 de 1973 foi baseada na Constituição Brasileira de 1969 que reza
no Art. 145 e 146 o direito a cidadania.
No entanto a Lei 6.001 é relapsa em alguns pontos, como por exemplo, às
questões penais do individuo indígena, caso este cometa alguma infração penal. O
indígena teria uma vantagem em relações a infrações, visto que, conforme Estatuto,
nos artigos 56 e 57, ele têm graus de integração e/ou conhecimento das Leis vigentes
no pais em que vive, ou seja, índio é inimputável, não podendo ser punido por seus
atos porque não teria condições de saber o que é certo ou errado.
Em Agosto de 2009, o Estatuto começou a ser revisto, sendo baseado na
Constituição Federal de 1988. A Constituição afirma que qualquer cidadão brasileiro
deve responder pelos atos emitidos, garantindo assim os indígenas podem ir à Justiça
defender seus interesses. Poderiam, portanto, ser punidos também por seus atos.
Rede de relações institucionais
Do final da década de 1960 até o inicio dos anos de 1990, toda e qualquer ação
do Governo brasileiro para os povos indígenas eram concentradas na Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), que estava sob a tutela do já extinto Ministério do Interior.
Nos anos subsequentes, a partir de 1990, algumas mudanças foram feitas: a
FUNAI passou a estar sob o Ministério da Justiça; deixou de ser a única agência
governamental para atendimento das demandas sociais do indígena, deixando de ser
exclusiva na criação e execução de políticas voltadas para o índio.
Sobre a não exclusividade da FUNAI em relação as políticas públicas para o
indígena, quatro decretos foram criados dividindo as responsabilidades da FUNAI
entre quatro outros órgão federais.
O Decreto 23 de 04/02/1991 dispõe sobre a saúde, onde dá a atual FUNASA a
responsabilidade no cuidar da saúde dos indígenas.
O Decreto 24 de 04/02/1991 dispõe sobre o meio ambiente, que afirma a
responsabilidade sobre o meio ambiente para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Renováveis.
O Decreto 25 de 04/02/1991 dispõe sobre a auto-sustentação econômica,
assume-se o Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, através da Empresa
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Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e ao Ministério da Justiça as ações
decorrentes do Decreto.
O Decreto 26 de 04/02/1991 dispõe sobre a educação, que passa a
responsabilidade pela educação da FUNAI para o Ministério da Educação (MEC).
Será abordada mais profundamente a garantia em Lei de acesso à educação dos
povos indígenas brasileiros.
A Educação e o Indígena
Como abordado acima, a responsabilidade pela Educação Escolar Indígena
(EEI) passou das mãos da FUNAI para o MEC após o ano de 1990. Ainda assim,
muito da criação e execução das políticas publicas para o indígena são realizadas em
parceria com a FUNAI. Um exemplo é a Lei 9.394 de 1996 sobre as Diretrizes e Bases
da Educação, que garante aos povos indígenas os processos próprios de
aprendizagem, que visa garantir um EEI intercultural, bilíngue e diferencial. (Paula e
Vianna 2011).
Outros exemplos de garantias em Lei da educação dos indígenas são a
Resolução 03/99 do Conselho Nacional de Educação e o Parecer 14/99. Nessas duas
são garantidos uma “escola indígena diferenciada”, incluindo processos relativos a
elaboração de projetos político-pedagógicos, currículos e materiais didáticos,
calendários, alimentação, formação de professores entre outros. Um órgão criado pelo
MEC é a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(SECADI), que tem como obrigação garantir tais particularidades na educação
indígena. O SECADI ainda leva outras atribuições, tais como formação inicial e
continuada de professores de ensino médio; formação de professores de nível
superior; produção de material didático específico à cultura; apoio político-pedagógico
para ampliação do sistema educacional em terras indígenas; cursos de formação de
liderança para compreensão de direitos e deveres indígenas e apoio financeiro para
construção, reforma ou ampliação de escolas indígenas.
Dentro do SECADI há um órgão que coordena e garante que as
particularidades do processo educacional indígena sejam cumpridas, que é a
Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena (CGEE I). A formação de
professores indígenas em nível de licenciatura/graduação é realizada em parceria
com outros setores do MEC: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
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Superior (CAPES) e a Secretaria de Educação Superior (SESU), à qual estão ligadas
as Universidades Federais. (Paula e Vianna 2011).
O Ensino Superior
No processo de educação indígena que ocorriam nos anos de 1980, o principal
problema da educação escolar em aldeias era o fato do professor não ser indígena.
Essa questão acarretava duas problemáticas ao educador: a alta rotatividade de
professores que, pelo fato de não serem moradores da aldeia, gastavam muito tempo
em deslocamento diário até as aldeias e; o desinteresse em aprender a língua materna
dos indígenas, dificultando assim o processo ensino/aprendizagem. (Paula e Vianna
2011).
Ainda na década de 1980, visando à remoção desse obstáculo, a saber, os
problemas causados pela presença de professores não-índios, instituiu-se cursos de
formação de professores avindos das aldeias, os “magistérios indígenas”, onde
visavam a capacitação de aldeões para o ensino fundamental, de 1° a 4° série. Após
um número razoável de professores indígenas formados, aliado a uma quantidade
expressiva de escolas-aldeia, o segundo passo seria o investimento em educação
superior dos docentes indígenas.
O SECADI sugere como objetivo
Apoiar projetos de cursos de licenciaturas específicas para a formação de
professores indígenas para o exercício da docência nas escolas indígenas,
que integrem ensino, pesquisa e extensão e promovam a valorização do
estudo em temas como línguas maternas, gestão e sustentabilidade das
terras e culturas dos povos indígenas. (MEC)
O programa de qualificação de capacitação de professores surge então em
duas frentes de atuação. A primeira é o Programa de Apoio à Formação Superior e
Licenciaturas Indígenas (PROLIND) constituído em 2005, onde as universidades
públicas oferecem “licenciaturas indígenas”. As habilitações são em ciências como
Ciências da Vida e da Natureza, Múltiplas Linguagens, Matemática, Ciências Sociais
e Humanidades. A idéia do PROLIND é lapidar professores indígenas afim de que
esses se tornem agentes interculturais na execução de futuros projetos em suas
aldeias. (Paula e Vianna 2011).
A segunda frente são as vagas suplementares oferecidas pelas instituições
regulares de ensino. Nesta modalidade o leque de habilitações é maior, abordando
cursos como Direito, Pedagogia, Medicina, Enfermagem entre outros. Para isso, a
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Coordenação Geral de Educação (CGE), acompanha os “vestibulares indígenas”, o
processo de seleção dos alunos indígenas em instituições. Para esses alunos em
cursos regulares por meio de vaga suplementar, a FUNAI disponibiliza bolsas-auxílio
no valor de R$ 300 mensais. A SECADI financia para os mesmos alunos infraestrutura
mínima para suas permanências nos cursos, como aluguel, luz, água entre outros, por
meio de convênios firmados com as universidades que fazem parte do programa. A
CAPES tem dado apoio às licenciaturas através da disponibilização de bolsas-auxílio
no valor de R$ 400 mensais, vinculadas ao Programa de Iniciação à Docência (PIBID).
No ano de 2008 criou-se a Faculdade Indígena Intercultural, com sede no Mato
Grosso. A instituição criou-se pela necessidade de um local especifico para o publico
indígena, com cursos de graduação e extensão, tendo como foco primário a
licenciatura, visando assim que os formados sejam agentes disseminadores de
conhecimento em suas próprias aldeias.
Lei nº 12.711
A Lei de número 12.711 de 29 de Agosto de 2012 “Dispõe sobre o ingresso nas
universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e
dá outras providências”.
Art. 1° As instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério
da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para ingresso nos
cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50% (cinquenta por cento)
de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino
médio em escolas públicas.
Art. 3° Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata
o art. 1° desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados
pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos
e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a
instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). (Lei nº 12.711, de 29 de Agosto de 2012. O grifo é nosso).
Conhecida como “Lei das Cotas”, a Lei n° 12.711 de 2012 é a responsável por
garantir “igualdade” no acesso à educação, tanto nas instituições particulares como
nas públicas.
Trata-se de uma conquista histórica digna de comemoração enquanto um
passo importante no processo de democratização do direito à educação
superior no Brasil e na promoção da igualdade de oportunidade para todos
os brasileiros, na sua grande diversidade sociocultural, econômica e trajetória
escolar. (Baniwa, 2012).
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Sabe-se que por força de Lei, oportunidades foram criadas para a entrada de
diversos tipos de pessoas no ensino superior, incluindo obviamente os indígenas. De
fato foi uma grande conquista contra as visíveis diferenças sociais brasileiras.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988)
Baseado na Constituição Federal de 1988, alguns dos objetivos da Constituição
seria a construção de uma sociedade livre e justa, bem como erradicar a pobreza, a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
Garantindo a entrada do indígena em instituições de ensino superior, não
somente a sua realidade altera-se bem como as de sua aldeia, visto que um dos
princípios fundamentais, como já abordado anteriormente, é o disseminar de
conhecimento dentro de sua cultura.
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação aos outros com
espírito de fraternidade. (Art. 1º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, de 10 de dezembro de 1948).
Segundo o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos humanos,
conforme acima citado, todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. Essa frase absorve todas as esferas que um indivíduo pode possuir enquanto
cidadão seja ela pessoal, social e profissional. Todos têm direito a livre expressão e
trabalho, dentro nas normativas legais, independente de sua raça, credo ou até
mesmo capacitações físicas ditas normais.
O principio da isonomia é amplamente pregado atualmente. Diz-se que todos
os homens são iguais, inclusive iguais em oportunidades. Porém sabe-se que isso é
uma falácia. Homens e mulheres tem diferentes oportunidades. Não somente o
gênero, mas também a cor, regionalidade e seu credo religioso.
A igualdade, com efeito, deve ser avaliada sob o seu aspecto substancial ou
material. É necessário tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma
desigual, na exata medida de suas desigualdades. Vale dizer: as pessoas ou
as situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos
aspectos. (Hertel, 2004).
Todos nascem iguais, porém nem todos são iguais. Afirmar que a criação de
uma Lei que garante alguns direitos já constitucionais a uma parcela da população
tentando apagar mais de 500 anos de exploração, como forma de retratação é ilusório.
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Psicologia Indígena
A Psicologia, como ciência, têm como objeto principal de estudo o homem e
suas relações. Para um afunilamento de tal objeto, criou-se vertentes, ou
“psicologias”, cada uma delas abordando um aspecto diferente ou olhando através de
um prisma diferenciado este mesmo homem.
O surgimento de uma Psicologia Social foi a entrada mais direta para as
relações do homem, sendo chamado por Cordeiro e Lopes “a interseção da psicologia
com a sociologia”.
Ainda uma outra psicologia surge, a
Psicologia Sócio-histórica, que,
conforme Boch (2004):
“(...) tem sua origem com VIGOTSKI, no início do século XX na União
Soviética. Sua data e local de surgimento permitem compreender sua relação
com o marxismo. Sua concepção materialista-dialética da realidade a coloca
em um lugar de crítica às concepções positivistas, idealistas e materialistas
mecanicistas”. (Boch, 2004).
O processo histórico iniciado em 1500 até a atualidade é repleto de segredos,
abusos, exploração e sangue. No quesito social, abordando-se o foco deste artigo, os
indígenas, sabe-se que estes, embora sendo os verdadeiros donos da terra, foram e
ainda são explorados.
A cartilha “Psicologia e povos indígenas”, produzida pelo Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo (CRP/SP) em 2010, trata sobre uma Psicologia Indígena,
cujo foco é social, não deixando os aspectos relativos à subjetividade dessas pessoas.
Alguns dos assuntos abordados envolve a pesquisa em psicologia com tribos
indígenas. Neste trabalho, que foi construído sobre falas de índios em plenárias
realizadas pelo CRP/SP, apresenta-se a preocupação dos moradores de tribos,
principalmente quando envolve-se a cultura.
As manifestações culturais de negros e indígenas são parte importante na
afirmação das identidades étnicas e da tradição. São manifestações que
celebram a vida, a morte; que apresentam hábitos artístico, culturais e
espirituais. Além disso, a diversidade das culturas, das diferentes visões de
mundo e dos diversos modos de viver o cotidiano é um riquíssimo patrimônio
da cultura brasileira – já reconhecida em todo o mundo. (UNICEF).
Muito provavelmente os líderes de tribos e comunidades nativas não têm a
visão ‘mundializada’ de cultura como a citação do UNICEF, porém sabem quase que
instintivamente que o cuidar de suas raízes culturais se faz importante, tanto para a
preservação da memória como para a propagação para novas gerações.
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A identidade cultural vem a ser um conjunto de relações sociais e patrimônios
simbólicos, que são historicamente compartilhados, estabelecendo uma comunhão de
determinados valores entre os membros de uma sociedade. Como se trata de um
conceito transitório e complexo, compreendemos que a constituição de uma
identidade envolve um amplo número de situações que variam desde a linguagem até
sistema de crenças e leis. (Sousa, 2010).
Segundo Ciampa (1987) identidade é “metamorfose, um processo de
constituição do eu que promove constantes mudanças pelas condições sociais e de
vida que o indivíduo está inserido”. Ainda nas palavras de Ciampa:
[...] identidade é identidade de pensar e ser (...). O conteúdo que surgirá
dessa metamorfose deve subordinar-se ao interesse da razão e decorrer da
interpretação que façamos do que merece ser vivido. Isso é busca de
significado, é invenção de sentido. É autoprodução do homem. É vida.
(Ciampa, 1987 apud Silva, 2009).
Segundo o autor acima citado, a identidade é um processo em constante
metamorfose, alterando-se sempre. É o que diferencia o individuo de outrem, no
entanto sendo influenciado por fatores externos, os quais modificam sua identidade
acrescentando valores as variáveis já existentes no ser.
Ainda sobre identidade, Jacques (1998) refere-se à identidade como
determinada e determinante ao mesmo tempo “pois o indivíduo tem um papel ativo
quer na construção deste contexto a partir de sua inserção, quer na sua apropriação”.
Pode-se dizer que Identidade é o conjunto de características próprias e
exclusivos de um individuo/indivíduos. É com ela – identidade – que podemos
diferenciar um individuo de outro bem como uma sociedade de outra. Logo, é a
medida, porem não um padrão, mas necessária para uma auto-afirmação.
Se a identidade são as características próprias de indivíduos, obviamente o
índio brasileiro têm sua própria identidade, construída em tempos imemoriáveis, antes
mesmo de se cunhar o termo “identidade”. Já havia uma identidade forte formada,
com seus próprios sistemas de valores e crenças, com sua cultura e língua fortemente
estabelecida, obviamente sendo formada em um processo relacional entre natureza e
homem.
Se adotarmos a visão de Ciampa (1987) sendo identidade como metamórfica,
o processo de colonização e agregação ao seio da cultura européia se fez importante,
pois, conforme o autor, a constituição do “eu” é devido a mudanças nas condições
sociais e de vida do individuo. Que mudança maior do que ter sua terra invadida por
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um ser totalmente diferente, com costumes diferentes, com doenças diferentes e com
uma ânsia por recursos naturais que foi capaz de derramar sangue inocente e estuprar
uma cultura por séculos construída?
Sabe-se que essas mudanças ocorreram, a metamorfose aconteceu e ainda
acontece. Ao longo dos 500 anos, milhares de brasileiros nativos perderam suas vidas
e suas culturas como resultado de um processo de colonização baseado no uso da
força, por meio das guerras e da política de assimilação.
Um fato que vem causando grandes transtornos a essa fatia da população é o
alcoolismo.
Os problemas relacionados ao uso de álcool, para além da doença em si, da
dependência crônica e seu corolário de patologias associadas, também são
significativos na esfera sociocultural, sendo, por vezes, determinantes para a
desagregação social nas aldeias, contribuindo para o aumento da violência
doméstica e de gênero, de acidentes,de suicídios e de agressões que podem
resultar homicídios. (Vianna, Cedaro e Ott, 2012).
A introdução do álcool no cidadão nativo é a prova de que a identidade
assimilou novas variáveis. A cultura nativa têm suas formas de entorpecimento de
consciência, porém normalmente associados a ritos de passagem e religiosos. Com
o álcool, a “transcendência” da consciência não era mais idiossincrática, mas
popularizada, barata, de fácil acesso e com consequências desastrosas.
Alterou-se a identidade do nativo, acrescentando variáveis da cultura branca
capitalista nos meandros sociais da política de igualdade a todos. Qual é a
consequência dessa socialização forçada?
Educação superior para povos indígenas: quais as consequências para a
identidade?
Em 2011, a Universidade Federal do Pará (UFPA) revelou dados sobre a os
processos seletivos para educação superior dos anos de 2010 e 2011 nessa
instituição. Nesses período, 933 candidatos indígenas se inscreveram para assumir
vagas no ensino superior nessa instituição. Desses, 112 foram aprovados para
adentrar a instituição. (UFPA, 2011 apud David, Melo e Malheiro, 2013).
O processo de entrada pode ser complexo, visto que para concorrer a uma
vaga especifica, é necessário o candidato apresentar certificado de conclusão de
Ensino Médio bem como provar que pertence a uma sociedade indígena. Alem disso
as inscrições eram feitas apenas pela Internet, processo esse que pode ser complexo
ou de difícil acesso aos candidatos. Erros de português, falta de informações ou
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qualquer informação que leve a dúvidas, ocorria em cancelamento das inscrições. As
933 inscrições de candidatos representam 34% do total, ou seja, cerca de 1811
inscrições foram canceladas. No ano de 2012, na mesma instituição, apenas 64
candidatos se inscrevam para o processo seletivo, sendo apenas 18 aprovados.
(UFPA, 2012 apud David, Melo e Malheiro, 2013).
Para os indígenas que conseguem vencer está etapa, lhes é apresentado
outros empecilhos, como por exemplo a demora no recebimento das bolsas e auxílios
por parte do Estado, fato esse que pode promover uma quantidade considerável de
desistências.
Ao dar-se inicio a etapa acadêmica superior, o índio é forçosamente inserido
em um meio social diferente do acostumado, com pessoas diferentes, filosofias
diferentes e tecnologias diferentes. Este “novo mundo” pode ser encarado como
amedrontador por alguns, mas um “El Dourado” para outros.
Aqueles que absorvem essa nova cultura de forma natural acabam sendo
encarados de maneiras diferentes, em alguns momentos, como menos índios.
Muito se comenta, e se lamenta, que os índios estão perdendo sua cultura.
Um índio calçado e vestido com calça jeans, falando português, utilizando
gravadores e vídeos ou morando em uma favela em São Paulo aparece aos
olhos do público como menos índio. Eles deveriam seguir suas tradições, se
diz. E nós deveríamos deixá-los em paz, devolvê-los ao isolamento, para que
possam seguir seus caminhos. (Cohn, 2001)
Com isso em mente surgem as seguintes perguntas: O índio não tem direito a
tecnologia provinda da cultura branca capitalista? Será que, por serem índios,
devemos deixá-los isolados, no meio do mato, andando nus e fazendo cocares
enquanto dançam em glória a alguma divindade não cristã?
Com a socialização advinda da Academia, o índio, conforme já citado, é
apresentado a um leque de novas fontes de cultura, que muitas vezes são totalmente
opostas as suas próprias.
Cultura, segundo a antropologia americana, passa a ser definida como um
conjunto de traços que podem ser perdidos ou tomados de empréstimo de populações
vizinhas. (Cohn, 2001). Logo, podemos crer que a tomada da cultura branca pelo
índio, agregando a sua própria, também é construção cultural.
No entanto, se adotarmos a visão de “traços culturais que podem ser perdidos”,
acaba-se por levar à noção de aculturação, um processo paulatino de perda cultural.
Passa-se, então, a se preocupar com o desaparecimento da diversidade cultural.
(Cohn, 2001).
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Essa perda afetaria o civilizado e o nativo, pois todo o legado deixado por
antepassados, base para a construção de uma sociedade, cairá em esquecimento,
sendo transformado com pedaços arbitrários de cultura e religião. É um pouco
incoerente pensar sobre isso, pois, o discurso de manteneção de cultura é facilmente
quebrado quando este envolve a religiosidade, principalmente quando está vai de
encontro à cultura judaico-cristã, quase que dominante em nosso país.
Por outro lado, se deixarmos o índio em uma redoma, impedindo qualquer tipo
de contato com o mundo externo, com o discurso de preservar as raízes culturais e
impedir a infecção da cultura ocidental branca dominadora, desapropria-se o principio
da Igualdade proposta pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde
assegura a todos os mesmo direitos. Cai-se no erro da estática de identidade, fixando
o individuo em um único código cultural, que poderá levá-lo a uma inércia evolutiva,
fato esse que, para a cultura dominante, é ruim.
Muitos dos índios que saem de suas aldeias para estudar fora não retornam,
fator esse que é contrario ao programa de educação superior, pois visa que o indígena
retorna a aldeia e dissemine conhecimento. Alguns que retornam acabam trazendo
consigo vícios próprios da cidade grande, como violência, cigarro e drogas.
Então, traremos o índio para a cidade, retirando-o de seu meio social,
aculturando-o com nossos conhecimentos, incorrendo no risco da problemática da
perda sistêmica de cultura tradicional? Ou o isolamos de vez, impedindo qualquer tipo
de contato com nossa cultura, privando-o de facilidades que o mundo moderno
oferece com a desculpa da preservação cultural?
Conclusão
As políticas públicas para a educação superior indígena existem. Enfrenta-se
alguns problemas ditos como “normais” da burocracia e má distribuição dos recursos,
mesmo assim sendo de acesso a uma grande fatia dessa população. Fato notório é
pensar se agregá-los a nossa cultura trará problemas para a sua própria cultura.
Conclui-se que, conforme Ciampa (1987), a identidade é metamorfose,
alterando-se sempre. Ao dar acesso ao ensino superior para o cidadão indígena, a
identidade deste sujeito é alterada, mesclada com sua cultura trazida do meio social
original. Há prós e contras destas políticas, obviamente dependendo do prisma
observado.
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A tendência é a globalização. Logo, se assim pensarmos, a imersão do povo
indígena na cultura branca é inevitável, pois a “civilização” não vê limites. Então a
perca das raízes originais através de uma junção cultural irá acontecer.
Por outro lado, se os isolarmos para manter a cultura, podemos negar-lhes as
facilidades de uma nova cultura, aguardando que o processo evolutivo desta
sociedade aconteça de tal modo que haja a criação de tecnologias e facilidades
advindos de necessidades que ainda não tenham.
Referências
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