Entrevista com Moacir Sant’ana P: O que você faz? R: Eu, na realidade, sou conhecido como professor Moacir Sant’ana, mas o meu nome completo é Moacir Medeiros de Sant’ana, e fui escolhido diretor do Arquivo, em função da minha atuação na área de pesquisa e publicações em torno de Alagoas, e por ter vindo da universidade. Eu fui professor da Universidade Federal de Alagoas, onde eu fiz inclusive o concurso para a cadeira de História, mas não tenho curso de História, tanto que eu fui nomeado por notório saber na área. O Ministério da Educação me nomeou por notório saber, mas eu não sou formado em História. Ainda na Universidade, eu fui escolhido para ser diretor do Arquivo. O Arquivo foi criado em 30 de dezembro de 1961 e só em 62, já no final do ano de 62, nós viemos para esse prédio, cuja restauração ainda estava por ser terminada, para o arquivo ser instalado ao lado da Biblioteca Pública. A Biblioteca Pública ficou na ala esquerda, e o arquivo, na ala direita de todos os andares. P: O Graciliano Ramos, no período em que foi prefeito de Palmeira dos Índios, se torna conhecido por causa dos relatórios que escreveu... R: Justamente. Os relatórios foram escritos num estilo interessantíssimo, são praticamente duas obras literárias, os relatórios dele. E nós temos aqui esses relatórios, que, aliás, foram divulgados nas obras completas. Ainda tem uma edição fac-similada na própria capa do relatório. Ele, apesar de ser um casmurro fechado, era um homem que gostava de causar riso e era diferente do que se poderia pensar do Graciliano. Eu me lembro da ternura que ele coloca em Memórias do Cárcere, quando ele conta que, no navio, ao largo já do porto de Jaraguá, ele divisa a praia lá em Pajuçara; ele diz: ali estão os meus. É um negócio tocante, viu! Existe até uma fotografia. Eu tenho uma fotografia em que aparece a Clara e... aquela chamada Clarita e a outra... os dois na beira da praia... ele menciona até depois em Memórias do Cárcere, que parece que ele está a vê-la com as perninhas desnudas, sujas de areia e tal; e a fotografia exprime justamente isso. É interessante. Mas ele era um homem emotivo. Muita gente pensa que ele era um homem duro, de um temperamento irascível ou coisa assim. Não. Ele perdia as estribeiras, quando perdia, mas ele era um homem terno. Eu tenho vários não só relatos, mas fotografias dele, de uma ternura, acariciando o filho e tal. Assim, transmuda a fisionomia dele. Ninguém pode dramatizar isso, é espontâneo. P: Professor Moacir, vamos falar um pouquinho da geração de 30 que se reuniu aqui em Maceió? R: É que... na realidade, é o seguinte: moravam aqui aqueles que não podiam emigrar e não haviam emigrado, mas apareceram duas pessoas que realmente vieram movimentar tudo isto, que foram Raquel de Queirós e José Lins do Rego. É, foi nesse período que Raquel de Queirós aqui residiu, não somente ela como José Lins do Rego. O José Lins do Rego, eu me lembro do que disseram, da expressão que usaram: fiscal de bancos, é um fiscal de bancos que veio morar em Alagoas. Então, tinha o José Lins do Rego, Raquel de Queirós, José Alto também. Este também fazia parte do grupo do Graciliano Ramos. Me lembro até de uma fotografia diante da casa lá da rua da Caridade, que não existe mais, que demoliram para construir aquele prediozinho catita de um andar, o lugar da casa em que Graciliano foi preso. É a rua, se eu não me engano, rua Almeida Guimarães, o nome atual, mas antiga rua da Caridade. E justamente esse período foi um período áureo, e nós tínhamos, inclusive, suplementos literários com a colaboração deste pessoal. Depois, houve um período de restrição, desaparecimento de suplementos e mais; e foi com Arnoldo Jambo — Arnoldo Jambo, que era... um intelectual alagoano, um jornalista alagoano radicado no Diário de Pernambuco — que veio para Maceió, e no Jornal de Alagoas, que é de 31 de maio de 1908, que o suplemento literário ressurgiu. E havia todos os domingos o suplemento de oito páginas. Era um encarte obrigatório, em que começaram a aparecer os pelancos, os chamados pelancos da literatura, os que estavam se iniciando. Inclusive eu comecei no Jornal de Alagoas. Eu me lembro da procura do Graciliano... me lembro do Arnoldo Jambo, de subir aquelas escadas lá da rua da Boa Vista, e de falar com seu Jambo pra ele publicar um trabalho nosso pela primeira vez. P: Graciliano é preso em 37 aqui em Maceió. Ele nunca mais volta a fixar residência aqui; ele fica no Rio de Janeiro de vez. Quem era o Graciliano nessa época? R: O que eu sei de Graciliano é que toda a vida ele foi um homem casmurro, foi um homem fechado, sabe? Isso, aliás, é uma característica mais dos tímidos, os tímidos passam por pernósticos quando, na realidade, eles têm medo do público. Mas o público acha que eles não querem se aproximar. Ele era um homem assim, mas era um homem terno. Eu me lembro, eu tenho uma fotografia do Graciliano Ramos, ele acariciando o filho, uma ternura! A fisionomia dele demonstra que era... ora, para uma pessoa dura, cáustica, como muita gente quer que ele tenha sido... ele não transmitiria aquilo... com aquela naturalidade. Ele era... aliás, a própria Dona Heloísa me dizia, se bem que... poderia se dizer: não, ela é suspeita, não. Mas... ele era um homem terno. A Clara, a Clara Ramos, por exemplo, que eu conheci mais de perto, quando do centenário do Graciliano Ramos, lá no Rio de Janeiro, ela me colocou isso mesmo. Eu perguntei e ela disse: não, papai era um homem terno, ele era um homem tímido, um homem fechado por natureza. Como eu falei, os tímidos são muito confundidos, muito... pensa-se que ele é pernóstico, quando ele não é. Ele era um homem carinhoso.