PRÁTICAS ABUSIVAS: A TAXA DOS DEZ POR CENTO DOS
GAÇONS SOB A ÓTICA CONSUMERISTA
DIREITO E RELAÇÕES DE CONSUMO
Bruna Agra de Medeiros
Aluna de Graduação em Direito da UFRN, Natal – RN
e-mail: [email protected]
Igor Matheus Gomes Ferreira
Aluno de Graduação em Direito da UFRN, Natal – RN
e-mail: [email protected]
O artigo presente almeja expor as características que circundam o pagamento da taxa dos
dez por cento aos garçons. Nesse sentido, serão abordadas desde questões históricas,
conceituais, e complementares até o âmbito jurídico-positivo de sua cobrança, haja vista a
necessidade veemente de estabelecer um entendimento uníssono sobre o tema. Para tanto,
será priorizado o embasamento jurisdicional do Código de Defesa do Consumidor - além da
menção à outros âmbitos jurídicos - tendo em vista o objetivo primário desse estudo ser a
tutela do consumidor. Outro aspecto a ser mencionado no presente estudo está na menção
ao Direito Comparado, pois, a partir de sua compreensão, será possível fazer relações entre
fatores historicistas, econômicos e sociais para, posteriormente, facilitar o entendimento da
tem ética em estudo. Ademais, será abarcada a realidade fática de alguns estabelecimentos
comerciais especializados no fornecimento de gêneros alimentícios, cuja postura frente aos
clientes viola, cabalmente, o respeito aos consumidores e, por analogia, à legislação
consumerista. Essa temática é extremamente funcional, haja vista tratar-se de uma temática
polêmica e, em verdade, constrangedora no cotidiano dos frequentadores desses locais.
Feitas
as
considerações
supramencionadas,
pretende-se
mostrar
o
adequado
comportamento admitido pelos profissionais envolvidos nessas relações e, sobretudo,
conscientizar os consumidores sobre os seus reais direitos.
Palavras-chave: Dez por cento. Garçom. Código de Defesa do Consumidor. Direitos.
1 INTRODUÇÃO
Há séculos a atuação dos garçons como colaboradores em estabelecimentos
alimentícios tem sido fundamental para o funcionamento dessa cadeia produtiva, assim
como para a promoção de empregos e, logo, por renda. Dessa forma, por desempenharem
suas funções com afinco e presteza perante os consumidores, foi difundida a ideia de que
era justo gratificá-los e, então, essa foi a ideologia perpassada pelas diversas gerações.
Nesse sentido e diante da perspectiva das relações consumeristas, o artigo em foco
pretende demonstrar as nuances históricas do tema em comento, assim como delimitar os
fatores que viabilizaram a expansão dessa profissão. Por óbvio, também serão expostas
fundamentações respaldadas, predominantemente, no Código de Defesa do Consumidor.
Em síntese, o intento prioritário desse estudo está na tutela do consumidor com
relação aos proprietários os estabelecimentos comerciais, e, inclusive, sobre a própria
postura dos garçons. Além disso, o estudo presente objetiva proteger o consumidor, em
especial, devido à sua hipossuficiência no contexto das relações consumeristas.
2 PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E CONCEITUAIS
A palavra gorjeta vem do vocábulo ‘gorja’, que é um sinônimo em desuso da palavra
garganta, cujo significado em uma pequena quantia dada a quem havia realizado um
trabalho extenuante e cansativo, a fim de que a pessoa pudesse comprar uma bebida para
aliviar a garganta1.
Sobre essa temática, inicialmente, cumpre destacar a inexistência de um
entendimento unânime quanto ao aspecto historicista do ato de dar gorjetas. Alguns
acreditam que essa postura tenha começado ainda na Roma Antiga 2 , outros, porém,
acreditam que sua origem poderia estar ligada à atitude de senhores feudais, que
entregavam moedas de ouro para camponeses com o objetivo de garantir sua própria
segurança3.
No entanto, embora não haja um entendimento plenamente exato, é preciso
reconhecer a existência de alguns pontos convergentes. Acredita-se que, entre os séculos
XVI e XVII, existiam urnas de bronze em cafeterias na Inglaterra com a mensagem “To
Insure Promptitude” (“Para Garantir Presteza”) ou T.I.P., a qual, para alguns estudiosos, deu
origem à palavra “tip” (palavra, em inglês, correspondente à gorjeta). Contudo, nem todos os
pesquisadores concordam com esse pensamento, pois essa palavra não era popular na
Inglaterra do século XX.4
No final século XVIII, a prática em análise estendeu-se para os hotéis e, aos poucos,
foi se tornando cada vez mais comum na Europa conceder gorjeta para aquele que
desempenhava funções como guardar o cavalo do hóspede e para as arrumadeiras, por
exemplo.5
No final do século XIX, após a Guerra de Secessão, americanos influentes viajaram
pela Europa e trouxeram consigo o costume europeu de dar gorjetas, mesmo que muitos
deles não concordassem com esse costume adquirido. Essa discordância, com efeito, se
dava porque os americanos alegavam que, por meio dessa gorjeta, surgiria uma classe de
americanos nitidamente dependente daqueles que as doava.6
Nessa conjuntura controversa, mesmo com aqueles que eram contrários, estima-se
que na primeira década do século XX, 5 milhões de trabalhadores americanos (mais que
10% da força de trabalho no país na época) exerciam profissões que envolviam gorjetas e
essas gorjetas eram estimadas em um total de 200 a 500 milhões de dólares por ano.7
Na Europa de 1895, por exemplo, as gorjetas para os garçons giravam em torno de
5% do valor do serviço, mas, nos Estados Unidos, apesar de os garçons serem bem pagos,
esse valor era em torno de 10%.8
Posteriormente, alguns empresários, principalmente os donos de restaurantes
luxuosos, consideravam que a quantia paga através das gorjetas eram muito elevada e
começaram a impor práticas para que esses adicionais fossem repassados para a empresa.
Outros optaram, diante desses aspectos, por reduzir consideravelmente o salário dos
funcionários, acreditando que o trabalhador seria suficientemente remunerado somente com
as gorjetas.9
Nesse sentido, buscando obter mais lucro, as empresas passaram a estimular o
pagamento das gorjetas por parte dos consumidores e, com isso, difundir a coerência em
reconhecer o esforço dos garçons. Postas essas considerações, então, compreende-se o
porquê desse ato ter se tornado em um costume e, logo, em direito. Como resultado de sua
difusão, também houve o incremento dessa cultura no Brasil, onde, inclusive, alguns
legisladores entenderam a importância de organizar sua ocorrência.
Atualmente, a definição de gorjeta é trazida pelo artigo 457, parágrafo 3º, da
Consolidação das Leis Trabalhistas, como sendo “não só a importância espontaneamente
dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao
cliente, como adicional nas contas, a qualquer título”10.
Em suma, segundo a definição de gorjeta estabelecida pela CLT, qualquer valor que
seja pago espontaneamente pelo cliente ou cobrada pela empresa como adicional nas
contas.
2.1 A COBRANÇA DOS DEZ POR CENTO COMO ASPECTO CULTURAL
Com o passar do tempo, esse costume perpassou pelas diversas gerações, até as
contemporâneas, de modo que existe – e com rigor – o hábito de conferir tal benefício aos
profissionais dessa categoria na grande maioria dos bares e restaurantes. Nessa senda,
ressalte-se o entendimento unânime do ordenamento jurídico nacional, para o qual os
costumes consistem em uma fonte de direito formal, plenamente capaz de validar seus
hábitos e positivá-los em normas.
Em comprovação à legitimidade dos costumes enquanto norteadores do Direito
hodierno, tem-se os dizeres do artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro, segundo o qual “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Isto posto, torna-se, então, compreensível a postura de estabelecimentos comerciais,
assim como de trabalhadores garçons, e, sobretudo, de consumidores, que reivindicam
juridicamente seus direitos frente ao pagamento desse valor. Assim, cada categoria defende
seu ponto de vista frente à essa problemática, porém, grandes são as discussões em
grande parte do território nacional em virtude da falta de legislação efetiva para reger essas
relações.
De fato, esse costume tornou imprescindível a formulação de um entendimento
jurídico normativo positivado em razão da habitualidade e da exposição social sobre a
prática dessa cobrança. Nesse pórtico, pretende-se expor esclarecimentos relativos à essa
temática com o intento de nortear a conduta da sociedade para fatos sociais diários, no
caso, a cobrança dos dez por cento nas contas dos estabelecimentos comerciais em
comento.
3 O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO SOBRE OS DEZ POR CENTO DO
GARÇOM E SUA PROBLEMATIZAÇÃO
Preliminarmente à abordagem do posicionamento brasileiro sobre a temática em
estudo, cumpre a seguinte indagação: se o pagamento dos dez por cento está condicionado
ao sucesso dos serviços prestados pelo garçom, porque conceder esse benefício apenas a
tal categoria se todas as demais também são remuneradas para que se tenha o
cumprimento regular e exitoso de seus fins?
Na realidade, esse questionamento induz uma reflexão bastante intrigante. Toda
atividade laboral está pautada em uma estrutura bilateral segundo a qual é disponibilizada
uma remuneração e, em contraprestação, espera-se o desempenho eficaz das atividades
impostas. Isso significa, em outras palavras, que, se a gratificação recai sobre o sucesso
dos serviços prestados, todos os empregados – lato sensu – teriam o direito de serem
gratificados por seus feitos, desde que bem exercidos.
No entanto, essa interrogação pode facilmente ser solucionada a partir da
abordagem já mencionada nesse artigo, na medida em que os pagamentos das gorjetas
advêm de um costume, isto é, de atos reiterados que se tornaram costumes. Logo, essa é
uma particularidade única dos garçons.
No que concerne ao atual posicionamento jurídico do Brasil sobre o tema em análise,
destaca-se a inexistência de uma legislação uniforme para regulamentar o pagamento
dessa taxa. Como exceção, tem-se o Estado do Rio de Janeiro, em que há uma
predisposição normativa, a saber, a Lei nº 4.159, segundo a qual “os bares, restaurantes e
similares ficam autorizados a cobrarem de seus clientes, 10% (dez por cento) do valor da
despesa a título de gratificação dos garçons, barmen e maitres”.11
Entretanto, a tênue problemática reside na inexistência de uma legislação, em
âmbito nacional, no tocante à obrigatoriedade do pagamento dessa taxa. Sendo assim,
embora haja esse preceito normativo para os cariocas e mais alguns outros estados
brasileiros, há, ainda, outros estados em que vários problemas decorrem dessa lacuna
normativa. Evidencia-se, portanto, a necessidade premente de instituir uma lei federal para
regulamentar, de fato, essa temática e extinguir com as divergências sobre o
comportamento correto a ser adotado frente à tais cobranças.
Enfim, chega-se a outra dúvida, tão mais importante que a primeira: é permitida a
cobrança, por parte dos bares e restaurantes, em requerer os dez por cento sobre a
consumação dos clientes? E quanto aos consumidores, lhes é obrigatório o adimplemento
dessa cobrança?
4 OBRIGATORIEDADE OU NÃO DO PAGAMENTO
Muitas são as empresas fornecedoras de gêneros alimentícios que prestam serviços
envolvendo profissionais como garçom, barmen e/ou maitres e, em suas atividades,
constrangem os consumidores no ato do pagamento ao acrescentarem, nas contas, frases
indicando a cobrança da tarifa dos dez por cento. Alguns desses estabelecimentos, ao
serem indagados a respeito da justificativa pela qual está sendo cobrada essa tarifa, alegam
que estão em conformidade com as Convenções Coletivas de Trabalho.12
Segundo a Consolidação das Leis dos Trabalhadores, especificamente em seu o
artigo 61113, é por meio das convenções que os sindicatos representam as categorias em
questões marcadas por divergências e, objetivando pactuar acordos entre empregados e
empregadores, os seus respectivos representantes sindicais estabelecem critérios para a
realização da cobrança da tarifa em discussão.
Além disso, outro aspecto a ser considerado está no caráter bilateral das relações
trabalhistas, as quais, em função de seu próprio conceito, excluem a inclusão do consumidor
(um terceiro) em suas relações. 14 Por esse motivo, então, embora haja uma exaustiva
regulamentação trabalhista no que concerne à definições sobre a integração das gorjetas às
verbas trabalhistas, a saber, no artigo 457 15 , as destinações dadas por esses valores
aditivos, assim como seus variados fins, competem apenas ao empregado e ao
empregador.
Em outras palavras, o consumidor nada tem a ver com as particularidades
trabalhistas e, isso se traduz, de fato, na impossibilidade de obrigar o cliente a adimplir essa
taxa, pois ele não tem – nem deve assumir - absolutamente nenhuma relação sobre o
vínculo entre empregado e empregador.
Na perspectiva positivista, ao ser cobrado o consumidor pode se negar à efetuar o
pagamento dessa taxa adicional, pois, a própria Constituição Federal lhes confere respaldo
jurídico quando estatui, em seu artigo 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Inclusive, por esse inciso consistir no
Princípio da Legalidade, e, então, ter natureza principiológica, é imprescindível a sua
respeitabilidade quanto à aplicabilidade do Direito.
Diante das explanações apresentadas, faz-se mister ressaltar, novamente, o sentido
etimológico da palavra ‘gorjeta’, segundo o qual, será um adicional concedido aos
profissionais citados pela realização de serviços considerados satisfatórios pelo consumidor.
Ora, a delimitação conceitual da palavra revela, categoricamente, a subjetividade e a
facultatividade dos consumidores.
Desta feita, não há que se falar em regularidade com convenções e sindicatos,
atendimento aos requisitos do Código Consumerista no tocante à publicidade dessa taxa e,
muito menos, na obrigatoriedade de seu pagamento. Em fato, os clientes deverão ter ciência
da possível cobrança dos dez por cento e, em consequência, os estabelecimentos devem
estar atentos às normas desse diploma legal quanto à informação sobre tal tarifa, mas o
pagamento dessa ocorrerá somente se o consumidor julgar exitosa a prestação do serviço
concedido.
5 REALIDADE FÁTICA DOS ESTABELECIMENTOS ALIMENTÍCIOS
Enquanto alguns estabelecimentos buscam atender o consumidor de forma
adequada e dentro do que determinam as normas vigentes, outros optam por usar da
inocência do consumidor – além de sua hipossuficiência - para obter pagamento indevido
por um serviço que não foi prestado, ou, foi prestado insatisfatoriamente.
Nesse sentido, qual seria a forma ideal para que essa cobrança seja realizada por
parte dos estabelecimentos alimentícios? Quais os abusos observados na prática?
5.1 POSTURA ADEQUADA DOS ESTABELECIMENTOS ALIMENTÍCIOS
A maneira ideal para a cobrança dos dez por cento e essa seja efetivamente paga
pelo consumidor é necessário que o estabelecimento informe previamente sobre a
realização da cobrança e o fato dessa ser opcional, assim como também é fundamental o
efetivo préstimo do serviço por um funcionário da empresa (garçom, barmen ou maître) e
sobretudo, que haja a anuência do cliente em pagar o adicional por ter sido bem atendido.
Em conformidade com o Princípio da Informação, presente no artigo 6º, inciso III, do
CDC, o consumidor tem direito à “informação adequada e clara sobre diferentes produtos e
serviços”. Logo, para se adequar a essa norma, o estabelecimento precisa informar
previamente ao consumidor e, principalmente, de forma clara, que a os dez por cento
consistem em uma opção, aferida subjetivamente pelos consumidores. Diante dessas
normas, é preciso tornar público essas informações, seja sob a forma de cartazes, ou
mesmo, fixada no cardápio de modo visível com o intuito de evitar que o consumidor seja
surpreendido com uma dívida teoricamente inexistente.
Essa informação pode ocorrer em forma de cartaz, ou mesmo fixada no cardápio.
Então, o consumidor realiza o pagamento buscando reconhecer o serviço que foi prestado
pelo funcionário da empresa. Portanto, deve a empresa buscar garantir a satisfação do
cliente por meio da forma como ele é atendido, uma vez que o não atendimento adequado
resultará no não pagamento por parte do consumidor.
Também deve o estabelecimento alimentício prestar o serviço ao consumidor e não
apenas realizar a venda do produto alimentício. Não faz sentido o consumidor pagar por
uma taxa de serviço, por exemplo, em um restaurante self service, onde o cliente que serve
sua própria comida.
Por fim, se o estabelecimento informar previamente o consumidor e prestar-lhe o
serviço, aquele que está sendo atendido pode julgar que não foi bem servido e optar por não
realizar o pagamento. Ou seja, o pagamento da taxa de dez por cento está vinculado à
satisfação do cliente com o atendimento que recebeu, logo, não cabe nem ao empresário e
nem ao funcionário do restaurante julgar se o atendimento foi digno ou não de gorjeta, essa
decisão é exclusiva daquele que está sendo atendido.
5.2 ATUAÇÃO PRÁTICA DE BOATES, RESTAURANTES SELF SERVICE
Em atinência à cobrança da taxa dos dez por cento, concedidos a título de gorjeta,
fica claro, como já mencionado, que a finalidade do pagamento está centrada no
reconhecimento do serviço prestado pelos funcionários do estabelecimento. Nesse âmbito, é
bastante comum a verificação de casas noturnas e restaurantes self services, por exemplo,
que insistem em cobrar essa taxa, prática considerada um abuso para com o consumidor.
Isso decorre, por óbvio, porque nesses dois exemplos a pessoa providencia, de
forma autônoma, a sua satisfação enquanto cliente, seja indo ao bar pegar bebida ou se
dirigindo para a mesa onde as comidas estão expostas. Na prática, em ambos os casos,
não se indaga ao consumidor quanto ao seu nível de satisfação, apenas há a imposição da
tarifa na conta, o que é um absurdo.
Por lógica, os restaurantes self services não deveriam cobrar esse adicional haja
vista o consumidor estar indo, literalmente, em busca de sua refeição. Ressalte-se, nessa
perspectiva, locais desse tipo em que existe garçom para servir a bebida e, diante disso, há
a cobrança dos dez por cento como se o garçom também tivesse servido a comida.
Não restam dúvidas, nesse caso, que o proprietário, ou minimamente, seu gestor,
está agindo de má fé e enriquecendo ilicitamente, às custas do desconhecimento jurídico da
população. Em verdade, a realidade de alguns bares e restaurantes evidenciam o
comportamento infringente de pessoas que se aproveitam da hipossuficiência de outras
pessoas para configurar uma relação, deveras, onerosa.
6 NOÇÕES DE DIREITO COMPARADO
A vertente do Direito Comparado se igualmente importante aos temas abordados
porque auxilia na assimilação dos comportamentos diferentes das populações do globo
sobre o pagamento dos dez por cento. Em momento oportuno desse artigo, foi revelado o
caráter cultural desse ato, o qual, em função de sua prática reiterada, tornou-se um costume
e, depois, direito.
Na Europa, por exemplo, esse comportamento significava – e ainda significa - uma
atitude nobre, dotada de reconhecimento e gratidão aos serviços prestados pelos garçons.
Em países como Grécia, Itália e Escócia, é hábito arredondar as contas quando há
satisfação do cliente. A Alemanha, por sua vez, não estabelece essa cobrança, porém a
consciência cultural dos alemães é rigorosa ao ponto de, estatisticamente, quase todas as
comandas pagas serem adimplidas com o adicional desse serviço.
Em grande parte dos países europeus impera a facultatividade, isto é, o pagamento
desses adicionais condiciona-se à volição do consumidor. Em outros locais, como a Suíça, o
valor atribuído a esses trabalhadores supera os dez por cento, justamente em nome de uma
cultura e, claro, de um poder aquisitivo mais elevado. Ressalte-se, diante desses pontos,
que outro fator intimamente relativo ao pagamento dos dez por cento é a condição financeira
da população, e, notadamente, tende a pagar melhor as sociedades insertas em nações
com maior Produto Nacional Bruto.
No continente asiático, ao contrário de todas as concepções até então apresentadas,
vigora o entendimento ideal: para eles, ao contrário das aplicabilidades já tratadas, a gorjeta
é cabalmente proibida e, até mesmo, ofensiva. No entanto, é indispensável destacar o
processo de flexibilização ao qual seus países vem se submetendo, tendo em vista a maciça
inserção de empresas multinacionais e turísticas no mercado.
A China, em seu turno, embora seja caracterizada por um regime político fechado,
apresenta uma economia de capital aberto e, diante disso, as políticas econômicas
adotadas pelos seus gestores consente a entrada de empresas multinacionais reprodutoras
de comportamentos sociais. Nesse ínterim, cita-se o poderio das grandes marcas sobre a
mentalidade dos consumidores, de modo que é praticamente impossível, ainda que vigore a
mão de obra chinesa (ou asiática em geral), o posicionamento histórico dos asiáticos quanto
à impossibilidade de realizar tal cobrança.
A ideologia asiática quanto à cobrança dos dez por cento chega a ser ideal, pois,
conforme citado anteriormente, todos os serviços laborais devem ser desempenhados com
êxito, de modo que essa gratificação não é cabível. Conforme citado no ponto 3, quando há
a contratação de um trabalhador e, em contraprestação, lhe é oferecido uma remuneração,
é natural esperar – e cobrar – que essa atividade seja desempenhada com afinco e
sucesso.
Desta feita, cumpre reconhecer como elogiável a educação dos asiáticos no tocante
ao assunto tratado, posto que essa seria a compreensão ideal a ser sugerida para a
formulação de uma legislação. Porém, propor essa conduta normativa, provavelmente, seria
incorrer em um erro jurídico, pois é imprescindível reconhecer o aspecto cultural como
direito. Então, em face desse pagamento ser algo culturalmente enraizado à gênese dos
brasileiros, entende-se pela regulamentação de condutas a serem empreendidas, a saber,
em favor do pagamento voluntário e condicionado à satisfação dessa tarifa.
7 CONCLUSÃO
Em síntese, o estudo presente comprovou a não obrigatoriedade dos consumidores
em pagar os dez por cento relativo aos serviços prestados, especialmente pelos garçons,
tendo em vista que se a gorjeta releva o contentamento do cliente sobre o atendimento
fornecido, há, indiscutivelmente, a subjetividade como elemento norteador dessa tarifa.
Nessa senda, apenas após o devido atendimento, haverá a possibilidade de aferir se
atendeu às expectativas – ou superou-as positivamente – para, então, haver o pagamento
desse adicional. Ressalte-se para tanto, que em decorrência de dispositivos consumeristas
é imprescindível o respeito ao Princípio da Publicidade e, dessa forma, os bares e
restaurantes tem a incumbência de tornar pública a possibilidade de requisição dessa taxa.
Em suma, restou também, como conclusão à temática abordada, a verdadeira
necessidade de elaborar uma lei, com abrangência nacional, para regulamentar esse
entendimento e, por fim, delimitar direitos e obrigações dos cidadãos frente às situações
cotidianas.
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Behavioral And Experimental Economics (formerly The Journal Of Socio-economics), v. 33, n. 6, p.753, out.
2004. 8 Ibde. 9 Ibde., p. 755-756. 10 Art. 457, § 3º - Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado,
como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e
destinada a distribuição aos empregados. 11 Brasil. Lei N. 4159. Rio de Janeiro. 23 set. 2003. Dispõe sobre a cobrança de 10% (dez por cento) sobre as
despesas efetuadas nos bares, restaurantes e similares a título de gratificação aos garçons. 12
GUGLINSKI, Vitor. O pagamento de gorjeta (os famosos 10%) é obrigatório?. Disponível em: <
http://vitorgug.jusbrasil.com.br/artigos/111879039/o-pagamento-de-gorjeta-os-famosos-10-e-obrigatorio>.
Acesso em: 03 mar 2015.
13
Artigo 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais
Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis,
no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.
14 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: Ltr, 2012, p. 527
15
Artigo 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário
devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. § 3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também
aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada a
distribuição aos empregados.
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